3. yvone_importancia modelo reduzido

16
1 A IMPORTÂNCIA DE ESTUDOS DE LABORATÓRIO PARA A INDUSTRIA HIDROMECÂNICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA SITUAÇÃO ATUAL IMPORTANCE OF LABORATORY SIMULATIONS FOR THE HYDROMECHANIC INDUSTRY: CRITICAL ANALYSIS OF CURRENT SITUATION ( 1 )José Afonso Pedrazzi Mestre em Engenharia Hidráulica Engenheiro da Bardella S.A. Industrias Mecânicas Professor de Hidráulica, Hidrologia e Drenagem Urbana, na FACENS [email protected] ( 2 )Yvone de Faria Lemos De Lucca Doutora Yvone de Faria Lemos De Lucca Engenheira do Centro Tecnológico de Hidráulica CTH-DAEE-USP Professora de Transmissão de calor e de Máquinas de Fluxo na FEFAAP Pós Doutoranda na FEC- Departamento de Recursos Hídricos e Ambientais da UNICAMP [email protected] RESUMO Este trabalho mostra a importância de estudos em equipamentos hidromecânicos dentro de um laboratório de hidráulica, a participação das indústrias de equipamentos hidromecânicos durante o projeto de uma usina hidrelétrica, alem da formação de engenheiros e técnicos que atuam nesses estudos. A arte de modelagem hidráulica utilizando a teoria da semelhança tem sido uma ferramenta muito importante na solução de problemas da engenharia hidráulica e vem contribuindo com um continuo crescimento nas pesquisas da mecânica dos fluidos. Já Leonardo da Vinci (1452-1519) firmou como premissa básica “quando for discursar sobre o escoamento da água, lembre-se de citar a experiência anterior e aí racionar. Este artigo mostra que o projeto de uma usina hidrelétrica tem que ter o comprometimento conjunto da parte civil, mecânica-eletrica (máquina hidráulica e geradores), e equipamentos (comportas, grades, sistema de acionamento). Através de recentes exemplos de estudo em modelos reduzidos de comporta, é dado um breve descritivo da abrangência e limitações das técnicas de modelagem física, mostrando sua necessidade no desenvolvimento do projeto relacionando a interface com modelos numéricos e matemáticos. Justifica-se amplamente os estudos em modelos reduzidos físicos como auxiliar no dimensionamento econômico do equipamento e na implementação do tipo de operação mais adequada garantindo o sucesso do empreendimento.

Upload: marianov1

Post on 08-Aug-2015

55 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

1

A IMPORTÂNCIA DE ESTUDOS DE LABORATÓRIO PARA A INDUSTRIA

HIDROMECÂNICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA SITUAÇÃO ATUAL

IMPORTANCE OF LABORATORY SIMULATIONS FOR THE HYDROMECHANIC

INDUSTRY: CRITICAL ANALYSIS OF CURRENT SITUATION

(1)José Afonso Pedrazzi

Mestre em Engenharia Hidráulica

Engenheiro da Bardella S.A. Industrias Mecânicas

Professor de Hidráulica, Hidrologia e Drenagem Urbana, na FACENS

[email protected]

(2)Yvone de Faria Lemos De Lucca

Doutora Yvone de Faria Lemos De Lucca

Engenheira do Centro Tecnológico de Hidráulica CTH-DAEE-USP

Professora de Transmissão de calor e de Máquinas de Fluxo na FEFAAP

Pós Doutoranda na FEC- Departamento de Recursos Hídricos e Ambientais da UNICAMP

[email protected]

RESUMO

Este trabalho mostra a importância de estudos em equipamentos hidromecânicos dentro de um

laboratório de hidráulica, a participação das indústrias de equipamentos hidromecânicos durante

o projeto de uma usina hidrelétrica, alem da formação de engenheiros e técnicos que atuam

nesses estudos.

A arte de modelagem hidráulica utilizando a teoria da semelhança tem sido uma ferramenta

muito importante na solução de problemas da engenharia hidráulica e vem contribuindo com um

continuo crescimento nas pesquisas da mecânica dos fluidos. Já Leonardo da Vinci (1452-1519)

firmou como premissa básica “quando for discursar sobre o escoamento da água, lembre-se

de citar a experiência anterior e aí racionar”.

Este artigo mostra que o projeto de uma usina hidrelétrica tem que ter o comprometimento

conjunto da parte civil, mecânica-eletrica (máquina hidráulica e geradores), e equipamentos

(comportas, grades, sistema de acionamento). Através de recentes exemplos de estudo em

modelos reduzidos de comporta, é dado um breve descritivo da abrangência e limitações das

técnicas de modelagem física, mostrando sua necessidade no desenvolvimento do projeto

relacionando a interface com modelos numéricos e matemáticos. Justifica-se amplamente os

estudos em modelos reduzidos físicos como auxiliar no dimensionamento econômico do

equipamento e na implementação do tipo de operação mais adequada garantindo o sucesso do

empreendimento.

2

1- INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é a apresentação e discussão dos seguintes temas:

a participação das indústrias de equipamentos hidromecânicos durante o projeto de uma

usina hidrelétrica;

a importância dos estudos de equipamentos hidromecânicos dentro de um laboratório de

hidráulica;

a importância da formação de engenheiros e técnicos que atuam nesses estudos;

as tendências dos projetos atuais e as soluções encontradas durante um estudo em modelo

reduzido.

2- A ATUAÇÃO DAS INDÚSTRIAS HIDROMECÂNICAS

No final da década de 1940, já se iniciava no Brasil a fabricação dos primeiros equipamentos

hidromecânicos destinados ao setor energético, incluindo barragens e eclusas fluviais no âmbito

do território nacional. Desde então, estabeleceu-se e consolidou-se a tecnologia nacional através

de muitos investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, buscando a indústria

nacional um diferencial competitivo estratégico através de intercâmbio de engenheiros e técnicos,

tanto na área estrutural e conceitos de funcionamentos dos equipamentos como em Laboratórios

de Hidráulica de Universidades e privados, destinados a ensaios em modelo reduzido de

equipamentos hidromecânicos. Tais iniciativas proporcionaram um diferencial que se mantém até

os dias atuais. As tecnologias vem de renomadas empresas estrangeiras incluido laboratórios da

Europa e EUA. Historicamente em função da demanda nacional de energia hidráulica,

estabeleceu-se uma relação de confiabilidade na construção de equipamentos que destaca-se

internacionalmente através da sua participação ativa na construção de uma das maiores usinas

operantes no mundo: a Hidrelétrica de Itaipu, além de outras de grande porte como Corumbá, Itá

Lajeado, Machadinho, Marimbondo, Paulo Afonso, Peixe Angical, Rosana, Serra da Mesa,

Taquaruçu, Tucurui, Xingó, assim como, Eclusas de Promissão, Jupiá, Três Irmãos e Tucurui.

3- A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS EM MODELOS REDUZIDOS NO

LABORATÓRIO DE HIDRÁULICA

Através da pesquisa aplicada realizada pelos Laboratórios de Hidráulica é que se investigam

as melhores formas e dimensões que são atribuídas às grandes obras hidráulicas, e que resultam

em projetos confiáveis tecnicamente com economia e segurança da obra.

O custo de uma pesquisa em modelo reduzido varia com a escala geométrica adotada e a

precisão dos resultados cresce com a escala, tanto no que concerne às observações quantitativas

como às qualitativas e aos fenômenos secundários. O projetista deve aliar todas essas condições

de modo a escolher a escala mais recomendável. A fixação da escala do modelo reduzido também

dependerá da área que se dispõe para a construção do modelo reduzido. A capacidade da vazão

das bombas de alimentação do modelo reduzido também é um fator de limite da escolha da escala

de semelhança adotada. Existem também outros fatores que limitam a escolha da escala do

modelo reduzido tais como: proteção contra intempéries, propriedades intervenientes, etc.

3

Somente através do exercício da técnica dos modelos reduzidos, com a aquisição de experiência

do pesquisador, é que todas essas nuances poderão ser abordadas apropriadamente.

Os resultados do estudo em modelo reduzido constituem previsões do que ocorrerá na obra

depois de executada, ou do que ocorrerá em um sistema por ocasião de um evento natural ou

provocado. A veracidade dessa previsão só poderá ser verificada se observações forem

programadas para o protótipo, em condições análogas às da experiência no laboratório. É através

do confronto entre os dados colhidos, no protótipo e no modelo, é que surge o grau de fidelidade

daquelas previsões. Esse confronto é recomendável, sempre que possível, pois nele repousa o

progresso da técnica dos modelos, bem como a confiança que os engenheiros poderão depositar

nessa prodigiosa técnica de pesquisa.

Os detalhes práticos de cada tipo de modelo, do ponto de vista da área de aplicação devem ser

aprendidos durante o estudo no Laboratório de Hidráulica. Em outras palavras: o conhecimento

da Teoria da Semelhança é necessário, porem não é suficiente para conduzir estudos em modelos

reduzidos.

4- A ATUAÇÃO DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO

Os cursos de graduação no Brasil sempre estiveram muito relacionados com a atividade

industrial, de maneira que com o progresso industrial a tendência de surgirem novos cursos,

novas escolas aumenta. No século XIX, a única escola de engenharia existente era a Academia

Real Militar, que formava engenheiros geógrafos e topógrafos com a finalidade de conduzir

estudos e elaborar trabalhos em minas, portos, canais, pontes, e estradas. Em seguida veio a

atividade agrícola, sendo criado na Bahia o Imperial Instituto de Agronomia, no qual formava-se

engenheiros agrônomos. O século XX iniciou-se num contexto turbulento economicamente, por

consequência da grande crise no mercado cafeeiro. No entanto, mesmo em meio a crises, o setor

industrial cresceu nesse início de século. O Ensino de Engenharia se transformou para atender as

demandas do processo econômico. No pós-guerra, 1945, houve um crescimento industrial, por

meio de programas desenvolvimentistas. Nesse mesmo período, também, constatou-se uma

ampliação das escolas de engenharia. Durante a década de 1960, o mercado industrial continuou

promissor. Criou-se o curso de Engenharia Automobilistica para atender o setor automobilístico.

A partir de 1970, o Brasil entrou num período de grande expansão industrial. Novos métodos e

técnicas de produção foram introduzidos nas indústrias. Essas mudanças demandaram um novo

profissional, incluindo-se o engenheiro de produção. Em 1990, implantou-se o processo de

reformulação curricular. O curso de engenharia tinha como objetivo formar profissionais mais

críticos. Nos últimos anos, o movimento de reestruturação produtiva impôs novas necessidades

no âmbito do setor industrial brasileiro. Necessitou-se de profissionais com as características da

gestão e da tecnologia, com uma formação de caráter generalista e ao mesmo tempo em que

possuísse conhecimentos específicos relativos ao trabalho que desenvolve.

No inicio do século XXI, na área de energia, surgiram cursos tais como: engenharia hídrica,

engenharia ambiental, engenharia do petróleo, engenharia física, uma vez que o mundo está

buscando formas de energias limpa.

Sabe-se que qualquer curso de Engenharia tem na grade curricular a matéria “Mecânica dos

Fluidos” ou “Hidráulica”, na qual se ensina que as equações gerais dos movimentos dos fluidos,

juntamente com as condições de contorno e com as características iniciais do fluido em

movimento deveriam permitir, do ponto de vista físico, a solução teórica completa dos problemas

4

da hidrodinâmica dos fluidos incompressíveis. Pelo fato dessas equações serem muito complexas,

comumente aplicam-se hipóteses simplificadoras para resolvê-las. Tas hipóteses devem ser muito

bem justificadas para que os resultados finais possam ser aceitos como próximos da realidade.

Há décadas, na busca de resultados dos problemas da hidrodinâmica se emprega

sistematicamente os modelos físicos em escala reduzida. A teoria da semelhança fornece o

suporte técnico para o estudo experimental de problemas específicos da hidrodinâmica, dela

decorrendo a técnica dos modelos reduzidos que tanto tem contribuído ao desenvolvimento da

hidráulica. Não existe mesmo em nenhum outro campo da Física em que essa teoria tenha

contribuído tanto quanto na “Mecânica dos Fluidos”. Ela permite o estudo dos problemas reais da

hidrodinâmica em escala de laboratório, cuja ideia original é de ensaiar em modelo de pequenas

dimensões para se tirar conclusões sobre o que ocorrerá no protótipo de tamanho verdadeiro. As

pesquisas que se fundamentam na Teoria da Semelhança são feitas para definir o projeto de uma

única obra de alto custo, cujo investimento justifique as despesas com a construção e exploração

de seus modelos reduzidos como é o caso de grandes barragens, grandes turbinas hidráulicas, etc.

Apoiada na teoria da semelhança mecânica surgiu na hidráulica a técnica dos modelos reduzidos,

que se difundiu rapidamente como uma ferramenta eficaz com que o engenheiro pode contar para

a definição dos seus projetos. Em muitos casos é ainda essa ferramenta a única de que dispõe o

projetista para chegar a uma solução viável. Para que alguém se torne capaz de realizar modelos

físicos em qualquer área da tecnologia, deve em primeiro lugar conhecer os fenômenos, as

grandezas e as relações específicas do setor em questão.

Os cursos de graduação de Engenharia oferecem em muitas matérias aulas de laboratórios,

complementando a fixação dos conceitos teóricos. Muitas universidades porem não investe o

suficiente nesses laboratórios, seja por falta de espaço físico, seja por falta de verba, deixando

porem uma lacuna importante no curso oferecido. Geralmente se um curso é formado por classes

muito grandes, o ideal é que as aulas práticas sejam divididas em vários grupos de maneira a se

ter um número pequeno de alunos.

O engenheiro quando entra num laboratório de hidráulica e se depara com o estudo de um

equipamento hidromecânico vai ter que usar todo o conhecimento adquirido ao longo de anos de

graduação. Às vezes ele tem uma bagagem mais promissora e muitas outras não, depende da

universidade que ele foi formado e das aptidões particulares dele principalmente. Inicialmente,

um engenheiro, num laboratório de hidráulica para o estudo de uma comporta hidráulica, por

exemplo, vai buscar as referências bibliográficas seguidas de todo o conceito do projeto, e

finalmente ele vai partir para as definições das escalas a serem empregadas, usando os conceitos

adquiridos na Mecânica dos Fluídos e ou na Hidráulica. Uma vez definida a escala do modelo

reduzido, partem-se para a definição de toda a instrumentação a ser utilizada durante os ensaios.

Deve-se sempre ir à busca de instrumentação atualizada tecnologicamente, tanto no que diz

respeito à aquisição dos sinais elétricos esperados, como nos tempos de resposta do fenômeno

estudado. Com a tecnologia em pleno desenvolvimento, a oferta de instrumentos aumenta e pode-

se dizer também que os preços tendem a ter uma queda significativa. Isso ajuda e muito nos

resultados encontrados dos ensaios, pois com instrumentação e escala adequada atingem-se

excelentes precisões. Outro ponto que pode ser comentado, é que durante os ensaios de

laboratório de um equipamento hidromecânico, há a necessidade de o engenheiro fazer

observações sucessivas no fenômeno que acontece no modelo físico e fazendo analogia com os

aspectos teóricos envolvidos. Isso contribui e muito para a qualidade dos ensaios realizados, pois

o engenheiro passa a ter uma sensibilidade muito grande do que acontece e também do que pode

acontecer. Mas essas observações tem que ser feitas juntamente com engenheiros experientes.

5

Cabe a indústria hidromecânica absorver e estimular esses engenheiros experimentais, bem como

ampliar os seus devidos planos de carreira, oferecendo sempre uma busca maior de

conhecimentos.

5- AS TENDÊNCIAS NOS ATUAIS PROJETOS

Hoje em dia, os engenheiros projetistas para atender as exigências ambientais impostas para a

construção de uma usina hidrelétrica vêm se deparando com uma série de problemas e situações

tais quais: as comportas de vertedouros estão cada vez mais largas, o número de comportas cada

vez maiores, os níveis de jusante cada vez mais altos propiciando ressaltos hidráulicos muitas

vezes nocivos às operações dessas comportas devido às flutuações de pressão e causando um

verdadeiro transtorno à barragem propriamente dita.

Sabe-se que durante a operação de várias comportas, devem ser levados em consideração os

efeitos abaixo elencados:

Grau de abertura de cada comporta;

O Termo cinético do escoamento de aproximação à estrutura, por montante;

A presença de pilar entre comportas adjacentes;

A presença de uma comporta totalmente fechada entre duas operantes;

O afogamento do escoamento a jusante.

Essas considerações podem ser resolvidas somente com o estudo em modelo reduzido

tridimensional em laboratório de hidráulica, onde a obra civil vai ser avaliada sob os aspectos de

aproximação do escoamento sob a estrutura. Um estudo tridimensional exige escala reduzida

menor do que o estudo da comporta propriamente, tendo em vista que esta deverá ser grande o

suficiente de maneira que toda a instrumentação nela instalada não acarrete variações

geométricas sensíveis. E, como um estudo em laboratório é uma pesquisa experimental, deve-se

ter prazos suficientes para que o estudo determine todos os objetivos esperados no projeto.

Durante o projeto de uma usina hidrelétrica a obra civil tem que estar também comprometida

com o projeto do equipamento hidromecânico.

6- ESTUDOS DE CASOS

Para mostrar a importância do estudo em modelo reduzido num laboratório de hidráulica

de um equipamento hidromecânico selecionaram-se três exemplos de estudo em estruturas

hidráulicas com comportas segmento com funções diferentes e que durante esses estudos pôde-se

recomendar alterações importantes na lei da manobra, recomendações no projeto da comporta

para que essa, durante a operação na usina funcione com a máxima eficiência, proporcionando

segurança e estabilidade na usina hidrelétrica em operação.

1º CASO- Comporta Segmento de Fundo- UHE CAMBAMBE

Neste estudo em laboratório de hidráulica procurou-se modelar uma comporta segmento

de fundo. Esta estrutura hidráulica tem normalmente elevadas cargas hidráulicas as quais geram

velocidades altas a jusante acarretando o fenômeno da cavitação. A Usina de Cambambe foi

projetada e construída ao longo dos anos de 1960 e, nessa época foi construído um modelo

reduzido num dos laboratórios de hidráulica existente na Europa. Após anos de funcionamento,

6

durante uma manutenção dos equipamentos hidromecânicos, percebeu-se um enorme efeito do

fenômeno da cavitação provocado pelo escoamento sob a comporta, logo a jusante da mesma, e

que chegou a comprometer a estrutura do túnel.

Um novo estudo em modelo reduzido foi então iniciado no Brasil, num laboratório de

hidráulica para que se pudesse avaliar o projeto dos aeradores. Tratava-se de um escoamento livre

com emulsão ar e água e a dificuldade na execução destes ensaios estava relacionada às medições

de velocidades de ar e às condições de semelhança.

Conforme a figura 1 abaixo, no projeto original, a comporta segmento de fundo estava

alojada na soleira reta, de maneira que todo o escoamento sob a comporta estava submetido a

grandes velocidades e portanto a baixas pressões, provocando a cavitação no túnel.

Figura 1- Corte da descarga de fundo da UHE Cambambe. Comporta Segmento de Fundo

e Comporta Ensecadeira tipo lagarta

A Figura 2 abaixo ilustra os danos causados no protótipo pela cavitação.

Figura 2- Vista de montante para jusante do túnel de descarga de fundo

7

Durante os novos ensaios em modelo reduzido, mediram-se as pressões médias no

escoamento. Estas apresentaram resultados muito baixos. Para aumentar o valor dessas pressões

médias, optou-se por projetar a jusante da comporta segmento ranhuras de maneira que ela

provocasse um salto no escoamento e provocasse o descolamento do fluxo de água. para que

aumentasse a entrada de ar no fundo do túnel, aumentando, portanto a pressão no piso do túnel

para o valor da pressão atmosférica local. Os detalhes dos aeradores estão ilustrados na Figura 3.

Figura 3- Projeto dos aeradores a jusante da comporta segmento de fundo

Figura 4- Vista parcial do Modelo reduzido físico

Conclusão:

Embora esse estudo tenha tido na época um modelo reduzido para definir as condições

de fluxo, o problema da cavitação foi descoberto no protótipo, após uma inspeção de

manutenção. Foi necessário gastos na obra civil (ranhura e degrau) para que atendesse

um novo projeto de aeração;

8

Na época da implantação desse estudo em modelo reduzido, os instrumentos de

medição e os equipamentos de análise dos sinais, com certeza não tinham a frequência

de resposta que os fenômenos hidráulicos estão sujeitos. Hoje em dia, todas as

instrumentações utilizadas nos laboratórios respondem cada vez mais aos fenômenos

hidráulicos estudados;

O projeto das ranhuras laterais e do degrau inferior foi avaliado qualitativamente

através da visualização do escoamento através do estudo em modelo reduzido em

laboratório de hidráulica e posteriormente implantado na usina;

Uma vez definido o projeto da nova ranhura e do degrau inferior é que se pôde definir

através do modelo reduzido no laboratório de hidráulica as várias condições de

operação previstas no protótipo impondo uma segurança na barragem;

A experiência do projetista dos aeradores e do equipamento hidromecânico num

laboratório contribuiu para a solução encontrada.

2º CASO- COMPORTA SEGMENTO DE SUPERFÍCIE- UHE SANTO ANTONIO

Outro estudo de caso refere-se também a uma comporta segmento só que com a função de

superfície. Esse tipo de comporta é utilizado em vertedouros de barragens, pois sua concepção e

funcionalidade é bastante recomendada devido à praticidade na operação, manutenção e

segurança.

Com a tendência atual de se projetar barragens a fio d’água, o escoamento a jusante sob a

comporta, para algumas posições da lei de manobra, tem gerado um ressalto hidráulico afogado.

O nível de jusante fica acima da soleira afogando a estrutura da comporta. Portanto a estrutura a

jusante da comporta acaba recebendo a dissipação da energia do ressalto hidráulico, gerando

então esforços indesejáveis. A comporta segmento necessita em sua estrutura de uma viga

horizontal inferior com dimensões elevadas, em função da impulsão hidráulica. Para a condição

de ressalto submerso esta viga inferior fica sujeita a dissipação de energia gerada pelo ressalto

hidráulico. Sempre houve dificuldade em medições destes esforços hidráulicos na comporta

segmento. A técnica de ensaio em modelo reduzido em um modelo bi dimensional, desenvolvida

no laboratório de hidráulica na qual o estudo foi realızado, separa a chapa de face da comporta da

estrutura a jusante, conforme ilustrado na figura 5.

Figura 5- Modelo reduzido da comporta segmento- estrutura a jusante (verde)

9

Com essa configuração, a estrutura da comporta segmento recebe os esforços hidráulicos

que deverão ser medido e a chapa de face permite que se posicione a abertura da comporta

concomitante com a estrutura de jusante.

Figura 6- Modelo reduzido da comporta segmento- chapa de face lisa e estrutura em latão.

Figura 7- Modelo reduzido da comporta segmento- chapa de face

Os esforços hidráulicos foram determinados para várias aberturas da comporta através de um

sistema de alavanca conforme ilustrado na figura 8, impondo-se vários níveis de jusante para um

mesmo nível de montante da comporta.

10

Figura 8- Sistema de medição de esforços

Ft Força no Transdutor;

Cp Contra Peso;

E Empuxo;

P Peso;

Fh Força Hidráulica;

a Distância entre o ponto de giro e a força no transdutor;

b Distância entre o ponto de giro, o empuxo e o peso;

c Distância entre o ponto de giro e a força hidráulica;

d Distância entre o ponto de giro e o contra peso.

A figura 9 mostra a oscilação do nível de jusante para uma determinada condição de ensaio:

11

Figura 9- Modelo reduzido bidimensional – Comporta segmento lateral do modelo- Vista do

nível de jusante.

Conclusão:

Foi através do estudo no laboratório que se percebeu que os esforços diminuíam à medida

que se aumentava o nível de jusante da comporta;

O sistema de medição de esforços utilizado permitiu uma avaliação média das forças

oscilatórias na viga horizontal inferior;

Durante os ensaios definiram-se exatamente os níveis de jusante permitidos para a

operação dessa comporta;

Com a tendência da existência das barragens a fio d’água, e das inúmeras comportas

instaladas, os ensaios em modelos reduzidos tornaram-se obrigatórios para a definição dos

procedimentos para as operações de aberturas das comportas de vertedores.

3º CASO: Comporta Segmento Invertida- Eclusas de Tucurui

O terceiro estudo de caso também se refere às comportas segmento, porem invertidas, as

utilizadas em sistemas de enchimento e esvaziamento de Eclusas. Geralmente essas comportas

são submetidas a elevadas cargas e consequentemente na sua operação de abertura geram a

jusante das mesmas altas velocidades e baixas pressões, necessitando muitas vezes uma lei de

manobra especial para determinadas condições de subemergência.

O exemplo abaixo mostra a importância na qual as medições de pressões médias

realizadas num estudo de modelo reduzido, podem auxiliar na definição da lei de manobra e

consequentemente definir a lei de enchimento da eclusa.

Convencionalmente as confecções de gráficos das pressões médias em função das posições

no sentido longitudinal dos aquedutos mostraram-se adequados. Mas neste caso após o

12

comissionamento do sistema de enchimento da obra, várias dificuldades foram detectadas com

aberturas totais da comporta as quais estão listadas abaixo:

Velocidades altas de ar entrando pela aeração que provocaram ruídos excessivos;

Vibrações das estruturas de concreto;

Oscilações excessivas da comporta segmento invertida.

Conclusão:

A operação de abertura total sem parada intermediária não era adequada para algumas

condições de níveis de jusante.

A técnica de ensaio e a sensibilidade dos técnicos do laboratório de hidráulica em modelo

reduzido foram fundamentais para a decisão da alteração da lei de manobra na obra.

Através dos gráficos de pressões médias obtidas no laboratório e uma análise mais

apurada dos resultados foi possível a comparação das informações da obra com os dados

do laboratório.

Foi realizada uma análise por sessões transversais ao longo do trecho em estudo e pelos

gráficos de seções transversais definiu-se a necessidade de paradas intermediárias.

A resposta dos dados do modelo reduzido foi imediata e decisiva para definição da nova

lei de manobra do enchimento da câmara da eclusa.

Figura 10-Modelo reduzido da Eclusa 2 de Tucurui – Sistema de enchimento

13

Figura 11- Gráfico das leituras de pressões médias longitudinal dos aquedutos do

enchimento para várias aberturas de comporta segmento

Figura 12- Gráfico das leituras de pressões médias transversal dos aquedutos do

enchimento para várias aberturas de comporta segmento.

Eclusa 2 (Enchimento) - Pressões Efetivas

0

10

20

30

40

50

60

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45

N.A. Câmara [m]

Pre

ssão

[m

.c.a

.]

S-6 LM-13 LI-9 I-11

14

7- CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O cronograma de uma obra deverá respeitar prazos maiores dos estudos em modelos

reduzidos e de preferência ter prazos de construção da obra posteriores aos primeiros

resultados dos ensaios realizados no laboratório;

Durante o projeto de uma UH o gerenciamento deverá dar a atenção necessária também

aos equipamentos hidromecânicos tais como comportas, grades, e sistemas de

acionamento, pois a obra é composta do projeto da barragem (civil), da máquina e dos

equipamentos. Se não forem avaliados os itens básicos no desenvolvimento do projeto,

estes podem acarretar prejuízos técnicos, financeiros e de segurança;

Percebe-se que a redução de custos da obra, está sempre evitando a construção de um

estudo em modelo reduzido que logicamente encarece o projeto, mas diante dos atuais

projetos de usinas hidrelétricas, onde um número muito grande de comportas é projetado,

o preço da fabricação decresce, e provavelmente o preço do estudo em modelo reduzido

pode ficar relativamente muito pequeno diante dos benefícios encontrados.

Um estudo em modelo reduzido de um equipamento hidromecânico somente terá sucesso

se o laboratório de hidráulica juntamente com os técnicos e engenheiros envolvidos

tiverem tido oportunidades suficientes de vivenciar o momento com profissionais com

bastante experiência. Para isso os laboratórios de hidráulica devem ter a preocupação de

manter uma continuidade do corpo técnico;

Um laboratório tem que investir em instrumentação, pois toda a instrumentação tem que

ser adequada para evitar análises distorcidas;

Está claro que a tendência dos atuais projetos de obras hidráulicas requer a habilidade

física de um engenheiro e técnicos dentro de um laboratório de hidráulica, tornando um

fator determinante para o sucesso dos resultados;

O avanço do ensino de engenharia no Brasil sempre esteve ligado aos interesses da

produção industrial. Atualmente, nessa fase de busca de energia limpa e sustentável

espera-se uma rápida implantação de reformas curriculares, contribuindo para as

necessidades da indústria hidromecânica;

Assim como nos anos 60 criou-se o curso de Engenharia Automobilística para atender

esse tipo de indústria, recomenda-se que as indústrias hidromecânicas absorvam e treinem

engenheiros das áreas hídricas, mecânica e elétrica;

Os laboratórios de hidráulica tem que ter o comprometimento de formar e manter uma

equipe de engenheiros especialistas de ponta.

15

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bulletins of German Association for Water Resources and Improvement (DVWK), BONN.

nº 7. Hydraulic Modeling. Editor Prot. Helmut Kobus, Stuttgart – 1980. 333 pages. Distributed by Verlog

Paul Parey – Hamburg, Berlin. In collaboration with Pitman-Boston. London, Melbourne;

DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA. Estudo dos coeficientes de vazão das

comportas da Barragem Móvel do Rio Tietê. Relatório Final, outubro de 2009

ERBISTE, P.C.F. Comportas hidráulicas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: 2002. 394 p.;

Pimenta, Carlito Flávio- Hidráulica - Estudo e ensino. São Paulo, EPUSP, 1970. 2 v;

Os cursos de Engenharia no Brasil. Disponível em:

<http://www.senept.cefetmg.br/galerias/Arquivos.../TerxaTema2Artigo2.pdf. acesso em: 23/04/212.

16

(1)José Afonso Pedrazzi

(2)Yvone de Faria Lemos De Lucca

(1) Engenheiro civil pela PUCC (1979), possui mestrado em Engenharia Civil pela Escola

Politécnica da USP (1994), na área de Hidráulica e Saneamento. Atua em pesquisa experimental

sobre Comportas Hidráulicas e Ensaios Hidromecânicos. De 1984 a 1996 trabalhou como

engenheiro e pesquisador na área de Hidromecânica do Centro Tecnológico de Hidráulica (CTH-

DAEE-USP). De 1996 até a presente data trabalha no Laboratório de Hidráulica da Bardella S.A

Indústrias Mecânicas. É professor da Faculdade de engenharia de Sorocaba – FACENS,

ministrando aulas de Hidráulica, Hidrologia, Drenagem Urbana, Obra Hidráulica e Sistemas

Termofluidodinâmico.

(2) Engenheira mecânica pela FEI (1975), possui mestrado em Engenharia Mecânica pela Escola

Politécnica da USP (1986) e doutorado em Engenharia Hidráulica pela Escola Politécnica da USP

(1998). Pós-doutoranda no Departamento de Recursos Hídricos e Ambientais da Faculdade de

Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp desde outubro de 2009. Engenheira

pesquisadora do CTH- DAEE-USP desde 1976. Atualmente é também pesquisadora

colaboradora do Departamento de Recursos Hídricos e Ambientais da Faculdade de Engenharia

Civil-, FEC-UNICAMP. Professora de Transmissão de calor e de Máquinas de Fluxo na

FEFAAP e de Pós-graduação na área de cavitação e equipamentos hidromecânicos na

UNICAMP.