03- as noúres - pietro ubaldi (volume revisado e formatado em pdf para ipad_tablet_e-reader)

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  • 8/3/2019 03- As Nores - Pietro Ubaldi (Volume Revisado e Formatado em PDF para iPad_Tablet_e-Reader)

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    AS NORESTcnica e Recepo das Correntes de Pensamento

    I. PREMISSAS ............................................................................................... 1II. O FENMENO ....................................................................................... 14III. O SUJEITO ........................................................................................... 47IV. OS GRANDES INSPIRADOS .............................................................. 58V. TCNICA DAS NORES .................................................................... 105VI. CONCLUSES ................................................................................... 138

    Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse) .................................................... 148

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    Pietro Ubaldi AS NORES 1

    No sabemos seno em razo da nossafaculdade de recepo.

    PITGORAS

    I. PREMISSASCada sculotem uma caracterstica dominante que lhe prpria, especiali-

    zando-se numa criao particular que parece a razo de ser desse tempo; e justamente o produto dessa criao que sobrevive, transmitido aos sculosporvindouros. O nosso o sculo dos nervos. Parece at que nossos pais noos possuam; pelo menos, assim nos aparecem em sua vida sem agitaes, emsua calma, que ns j no conhecemos nem quando repousamos, tanto que,

    frequentemente, nos acreditamos enfermos; mas, ento, todos estamos doentes.Os nervos, porm, no so apenas irritabilidade, inquietude, insaciabilidade;no tm, felizmente, s o aspecto visto pela cincia o pseudopatolgico daneurosemas possuem uma face ainda no percebida, o aspecto evolutivo deuma nova criao biolgica: o psiquismo.

    Em nossa poca atual, o tipo humano est deslocando sua funcionalidadedo campo muscular para o campo nervoso e psquico. Algures, desenvolvi estetema, mas devo agora a ele voltar, porque, se ele representa o terreno sobre oqual se apoia nossa vida, no qual se agita nossa luta e se realiza nossa conquis-ta, tambm o cenrio em que se enquadra e se justifica o problema presenteneste volume de ultrafania1. No se trata, portanto, de um fenmeno casual,mas sim de um momento substancial e logicamente situado no curso da evolu-o biolgica e das ascenses espirituais humanas. No caso especfico da me-diunidade, no poderia deixar de influir a repercusso daquele caso geral, oqual condiz com o momento de acelerado transformismo atravessado hoje, em

    nosso planeta, pela evoluo biolgica, que, alcanando sua mais elevada fasehumana, afaina-se febrilmente em torno de sua mais excelsa criao.E a mediunidade, modificando-se com o transformar-se de todas as coisas,

    devia primeiramente tornar-se na mais evidente manifestao da alma humana.No cenrio do mundo atual, a mediunidade apresentou-se, atravs da observa-o cientifica, sob a forma de mediunidade fsica, de efeitos materiais, com

    1

    Ultrafania: de ultra, lat. alm, e fania (faneia), grego: luz. Ultrafania: luz do alm, doplano espiritual superior, produzida pelas nores (correntes de pensamento) (N. do T.).

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    Pietro Ubaldi AS NORES 2

    caractersticas musculares, tais como eram as manifestaes predominantes doesprito humano nas grandes massas, at o nosso sculo; hoje, no entanto, elatornou-se ultrafania, que, sendo evolutivamente mais desenvolvida, uma me-diunidade superior, de efeitos psquicos. Uma vez que tudo evolve e que a

    evoluo nunca se processou to vertiginosamente como hoje, a mediunidadetambm deve conhecer sua ascenso. De quanto isso verdadeiro, tambm porminha ntima e profunda experincia, direi mais adiante.

    Desse modo, at hoje, a mediunidade tem evoludo, superando em muitos ca-sos a forma fsica de manifestaes materiais e alcanando a forma psquica demanifestaes intelectuais. E tanto, que a primeira forma se apresenta aos nos-sos olhos, agora mais experimentados e mais habituados a examinar o mistrio,como qualquer coisa cada vez menos assombrosa e menos probatria. Cada vez

    mais se dissipa a mania do maravilhoso. Nossa crescente sensibilidade analticavai tendo sempre menos necessidade do choque que o prodigioso provoca. Cadavez menos nos abala o espetculo das levitaes, dos apports, das manifesta-es acsticas, ticas e tteis. Enquanto tudo isso deixado experimentaocientficaque, de resto, j h decnios se move sempre no mesmo crculo, doqual parece no saber sair nem para concluir nem para progredira mente hu-mana pede um alimento mais substancial, um contato mais elevado, uma nutri-o conceptual que a sustente diretamente. E eis-nos em plena ultrafania.

    Cada um sente, mais ou menos distintamente, em meio transtornante ex-ploso de uma nova sensibilidade nervosa e espiritual, entre mpetos de ner-vosismo e irritabilidade (os quais, embora erroneamente considerados pato-lgicos, so, ao invs, um novo modo de sentir, que, j no suportando asvelhas formas da vida, impe novas), revelar-se em si o fenmeno, que, emmeio a estas escrias e desvios, substancial, constituindo uma nova capaci-dade de sentir o pensamento, de perceber distncia. E tudo isso j no se

    perde no fantstico, mas aparece como intuio, constituindo uma real ante-cipao do futuro estado de ser humano hipersensvel, que lhe permitetransmitir e registrar correntes de pensamento (nores2), fazendo-o relacio-nar-se com seres que, embora paream irreais, por serem imateriais, estovivos e presentes, porque sabem dar de si manifestaes aos nossos maissensibilizados e aperfeioados meios perceptivos.

    2

    Noresneologismo formado de dois elementos gregos: nous (pensamento, esprito, inteli-gncia) e rho (correr, fluir). significando, pois, correntes de pensamento (N. do T.).

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    Pietro Ubaldi AS NORES 3

    O tema que vou desenvolver, se pode parecer avanado para os nossos dias,ser de domnio cientfico amanh, sendo tambm de interesse atual para agrande maioria, que apenas comea a se agitar. E tal agitao ocorre porque inegvel a necessidade de um retorno ao esprito. No se trata de um retorno

    apenas como reao ao materialismo, no um simples reflexo de cansao emface de uma orientao que se mostrou impotente, com seus meios e mtodos,para chegar a uma concluso. Trata-se de uma retomada em cheio, como ja-mais arrostada na histria, empregando as armas de uma cincia aguerrida deexperincias; trata-se de uma revoluo que, trovejando, avana das profunde-zas do esprito, querendo saber e deliberar, a fim de guiar-se conscientementena vida. E esta palavra esprito transporta-se das igrejas e das religies,para surgir francamente no grande ambiente social, vibrando na poltica, nas

    instituies, nas leis, nas crenas e nas obras do mundo.Paralelamente, o fenmeno ultrafnico se aprimora e se vigoriza. Este pe-

    rodo ps-blico (embora seja difcil o juzo para quem est imerso na pr-pria poca) indubitavelmente grande na histria, pois traz uma febre decriaes universais, que, apesar das resistncias e lutas, preparam-se paralanar as bases de uma nova civilizao. Nesta nossa poca surge a ultrafa-nia, como manifestao de fora espiritual, agindo em colaborao com asforas superiores que guiam o mundo em sua atual laboriosa ascenso. Nestaagitao geral, que fragmentao e restaurao de pensamento, parecematuar tambm as correntes de pensamento que circundam o ambiente huma-no, intervindo ativas e operosas, para guiar e iluminar. natural que umadeslocao de foras psquicas excite outras deslocaes, porquanto nada isolado no universo. Os fenmenos das foras psquicas obedecem s mes-mas leis de coordenao e de equilbrio a que obedecem tambm os fenme-nos da matria e das foras inferiores. E natural que a vida a qual jamais

    pode extinguir-se, pois isso seria um absurdo lgico e cientficocomova-see desperte, at nas suas formas imateriais, quando percutida pelo eco dasvicissitudes humanas, que naquela imaterialidade continuam e se completam.

    Ento, pela convergncia de duas foras: a sensibilizao da conscinciahumana, superando os ltimos diafragmas, e a atrao dos altos centros depensamento, que se voltam para a Terra por lei de equilbrio, de bondade e demisso, a ultrafania assume o poder de grande inspirao, ativa e consciente. Ofenmeno medinico eleva-se ainda mais. Deixamos atrs a mediunidade fsi-

    ca. Superamos a mediunidade de efeitos intelectuais que se manifestam na

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    Pietro Ubaldi AS NORES 4

    inconscincia do mdium, cujo eu adormecido e momentaneamente elim i-nado. Falarei, neste volume, de um tipo de mediunidade intelectual ainda maiselevado, uma mediunidade inspirativa consciente, operando em plena luz inte-rior, onde o sujeito receptor conhece a fonte, analisa-lhe os pensamentos, as-

    semelha-se e sintoniza-se com ela, buscando-a pelos caminhos da afinidade;mediunidade ativa, operante, fundida no temperamento do indivduo, comoemanao normal de sua personalidade; mediunidade a tal ponto lmpida noseu funcionamento, na conscincia deixada em seu estado normal, que pos-svel, atravs de um exame introspectivo, realizado racionalmente, com oscritrios cientficos da anlise e da experimentao, reconstituir a tcnica dofenmeno inspirativo, tendo por base fatos e estados vividos, deduzidos dire-tamente da observao.

    Com esta definio realista do problema, a hiptese e a afirmao gratuitade que o pensamento registrado pela mediunidade inspirativa provm do sub-consciente humano so automaticamente excludas, porquanto todos os fatosque tenho vivido em mim e objetivamente notado como observador imparcial,falam em sentido completamente diverso. Tal hiptese no merece, portanto,uma refutao explcita. Assim a anlise de todo o desenvolvimento da tcnicado fenmeno seguir precisamente com referncia a uma fonte por completodistinta da conscincia do mdium receptor.

    O mundo do alm aparecer to vivo atravs da descrio de minhas sensa-es, que adquirir o carter de uma realidade cientfica. Como v o leitor, nofao aqui minha exposio com bases em indagaes tericas, no me refiro aopinies ou interpretaes alheias e no me interessa alardear erudio. Toco ofenmeno com as mos e relato aquilo que me disseram minhas sensaes eminha experincia direta.

    Saio cheio de impresses ainda recentes de uma experincia novssima. Em23 de agosto de 1935, s 11 horas da noite, acabava de escreverA Grande Sn-tese, em Colle Umberto, Perusa, na torre de uma casa de campo, na mesmapequena mesa onde quatro anos antes, no Natal de 1931, noite alta, havia ini-ciado a primeira das mensagens de Sua Voz.

    Quatro anos de superproduo intelectual, de intenso drama interior, de hi-pertenso, de sublimao psquica, de sublimao espiritual, emergindo dacinzenta monotonia do magistrio, esforo dirio que me imposto no cum-

    primento do dever de todos, de ganhar a vida com o prprio trabalho.

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    Pietro Ubaldi AS NORES 5

    Quem me sustentara no rduo trabalho de uma to intensa produo? Umaf profunda se assenhoreou de mim, arrastando-me com uma febre de alts-sima paixo. Este o segredo da afirmao de um escrito3: hav-lo, antes detudo, vivido profunda e intensamente, de modo a fazer dele o espelho de uma

    fase da vida; haver nele todo lutado e sofrido, conceito por conceito, e ofere-c-lo vibrante como a alma, palpitante como foi o fenmeno interior que ogerou. O leitor sente, embora inadvertidamente, esta sinceridade e alegra-seem poder satisfazer o instinto humano de mergulhar nas profundezas do mis-trio de outra alma. Naqueles escritos, no ofereci o produto de estudos exte-riores minha personalidade e dela separveis; pelo contrrio, dei-me total-mente, qual hoje sou, na fase de maturao que atingi no meu caminho evo-lutivo. E, expondo aqui, sem disfarce, as profundas vicissitudes de uma alma,

    substancialmente relato a histria do esprito humano, na qual o leitor seachar mais ou menos a si mesmo. Narro o eterno drama das ascenses hu-manas. Anatomizo, refletido no meu caso particular, mas concreto e vivido, ofenmeno csmico, que de todos.

    Se aqueles escritos tm uma histria prpria, exterior e visvel, que facil-mente pode ser encontrada na imprensa e que no oportuno repetir, existe, noentanto, toda uma histria interior, que eu vivi no silncio e na solido, a hist-ria da maturao do meu esprito, para que pudesse atingir este momento talvez esperado e preparado h milniosde sua maior realizao.

    til conhecer esta histria interior, tanto quanto a exterior, para que sepossa enquadrar o fenmeno da recepo inspirativa e das nores, de quenos ocuparemos agora, no qual intervm elementos morais, espirituais ebiolgicos. Trata-se de um fenmeno complexo, cuja soluo implica a so-luo dos mais vastos problemas do universo, no podendo, por isso, serisolado de todos os fatores e elementos concomitantes. um fenmeno con-

    creto, inseparvel do fato qual eu o vivi, no sendo possvel reduzi-lo, semmutilao, estrutura linear de uma simples hiptese vibratria de transmis-so e recepo de ondas.

    Este o meu caso, portanto dele no posso prescindir. Se particular (edo particular ascenderemos, atravs dos fatos, ao geral), tambm real, per-tencendo em grande parte categoria dos fenmenos controlveis pelo m-

    3

    O autor se refere a A Grande Sntese, escrita de 1932 a 1935, durante os breves perodos defrias escolares do Prof. Ubaldi (N. do T.).

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    Pietro Ubaldi AS NORES 6

    todo objetivo da observao. Creio que seja meu primeiro dever ater-me aessa realidade objetiva.

    Objetividade na fria anlise cientfica, mas profundidade de introspecosimultaneamente, para penetrar e solucionar este mistrio do supranormal

    que tenho vivido. Estas confisses, que devo fazer porque vo permitir acompreenso daqueles escritos, aclaram o fenmeno e podem, portanto, serteis a essa nascente cincia da alma, que , eu o sinto, a cincia do futuro.Estudo imposto pelo dever, embora possa parecer autopromoo; estudo di-fcil, porquanto o supranormal foi mal compreendido pela cincia, que o querrelegar ao patolgico, confundindo-o com o subnormal; estudo no bem in-terpretado pelo pblico, que, no vrtice totalmente exterior da vida moderna,ignora completa ou quase completamente esta segunda vida do esprito, no

    sabe ver bem e desfigura o problema, porque o enxerga de um plano deconscincia diverso e inferior. Difcil estudo este, porque nenhum auxlio mepode chegar do mundo dos homens; porque o saber terrestre no sabe daruma direo em meu caminho ou dizer algo que me d a soluo destes pro-blemas; mas difcil principalmente em si mesmo, porque o supranormal, atnos momentos excepcionais em que se revela mais poderosamente, parecequerer esconder-se nas vias de ordem natural, como se o esforo de exceoque supera o comum fosse continuamente detido, refreado e encoberto pelalei universal, que quer parecer invarivel.

    Nada estou pedindo aos meus semelhantes. Sei que nada tm para me dar.Estou s e sozinho permaneci diante dos maiores mistrios, de que nem ao me-nos suspeitam. Tenho vivido de ousadias, de prostraes, de lutas e de vitrias,dramas que quase nunca encontro em meus semelhantes, cujos espritos meuolhar tem examinado por toda parte. Sou feito de dor e no aceito, no queropara mim, triunfos humanos, sendo assim no por mrito meu, mas porque,

    espontaneamente, o centro de minhas paixes se encontra distante das coisasterrenas. Tenho amado, estremecido e sofrido sozinho, diante do infinito, numasensao titnica de Deus. Tenho agarrado pela garganta as inferiores leis bio-lgicas da animalidade, para estrangul-las e super-las. Tenho vivido minhasafirmaes como realizao biolgica, antes de formul-las em palavras.

    Sob as aparncias de uma vida simples e uniforme, tenho vivido as grandestempestades do esprito humano e j me habituei a olhar, sem tremer, nas pro-fundezas vertiginosas do infinito. por isso que posso empreender o estudo

    do fenmeno inspirativo sem profundos sinais de cultura preexistente, sem

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    preconceitos ou referncias, com a alma solitria e nua diante do fenmeno,livre e independente de qualquer ideia humana, tranquilo e virgem de esprito,como na aurora da vida.

    Bem sei que o mistrio cientfico protegido pelas foras da Lei e, algures,

    j disse o porqu

    4

    . Estou, porm, acostumado a violar essas protees; direimelhor, acho-me em particularssimas condies, na minha fase evolutiva, deextrema sensibilizao perceptiva, que me possibilitam sentir alm do limiteestabelecido e no supervel pelo mtodo racional e objetivo da cincia mo-derna. Conheo esse mtodo, conheo a sufocante psicologia dos chamadosintelectuais de profisso, da cultura que repete eternamente o passado, quecomenta e analisa, que nada cria, que pesa e mata o esprito.

    Estou nos antpodas. Detesto a bagagem embaraante dos conhecimentos

    elementares e considero um crime desperdiar energias psquicas para arma-zenar e conservar o que deve ser confiado s bibliotecas. Sou livre e devo s-lo, para poder voar leve e rpido, destilando intelectualidade, no como esma-gadora mole de sabedoria, mas num sentido de orientao, que possa cingirtodos os conhecimentos humanos, como a vista domina as coisas.

    Do Natal de 19315 at agosto de 19356, decorreram quatro anos nos quaisafloraram em meu esprito, progressiva e metodicamente, profundos estadospsquicos, aps lenta incubao, culminando na maturao de minha persona-lidade eterna. Exporei, porque necessrio compreenso do fenmeno inspi-rativo por mim vivido, os estados psquicos que precederam este perodo e queconstituram sua preparao; exporei, em seguida, a maturao clara e ativaem mim de uma nova psicologia, bem como a produo que a continuou, ex-plicando como, sem qualquer preparao volitiva e consciente, abandonando-me a esses estados de esprito at ento desconhecidos por mim, pude eu de-senvolver um trabalho intelectual correspondente a um plano lgico de desen-

    volvimento, ao qual no se pode negar uma ideia diretiva, uma proporo departes e meios em face de um alvo conhecido e desejado, mas desde o princ-pio estranho minha conscincia habitual.

    cientfico colocar o fenmeno no seu ambiente. necessrio fazer prece-der esta parte descritiva outra, em que me aproximarei da substncia do fe-

    4 VerA Grande Sntese, Cap. XLIII, As novas sendas da cincia (N. do T.) .5 Data da 1a dasMensagens Espirituais (N. do A.).6

    Fim da composio de A Grande Sntese. Sua 1a

    edio foi publicada em fascculos pelarevistaAli dei Pensiero de Milo, de janeiro de 1933 a setembro de 1937 (N. do A.).

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    Pietro Ubaldi AS NORES 8

    nmeno, para explicar-lhe a essncia e o funcionamento, at que desponte acompreenso do tpico fenmeno inspirativo.

    Naquela noite de agosto, uma fase de minha vida se encerrava. A vida verdadeiramente um caminho, e, nas vicissitudes de cada dia, a alma elabora o

    seu destino. A vida uma deslocao contnua do ser no tempo. No se enten-da este, no entanto, como ritmo de movimentos astronmicos, redutveis hanos, dias etc.; isso no seno a medida exterior do ritmo, convencional ecmoda. A substncia do tempo o transformismo fenomnico, que, no mun-do humano, evoluo da vida e do esprito. Percebo que deve soar estranha-mente a expresso desta minha psicologia interior neste nosso mundo hodier-no, todo projetado para o exterior, onde as criaturas tendem a olhar para asoutras, e no para si mesmas. Hoje, esse meu tempo est cumprido. Aqueles

    escritos se espalharam pelo mundo.Naquela noite de agosto, eu me encontrava s. Distante, a famlia vozeava

    em torno da mesa de jantar. Minha filha me chamava do terrao: Papai, vembrincar!. Mais longe ainda, fazia-se o imenso silncio do campo adormecido.O mundo no via e no compreendia. Eu estava s.

    A ideia tem seu ritmo de divulgao, deve vencer obstculos psicolgicos eprticos, canalizar-se pelos caminhos da imprensa, superar como fora a inr-cia psquica do ambiente, enxertar-se nas correntes espirituais do mundo. Umavez, porm, desfechada a centelha do pensamento, a ideia uma fora lanadae, como o som e a luz, caminhar sozinha, tendendo a difundir-se na proporoda potncia do centro gentico, multiplicando-se por ressonncias infinitas nocorao dos homens. A lei de todas as coisas marca o ritmo tambm deste fe-nmeno, que deve ter o seu tempo.

    Estava sozinho naquela noite, em face do fato consumado, da obra7 qualme havia dado totalmente, dando meu eu maior, qual sou na eternidade.

    Tremia diante de uma viso imensa, completa finalmente agora, diante de umpensamento titnico que me havia redemoinhado durante quatro anos, numatempestade sobre-humana, no percebida exteriormente. Exultava pela realiza-o da satisfao de um profundo instinto biolgico, preparado em minha eter-na evoluo, instinto inconsciente e absoluto como o de uma me que d avida a seu filho. Sentia haver tocado, finalmente, um vrtice de minhas ascen-ses, sentia haver obedecido e triunfado ao mesmo tempo, cumprindo minha

    7A Grande Sntese (N. do A.).

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    misso e funo de cidado do universo, inclinando-me ao comando da grandelei de Deus. A flor, fecundada por uma vida de sofrimentos, havia nascido; euno vivera, por conseguinte, nem sofrera tanto em vo. Minha vida, to difcil,havia dado um fruto que a valorizava, minha paixo incompreendida pudera

    explodir-se na criao de uma obra de bem. Ao meu corao, que havia supli-cado simpatia e compreenso, apelo ao qual o mundo no quisera responder,respondeu uma voz do infinito. Essa voz me tomou pela mo, guiando-mepelos caminhos do mistrio, ajudando-me a ascender a novas fases de consci-ncia. Deu-me a viso deslumbrante da Divindade. Inebriou-me com o cnticodas grandes leis da vida. Fez-me sentir o princpio das coisas. Maravilhou-mecom a sensao do choque das foras csmicas. Aniquilou minha naturezahumana e me fez renascer numa natureza superior, numa vida mais alta, na

    qual eu chorava, cantava e amava em harmonia com todas as criaturas irms.Despertei de um sonho maravilhoso, potente e dulcssimo, de um xtase

    profundo, cuja recordao no se apaga, para descer novamente triste reali-dade humana. Minha viso seria mais tarde compreendida e sentida por ou-tros. Mas eu a vivera, primeiramente, na forma do contato mais imediato, porsensao direta, sem leitura e sem palavras, sozinho, com aquela voz, disper-so numa magnificncia nica de beleza, sob um poder de conceito esmaga-dor, num mpeto de paixo arrasador, arrebatado a um grau supremo de su-blimao de todo o meu ser. Eu havia vivido todo aquele escrito, como con-cepo e como drama, como sensao e como paixo. Cada palavra, cadapensamento havia transformado uma gota de meu sangue, havia arrancadoum pedao de minha alma. Naquela noite, olhava para mim mesmo estupefa-to, corpo exnime, mas revigorado de eterna mocidade no esprito. Exultantee prostrado, olhava aquele livro, sado de minha pena, no sei de que res-plandecente fonte, atravs de minha alma extasiada; aquele livro escrito sem

    premeditao e sem preparao, to estranhamente desejado pelo destino. Eperguntava a mim mesmo se ainda estava sonhando ou se estava louco; amim mesmo perguntava que significavam essas coisas maravilhosas paraminha vida e para a vida do mundo. Olhava a obra concluda, qual foraloucamente lanado por um impulso mais forte do que eu e a qual havia le-vado a termo sem saber e sem desejar, porque um centro, diverso da minhaconscincia normal, sabia e desejava por mim.

    Naquela noite, eu senti, transfundido em mim, o poder de quem comprimiu

    o universo num monismo absoluto, de quem encontrou o caminho das causas

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    Pietro Ubaldi AS NORES 11

    quanto puder, pois, a um dado momento, se quisermos resolver este problemadas nores, terei de abandonar este mtodo de cegos e surdos, para lanar-meao corao do problema com o mtodo intuitivo. Estou colocando minha alma,novo holocausto de mim mesmo, na mesa de anatomia da cincia, para que o

    bisturi desapiedado da observao lhe sonde o interior, no importa quais se-jam as concluses. Depois, e melhor do que eu, outros se daro ao esforo daanlise e tomaro a responsabilidade de um juzo.

    Considero, porm, aps a compilao dos escritos8, dever meu este denarrar, descrevendo sinceramente o que senti e vivi, mesmo se me enganas-se, mas eu mesmo devo faz-lo embora este meu novo esforo possa pare-cer objetivar outros fins porque s eu posso saber e dizer com exatidomuitas coisas que os outros no podero jamais deduzir seno atravs de

    minhas declaraes.O leitor, porm, compreende o absurdo de qualquer mentira para atingir

    mesquinhos objetivos humanos, porquanto minhas palavras revelam, evi-dncia, quo distante do humano o mundo em que me agito; o leitor com-preende como a sinceridade necessria em meu trabalho e como seria ab-surdo usar o infinito, em que eu tenho vivido, a servio do finito, dos peque-nos propsitos humanos.

    Por isso no tenho sentido este novo escrito seno como um novo dever.Proponho-me, pois, fornecer os dados do modo mais objetivo possvel, para oestudo do fenmeno deste meu particular tipo de mediunidade e especficosistema de conceber e escrever, o que ser, pelo menos, um exemplo interes-sante para os anais biopsquicos. A obra a est, como fato concreto, analisvelcomo construo de pensamento e produto do fenmeno.

    Aqum, no entanto, desse resultado, processou-se toda uma transformaoe maturao de minha personalidade, havendo um imenso mundo meu, cuja

    descrio necessria, para esclarecer a origem e fazer compreender a ntimanatureza do escrito, no acessvel, certamente, primeira vista, principalmenteporque, de um modo geral, ele ser acareado justamente com a psicologiachamada normal, que est muitssimo longe de possuir os meios de intuionecessrios para penetrar a substncia fenomnica ou descer a profundidades.

    8A Grande Sntese (N. do T.).

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    Pietro Ubaldi AS NORES 12

    Ser tambm esta a histria de uma alma, e o leitor ir v-la agitar-se palpi-tante de novas paixes; ser espectador de um intenso drama espiritual, noqual se movem vivas as foras e os princpios das leis csmicas.

    Procurarei comunicar a minha sensao do fenmeno, fazendo sentir co-

    mo vibraram em mim essas foras do esprito, que to frequentemente esca-pam percepo comum e que muitos negam, porque no sabem senti-las.Procurarei fazer viver esta nova vida muito maior que eu tenho vivido, este

    rapto dos sentidos que me tem dado a sensao do paraso e que me permitiu,demoradamente, ausentar-me da pesada atmosfera terrestre. Existe tambm,em tudo isso, algo de supremamente fantstico e aventuroso, embora conduzi-do com seriedade cientfica.

    Aqui est todo um ser que, movimentando corao e inteligncia num es-

    pasmo de humanidade e de super-humanidade, no pode deixar de despertarressonncias em outras almas. E aqui so postos de frente os mais graves pro-blemas da psique e do esprito, dessa superdelicada cincia do futuro, em quese fala de ondas-pensamento, de ressonncias intelectivas, de captao de cor-rentes psquicas, de atraes e simpatias entre os mais distantes centros vibra-trios do universo.

    Aqui se defronta um novo mtodo de pesquisa cientfica por intuio e umanova tcnica de pensamento, que circunda os problemas por espiras concntri-cas, comprime-os em ngulos visuais progressivos, afronta-os por vises deconcepo polidrica, aproximando-se sempre, cada vez mais, de sua ntimaestrutura, at desnud-los em sua essncia.

    Problemas cientficos profundos, do futuro, que eu antecipo e investigo pa-ra resolv-los. Existe complexidade, riqueza de aspectos e, simultaneamente,um frescor de verdade no fenmeno, que, por ser apresentado como realidadevivida, interessa no s ao cientista, mas tambm ao filsofo e ao artista. No

    momento das concluses, eu saberei ascender minha psique de intuio earrojar-me com ela ao mistrio, que no poder resistir-me.No fenmeno h tambm um lado mstico e religioso, porque ele se reali-

    zou numa atmosfera de f intensa e de graa espiritual; existe nele um amorque, sendo todo dirigido para o Alto, como no misticismo, pode recordar,embora muito de longe (perdoem-me a recordao), o amor sentido por SoFrancisco no Verna.

    Para compreender-me, seria necessrio saber como vivo, como penso, co-

    mo sofro e como amo.

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    Pietro Ubaldi AS NORES 13

    absurdo estudar os fenmenos abstratamente, separados da atmosfera emque nasceram e se desenvolveram. A realidade nos apresenta casos concretosque, para serem verdadeiros, devem ser particulares. Se queremos tocar com amo uma realidade, devemos deter-nos no particular. , porm, no particular

    do meu caso que irei encontrar as leis gerais do fenmeno inspirativo, comunsa muitos outros casos que observarei ao lado do meu.O mundo tem necessidade destas revelaes ntimas. Pelo menos, a literatu-

    ra se enriquecer de algo verdadeiro, vivido, substancial, e isso j muito. Omundo precisa destas afirmaes de espiritualidade, necessita de quem, emtempos de materialismo e egosmo desenfreados, grite a grande palavra daalma; de quem, em tempos de apatia e indiferena, d exemplo de f vivida; dequem, em forma cientfica e moderna, repita as grandes verdades esquecidas.

    Tudo isto vida, vida de esprito, a mais possante e a mais intensa que se pos-sa imaginar. Se, em lugar de usar os termos vagos das religies, precisarmosos problemas da alma, analisando-a e anatomizando-a, ento a determinaoem pormenores do aspecto de tais fenmenos no poder seno reforar osprincpios, assim como, atualmente, a presena dos aparelhos radiofnicos nopermitir maioria duvidar da existncia das ondas hertzianas.

    Aqui prossigo em minha luta pela afirmao do esprito, a nica coisa queme tem parecido digna de valorizar uma vida, luta que considero, doravante,como misso.

    Luto para que estas realidades mais profundas sejam vistas; para que estasconcepes, altamente benficas individual e socialmente, desam vida decada dia e lhe comuniquem aquela esperana e aquele sopro de f to neces-srios, sobretudo nas penas do trabalho e da dor. Este ser um romance degnero novo, um drama superlativo no qual se acossam as vicissitudes deminha alma.

    Tenho vivido intensissimamente e ainda tenho muito para dizer. Criei o h-bito de quem tem pressa, buscando dizer tudo do modo mais simples, maisbreve, mais sincero.

    Nestas pginas, nasceu em mim um fio de pensamento, que tomou uma di-reo e se desenvolve. No sei aonde ele poder chegar. Segui-lo-ei e convidoo leitor a segui-lo comigo. Assim comeo.

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    Pietro Ubaldi AS NORES 14

    II. O FENMENO

    Senti e observei em mim a marcha do fenmeno em seu desenvolvimentointerior e exterior, havendo ele, assim, permanecido individuado no seu as-

    pecto dinmico

    gnese, desenvolvimento e plenitude at alcanar seuproduto concreto: o pensamento fixado em escritos, que so o documento,sempre suscetvel de observao, ltimo termo do fenmeno, o resultadodefinitivo do processo terminado.

    Esta cronistria pessoal, embora necessria compreenso do fenmeno, jfoi por mim relatada, e no me cabe repeti-la aqui. Vamos observar agora ofenmeno, no mais no seu desenvolvimento no tempo, mas sim em sua pro-fundidade, para pesquisar-lhe e descobrir-lhe a tcnica, isolando-a num dos

    momentos culminantes e mais intensos: a recepo da minha ltima obra.Minha tarefa e meu mtodo so objetivos; anatomizo em diversas sees,

    trabalhadas primeiro longitudinalmente, na direo do tempo, e depois verti-calmente, em profundidade. O leitor compreende que a recepo, tendo-seestendida por trs veres9, implica necessariamente na repetio de normasconstantes, consuetudinrias, significando a formao de um verdadeiro m-todo receptivo.

    minha tarefa, agora, descrever as condies de ambiente e de esprito exi-gidas, os estados psquicos vividos, o comportamento de meu ser fsico e ps-quico, considerado como meio para manifestao do fenmeno, apresentandode forma precisa todos os fatores que para o mesmo possam ter concorrido.

    Tudo isso, para individuar as caractersticas, definir o tipo e, finalmente,encaminhar-nos ao descobrimento da lei daquele fenmeno. Operarei induti-vamente, pelo menos nas primeiras fases da pesquisa, remontando dos efei-tos s causas, do particular ao geral, do relativo ao princpio das coisas.

    Quando este mtodo no mais for suficiente para resolver os problemas, eume transporei, num voo, ao mtodo da intuio, de modo que o leitor possav-lo aqui, no apenas descrito, mas tambm operante na soluo das ques-tes mais complexas.

    O tipo de inspirao emotiva, em mim, diferente do tipo de inspiraointelectiva. Minha mediunidade, verdadeira funo de vida, no fenmeno

    9

    A Grande Sntese, iniciada em 1932, foi escrita nos trs veres de 1933, 1934 e 1935(N. do A.).

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    Pietro Ubaldi AS NORES 15

    de tipo imvel, mas se transforma com a minha evoluo. No primeiro caso,so mobilizados os centros nervosos afetivos do corao; no segundo, oscentros nervosos intelectivos do crebro. Atravessando estes dois tipos deinspirao, vivi em dois centros de vida distintos, nos quais se condensavam

    todas as minhas sensaes.No insisto no primeiro caso, que particular aos msticos, pois a produoresultante dele, mesmo seguindo um desenvolvimento lgico, no um verda-deiro organismo conceptual. Isso pode deixar duvidosa a cincia, porquanto oeu se expressa nos vagos termos do sentimento, podendo fazer os cticosacharem facilmente um modo de introduzir na interpretao um despertar deestados de subconscincia, com distoro e translao de imagens psquicas, econclurem, finalmente, com o patolgico da neurose. No me refiro, natural-

    mente, a quem cr, sente e raciocina. Conheo bem, no entanto, o contrrio,dado pela mentalidade preconceituosa de certa cincia catedrtica e oficial, sen-do esta qual me aludo.

    Agora, quando nos achamos diante de um tratado no qual o sentimento relegado a plano secundrio, enfrentando-se e resolvendo-se problemas queaquela cincia provou ser incapaz de resolver, pelo fato de, por concepesarbitrrias, situ-los como absurdo, esta mesma cincia no poder refugiar-se muito facilmente na hiptese do patolgico. Assim, o fenmeno medini-co inspirativo, revolucionando como mtodo de pesquisa o passado, no po-der seno resplandecer em toda a sua beleza. Se me abandono em certosmomentos ao meu lirismo, no mpeto das impresses, ele sempre circuns-crito e controlado por uma fria razo, que constitui minha garantia, sendosempre refreado por uma subverso de psicologia, rpida e instintiva emmim, pela qual sou levado a ver de cada ideia o seu contrrio, para demolircom a psicologia destruidora do ceticismo cientfico o que no bem firme.

    A fuso entre f e cincia, to auspiciada, j se completou em meu esprito,tendo-se tornado uma viso nica em substncia. Assim, passo de uma paraoutraunicamente por uma mudana de perspectiva visual ou de focalizaode meus centros psquicos.

    Abaixemos, portanto, as luzes e entremos no templo do pensamento. Va-

    mos penetrar num mundo de vibraes delicadas, de formas fugidias, que opensamento cria e destri; mundo de fenmenos evanescentes e sutis, no

    entanto reais.

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    Pietro Ubaldi AS NORES 17

    noite, aproximadamente dez horas. um tima hora, na qual minha ca-pacidade receptiva se intensifica, estendendo-se at cerca de 1 h da madru-gada, quando ela diminui ento, por cansao. Existe um antagonismo entremeu pensamento e a forte radiao solar; parece que a luz embaraa minhas

    funes inspirativas, neutralizando as correntes psquicas pelas quais soucircundado. Amo as luzes tnues, difusas, coloridas, que deixam vaguear osobjetos nos contornos indefinidos da penumbra.

    Conforme j li, quando Chopin improvisava, ele fazia baixar as luzes e pro-curava a nota azul, que devia ser a nota de sintonizao entre sua alma e ado pblico.

    No meu caso, o pblico est materialmente distante, mas espiritualmentepresente e prximo, e eu o sinto, imenso, estrondeando mil vozes: a alma do

    mundo.Minha solido est cheia dessas vozes, constituindo um oceano sem limites,

    que sobe em mars, ruge na tempestade, submerge-me e levanta-me em seusvagalhes. Depois se aquieta e escuta, vencido por essa potncia de pensamen-to que me arrasta.

    Em minha sensibilidade, o pensamento adquire o poder do raio, as correntesespirituais do mundo so tangveis e essas foras sutis so reais. Entre elas,vou avanando e navegando com destreza.

    No princpio, sinto-me extraviado, sozinho no vcuo, e imploro apoio moral,consentimento, confiana. Peo s menores harmonizaes do ambiente o pri-meiro auxlio para o impulso; peo para ser encaminhado a uma cadeia de sim-patias humanas, que funcionem como crculo medinico, embora espiritual elongnquo, constituindo uma espcie de caixa de harmonia das minhas resso-nncias espirituais.

    Vou subir a uma atmosfera rarefeita, e minha humanidade tem necessidade

    de um invlucro de simpatia que a aquea e a proteja, auxiliando-a a lanar-sealm da zona humana das tempestades, onde minha alma se encontra expostaao embate de foras titnicas. No se pode imaginar o poder de harmonizaoque emana de um ato de bondade. A bondade uma msica que eu respiro eque docemente me impele corrente, cuja vibrao se d muito mais pelabondade do que pela sabedoria, exigindo perfeio moral.

    Para conquistar o conhecimento, devo alcanar um estado de purificao,que leveza espiritual. Apresentam-se, desde agora, as necessrias relaes

    entre evoluo e ascenso de um lado, e mediunidade inspirativa de outro;

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    Pietro Ubaldi AS NORES 18

    esboa-se a afirmao de que a verdadeira cincia no pode ser seno misso esacerdcio.

    Atingido o indispensvel estado de tenso nervosa, para submergir-me nacorrente, esta me arrasta; o prprio estado de tenso me protege do choque

    das vibraes inferiores, e o mundo humano desaparece, distanciando-se deminhas sensaes. Basta a imerso nas nores, para poder absorver-lhe todoo alimento energtico e atingir o isolamento das correntes inferiores. Issoconstitui felicidade, xtase, esquecimento de tudo, at o momento de desper-tar na conscincia normal, onde h uma espcie de penosa turvao de po-tncia perceptiva.

    Antes, porm, de estabilizar-me nessa espcie de estratosfera da evoluo,enquanto atravesso as camadas inferiores, permaneo vacilante na minha hi-

    persensibilidade, desproporcionada violncia do assalto, ficando muito vul-neravelmente exposto ao choque de foras misteriosas. Sinto essas foras va-garem em torno de mim. Sinto, como sentem todas as formas da vida, o terror,a ameaa de um perigo desconhecido nas sombras.

    Se, no alto, sou forte, porque sustentado pela corrente, sou humanamentedbil c em baixo e devo, timidamente e sozinho, dar os primeiros passos des-sa grande viagem, que implica numa transformao de conscincia. Procuroconseguir isso, auxiliando-me com um processo de progressiva harmonizao,que se opera do exterior para o interior. com a harmonia, comeando docampo acstico musical, que consigo vencer as dissonncias dilacerantes dascorrentes barnticas10 do mal, sendo a msica utilizada como primeiro degrauno caminho do bem e da ascenso do esprito. Isso estabelece relaes aindano suspeitadas entre msica, prece e evoluo da alma para o bem.

    Harmonizar-me o meu problema, porque subir significa encontrar a unifi-cao; porque, ascendendo, minha sensibilidade aumenta, fazendo-me sofrer

    mais por qualquer dissonncia.Um dos tormentos de minha vida a convivncia no torturante estrpitopsquico humano, que s a insensibilidade dos involudos pode suportar. As-sim, uso a msica como outro meio inicial de sintonizao de ambiente, a fimde que ela me ajude a saltar da harmonizao nesse primeiro plano sensrioexterior para a minha harmonizao nos mais altos planos supersensrios; essa

    10

    Neologismo formado de elementos gregos: bars, pesado, denso, e ontos,ser, entidade.Barnticas;provenientes de espritos de constituio densa (entidades inferiores) (N. do T.).

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    Pietro Ubaldi AS NORES 19

    msica obtenho atravs do rdio e do radio-fongrafo, especialmente a melhormsica sinfnica, tipo Wagner, Beethoven, Bach, Chopin e outros.

    Ento, lentamente, a percepo sensria do mundo substituda por uma di-ferente, de aspecto interior, anmico, que tudo sente diversamente.

    As harmonias musicais da audio se transformam nas mais profundasharmonias dos conceitos. Msica suave e, em torno, silncio completo. Luzesmoderadas, em tom menor, totalmente circundadas pelo escuro. Minha alma uma chama que arde na noite.

    Percebo sua luz e seu cntico solitrios, e eles surgem assim, logo queadormece a conscincia do dia. Lentamente, as coisas perdem o seu perfil sen-srio; ento, vejo vibrar seu esprito. E ouo a voz das coisas, que cantam.Minha conscincia adormece para o exterior; meu eu morre para as coisas

    do dia, mas ressuscita numa realidade mais profunda. noite avanada. A vida humana repousa em silncio. So antagnicas as

    duas vidas: a do pensamento desperta, enquanto a outra adormece.Quanto mais adormecido fico, tanto mais inconsciente me torno da realida-

    de exterior, volitivamente consumido, ausente do mundo de todos, e tantomais a viso se faz ntida e profunda, fazendo-me ressurgir mais conscientenessa lucidez interior.

    A sonolncia , portanto, superficial e condiciona o despertar num estadodiferente de conscincia, mais profunda, porm sempre minha, ativa, lcida.Processa-se um tipo de contraverso no funcionamento psquico humano, medida em que se distanciam os estados de ateno volitiva que o caracteri-zam; ocorre uma inverso de conscincia, uma conquista de potncia na passi-vidade, tanto que toda sensao de trabalho e esforo desaparece e se produznum estado de abandono.

    A vontade, no comum sentido humano, encerrada num crculo de conquis-

    tas terrenas, verdadeiramente para mim um estado de vibrao involudo eviolento, que perturba os mais sutis estados vibratrios do pensamento. Osvolitivos comuns, se so aptos para dominar, so impotentes em face dessasdelicadas percepes.

    Lentamente, ento, vou perdendo a sensao fsica do corpo, embalado porcomplexos ritmos sinfnicos de uma vasta orquestrao, e adormeo num es-tado de tranquilidade confiante.

    Atravessada essa primeira fase de negaosensria, desperto alm da vida

    normal, numa outra conscincia. Adormentados os sentidos, desaparecido de

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    Pietro Ubaldi AS NORES 20

    minha percepo o mundo concreto que me circunda, posso abismar-me navertigem da abstrao. No estou morto, nem passivo, nem inconsciente, por-que todas as sensaes da vida retornam, mas com uma potencializao nova emaravilhosa de todas as faculdades de minha personalidade, com um vigor,

    uma profundeza de percepo e um lirismo de afetividade que antes desconhe-cia; como se a alma, somente agora, despida de sua veste corprea, pudesserevelar-se inteiramente.

    Opensamento regressa, mas com uma sensao de potncia titnica, comuma profunda lucidez de viso, com uma rapidez vertiginosa de concepo;percebo-o despojado de palavras, em sua essncia. Sou possudo de uma sen-sao de leveza e de libertao de vus e limitaes; sinto minha conscinciadotada do poder da intuio e do domnio de uma nova dimenso conceptual.

    Desperta-se-me um olhar mais penetrante, que v o interior, e no mais so-mente a superfcie; que registra nas coisas no s reflexos ticos, mas tambmpsquicos; esse novo olhar j no interceptado pela forma, mas penetra dire-tamente na substncia, buscando o conceito gentico, o princpio que anima egoverna as coisas. Vejo ento o que se encontra alm da realidade sensria domundo exterior, observando as foras que o movimentam e lhe mantm o fun-cionamento orgnico. Essas foras tornam-se vivas, e os fenmenos me apare-cem com uma vontade prpria de existncia, uma potncia de individualidadeque investe sobre mim e grita: eu sou.

    Cada forma se reveste de um hlito divino de conceito, que eu respiro. Sin-to ento, verdadeiramente, que o universo um grande organismo, dirigidopelo pensamento de Deus. Tudo possui, ento, uma voz e me fala; todas asforas, todos os fenmenos, toda a vida, desde o mineral, todas as criaturas deDeus irradiam um cntico, que eu escuto e percebo harmonizar-se na sinfoniaimensa da criao. Desenvolve-se um colquio ntimo, e eu o registro; desper-

    taram todas as criaturas irms, e elas me olham, dizendo: Quem s tu queouves? Escuta-nos, ns te falamos.O colquio torna-se, ento, um imenso amplexo, um perder-se pelo aniqui-

    lamento no seio de uma luz resplandecente. A cincia um cntico e uma ora-o. Abre-se o abismo do mistrio, e contemplo: uma viso, um xtase. Maisno sei dizer.

    No h palavra que possa descrever a vertigem desses estados de conscin-cia, a potencialidade desses clares interiores, o jbilo dessa paixo maior que

    a vida e a morte, a festa desse libertar-se do corpo e desse evadir-se da Terra, a

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    Pietro Ubaldi AS NORES 22

    camente o fato interior. Agora, vou deixar de lado meus entusiasmos e encararo fenmeno com a diferente psicologia analtica.

    Embora esses meus mobilssimos estados de nimo, porque incontrolveispela observao exterior (ainda assim necessria), possam reduzir-se a um

    acontecimento pessoal de relativa importncia e tambm serem discutidos enegados, resta sempre, porm, tangvel e indestrutvel o seu produto: o volumeque foi escrito, com seu contedo filosfico e cientfico, com a soluo dosproblemas defrontados e com sua tcnica de pensamento, todos elementoslargamente suscetveis de observao.

    O fenmeno completo, embora encerrado em sua imobilidade, uma afir-mao realizada, que a est como testemunho; e os sutis processos de combi-naes psquicas que lhe deram origem podem ser reconstitudos.

    Os estados psicolgicos acima descritos no foram inteis, porquanto gera-ram um efeito, que deve ter uma causa; embora possam parecer de exaltao,produziram um organismo conceptual lgico e profundo. Se o efeito revela anatureza da causa e se ele uma construo racional, precisa e completa, no justo atribuir sua origem ao acaso ou a uma anormalidade psicolgica ou pato-lgica; se o escrito supera a potncia cultural e intelectiva do escritor, deveexistir em algum lugar uma fonte que a tudo isso deu origem.

    Conservar-se ctico, negar uma causa ao efeito, no perceber um liame depropores entre os dois termos, no racional nem cientfico.

    Esses meus estados psicolgicos ainda representam mais: significam umanova tcnica de pensamento, que pode revolucionar os processos psicolgicosat agora habitualmente usados.

    Este exame que aqui estou fazendo no tem somente a importncia de um es-tudo sobre um particular tipo de mediunidade, mas o estudo do grande pro-blema da gnese do pensamento, de uma sua novssima tcnica, de um novo

    mtodo de pesquisa filosfica e cientfica. Essa tcnica e esse mtodo eu os useilargamente e aqui apresento seu primeiro resultado. Denomino-o mtodo daintuio e,como j o tenho adotado, proponho-o, por ser mais poderoso que omtodo indutivo-experimental. Este ltimo, creio, j deu seu mximo rendimen-to; tambm creio ser necessrio mudar de sistema, se a cincia deseja progredirem profundidade, se quer encontrar sua unidade (agora que est em perigo depulverizar-se no particular e na especializao), se quer descobrir os princpioscentrais e obter uma concluso, aps tantos anos de inteis tentativas. Urge de-

    volver cincia, que descambou em utilitarismo, a dignidade que lhe prpria,

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    Pietro Ubaldi AS NORES 23

    levando-a a descobrir no campo do esprito, guiando-a ao caminho justo da ver-dade, que o mundo espera e pede h tanto tempo, em vo. Urge elevar a cinciaao nvel da f, para que se funda com esta e se unifique o pensamento humano.Tambm esse o objetivo da obra que recentemente conclu.

    Mesmo abstraindo seu contedo, que pode ser considerado como revela-o, o referido escrito permanece ntegro no campo cientfico, como realiza-o completa do novo mtodo de pesquisa. atravs deste mtodo, sem pro-funda e especializada preparao cultural, com rapidez e trabalho relativa-mente mnimo,pude resolver problemas que os outros mtodos no conse-guiram solucionar11.

    O mtodo da intuio o mtodo da sntese, dos princpios, do absoluto; o mtodo interior da viso e da revelao. O mtodo indutivo-experimental o

    mtodo da anlise, do relativo; o mtodo exterior da observao. O segundo prtico e utilitrio, mas desperdia o conhecimento? O primeiro abstrato eterico, mas toca a verdade absoluta, atingindo os princpios universais direti-vos dos desenvolvimentos fenomnicos.

    H a considerar tambm a questo da entidade, ou seja, do transmissor,sendo esta uma questo rdua, para cuja soluo teremos, mais adiante, me-lhores elementos de juzo. Por enquanto, devo observar que, conforme suasprprias declaraes, a fonte afirma no ser uma personalidade no sentidohumano. Em sua primeira comunicao, Sua Voz enuncia, realmente, comoprimeiro fato, estas j citadas palavras: No perguntes meu nome, no procu-res individuar-me. No poderias, ningum o poderia; no tentes inteis hip-teses. Alm disso, tenho lido na imprensa esprita, repetidamente, que essaimpessoalidade do centro transmissor mais sria e mais verdadeira do quesua exata definio numa assinatura, embora esse nome seja dos grandes dahistria. E intuitivo que, embora sobrevivendo, a personalidade humana

    deva experimentar mutaes que lhe fazem perder seus atributos humanos,seus sinais de identificao psquica e as caractersticas que lhe eram prpriasno ambiente terrestre. Tal condio deve ser mais intensamente positivaquando se trata de entidades que jamais viveram na Terra, ou ento que, porserem de tal forma elevadas, vivam normalmente em dimenses conceptuais eplanos de conscincia superiores.

    11

    Atualmente, em 1950, as ltimas teorias do grande fsico e matemtico Albert Einstein vmconfirmando plenamente as intuies de h 18 anos, deA Grande Sntese (N. do A.).

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    Pietro Ubaldi AS NORES 24

    Se a virtude destes meus estados psquicos particulares de me fazer atin-gir conscientemente esses planos, deverei achar suficiente falar no de espri-tos no sentido comum, mas somente de centros emanantes de correntes ps-quicasas noresnas quais justamente se processa minha imerso, corren-

    tes cujas vibraes eu percebo e registro em minha hiperestesia psquica. Re-conhecer-se- como lgica a necessidade de alterao de perspectivas, quandose pensar quo longa e estranha viagem seja necessrio realizar at atingir ooutro limite da comunicao.

    Por isso meu caso bem diferente dos tipos comuns de mediunidade. No mediunidade fsica, de efeitos materiais, que lana mo de centros humanos esubumanos, de carter barntico. No mediunidade intelectual inconsciente,em que o mdium funciona como simples instrumento e cuja conscincia se

    afasta no momento da recepo. , porm, mediunidade intelectual conscienteno plano superior em que trabalha e para o qual se desloca, na plenitude desuas foras. , portanto, mediunidade de tipo mais elevado, e chego quase aduvidar que, em tais nveis, possa ainda subsistir toda a estrutura da concepoesprita comum, ou que a tudo isso se possa chamar ainda mediunidade, por-quanto ela coincide e se confunde com o fenmeno da inspirao artstica, doxtase mstico, da concepo heroica, da abstrao filosfica e cientfica, fe-nmenos todos que, possuindo um fundo comum, reduzem-se, no obstante asdiferenas particulares, ao mesmo fenmeno de viso da verdade no absolutodivino. Nesses momentos, que so chamados justamente de inspirao dizAllan Kardec no seu Livro dos Mdiuns (pg. 245) as ideias abundam, seseguem e se encadeiam por si mesmas, sob um impulso involuntrio e quasefebril; parece-nos que uma inteligncia superior vem ajudar-nos e que nossoesprito se haja desembaraado de um fardo. Os homens de gnio, de todas asclasses, artistas, cientistas, literatos, so indubitavelmente espritos adiantados,

    capazes de compreender e conceber, por si mesmos, grandes coisas; ora, precisamente porque os julgam capazes que os espritos, quando desejam exe-cutar determinados trabalhos, lhes sugerem as ideias necessrias, e, assim, namaioria dos casos, eles so mdiuns sem o saberem.

    Concebo, desse modo, estes meus estados e qualidades como uma sublima-o normal de todo o meu ser psquico, atingida por minha natural maturaobiolgica, que figuro como uma continuao, no campo psquico, da evoluoorgnica darwiniana. Foi desse ponto de observao, a mim oferecido por es-

    tados de conscincia supranormais em face da mediana evoluo biolgica,

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    Pietro Ubaldi AS NORES 25

    mas normais para a fase por mim atingida, que eu pude contemplar a sntesedo cosmos. E por isso que, desse nvel biolgico, me inspira o maior desa-grado a mediunidade fsica, a qual percebo como algo de violento, sufocante,involudo. Deixo a esse mais spero trabalho do espiritismo o valor probatrio

    para a hodierna cincia da matria, para os cegos do esprito, mas permaneoem minha sensao de repugnncia e de desagrado.A minha paixo , ao contrrio, subir, sutilizar-me espiritualmente, aperfei-

    oar-me sempre como percepo. E esta a condio de minha mediunidade.Fujo, por isso, do que terreno, das formas de vida humana, de todas as mani-festaes barnticas, que arrastam meu esprito para baixo e, ao invs de abri-lo para a compreenso e a luz, o sufocam num crcere de trevas.

    Minha paixo evadir-me das baixas camadas da animalidade humana,

    sendo essa a minha meta e o significado de minha mediunidade. Quando esta,embora vagando no alm, permanece em nvel humano ou subumano, no temmais razo de existir para mim, porquanto no mais significa evaso e liberta-o. Observar o mundo dos vivos ou o mundo dos mortos para mim proble-ma secundrio em face daquele de minha evoluo. Sou um exilado na Terra ebusco desesperadamente a minha gente e a minha ptria distante. Meu esforoobjetiva reencontrar algo de grande que eu j senti ou vivi, um conhecimento,uma bondade, um poder que se abalou, no sei como, neste mundo. Meu es-foro para subir, subir moralmente sempre mais, para aprender sempre me-lhor a manter-me em equilbrio estvel ao nvel de conscincia representadopor essas nores que eu capto e registro. Procuro simplesmente tornar normalpara meus pulmes a respirao, que difcil para um ser humano, naquelaatmosfera rarefeita, mas purssima e esplndida.

    Toquei de leve, neste momento, uma corrente que me delineia uma inter-pretao do fenmeno. Sinto desse modo, muitas vezes, nascerem em mim os

    mais inopinados conceitos. Minhas capacidades consistem, portanto, em sabermover-me, em plena conscincia, de um plano conceptual humano a um planoconceptual sobre-humano; saber efetuar, com a sonda de minha superconsci-ncia, reconhecimentos nas profundezas do plano superior e, colocando-os emforma racional, compreensvel aos meus semelhantes, trazer os resultados dainvestigao conscincia normal, para poder, atravs desta conscincia e nasua respectiva terminologia, fazer a comunicao entre os mesmos. Eis o con-ceito de que falei: a linha que percorro e ao longo da qual me elevo e deso a

    dimenso evoluo(confronteA Grande Sntese, Cap. XXXVA Evoluo

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    Pietro Ubaldi AS NORES 27

    mim, porque atingidas atravs de natural processo evolutivo; capacidadesabertas a todos e s quais a humanidade chegar por via normal de evoluono tempo. Trata-se de um fenmeno de sintonizao entre os dois centros co-municantes, o que implica afinidade e, de minha parte, a tenso para manter-

    me num alto nvel biolgico, expresso neste campo psquico por leis morais.Tudo isso eu adoto praticamente, como um novo mtodo sinttico por intui-ode pesquisa filosfico-cientfica, o qual tenho utilizado e aqui, juntamen-te com seus resultados, ofereo cincia, para seus objetivos. No fundo, trata-se simplesmente do antiqussimo mtodo dedutivo da revelao, que a cincia,atualmente, trocou pelo mtodo indutivo; trata-se do retorno s fontes da ver-dade, ao outro extremo de visualizao do conhecimento.

    Com este mtodo se introduzem na pesquisa cientfica fatores delicadssi-

    mos. Considero absurdo falar, no presente caso, de gabinetes e experimenta-es num sentido materialista, porque a primeira coisa a fazer no tanto in-duzir o cientista a estudar o fenmeno com sua psicologia, mas reconstruir,desde os fundamentos, a psicologia do cientista. Meu fenmeno no pode sersomente objeto de observao, pois constitui um mtodo cientfico para aobservao,no qual no se procede apenas por verificaes exteriores e su-perficiais com meios sensrios e instrumentos, mas se usa a conscincia doobservador, que elevada a instrumento de pesquisa. Procede-se, aqui, porsintonizao entre o psiquismo do observador e o psiquismo diretivo do fen-meno. Em outros termos, necessrio que a alma do observador se dilate, ex-pandindo-se do exterior para o interior,para entrar em contato com a substn-cia, o princpio animador do fenmeno, e no somente com sua forma externae com o aspecto exterior de seu desenvolvimento. o estado de esprito dopoeta e do mstico, de simpatia por todas as criaturas, de paixo de conheci-mento para o bem, de sensibilidade esttica do artista, porm no mais vago, e

    sim dirigido com exatido cientfica no campo das concepes abstratas.Nestas formas de pensamento, sinto que se dilatam os novssimos horizon-tes da cincia do futuro; nestes conceitos que aqui estou expondo, sinto estar asemente de uma profunda revoluo na orientao do pensamento humano;sinto que este assunto o problema fundamental: o mais importante a que pos-sa dirigir-se hoje a mente humana. Aqum deste estudo, que parece apenas deum caso pessoal, se agita o grave problema do conhecimento humano e dosnovos mtodos para atingi-lo. Tudo isso demonstra que a verdadeira cincia, a

    profunda cincia que toca a verdade, s atingida pelas vias interiores, atravs

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    Pietro Ubaldi AS NORES 28

    de um processo de harmonizao da conscincia com as leis da vida e com odivino princpio que tudo rege; demonstra que os caminhos do conhecimentono podem ser seno os caminhos do bem; que o saber um equilbrio de esp-rito; que a revelao do mistrio no se verifica seno quando se alcana a fase

    de perfeio moral; demonstra que a cincia agnstica, amoral, torna-se a ci-ncia do mal e se destri a si mesma; que absurdo, portanto, ignorar certosimponderveis substanciais e prescindir do fator tico na pesquisa; demonstra,finalmente, que a cincia no deve ser seno uma ascenso cultural e espiritualtendente unificao de tudo arte, filosofia, religio, saberem Deus, por-que a lei de evoluo tambm lei de unificao.

    Com este mtodo, escrevi uma obra que foi publicada como ditado medi-nico, e isso, se corresponde verdade, no basta para fazer compreender todo

    o fenmeno. V-se agora que esse escrito foi gerado num plano de conscin-cia supranormal e que eu tinha de possuir as qualidades necessrias para sabertransferir-me quele plano, a fim de poder, assim, perceber aqueles conceitos.Meu esforo no foi, na verdade, o esforo cultural do estudioso, mas sim umtrabalho completamente diverso. Nada de livros, pois inexistentes em taiscampos inexplorados e sobre to novssimas concepes; nenhuma prepara-o cultural particular, nenhuma coletnea de materiais, nenhuma pesquisa dopensamento alheio no passado, mas sim um contato imediato com o problemae com o fenmeno, com uma nova e diferente focalizao da conscincia. Alibertao do estorvo cultural foi, pelo contrrio, a primeira condio que mepermitiu a leveza necessria ao voo, numa espcie de virgindade de esprito,livre de todos os preconceitos de precedentes interpretaes alheias. A difi-culdade da composio no se assentou no estudo de livros, mas na busca doestado de esprito. O fenmeno e sua lei me falaram diretamente, sem vus; averdade me tocou como um lampejo de concepo instantnea; jamais qual-

    quer incerteza ou tentativa de hiptese. Prendia num voo o princpio, semjamais me perder no ddalo do particular e da anlise. Jamais oscilei na dvi-da em que a cincia se debate. Nenhum registro necessrio, multiplicado pelaobservao prolixa e paciente; no mais o comportamento lento e incerto docego que, para certificar-se da segurana, deve tocar tudo de todos os lados,mas sim um senso da verdade, uma registrao rpida de totais, uma potnciade sntese que imediatamente conclui. No mais um mesquinho contato com ofenmeno apenas pela estreita via dos sentidos, mas sim uma comunho aber-

    ta de par em par, uma transposio completa do meu centro consciente ao

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    Pietro Ubaldi AS NORES 29

    centro do fenmeno, seja ele o mnimo ou o mximo do universo. Os doistermos que devem compreender-se, observador e fenmeno, eu os ponho mesma altura; no desperdio esforo em mudar os casos e as condies dofenmeno, mas mudo o observador e suas qualidades perceptivas; restituo sua

    alma ao fenmeno e o compreendo. Na transmutao da conscincia, sintoni-zo os ntimos movimentos vorticosos do meu psiquismo com aqueles queconstituem a essncia do fenmeno; reduzimo-nos ambos (eu e o fenmeno,elementos que devem tocar-se) ltima e mais simples expresso cintica.Reduzidos assim ao mesmo denominador, as duas expresses podem comuni-car-se, minha conscincia pode sobrepor-se e coincidir com a conscincia dofenmeno. Este mtodo de pesquisa por sintonizao fenomnica atinge tam-bm fenmenos longnquos ou no mais reproduzveis, situados alm da ca-

    pacidade de observao, como, por exemplo, as origens da vida, as dimensesconceptuais etc., fenmenos que no podem ser enfrentados seno com essesmeios de pesquisa, os quais a cincia no possui.

    Nestes estados, no sou apenas consciente, mas tambm ativo centro inves-tigador; no me limito percepo de nores ou correntes de pensamentoemanantes de centros psquicos distintos de mim, mas sinto diretamente agrande voz das coisas; vejo o princpio que as anima, percebo as correntes quedelas emanam. natural que, transferindo-me eu a um plano de conscinciamais avanado em evoluo, tudo naquele nvel se manifeste em forma devibrao psquica, porquanto, nas fases superiores, todo o universo se tornaesprito. E tudo abarco porque, se adormeo na conscincia normal, despertona outra, que muito mais elevada e potente; nesta adquiro uma nova amplitu-de de viso e de discernimento, prpria, livre e autnoma. Tambm na percep-o e captao de nores permaneo consciente e examino, exercitando umpoder de juzo e de escolha. Da se pode compreender o grau de conscincia

    que atinge minha mediunidade e como eu domino completamente o fenmenoem toda a sua extenso, permanecendo senhor de suas possibilidades.Apresenta-se agora uma delicada questo: saber se o produto de tal traba-

    lho absolutamente meu; em outros termos, a quem cabe a paternidade daminha produo, chamada medinica. A questo sutil, justamente porque,em tais nveis de conscincia, no s conquisto um particular poder de visono absoluto, no s percebo o pensamento de outros centros, mas tambm,naquele nvel, a distino individualista humana, prpria do separatismo im-

    perante nos planos mais baixos de evoluo, se anula na unificao, prpria

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    Pietro Ubaldi AS NORES 30

    dos planos superiores. J afirmei que a lei de evoluo tambm lei de unifi-cao. Subindo a superiores dimenses conceptuais, natural, portanto, quea individualidade se reabsorva na unidade. Atingindo aqueles planos, eu sin-to, na verdade, apagar-se a distino entre o eu e o no-eu, sinto-me anulado,

    fundindo-me e ressurgindo numa unidade mais alta e poderosa; sinto atuar-sea unificao entre mim e o princpio animador dos fenmenos, no somenteentre mim e as nores, mas tambm entre mim e os centros de pensamentoque as emitem. Ascendendo-se, atinge-se a unificao com o princpio uni-versal, em que a individualidade se aniquila. Meu ser se harmoniza, ento, detal modo com o funcionamento orgnico do universo, que dele no se sentemais separado, unificando-se, fundindo-se e perdendo-se no grande incndiode luz da Divindade.

    para mim difcil reduzir a grandiosidade de sensaes deste fenmeno aostermos do vocabulrio medinico. Muito mais difcil porque devo ainda, poramor verdade, acrescentar que, tambm nos estratos inferiores de minhaconscincia, quando o trabalho lhes era apropriado, este lhes era confiado emcolaborao harmnica, pela lei do meio mnimo. Alguns, ao julgar-me, procu-raram a evidncia do fenmeno medinico na ausncia, em mim, de uma ade-quada preparao cultural e viram a prova disso no contraste entre minha cul-tura, amplamente inferior, e o escrito produzido, at ao ponto de considerarque, quando esse contraste falta, o fenmeno deve ser julgado suspeito. E seescandalizam por eu abolir abertamente, no meu caso, essa presuno de com-pleta ignorncia como elemento probatrio e diminuir essa distncia entre ascapacidades culturais do mdium e o produto intelectual. J falei, porm, sobresintonizao. evidente, pois, que o centro receptor, para poder entrar emressonncia, deve saber elevar-se at atingir um estado de afinidade qualitativacom o centro transmissor, que tanto pode ser uma nore, como a alma do fe-

    nmeno em sua prpria expresso. natural e justo, portanto, que, nos assun-tos mais modestoscomo a compilao de um quadro ou de um diagrama, aexecuo de um desenho, o controle de um clculo ou de uma frmula, o de-senvolvimento de conceitos mais simples e mesmo o prprio, mas raro, reto-que da forma etc.esse trabalho menor de contorno, servio secundrio, sejaconfiado psique menor, para deixar, evitando intil desgaste de energias, otrabalho central de direo psique superior, que se reserva funo maiselevada de lanar os planos da obra e iluminar a essncia dos fenmenos. Tudo

    isso corresponde a um plano lgico de diviso de trabalho.

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    Pietro Ubaldi AS NORES 31

    Ouamos o que diz sobre o assunto Allan Kardec no seu Livro dos M-diuns: possvel reconhecer-se o pensamento sugerido, por no ser jamaispreconcebido; nasce medida que se escreve e frequentemente contrrio ideia que anteriormente se formara (exatssimo); pode, alm disso, ser superior

    aosconhecimentos e capacidades do mdium (...) Este ltimo, para transmitiro pensamento, deve compreend-lo e, de certo modo, apropriar-se dele, a fimde traduzi-lo fielmente, no entanto esse pensamento no seu... (pg. 243).Todo aquele que, seja no estado normal ou seja no de xtase, receba, pelopensamento, comunicaes estranhas s suas ideias preconcebidas, pode sercolocado na categoria dos mdiuns inspirados. Esta uma variedade de me-diunidade intuitiva, com a diferena que a interveno de um poder oculto amuito menos sensvel, tornando-se ao inspirado muito mais difcil distinguir

    seu prprio pensamento daquele que lhe sugerido. O que caracteriza esteltimo , sobretudo, a espontaneidade (pg. 244).

    Leio mais adiante, no mesmo volume (pg. 308 e seguintes), uma comuni-cao de um esprito, que diz: Quando encontramos em um mdium o cre-bro dotado de conhecimentos adquiridos em sua vida atual e o seu esprito ricode conhecimentos anteriores, latentes, adequados a nos facilitar as comunica-es, dele nos servimos de preferncia, porquanto, com ele, o fenmeno dacomunicao muito mais fcil do que com um mdium de inteligncia limi-tada e cujos conhecimentos anteriores sejam insuficientes... Nossos pensamen-tos no necessitam da vestimenta das palavras... Um determinado pensamentopode ser compreendido por tais ou quais espritos segundo seu adiantamento,ao passo que, para outros, esse pensamento, no despertando nenhuma lem-brana, nenhum conhecimento que se abrigue em seu corao ou em seu cre-bro, no lhes perceptvel.... Com um mdium cuja inteligncia atual ouanterior se ache desenvolvida, nosso pensamento se comunica instantaneamen-

    te, de esprito a esprito. Neste caso, encontramos no crebro do mdium oselementos apropriados a vestir nosso pensamento com a palavra corresponden-te ao mesmo. Eis porque os ensinamentos assim obtidos conservam um cunhode forma e colorido pessoais do mdium. Se bem que os ensinamentos noprovenham de modo algum deste, ele influi sempre em sua forma, tanto pelasqualidades quanto pelas propriedades inerentes sua pessoa.... Quando so-mos obrigados a nos servir de mdiuns pouco adiantados, nosso trabalho setorna muito mais longo e penoso, porque somos coagidos a recorrer a formas

    incompletas, o que para ns uma complicao. Sentimo-nos felizes, por isso,

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    Pietro Ubaldi AS NORES 32

    quando podemos encontrar mdiuns aptos, bem aparelhados, munidos de ma-teriais prontos a serem utilizados. por essas razes que nos dirigimos de pre-ferncia s classes cultas e instrudas... e deixamos aos espritos galhofeiros epouco adiantados o exerccio das comunicaes tangveis, de pancadas e

    transporte.... Uma importante observao encerra, no citado volume (pg.312), essa comunicao: Disso deriva, como princpio, que o esprito colheno as suas ideias, mas sim os materiais necessrios para exprimi-las no cre-bro do mdium e que, quanto mais rico esse crebro em materiais, mais fcilse torna a comunicao.... Compreende-se que os espritos devem preferir osinstrumentos de uso mais fcil ou, como dizem, os mdiuns bem aparelhados,do ponto de vista deles.

    No meu caso, portanto, a cultura, alm de no poder ser excluda, tambm

    um instrumento precioso, fornecido ao centro transmissor, como podemigualmente ser a elevao de sentimentos e a afinidade moral, que condiode unificao. Minha mediunidade , portanto, um caso de verdadeira colabo-rao consciente e ativa. No , assim, absurdo que sejam chamados a coope-rar e a dar todo o seu rendimento os melhores recursos que minha personalida-de pode oferecer. Certamente difcil precisar a distino entre o meu e o no-meu, assim como tambm j no sinto o que existe entre o eu e o no-eu. Se eusou o pedreiro, terei ofertado algum tijolo, tendo sido confiada a mim tambma construo de alguma parede e o trabalho mecnico cultural que preenche osinterstcios, mas no poderei jamais igualar-me ao seu arquiteto, que no so-mente concebeu o plano da obra, mas tambm, traando-lhes as linhas, por elasempre velou e, entre os limites por ele desejado, assinalou o meu trabalhomenor. Tudo questo de gradao e de medida. Eu s tive um escopo: com-pletar a obra, dando-me a ela totalmente, com a mxima tenso. Era nessaidentidade de metas que se processava a unificao entre mim e o centro supe-

    rior; e aquele eu, que consagrei inteiramente minha obra, foi conduzido poressa atrao do Alto a tal grau de sublimao, que nele no mais encontro omeu pequeno eu normal. Em suma: aquela concepo passou, qual novo Pen-tecostes, como um incndio atravs de meu esprito, e todas estas palavrasdemonstram o quanto me difcil, no obstante meu desejo de discernimento,reencontrar-me a mim mesmo naquele incndio.

    Durante o desenvolvimento do texto, oscilava eu entre minha conscinciahumana e a outra, superior, que tambm seria minha naqueles momentos,

    conforme as necessidades da compilao impunham; aterrava e decolava

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    Pietro Ubaldi AS NORES 33

    quando era preciso, porquanto o objetivo era produzir, e no estabelecerdistines. Recordo-me muitssimo bem como, ao engolfar-me da maneirahabitual, sem o necessrio conhecimento, na angstia de difceis solues esem sada visvel, a inspirao me tomava a mo e, sozinha, guiava-me atra-

    vs do vazio em que sentia perder-me. Uma direo superior, embora inad-vertida e latente, devia estar sempre presente, pois era meu hbito arrojar-me, sem preparao, sobre os argumentos mais difceis, ignorando aondechegaria. No obstante isso, atingia um bom porto, sempre guiado por ummisterioso senso da verdade. Todas as teorias e desenvolvimentos conceptu-ais por mim seguidos no foram, na verdade, meditados; no os compreendiinteiramente seno depois de escritos. No conheo um problema seno de-pois de completamente exposto, porque, durante o seu desenvolvimento,

    processa-se em minha mente um continuo projetar-se de luzes, um multipli-car-se de perspectivas inesperadas, um surpreendente pulular de imprevis-tos. Isso sucede quase sempre, de modo que eu no sei se dito ou escuto, seescrevo ou se leio. S sei que de mim sai esse fio de pensamento contnuo.Indubitavelmente, um controle e um consenso superiores se manifestam emcada palavra, porque uma dolorosa dissonncia feriria imediatamente minhahipersensibilidade, to logo me afastasse da linha de harmonizao. A exe-cuo inferior me foi confiada, e eu sigo tranquilo enquanto so suficientesos recursos da conscincia humana; muitas vezes, porm, numa curva ines-perada, frente a uma passagem difcil, sinto-me atemorizado como uma cri-ana perdida e, ento, uno-me novamente ao guia. Recordo-me de que, nodesenvolvimento da teoria da evoluo das dimenses, cheguei a um pontono qual me julguei extraviado, no podendo resistir tenso; rompera-se-meo fio do pensamento; a viso se apagara aos meus olhos; estava desanimadoe havia perdido o senso da verdade. A conscincia comum nada me sabia

    dizer, era cega. Foi ento que, passeando em uma hora tardia de uma noiteestival, num terrao luz das estrelas, orando e suplicando, vi toda a teorianum lampejo, num esplendor de conceitos sobre o fundo cintilante do fir-mamento. Foi um timo, porque a viso conceptual encontra-se verdadeira-mente alm da dimenso tempo.

    A interveno, pois, do fator supranormal evidente. preciso somentecompreender a complexa estrutura dessa interveno e evitar o simplismo quereduz tudo ao de um esprito sobre os centros psquicos passivos do m-

    dium. Isso justifica a qualificao medinica dada ao escrito desde o princpio.

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    Pietro Ubaldi AS NORES 34

    Assim como a compreenso da transmisso radiofnica, embora muito simplespara comparao, presume o conhecimento da eletrotcnica, tambm preciso,para entender este meu fenmeno, haver assimilado toda a obra que produzicomo interpretao da fenomenologia universal, para poder ento situar este

    caso harmonicamente no seio do funcionamento orgnico do todo. Atrs des-tas minhas palavras, como explicao e base, exponho aquele quadro comple-to, quando falo de minhas duas conscincias e da minha oscilao entre elas,ao longo da dimenso da evoluo, referindo-me teoria da evoluo das di-menses conceptuais e fase humana da evoluo espiritual. racional e cien-tficotambm no sentido da velha escola materialistafalar de nveis e pla-nos de conscincia. Estes nada mais so do que os graus sucessivos ou fases daevoluo afirmada por Darwin no campo orgnico, que devem, logicamente,

    continuar no nico campo onde uma continuao pode e tem de existir: ocampo psquico. Tudo isso corresponde aos conceitos das religies e neles seencontra traduzido em diversas palavras, que exprimem substancialmente estesnveis, como hierarquias angelicais, ou vrios cus, ou esferas celestes. esta unidade fundamental, na profundeza onde tudo se unifica e qual perma-neo aderente, que me permite, muitas vezes, mudar de forma e estilo, passan-do equivalentemente da cincia f e vice-versa, reduzindo assim os grandesinimigos a questes de palavras, e no de substncia.

    O fenmeno apresenta, portanto, duas faces e resulta justamente da con-juno de ambas: num extremo, o lado humano, no qual se encontra minhapreparao cultural, as qualidades de meu temperamento, o meu grau de evo-luo e a minha capacidade de transferncia a um superior plano de consci-ncia; no outro extremo, o lado super-humano, que desce, adapta-se a mim e,ao mesmo tempo, adapta-me a si, guiando-me e atraindo-me para o alto.Existem, pois, no somente dois centros: um radiante, transmissor, e um re-

    gistrador, receptor, mas tambm duas atividades, segundo as quais ambos oscentros se acham estendidos um para o outro num trabalho de elaboraorecproca, a fim de atingir a unificao, pois a identificao a fase da co-munho perfeita. Somente atravs da tenso deste trabalho de recprocaaproximao pode estabelecer-se a comunicao. Por isso, de minha parte,como centro registrador e receptor, dou todo o meu esforo, enfrentando todaa minha fadiga, para alcanar a altitude evolutiva do transmissor e nela memanter. A estao receptora no , portanto, necessariamente passiva, como

    um aparelho radiofnico, mas sim conscientemente ativa; sabe, investiga,

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    Pietro Ubaldi AS NORES 35

    escolhe, lana-se com todas as suas foras para conseguir a captao dasnores, multiplica suas energias, d-se completamente, aniquila-se em faceda criao nascitura. nesse sentido que em minha obra se encontra todo omeu eu, toda a minha f, minha paixo, minha pobre cultura; ali est meu

    pequeno eu multiplicado pelo infinito, que, com sua atrao, me arrebatoupara o alto e fecundou meu esforo, centuplicando-lhe o rendimento. Ali estmeu pequeno eu, porque aquela concepo, embora muito longnqua, tam-bm se encontra na linha de minha evoluo, e eu a senti palpitante, comoum sonho, inatingvel hoje, de uma perfeio a cujos ps me humilho, porqueno me encontro amadurecido e careo de foras.

    Essas nores superiores esto no meu futuro e me atraem. Encontram-se naoutra extremidade, no segundo termo da comunicao. Devemos entender-nos,

    desde agora, a respeito do conceito de nores, o qual, sendo muito vasto ecomplexo, aprofundaremos no estudo da tcnica do fenmeno.

    As nores no so somente correntes psquicas, uma espcie de pensamen-to radiante, vestido apenas da onda dinmica mais degradada e evolvida, co-mo seu nico suporte sensrio; so correntes conscientes, que conservam, talcomo as formas dinmicas inferiores, as qualidades tpicas e, nesse caso,conscientes do centro gentico. Essas correntes nada mais so do que a ex-panso daquele centro, do qual conservam sua conscincia e conhecimento.Conceitos abismais, porque no sabemos imaginar ondas que possuam taisqualidades. Porm h mais ainda. Do lado transmissor, no devemos enxergarapenas os centros superevoludos, mais ou menos individualizveis comopersonalidade no sentido humano, mas devemos ver tambm, como j mos-trei, a alma dos fenmenos, a qual, sendo a manifestao de si mesma, consti-tui o psiquismo que existe em todos os fenmenos, o princpio e conceitoanimador que os assinala e lhes dirige o contnuo transformismo no eterno

    tornar-se. Ainda aqui, preciso haver compreendido o esprito de meus escri-tos. Uma pedra tambm viva, havendo nela um psiquismo animador, estabe-lecido pelo conceito divino que, a cada instante, nela se realiza, exteriorizan-do-se. Portanto tambm uma pedra, ou mesmo o mais simples fenmeno qu-mico ou fsico, emana nores e perceptvel como nores no meu mais ele-vado nvel de conscincia. Neste plano, todo o universo se transforma emnores. Desse meu estado psquico e dimenso conceptual, que sente na pro-fundeza a essncia alm da forma das coisas, percebo efetivamente o universo

    em sua superior dimenso psquica, que lhe prpria na escala das fases evo-

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    Pietro Ubaldi AS NORES 36

    lutivas. Basta esta minha mutao de conscincia para alterar e deslocar todaa gama de minhas ressonncias interiores, fazendo-me perceber o universo talqual ele em sua fase superior. A evoluo, que passa do plano fsico ao di-nmico e ao psquico, transforma todo o universo num psiquismo, e em psi-

    quismo ele se torna, como sua real e nova forma de ser, desde que nessa novadimenso eu saiba apresentar-me conscientemente. Eis ento qual o significa-do de dizer que todo o universo se transforma em nores. que realmente,ento, tudo quanto existe exala pensamento, por meio do qual, nestes meusestados medianmicos, eu sinto o universo como um possante organismo con-ceptual. A verdadeira grande nore, qual me aferro e que registro, a ema-nao harmnica e orgnica do pensamento infinito de Deus.

    Cai ento, naturalmente, o vu dos mistrios, e tudo expressa a substncia de

    seu ser numa espontnea revelao. Nessas minhas superelevaes de dimensode conscincia, tenho a viso, nas profundezas de um abismo infinito, dessecentro conceptual. As dimenses gigantescas do fenmeno, a grandiosidadeesmagadora do segundo termo comunicante, dariam uma sensao de vertigema quem no houvesse atingido esses estados, alcanados por mim atravs delongos e lentos exerccios, depois de uma profunda maturao biolgica no sesabe quantas vezes milenria. necessrio, aqui, um equilbrio mental inco-mum, porque este colocado a dura prova. Neste sentido, a objetividade e aminuciosa segurana com que me analiso demonstram o quanto estamos, nestecaso, distanciados da consumao neurtica, to frequentemente invocada pelacincia como explicao de semelhantes fatos.

    Sou lanado assim, sem rgos fsicos, num mundo maravilhoso, no qualpossuo ento uma nova vista, um feixe de sentidos novos e um poder de per-cepo anmica direta, supersensria. Desse modo se explica a necessidadedaquela espcie de transe que me livra da presena ativa dos sentidos fsicos,

    a fim de impedi-los de me chamarem de volta realidade sensria exterior,que no sabe falar-me seno da forma. Devo realizar, antes de tudo, a tarefade me libertar dessa estorvante psique racional de superfcie, que, para osoutros, to fundamental. No mais vejo ento o fenmeno no seu aspectoexterior, mas sinto o princpio que o movimenta. Assim, por exemplo, vejo asemente no em seus caracteres morfolgicos, mas sim na ntima estrutura deseu ser, como vontade de desenvolvimento, como prescincia do ambiente(instinto) e da meta a atingir; vejo-a profundamente, tanto no ritmo das suas

    infinitas formas do passado como na sua vontade de desenvolv-las e, apro-

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    Pietro Ubaldi AS NORES 37

    fundando mais ainda o olhar, sinto o grande princpio da vida que, naqueletipo, palpita e se exprime.

    Quando, no silncio da noite, completo o processo de adormecimento daminha psique sensria, na harmonia e nos tons menores das luzes, no fundo da

    penumbra, ao ritmo submisso das orquestraes sinfnicas, as coisas perdemseu perfil concreto, o mundo se torna irreal, para ressurgir numa realidade dife-rente, e eu sinto o equivalente psquico e espiritual das formas. H uma corres-pondncia entre os vrios planos de evoluo, porque a essncia das coisas quedestila dos planos mais altos se projeta como uma sombra nos planos inferiores.E isso lgico, pois toda unidade est ligada superior na linha da evoluo.

    Ora, a minha ascenso s dimenses conceptuais permite que eu suba daprojeo concreta substncia espiritual. por causa dessa correspondncia

    entre os diversos planos que se pode falar atravs de parbolas, e por estamesma razo que o simbolismo pode exprimir os princpios abstratos e as rea-lidades mais dificilmente imaginveis para os incultos, traduzindo-as em suasombra mais densa ou projeo concreta, que tambm as ficam possuindo,embora veladamente. Assim se conseguiu dar expresso, sensorialmente aces-svel, realidade abstrata do superconcebvel, trazendo-a para o nosso mundo,ao revesti-la de um invlucro que a torna tangvel. Eu desfao essa reduo,subindo a corrente em direo oposta, esforo esse que visa a lanar por terraos vus e superar os smbolos, para restituir luz da compreenso a verdade,que neles teve de ocultar-se por exigncia da psicologia humana involuda.Vimos, desse modo, o contedo cientfico do conceito da Trindade.

    No mundo dos fenmenos histrico-sociais, enxergo, atrs dos aconteci-mentos, a sutil trama em que se tece a causalidade, projetada na direo doefeito; vejo o progredir de um conceito at meta, o fio que sustm como umcolar a srie dos episdios, o desenvolvimento lgico que guia o curso do

    fenmeno histrico.No mundo da matria inorgnica, sinto o redemoinhar interior dos tomos,suas atraes e repulses, seus amplexos por afinidade, o dinamismo de suascorrentes eltricas, a combinao e a unio de seus movimentos planetrios emfuses que originam os diversos tipos das individuaes qumicas.

    No adquiro conhecimento dos fenmenos por aquisies culturais particu-lares e numerosas, atravs do mtodo comum, que repete o saber dos outros;mas possuo um senso nico de orientao que me abre o caminho da compre-

    enso de todos os fenmenos. No compreendo como a cincia possa imaginar

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    que, por exemplo, contando cuidadosamente o nmero das folhas, observando-as e descrevendo-as, seja possvel chegar-se ao entendimento do princpio davida das plantas; sinto a absoluta impotncia sinttica do mtodo da observa-o. No entanto, independente da multiplicao de casos, qualquer fenmeno

    traz escrito em si mesmo a sua lei, basta escut-la.O mtodo experimental me d a impresso da cegueira, que precisa recorrerao tato. Na profundeza das coisas existe, indiscutivelmente, um princpio queas governa. No busco esse princpio penosamente, pelos longos e laboriososcaminhos da anlise e da hiptese, mas o alcano por percepo direta, atravsde um meu sentido da verdade, um novo sentido de orientao conceptual, quesintetiza e supera todos os outros. Avano, assim, por instinto, por contnuaregistrao de totais, sem distrair-me no particular; alcano o conhecimento

    por dedues, descendo ao particular, a partir dos princpios que anteriormentehavia percebido, os quais contm este conhecimento por inteiro. Jamais tento alonga via que sobe lentamente em direo oposta. Seja qual for o