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103 13 1[2011 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do instituto de arquitetura e urbanismo iau-usp Fabiano Lemes de Oliveira Arquiteto e Urbanista, professor doutor da Portsmouth School of Architecture, University of Portsmouth, Portland Building, Portland Street, Portsmouth, PO1 3AH, Inglaterra, +44 02392 842090, [email protected] correspondentes S Utopia e o ensino de arquitetura: reflexões sobre as exposições estudantis de arquitetura de Londres im, Habermas 1 tinha razão, o projeto de modernidade não está morto; e o fim da utopia alegado por Jacoby 2 está longe de ser realidade. Faz falta apenas ter visitado algumas das exposições estudantis de arquitetura no verão londrino deste ano para se chegar a essa conclusão. Como o projeto de modernidade e a busca da utopia estão sendo perseguidos? Bem, a sugestão de Adorno de que nós deveríamos “contemplar todas as coisas como elas se apresentariam no momento da redenção” 3 , como apareceriam um dia na “luz messiânica”, parece ter sido completamente adotada na maioria dos projetos que vi na sexta-feira, 1 de Julho, na Westminster School of Architecture, na Architectural Association (AA) e na Bartlett School of Architecture 4 . A questão passa a ser então, como será o momento da redenção? Quando, ao longo da flecha do tempo, devemos parar e lançar as âncoras das nossas aspirações arquitetônicas? E como podemos fazê-lo? A crença moderna na máquina e no progresso como motores da liberação humana se verifica em toda parte nos trabalhos que vi. O questionamento de Giedion da fé nestes princípios do movimento moderno, discutidos em seu livro Mechanization Takes Command 5 , como sabemos, foi logo posto a parte sobretudo pelas obras do Team 10 e dos Metabolistas nos anos 50 e 60. A busca da modernidade nunca chegou a parar, ermergindo de tempos em tempos, nas décadas seguintes, e floresce hoje nesta nova geração de graduados. Há um novo archigranismo e um novo metabolismo no ar, complementado com o parametricismo 6 de Schumacher e Hadid agora na moda. Levando em conta o slogan da exposição da AA: “o futuro está começando a se tornar um projeto novamente”, pode-se começar a identificar como a escola se coloca ao longo desta marcha para um futuro brilhante, onde a máquina terá um papel fundamental e sempre presente. De fato, em todas as exposições, várias propostas manifestaram uma forte tendência à dependência da mecanização, tão semelhante aos seus antecessores, combinada agora com processos digitais e outras questões relacionadas ao zeitgeist, mais especificamente ao pensamento e cultura contemporâneos como: a complexidade dos sistemas urbanos, a idéia de multiculturalismo e a sustentabilidade. Há a sensação de que o momento da redenção vem de certa forma tirado de um cenário pós-apocalíptico “à la” Blade Runner de Ridley Scott. A este respeito, a formalidade modernista na implementação de ordem e do progresso técnico na vida cotidiana encontra seu caminho agora através da incertidão formal, distorção, justaposição, sobreposição, explosão e colagem. É interessante ver como o mundo digital não conseguiu de nenhuma maneira substituir completamente o encantamento pelas máquinas. Elas são usadas para nos ajudar, a humanidade, a sobreviver no futuro de um mundo esquentado, sufocado e inundado pelo aquecimento global. Elas parecem ser a nossa salvação no momento da redenção. De volta a Adorno. A “luz messiânica” brilhando sobre estes cenários ilumina o ícone, que é devastadoramente adotado como o totem indicando o caminho a seguir. A ideologia do ícone e da espetacularidade como legado contemporâneo para o futuro está em toda parte e deixa uma sombra densa sobre as tipologias arquitetônicas e tecidos urbanos mais tradicionais. O dinamismo do trabalho exposto, o 1 Habermas, J. (1991). Mo- dernity: an unfinished project. In: Ingram, J; Ingram, D. Criti- cal Theory, the Essential Read- ings. New York: Paragon. 2 Jacoby, R. (1999). The End of Utopia: Politics and Culture in an Age of Apathy. New York: Basic Books. 3 Adorno, T. (1974). Minima Moralia: Reflections from Damaged Life. London: NLB. 4 A University of Westminster foi fundada em 1838 como a primeira escola politécni- ca do Reino Unido e a sua escola de arquitetura é um dos centros de excelência em pesquisa e ensino no país. A Architectural Association foi fundada em 1847e é uma das instituições mais famosas do mundo na área. Peter Cook, Richard Rogers, Zaha Hadid, David Chipperfield e Rem Koolhaas se graduaram na AA. Fundada em 1841, a Bar- tlett School of Architecture da University College London é também uma das pioneiras no ensino de arquitetura no Reino Unido e tem mantido papel de destaque no debate arquitetônico internacional. Peter Cook foi um dos seus diretores e ainda atua como mentor da escola. 5 Giedion, S. (1948). Mecha- nization Takes Command: a contribution to anonymous history. New York: Oxford University Press. 6 Schumacher, P. (2009). Para- metricism: a new global style for architecture and urban design. In: AD Digital Cities, v. 79, n.4, jul-ago, p.14-23.

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ensino arquitetura ,utopia

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  • 10313 1[2011 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de ps-graduao do instituto de arquitetura e urbanismo iau-usp

    Fabiano Lemes de OliveiraArquiteto e Urbanista, professor doutor da Portsmouth School of Architecture, University of Portsmouth, Portland Building, Portland Street, Portsmouth, PO1 3AH, Inglaterra, +44 02392 842090, [email protected]

    correspondentes

    S

    Utopia e o ensino de arquitetura: reflexes sobre as exposies estudantis de arquitetura de Londres

    im, Habermas1 tinha razo, o projeto de modernidade

    no est morto; e o fim da utopia alegado por

    Jacoby2 est longe de ser realidade. Faz falta apenas

    ter visitado algumas das exposies estudantis

    de arquitetura no vero londrino deste ano para

    se chegar a essa concluso. Como o projeto de

    modernidade e a busca da utopia esto sendo

    perseguidos? Bem, a sugesto de Adorno de que

    ns deveramos contemplar todas as coisas como

    elas se apresentariam no momento da redeno3,

    como apareceriam um dia na luz messinica,

    parece ter sido completamente adotada na maioria

    dos projetos que vi na sexta-feira, 1 de Julho, na

    Westminster School of Architecture, na Architectural

    Association (AA) e na Bartlett School of Architecture4.

    A questo passa a ser ento, como ser o momento

    da redeno? Quando, ao longo da flecha do

    tempo, devemos parar e lanar as ncoras das

    nossas aspiraes arquitetnicas? E como podemos

    faz-lo?

    A crena moderna na mquina e no progresso

    como motores da liberao humana se verifica em

    toda parte nos trabalhos que vi. O questionamento

    de Giedion da f nestes princpios do movimento

    moderno, discutidos em seu livro Mechanization

    Takes Command5, como sabemos, foi logo posto

    a parte sobretudo pelas obras do Team 10 e

    dos Metabolistas nos anos 50 e 60. A busca da

    modernidade nunca chegou a parar, ermergindo

    de tempos em tempos, nas dcadas seguintes, e

    floresce hoje nesta nova gerao de graduados. H

    um novo archigranismo e um novo metabolismo

    no ar, complementado com o parametricismo6 de

    Schumacher e Hadid agora na moda. Levando em

    conta o slogan da exposio da AA: o futuro est

    comeando a se tornar um projeto novamente,

    pode-se comear a identificar como a escola se coloca

    ao longo desta marcha para um futuro brilhante,

    onde a mquina ter um papel fundamental e

    sempre presente. De fato, em todas as exposies,

    vrias propostas manifestaram uma forte tendncia

    dependncia da mecanizao, to semelhante

    aos seus antecessores, combinada agora com

    processos digitais e outras questes relacionadas

    ao zeitgeist, mais especificamente ao pensamento

    e cultura contemporneos como: a complexidade

    dos sistemas urbanos, a idia de multiculturalismo

    e a sustentabilidade.

    H a sensao de que o momento da redeno vem

    de certa forma tirado de um cenrio ps-apocalptico

    la Blade Runner de Ridley Scott. A este respeito, a

    formalidade modernista na implementao de ordem

    e do progresso tcnico na vida cotidiana encontra

    seu caminho agora atravs da incertido formal,

    distoro, justaposio, sobreposio, exploso e

    colagem. interessante ver como o mundo digital

    no conseguiu de nenhuma maneira substituir

    completamente o encantamento pelas mquinas.

    Elas so usadas para nos ajudar, a humanidade, a

    sobreviver no futuro de um mundo esquentado,

    sufocado e inundado pelo aquecimento global.

    Elas parecem ser a nossa salvao no momento da

    redeno. De volta a Adorno.

    A luz messinica brilhando sobre estes cenrios

    ilumina o cone, que devastadoramente adotado

    como o totem indicando o caminho a seguir. A

    ideologia do cone e da espetacularidade como

    legado contemporneo para o futuro est em

    toda parte e deixa uma sombra densa sobre as

    tipologias arquitetnicas e tecidos urbanos mais

    tradicionais. O dinamismo do trabalho exposto, o

    1 Habermas, J. (1991). Mo-dernity: an unfinished project. In: Ingram, J; Ingram, D. Criti-cal Theory, the Essential Read-ings. New York: Paragon.

    2 Jacoby, R. (1999). The End of Utopia: Politics and Culture in an Age of Apathy. New York: Basic Books.

    3 Adorno, T. (1974). Minima Moralia: Reflections from Damaged Life. London: NLB.

    4 A University of Westminster foi fundada em 1838 como a primeira escola politcni-ca do Reino Unido e a sua escola de arquitetura um dos centros de excelncia em pesquisa e ensino no pas. A Architectural Association foi fundada em 1847e uma das instituies mais famosas do mundo na rea. Peter Cook, Richard Rogers, Zaha Hadid, David Chipperfield e Rem Koolhaas se graduaram na AA. Fundada em 1841, a Bar-tlett School of Architecture da University College London tambm uma das pioneiras no ensino de arquitetura no Reino Unido e tem mantido papel de destaque no debate arquitetnico internacional. Peter Cook foi um dos seus diretores e ainda atua como mentor da escola.

    5 Giedion, S. (1948). Mecha-nization Takes Command: a contribution to anonymous history. New York: Oxford University Press.

    6 Schumacher, P. (2009). Para-metricism: a new global style for architecture and urban design. In: AD Digital Cities, v. 79, n.4, jul-ago, p.14-23.

  • Utopia e o ensino de arquitetura: reflexes sobre as exposies estudantis de arquitetura de Londres

    10413 1[2011 correspondentes

    Figuras 1 e 2: Exposio estudantil de arquitetura 2010-11 na Westminster School of Architecture. Fonte: fotos de Fabiano Lemes de Oliveira.

    seu vigor e vertente expressionista so representados

    visualmente pelo movimento inquieto das formas,

    pelas linhas angulares (muitas linhas), cores fortes

    e imagens impactantes, umas inquietantes e outras

    inspiradoras.

    Quem sabe este pode ser, como proclamado, o futuro

    da arquitetura, da arquitetura elitista e de autor pelo

    menos. No entanto, o Reino Unido , provavelmente

    de modo dessemelhante a muitos outros pases,

    capaz de se sobrepujar na sua capacidade de

    produo de arquitetura de alta qualidade em ambas

    extremidades do espectro, tanto nas abordagens

    mais idealistas e futuristas como pode ser visto

    em Londres quanto nas vertentes mais empiricistas

    e realistas, como demonstrado por escolas como

    a Portsmouth School of Architecture7. Assim, qual

    o caminho levar arquitetura do momento da

    redeno? Eu no tenho a mnima idia, mas acredito

    haver lugar tanto para os ensinamentos de Rowe,

    Cullen e Alexander, como para os dos Smithsons,

    Cook e Hadid.

    7 A University of Portsmouth tem suas origens em 1869 e durante 1960 e 1992 era conhecida como uma escola politcnica. O curso de arqui-tetura tem suas razes nesse perodo e tem se consolidado como um forte centro nacio-nal com nfase no equilbrio entre conhecimento tcnico e explorao terico-con-ceitual.

  • Utopia e o ensino de arquitetura: reflexes sobre as exposies estudantis de arquitetura de Londres

    10513 1[2011 correspondentes

    Figuras 3, 4 e 5: Projetos expostos na Bartlett School of Architecture. Fonte: fotos de Fabiano Lemes de Oliveira.

  • Utopia e o ensino de arquitetura: reflexes sobre as exposies estudantis de arquitetura de Londres

    10613 1[2011 correspondentes

    Figuras 6 e 7: Exposio es-tudantil de arquitetura 2010-11 na AA. Fonte: fotos de Fabiano Lemes de Oliveira.