5245-20360-1-sm
TRANSCRIPT
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
1/19
91
Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Novos atores no sistema
internacional contemporneo:as unidades subnacionais na novageografia econmica transnacional
New actors in the contemporary internationalsystem: the role of subnational units in the
new context of transnational economy
Luciana Paiva
Marina Scotelaro
ResumoA intensificao de fluxos econmicos e de co-
municao desde a dcada de 1970, a perda de
centralidade da agenda de segurana na polti-
ca internacional e a consequente ampliao da
agenda temtica das relaes internacionais,
sobretudo no que se refere descentralizao
da execuo poltica no cenrio mundial, foram
mudanas cruciais na redefinio do sistema in-
ternacional contemporneo. Em decorrncia dos
impactos da globalizao e da interdependncia
complexa, o Estado tem seu papel redefinido com
a emergncia das unidades subnacionais frente
s demandas de nveis locais e regionais. Nes-
te artigo elaboramos uma contextualizao do
processo de emergncia das cidades no mbito
internacional com o intuito de analisar seu desen-
volvimento e suas potencialidades de atuao da
forma como tm se inserido atualmente no cen-
rio internacional.
Palavras-chave:Globalizao; Sistema interna-
cional; Estado; Descentralizao; Unidades sub-
nacionais; Internacionalizao
AbstractThe intensification of economic flows and com-
munication since the 1970s, the end of bipola-
rity and the reduction of the security agenda as
a nodal point of international politics, the ex-
pansion of the thematic agenda of international
relations and decentralization of policy have been
changing the world scenario and redefining the
international system. As a result of the impacts of
globalization and complex interdependence, the
state has changed its role with the emergence of
subnational units to answer some local and regio-
nal demands, because the state actions are ineffi-
cient to handle them. Considering the complexity
of these processes, an analysis of the context in
which it is connected is required, as well as the
conditions of development, the potential role of
new actors and how they fit into the international
scenario today.
Key words: Globalization; International system;State; Decentralization; Subnational units; Inter-
nationalization.
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
2/19
92 Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
presente trabalho tem como objetivo discutir o processo de emer-gncia de unidades subnacionais no mbito poltico internacional.Para tanto, realizamos uma discusso inicial em torno da intensifi-cao dos fluxos econmicos e de comunicao ocorridos principal-mente em meados da dcada de 1970, intensificados aps o fim daGuerra Fria, que envolvia as potncias mundiais da poca, EstadosUnidos e Unio Sovitica. Nesse momento, o sistema tornou-se mul-tipolar e assuntos relativos segurana tiveram sua prepondernciareduzida na agenda internacional, enquanto outros temas emergiame demonstravam ser to importantes quanto a segurana fora.
A partir disso, desencadearam-se mudanas cruciais na for-mulao de polticas, dentre elas um importante movimento, a
ao descentralizada, que modifica os sentidos da poltica interna-cional de vrios Estados e suas interaes no mbito internacional.Dadas todas essas transformaes, o Estado tem seu papel redefi-nido, com a emergncia de novos atores polticos.
Dentre esses novos atores, as unidades subnacionais que,pela proximidade maior com a gesto das particularidades de suasrespectivas sociedades, conseguem lidar mais diretamente com asdemandas locais e regionais, quando, por muitas vezes, o Estado
se faz insuficiente para atend-las. Portanto, analisaremos os pro-cessos e o contexto em que todas essas modificaes ocorreram ecomo isso afeta o cenrio internacional.
Um contexto de transformaes
O perodo iniciado aps a II Guerra Mundial foi caracterizado,at a virada da dcada de 1990, pela existncia de duas superpotn-cias militares, os Estados Unidos e a Unio Sovitica, que disputaram
poder e influncia de forma competitiva e ideolgica segundo ordenscapitalista ou socialista, respectivamente, colocando em mxima evi-dncia questes referentes segurana (ROSENAU, 2005). A partirdas dcadas de 1970 e 1980 os fluxos internacionais sofreram umaprofunda intensificao no cenrio internacional, ocasionando mu-danas estruturais importantes no sistema internacional, sendo ofim da Guerra Fria um marco fundamental para delimitar o impactode tais modificaes (BARROS, 2009). O realismo1predominou de
1.Corrente explicativa das Relaes Internacionais que caracteriza os seres humanoscomo predominantemente competitivos e preocupados somente com o seu bem-estar(JACKSON; SORENSEN, 2007).
O
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
3/19
93
Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Novos atores no sistema internacional contemporneo:as unidades subnacionais na nova geografia econmica transnacional
tal forma que a definio de pazfoi condicionada por uma compe-tio aberta em termos de poder definido, luz de tal teoria, comocapacidade de manter a soberania, colocando assim o Estado comoprincipal ator das relaes internacionais (por ser o detentor domonoplio do uso da fora. Com o fim do bloco sovitico, a GuerraFria terminou, formando uma nova agenda internacional, quando ocapitalismo passou a predominar como um sistema concretamenteglobal (GALVO, 1998).
A partir desse momento, o campo de Relaes Internacionaisvoltou grande parte de seus estudos para explicaes sobre as mu-danas que estavam ocorrendo na poltica externa dos Estados,elaborando novos esquemas tericos com variveis anteriormen-
te tratadas de maneira indireta por tericos realistas, como, porexemplo, as relaes econmicas. Como tentativa potencialmentecomplementar para uma anlise das novas configuraes mundiaisque envolviam mudanas nas interaes entre os Estados, RobertKeohane e Joseph Nye (2001) propem um debate frutfero nesseaspecto, com a chamada interdependncia complexa. Tais autoreselaboraram modelos diferentes dos baseados nas teorias realistas,que se tornaram incapazes de compreender satisfatoriamente as
novas configuraes mundiais, no mais fundadas em questes pu-ramente blicas.Para sustentar sua afirmativa, os autores definem pressu-
postos bsicos que demonstram a existncia de interdependnciano mundo, dentre eles: mltiplos canais de comunicao, ou seja,novos atores, no apenas o Estado, como definidores do sistemainternacional; ausncia de hierarquia temtica: multinacionais eas demais agncias no-estatais seriam agentes igualmente impor-tantes s negociaes internacionais; e, por ltimo, a ausncia dehierarquia na agenda, uma vez que existem mltiplos atores intera-gindo no ambiente internacional (KEOHANE; NYE, 2001).
As novas temticas incorporadas pela agenda internacionalpassaram a tangenciar diversos aspectos, j que no s questestradicionalmente estatais estavam em foco, mas assuntos pluraisque agora permeiam o cenrio internacional, tais como: a garantiados direitos humanos, a atuao de organizaes no-governamen-tais, a ao poltica de unidades subnacionais, todos com impor-
tantes impactos internacionais. A partir desse momento surgiramnovos canais de interao no sistema, ao mesmo tempo em queesses novos atores com poder de atuao e influncia passaram a
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
4/19
94 Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Luciana Paiva et al
demandar mais espao nos fruns internacionais. Considerandoque os problemas polticos nem sempre podem ser resolvidos ade-quadamente de maneira isolada, a cooperao entre Estados-naoe agentes no-estatais passa a ser um nvel de interconexo impor-tante a se considerar.
O Estado ficou diante tanto de presses internas quanto ex-ternas, e sua autonomia interna acabou sofrendo um movimentode deslocamento, j que antes os Estados nacionais eram os nicosresponsveis por toda a ao no plano externo, e os nicos reco-nhecidos como atores internacionais, determinando a resoluoda agenda internacional. A nova agenda internacional ampliadatanto em nmero de temas como em nmero de atores tornou
mais complexa a diferenciao entre poltica interna e externa,alm de aumentar a necessidade de resolues rpidas para entra-ves internacionais. Por tais motivos, os entes federados passaramcrescentemente a ter maior autonomia de ao em relao Unio,a dizer, passaram a ter maior margem de manobra com relaoaos seus oramentos e maior nmero de competncias privativas econcorrentes (BARROS, 2009, p. 28), imposio tal para a prpriasobrevivncia do Estado.
Dessa forma, nesse novo perodo, com o sistema sem uma po-tncia central responsvel pelo seu ordenamento, empreendeu-seuma maior descentralizao do poder, a fim de que o Estado pudes-se responder melhor s novas demandas transnacionais. Tais fatosprovocaram uma mudana quantitativa no cenrio internacional;enquanto a interdependncia sistmica cresce, o nvel nacional permeado e transformado pelo internacional.
Manuel Castells (1999) descreve esse perodo como a era dachamada revoluo da informao, na qual avanos tecnolgicosconduziram a um decrscimo no custo de processamento e disse-minao da informao, o que levaria a um relativo nivelamentode poder entre os Estados, viabilizado pela simetria de acesso in-formao e, consequentemente, previsibilidade e possibilidade deaes polticas. Entretanto, o que se percebe so uma redistribui-o e uma reconcentrao de poder, agora baseado na deteno daprpria informao, de acordo com as capacidades de absoro eincorporao de seus efeitos na conduo das polticas dos Estados
(CASTELLS; GERHARDT, 1999).Ao mesmo tempo em que se descentraliza o acesso infor-
mao por diminuir os custos, as barreiras aos fluxos, no poss-
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
5/19
95
Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Novos atores no sistema internacional contemporneo:as unidades subnacionais na nova geografia econmica transnacional
vel reproduzir efeitos proporcionais nas relaes entre os Estados(KEOHANE; NYE, 2001). Ademais, com o desenvolvimento do novomodelo, conhecido como taylorista,2houve maior desregulamenta-o dos sistemas financeiros nacionais, remoo dos controles decapitais, em alguns pases, e o aumento dos fluxos financeiros glo-bais. Uma produo que utiliza intensivamente novas tecnologiaspara a produo de seus bens e servios (HARVEY, 1992).
Assim, nessa nova configurao, chamada por Castells eGerhardt (2007) de uma nova economia global, os vrios segmen-tos econmicos interconectados conseguem ter papel decisivo naeconomia de cada pas (GERHARDT; CASTELLS, 2007). Como con-sequncia de tais mudanas, o papel assumido pelas corporaes
multinacionais tem sido fundamental para a sua organizao, poisse tornaram uma fonte direta de fluxos financeiros.3 Os avanostecnolgicos reduziram muito os custos da mundializao tantodos servios quanto do setor de produo, configurados de acordocom a necessidade da empresa naquele momento, podendo sincro-nizar suas operaes independentemente da localizao geogrfi-ca, facilitando assim a descentralizao do capital. As altas tecno-logias, aliadas produo flexvel, reduzem o papel das fronteiras
fsicas entre os pases, j que a comunicao torna-se vivel entrepessoas de diferentes pases, e minimizam a necessidade de mo deobra especializada (HARVEY, 1992).
Alm da perda de controle do Estado sobre determinadosaspectos de sua poltica econmica, a estabilidade adquirida pelocomrcio internacional veio em decorrncia da interdependnciados mercados financeiro e monetrio e da crescente transnaciona-lizao da produo. Os impactos das aes das multinacionais edas redes integradas constitudas por essas empresas tm minadoa capacidade dos Estados de controlar os fluxos e reter os lucrosdentro do seu territrio (CASTELLS, 2000). A consequncia disso
2. A poltica econmica nacional no consegue ser to eficiente como j foi. O modelofordista de produo, que no permitia a flexibilizao da produo, comeou a falhar.Nesse perodo o modo de produo era linear, sob padres que no poderiam ser mo-dificados, pois existia uma forte crena de que essa era a nica maneira de progredir.
3. Desde os anos 1950 as multinacionais foram responsveis por aumentar o fluxo comer-cial entre os pases, pois durante esse perodo o crescimento destes voltava a ser elevadoe as barreiras importao tinham cado drasticamente. Os locais de produo, monta-gem e comercializao dos produtos das empresas so determinados por sua estratgiacorporativa global. Essas estratgias corporativas, por sua vez, so altamente afetadaspelas caractersticas da economia nacional que hospeda tais empresas, pelas barreiras co-merciais existentes e pelas possibilidades de minimizar as taxas comerciais e financeiras.
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
6/19
96 Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Luciana Paiva et al
o fato de as empresas, ao atuarem em mercados globais e inte-grados, arcarem com os custos em termos de benefcios sociais ecom diferentes nveis de regulamentao , assumindo funes deresponsabilidade historicamente delegadas ao Estado.
Em vrios aspectos, o Estado est cercado por dilemas referen-tes diviso da sua soberania em questes vitais e nas prprias ins-tituies polticas. Isso leva eroso do poder unitrio do Estado--nao em troca de sua manuteno. As instituies internacionais,produto de aes concertadas entre os Estados, do vida prpria ssuas burocracias, independentemente das aes de seus membros,a fim de no depender tanto de sua influncia (CASTELLS, 2000).
Ainda que seja preciso relativizar os reais efeitos desse pro-
cesso no que se refere aos ganhos e perdas para os atores envol-vidos, as transformaes ocorridas nas ltimas dcadas apontampara mudanas irreversveis no funcionamento do sistema inter-nacional. A despeito da tipologia existente, imprescindvel con-siderar a intensificao de fluxos econmicos e sociais como fato-res condicionantes e catalisadores da emergncia de novos atoresno cenrio internacional.
O fenmeno da globalizao
Alguns autores consideram esse processo de modo mais am-plo, a dizer, como o fenmeno da globalizao, no qual as altera-es no cenrio internacional, no papel dos Estados nacionais enos padres de interdependncia entre as sociedades reconfigu-ram a geografia das relaes sociais (PRADO, 2009). Segundo a vi-so liberal de Jon Scholte (2000), o processo da globalizao seriauma ampliao das conexes mundiais, que envolve reduo debarreiras, alterando a prpria natureza do espao social. O espaoterritorial continua tendo importncia para as relaes sociais,sendo um determinante, mas tambm , agora, resultante dasnovas interaes transnacionais. O territorialismo existente nasrelaes internacionais (em decorrncia das fronteiras nacionais)passa por um processo de desterritorializao (desligamento dasnoes territoriais convencionais de Estado) e, em seguida, poruma reterritorializao (redefinio dos lugares centrais ao fun-
cionamento das relaes sociais) em funo das interaes globaisque se concretizam por atores estatais (centrais ou no) e no go-vernamentais (SCHOLTE, 2000; 2005).
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
7/19
97
Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Novos atores no sistema internacional contemporneo:as unidades subnacionais na nova geografia econmica transnacional
O fenmeno da globalizao poltica, econmica, social e cul-tural afeta a soberania do Estado Nacional, e consolida de maneiralatente o aprofundamento dos fluxos transnacionais e a contribui-o para a formao de uma nova geografia da centralidade (BAR-RETO; MARIANO, 2004).
Nesse cenrio, as barreiras fixas no so
mais impostas aos fluxos internacionais, o que, alm de aumentara porosidade das fronteiras nacionais, d incio a novos processosintegrativos entre os atores no sistema internacional (ROSENAUapudPRADO, 1997). A economia internacional est se tornandocada vez mais integrada, ao passo que muitas sociedades politica-mente organizadas esto se tornando cada vez mais fragmentadas.
As fronteiras no mais se conciliam (HOCKING, 2004). H uma
transformao na natureza e no grau de interconexo da economiamundial e do prprio sistema capitalista.
David Held (1999) define o processo de globalizao como umatransformao espacial que gera fluxos transcontinentais e inter-re-gionais, cuja intensidade pode ser verificada nas localidades, sem queseja possvel identificar os limites domsticos e globais do seu desen-rolar (HELD, 1999). A globalizao seria um novo ciclo do processo deocidentalizao do mundo, j que a modernidade est em sua origem,
e s se expandiu por sua superioridade em termos de poder. SegundoGalvo (1998), Giddens aprofunda a discusso acerca do termo, classi-ficando aspectos dialticos do processo. A globalizao seria definida
como a intensificao de relaes sociais de alcance mundial, quevinculam lugares distantes de tal forma que os acontecimentos lo-cais so influenciados por eventos remotos e vice-versa. Trata-se,portanto, de processo dialtico, do qual fazem parte tanto os acon-tecimentos e transformaes locais quanto as relaes distantesque os afetam. Nestas condies, o resultado no necessariamen-
te, ou mesmo usualmente, um conjunto de mudanas que atuamem direo uniforme. (GIDDENS apud GALVO, 1998, p. 44)
Determinados aspectos da globalizao no so inovadores.Ademais, grande parte da populao mundial ainda no est inte-grada aos processos da globalizao, geralmente concentradosnos principais centros econmicos mundiais em pases centrais; topouco os aspectos positivos atribudos a ela ou aqueles negativostm sua causa direta no processo, mas outros fenmenos avanos
tecnolgicos, imprevistos histricos e polticas nacionais insensa-tas, por exemplo podem ocorrer devido a outros fatores, e queapenas so compartilhados internacionalmente (GILPIN, 2004).
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
8/19
98 Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Luciana Paiva et al
Robert Gilpin (2004) discute a globalizao sob uma perspec-tiva notadamente econmica: ela seria a crescente vinculao daseconomias nacionais atravs do comrcio, dos fluxos financeiros edo investimento direto internacional (IDE) por parte das empresasmultinacionais (GILPIN, 2004, p. 397). Para ele, os tericos queargumentam favoravelmente aos efeitos da globalizao entendemque esta propicia uma igualdade maior entre os povos e a conver-gncia dos desempenhos entre as economias nacionais.
As economias menos desenvolvidas, ao serem integradas economia mundial, elevariam seu crescimento econmico e suaprodutividade. Seu emparelhamento s economias desenvolvidasindicaria seu nvel de proximidade aos nveis avanados. J aqueles
com uma perspectiva mais ctica considerariam que a globalizaoinstitui um sistema poltico e econmico internacional hierarquiza-do, formado por um ncleo das economias desenvolvidas e, de ou-tro lado, a periferia empobrecida das economias menos desenvol-vidas. Tem-se uma concentrao de poder corporativo no interiordas fronteiras, apoiada por organizaes internacionais dominadaspelos Estados Unidos (Banco Mundial, Organizao das NaesUnidas, Fundo Monetrio Internacional, por exemplo), o que agra-
varia mais ainda as desigualdades internacionais (GILPIN, 2004).De qualquer forma, o impacto da globalizao na distribuiodo poder entre os Estados deve ser relativizado, j que, historicamen-te, as configuraes dos sistemas internacionais tm sido em algumamedida hierarquizadas. No mundo contemporneo, a pequena re-distribuio de poder verificada beneficiou economias menos desen-volvidas, que tiveram condies de absorver os benefcios oferecidospela intensificao dos fluxos econmicos, como na China, que veioa se tornar uma das principais economias do globo (GILPIN, 2004).
Gilpin (2004) afirma que os tericos otimistas dos efeitos daglobalizao entendem que um dos resultados mais importantes foi aconsolidao do mercado sobre o Estado-nao e consequente erosoda soberania nacional. Para os crticos a essa perspectiva, a suprema-cia do mercado indica o fim das possibilidades do Estado como ga-rantidor do bem-estar dos fracos frente aos economicamente fortes.Significa a subordinao dos valores e das instituies humanas aosinteresses comerciais e aos lucros corporativos. Para Gilpin (2004), a
despeito da sua importncia, a globalizao no minou o Estado; asidiossincrasias e polticas nacionais se mantm como fatores deter-minantes de questes nacionais e internacionais.
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
9/19
99
Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Novos atores no sistema internacional contemporneo:as unidades subnacionais na nova geografia econmica transnacional
De modo geral, o fenmeno da globalizao define teorica-mente bem a conjuntura econmica e poltica contempornea. Paraalm da diminuio da importncia de barreiras fsicas para a pro-moo das relaes internacionais, preciso ter em conta um novoprocesso que surge paralelamente a essa tendncia: uma reaproxi-mao deliberada de atores polticos para a obteno de ganhos, umnovo conceito de regio, ligado menos a questes fronteirias doque a questes polticas concretas.4
Um rearranjo poltico: o regionalismo
O novo arranjo poltico e econmico resultante das transfor-
maes no ambiente internacional nos ltimos decnios conferiunova importncia noo de regio, em especial pelo desenvolvi-mento econmico mundial, a reorganizao da produo e o lugarna economia global. Consideramos o termo regio de acordo comHocking (2004), para quem o termo abarca quaisquer atores almdos Estados centrais espaos polticos como cidades, governosfederados, organizaes subcontinentais e continentais que selancem ao ambiente internacional em busca de objetivos concretosque beneficiem suas localidades.
Ainda que o comrcio internacional continue a ser um fatorimportante nesse campo, os atuais fluxos financeiros e a consolida-o da prestao de servios especializados auxiliaram na reorgani-zao do espao na economia, que, a partir da dcada 1970, haviasido contestado graas ao crescente movimento de globalizaoeconmica (SASSEN, 1998). Como o campo fora tradicionalmen-te vinculado ideia de supremacia do Estado como nico agentee guiado por questes relacionadas sobrevivncia nacional em
um sistema internacional anrquico, a noo de regio limitava-sea uma subrea do sistema internacional (HOCKING, 2004), ba-sicamente delimitada por proximidade territorial, sem pressuporhomogeneidade entre as unidades.
As regies despontam no ambiente internacional de acordocom motivaes de ordem: a) econmica, como a busca por inves-timentos, mercados e tecnologias para modernizao; b) cultural,como a atrao de recursos e apoio internacional; e c) poltica, no in-
4. A localizao geogrfica configura-se como um aspecto exgeno formao pol-tica da regio, mesmo que ainda seja importante no momento de vinculao entreseus membros formadores, na medida em que pode facilitar a elaborao de infraes-truturas de cooperao.
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
10/19
100 Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Luciana Paiva et al
tuito de buscar reconhecimento e legitimao de suas aes a fim deinfluenciar decises pblicas locais, bem como promover campanhaspolticas internacionais (KEATING, 2004). Alm disso, exercem in-fluncia sobre seus respectivos governos nacionais para que alteremsua agenda a tal ponto que os interesses regionais possam ser busca-dos por meio da prpria poltica externa (HOCKING, 2004).
As caractersticas de suas ligaes estabelecidas no sistemainternacional so, por sua vez, condicionadas pelo grau de auto-nomia na execuo dos cursos de ao definidos, tanto em termosde recursos disponveis para a realizao das polticas quanto daspossibilidades institucionais em suas respectivas constituies na-cionais de origem.
Os avanos das iniciativas de integrao regional alteraram ascondies de administrao dos Estados nacionais. Com a globa-lizao, as regies passaram a possuir maior autonomia de ao.
Assim, elas podem procurar maneiras de se integrar com outrasregies para solucionar problemas internos em que elas no sejamatendidas satisfatoriamente pelo Estado Nacional e necessitem daajuda de outros atores (HOCKING, 2004). As regies, sob o impul-so de todas as transformaes no sistema mundial e presses dos
governos e elites empresariais, organizaram-se para conseguiremser competitivas na economia global e estabelecerem redes de co-operao entre as instituies regionais e entre empresas. Logo, asregies ficam integradas nas redes internacionais que ligam seussetores mais dinmicos (CASTELLS; GERHARDT, 2007).
A despeito das restries, a emergncia de regies como ato-res no cenrio internacional ajuda a demonstrar um novo padroda poltica mundial, caracterizada por ligaes que transpassamas fronteiras do nacional, ressaltando a importncia de vriosnveis de agncia existentes em uma poltica internacional maisparticipativa (HOCKING, 2004). Por outro lado, reafirmando aimportncia do Estado-nao, Paul Hirst e Grahame Thompson(1998) apontam-no como fundamental para interconectar os no-vos nveis de governabilidade, tanto no ambiente supranacional,com instituies internacionais, quanto em unidades subnacio-nais e atores no estatais.
O que se verifica a incapacidade de os Estados imporem
resultados em todas as dimenses da poltica por sua autoridadedentro de seu territrio, como acontecia outrora. A poltica estse tornando mais policntrica, sendo os Estados meramente um
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
11/19
101
Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Novos atores no sistema internacional contemporneo:as unidades subnacionais na nova geografia econmica transnacional
nvel, em um sistema complexo de agncias de governabilidade5sobrepostas e frequentemente competentes (HIRST; THOMP-SON, 1998, p. 283).
O poder dos Estados passa a ser gerenciado, com uma que-bra induzida de seu monoplio para a manuteno das unida-des do sistema. O poder alienvel na medida em que os pr-prios Estados podem ceder poder para agncias supra ou sub-nacionais, garantindo assim a legitimidade dessa transfernciade funes. Assim, os Estados-nao so, agora, simplesmenteuma classe de poder e agncias polticas em sistema de podercomplexo dos nveis mundiais aos locais, mas tm uma cen-tralidade devido sua relao com o territrio e a populao
(HIRST; THOMPSON, 1998, p. 294).O Estado passa por um processo de descentralizao do po-
der poltico, cujo objetivo, alm de desafogar as demandas para aUnio, tambm atender recente demanda de autonomia dos en-tes subnacionais que constituem determinado pas. A despeito dasmudanas, a Unio ainda legisla sobre os poderes cabveis a cadaum dos entes federados; contudo, uma vez adquiridos tais poderes,Unio, estados e municpios (ou quaisquer outras subdivises in-
traestatais) se tornam concorrentes diretos por recursos ao mesmotempo em que precisam estar coordenados pela interdependncianatural existente entre eles.
Assim, no cenrio contemporneo, os Estados no so maisos nicos atores relevantes do sistema, ainda que sejam tratadoscomo os mais importantes. visivelmente no nvel local que asaes polticas se expressam de forma mais visvel, e se estendemaos nveis nacional e internacional na medida em que as atividadessujeitas regulao extrapolam o nvel municipal.
A globalizao e o auge dos regimes transnacionais, especialmenteas reas de comrcio regional, diluram a distino entre assuntosdomsticos e exteriores e, da mesma maneira, transformaram adiviso de responsabilidades entre Estado e os governos subesta-tais.6(KEATING, 2004, p. 49, traduo prpria)
5. Governabilidade entendida como controle de uma atividade, por alguns meios, demodo que um conjunto de resultados desejados seja obtido no entanto, no sim-plesmente incumbncia do Estado (HIRST; THOMPSON, 1998, p. 284).
6. La globalizacion y el auge de los regimenes transnacionales, especialmente las areasde comercio regional, han diluido la distincion entre asuntos domsticos y exteriores y,de la misma manera, han transformado la division de responsabildades entre el Estadoy los gobiernos subestatales.
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
12/19
102 Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Luciana Paiva et al
Em resumo, os Estados com base geogrfica iro continuar aestruturar a poltica numa era da informao, mas os processos dapoltica mundial no interior dessa estrutura esto a ser submetidosa uma mudana profunda (KEOHANE; NYE, 2001, p. 257).
A emergncia de atores subnacionais:o papel poltico das cidades
De acordo com Saskia Sassen (1998), as cidades dentre ou-tras unidades subnacionais, a dizer, governos estaduais, provnciasetc. adquirem um papel importante no centro do comrcio mun-dial e das atividades bancrias. Apesar da crena sobre os concei-
tos fundamentais de globalizao, economia da informao e te-lemtica [que sugerem] que o lugar no importa mais (SASSEN,1998, p. 19), a disperso das atividades econmicas gerou novasformas de centralizao territorial, necessrias para controlar asoperaes financeiras. Por conseguinte, o melhor lugar, estrategi-camente lgico, para exercer essa funo seriam as cidades, j quenelas se realizam os processos produtivos e se encontram os merca-dos consumidores (SASSEN, 1998).
medida que a economia global se expande e incorpora novosmercados, tambm organiza a produo dos servios avanadosnecessrios para o gerenciamento das novas unidades que aderemao sistema e das condies de suas conexes e mudanas contnu-as. (CASTELLS; GERHARDT, 2007, p. 470)
Dessa maneira, as cidades tornaram-se os modernos pontos decomando da nova organizao da economia mundial, ou seja, lugarese mercados fundamentais para as indstrias, finanas e servios es-pecializados direcionados s empresas, incluindo a produo de ino-vaes. Determinadas cidades j ocupam uma posio de destaquenessa nova dinmica das estruturas mundiais, uma vez que so gran-des centros financeiros ou comerciais internacionais, como Tquio,Frankfurt, Paris, Londres, entre outros (SASSEN, 1998).
Cidades como So Paulo e Cidade do Mxico tambm podem serincludas, pois as transaes financeiras, investimentos e fluxo de ser-vios nelas tm aumentado expressivamente nos ltimos anos (SAS-SEN, 1998). O termo cidade global designa combinao de disperso
geogrfica das atividades econmicas e integrao dos sistemas, queest no centro da atual era econmica e que contribuiu para o papelestratgico desempenhado pelas grandes cidades (SASSEN, 1998).
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
13/19
103
Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Novos atores no sistema internacional contemporneo:as unidades subnacionais na nova geografia econmica transnacional
Nesse contexto, a atuao dos governos subnacionais podeatingir um nvel nacional, regional ou global. A ao de cada uni-dade subnacional vai depender do tipo de federalismo existenteem seu estado e, portanto, do nvel de autonomia conferida aosseus municpios.
No existe um padro na forma de atuao destes atores para almdas fronteiras nacionais, dependendo das caractersticas de cadagoverno subnacional e de seu posicionamento no contexto nacio-nal e tambm internacional. (MARIANO; MARIANO, 2005, p. 9)
As cidades globais possuem a capacidade de articular a economiaglobal, conectando as redes de informao, centros produtivos e deconsumo de servios avanados. So os chamados ns da economia
global, centros de poder do novo processo espacial, o que, no limite,faz com que algumas cidades se tornem responsveis pelo desenvol-vimento de suas regies, utilizando polticas pblicas inovadoras paraatrair investimentos externos diretos (IED) que consigam promovero crescimento local (CASTELLS; GERHARDT, 2007). As cidades queprocuram obter o investimento necessitam traar estratgias para al-canar tal objetivo, moldadas por suas motivaes e estruturao deoportunidades (KEATING, 2004, p. 66, traduo nossa),7variando de
acordo com as necessidades de cada governo subnacional.A organizao industrial tambm foi alterada, sendo que essas
duas modificaes significam que as empresas precisam ter altastecnologias, mxima flexibilidade e amplas redes de negociao(CASTELLS; GERHARDT, 2007). Quando a globalizao afetou asindstrias, ela tornou-se mais complexa quanto s transaes e desregulamentao do comrcio.
Para Saskia Sassen (1998), nesse processo as cidades exercem
um papel fundamental, pois so lugares-chaves para os serviosavanados e para as telecomunicaes necessrias implementaoe ao gerenciamento das operaes econmicas globais (SASSEN,1998, p. 35). Alm disso, nas cidades esto localizadas as matrizesdas grandes corporaes, em especial aquelas que possuem vriasunidades produtivas por vrios pases, j que conseguem obter ser-vios especializados e financeiros.
Certos aspectos da disperso territorial da atividade econmicapodem ter levado a alguma disperso dos lucros e das proprieda-des. Grandes empresas, por exemplo, aumentaram a subconcen-
7. Las estrategias que adoptan las regiones em sus relaciones exteriores quedan confor-madas por sus motivaciones y sus estructuras de oportunidad.
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
14/19
104 Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Luciana Paiva et al
trao de pequenas empresas espalhadas pelo mundo, e muitasempresas nacionais, nos pases recentemente industrializados,cresceram rapidamente graas aos investimentos realizados porempresas estrangeiras e ao acesso aos mercados mundiais, fre-
quentemente por meio de acordos com empresas multinacionais.(SASSEN, 1998, p. 39)
Portanto, foi e tem sido imprescindvel o desenvolvimento decanais e redes sociais (SASSEN, 1998, p. 24), indissocivel da in-tensa internacionalizao da economia. A internacionalizao de-senvolveu-se de tal forma que por meio dela foi possvel colocar emdiscusso o carter sistemtico do conjunto das atividades urbanas,cuja produo consegue atingir nveis mundiais muito maiores do
que o metropolitano.Discutir a internacionalizao da economia, envolvendo as ci-dades na anlise de questes internacionais, representa um pontode vista diferente da maioria das literaturas at hoje, que consi-derou o Estado-nao como o privilegiado pela ao no campo in-ternacional (SASSEN, 1998). As cidades desempenham diferentespapis no contexto econmico e social de um pas, de modo queBorja e Castells (1996) consideram-nas como atores sociais com-plexos e de mltiplas dimenses. Elas articulam as instituies po-
lticas e a sociedade civil por meio de aes coletivas e conjuntascom objetivos definidos (campanhas por recursos, cooperao parao desenvolvimento local, afirmao de uma autonomia poltica lo-cal, dentre outras) (BORJA; CASTELLS, 1996).
Incluir as cidades nesta anlise acrescenta duas importantes di-menses ao estudo da internacionalizao econmica. Em pri-meiro lugar, essa incluso introduz, no conceito de Estado-Nao,uma variedade de componentes que podem ser significativos para
a compreenso da atividade econmica internacional. Em segundolugar, desloca o enfoque do poder exercido pelas grandes corpora-es em relao aos governos e as economias para o mbito das ati-vidades e arranjos organizacionais necessrios implementao emanuteno de uma rede global de fbricas e operaes ligadas prestao de servios e mercados. (SASSEN, 1998, p. 16)
Sem dvida, o elevado crescimento dos fluxos financeiros in-ternacionais fez com que a complexidade das transaes aumen-tasse. Para tanto, faz-se necessrio que as cidades apresentem uma
nova infraestrutura capaz de comportar concentraes de recursosde telecomunicaes e de servios especializados, que, apesar deserem insumos de alto nvel de capacitao tcnica, ajudam a criar
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
15/19
105
Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Novos atores no sistema internacional contemporneo:as unidades subnacionais na nova geografia econmica transnacional
no apenas empregos de alto nvel, mas tambm postos de traba-lho que no exigem qualificaes e que so de baixa remunerao.Consequentemente, as cidades acabaram por concentrar funesde comando (SASSEN, 1998).
Tomando como exemplo a situao latino-americana, o papeldas cidades foi valorizado pelos processos de democratizao po-ltica e descentralizao do Estado, que criaram as condies paraque a capacidade de liderana dos prefeitos fosse expressa. Entre-tanto, so notrias as limitaes da emergncia das cidades comoprotagonistas na resoluo de problemas como marginalidade, de-sigualdades, deficits infraestruturais, que s em 1990 comeam aganhar certo espao. O crescimento demogrfico e da marginali-
dade social, a extenso da economia informal, o persistente deficitde infraestrutura moderna e a fraqueza de governos locais despon-tam como fatores contraproducentes ao desenvolvimento urbano(BORJA; CASTELLS, 1996).
Por outro lado, os nveis menores de desemprego, o maior di-namismo econmico, a flexibilidade das estruturas produtivas e seupotencial econmico so caractersticas positivas que colocam a re-gio frente das cidades europeias. Seria preciso reorganizar e cen-
tralizar o espao pblico, reconstruir a cultura cvica, realizar umareforma poltica em prol de governos locais mais eficazes e participa-tivos, estabelecer pactos eficientes entre agentes pblicos e privadose, sobretudo, modernizar a infraestrutura bsica para que, a partirda, as respostas urbanas possam ser produtivas e duradouras paraas cidades latino-americanas (BORJA; CASTELLS, 1996).
Ento, a partir de 1990, a abertura econmica conseguiu mo-bilizar os agentes econmicos de tal forma que, pela conscientiza-o da necessidade de contar com uma cidade competitiva (atrativae funcional, com infraestrutura moderna, que fornecesse garantiasmnimas de qualidade de vida e segurana pblica), passaram a re-alizar aes de carter coletivo e compatveis com o governo local.
Assim, os atores pblicos e privados comeam a empreender aesde carter social-urbano ao perceber que a excluso e a marginali-zao de sua populao so caracterstica indissocivel de cidadesprecrias e comprometidas (BORJA; CASTELLS, 1996).
Com a necessidade de integrar socioculturalmente a grande
maioria da populao, criaram-se condies para a emergncia deespaos de debates pblicos entre setores polticos, intelectuais,profissionais e organizaes sociais populares, ponto de grande
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
16/19
106 Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Luciana Paiva et al
superao nas cidades latino-americanas. A cidade converte-se emum mbito de respostas possveis aos propsitos econmicos, pol-ticos e culturais: torna-se um espao simbitico e simblico (BOR-JA; CASTELLS, 1996).
Assim, as cidades se tornam importantes atores polticos eeconmicos, com respostas s crises urbanas (segurana pblica,deficithabitacional, insalubridade) por meio de projetos de reformapoltica e financeira, protagonismo poltico de prefeitos de grandescidades, planos estratgicos de desenvolvimento com participaoda sociedade civil, descentralizao dos governos locais, coopera-o entre setores pblico e privado em grandes projetos urbanos(BORJA; CASTELLS, 1996).
Um plano estratgico adequado constri e modifica a imagemda cidade para seus habitantes e tambm para aqueles que a veemde fora de seus limites urbanos. Uma reforma poltica radical emsi um questionamento do governo local (suas competncias e orga-nizao) e seus mecanismos de relacionamento com seus cidados,o que leva ao questionamento de sua imagem projetada para o exte-rior e da prpria maneira como a cidade tem se inserido internacio-nalmente. imprescindvel alcanar a autonomia local, caracters-
tica do municipalismo, para que os processos de descentralizaopoltico-administrativa da cultura democrtica moderna sejamadequados ao exerccio dos recursos pblicos municipais (BORJA;CASTELLS, 1996).
Consideraes finais
Com o fim da Guerra Fria percebeu-se a existncia de novosatores alm do Estado no sistema mundial. O advento da globa-lizao foi central para o surgimento desses novos atores e para amudana da agenda internacional, tornando o mundo mais inter-ligado e interdependente economicamente. Dentre o surgimentodesses novos atores percebeu-se a ao internacional das unidadessubnacionais, nesse caso, as cidades, com o escopo de possibilitar odesenvolvimento econmico de suas regies, gerando maior rendae empregos, e melhorando a infraestrutura.
A globalizao modificou as transaes econmicas, tornando-
-as mais complexas. A partir de 1970, a relao entre o livre comrcioe os investimentos externos diretos demonstrou ser eficiente para:uma melhor redistribuio da riqueza entre grandes e pequenas em-
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
17/19
107
Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Novos atores no sistema internacional contemporneo:as unidades subnacionais na nova geografia econmica transnacional
presas; a gerao de empregos locais e promoo do crescimento; etambm para possibilitar elos duradouros com as economias queabrigam as multinacionais. Isso fundamental na anlise, na medidaem que a cidade que abriga a multinacional responsvel por organi-zar as questes econmicas que concernem sua regio, viabilizandoassim o desenvolvimento e a promoo local.
Anteriormente todo tipo de tomada de deciso estava concen-trado no Estado central, responsvel por todas as aes de polticaexterna. A existncia de um novo papel poltico das unidades subna-cionais mostra a importncia de vias alternativas para o desenvolvi-mento de localidades no atendidas plenamente pela ao da Unio.
Entretanto, ainda que as tendncias vantajosas descritas aci-
ma sejam constatadas nos ambientes urbanos engajados em ativi-dades de promoo local, estas so apenas fenmenos generaliza-dos quando, em muitas realidades, tais ganhos devem ser relativi-zados. Para realizar qualquer anlise de uma localidade especfica, preciso estabelecer parmetros e padres, para que as especificida-des no sejam sobrepujadas pelas experincias de cidades globais.
Dessa maneira, a crescente participao das cidades nas tran-saes econmicas e polticas transnacionais contemporneas
resultado de um movimento de descentralizao do poder estatal,concomitante iniciativa delas para satisfazer suas demandas lo-cais. Como processo em contnua ampliao, a insero internacio-nal dos atores no gera, de imediato, benefcios para o desenvolvi-mento regional, mas cada vez mais um caminho promissor paraas unidades subnacionais.
Referncias
BARRETO, Maria Ins. A insero internacional das cidades enquanto estratgiade fortalecimento da capacidade de gesto dos governos locais. In: CONGRES-SO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LAADIMINISTRACIN PBLICA, 10, 2005, Santiago de Chile.Anais... Santiago deChile: CLAD, 2005.
BARRETO, Maria Ins; MARIANO, Marcelo Passini. Questo subnacional e inte-grao regional: o caso do Mercosul. In: WANDERLEY, Luiz Eduardo et al. (Org.).
A dimenso subnacional e as relaes internacionais.So Paulo: Educ, 2004. Cap.1,p. 21-48.
BARROS, Mariana Andrade.A atuao internacional dos governos subnacionais. BeloHorizonte: Del Rey, 2009.
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
18/19
108 Belo Horizonte, v. 9, n. 17, p. 91 - 109, 1osem. 2010
Luciana Paiva et al
BORJA, Jordi; CASTELLS, Manuel. As cidades como atores polticos. Novos Estu-dos Cebrap, n. 45, p. 152-166, jul. 1996.
BORJA, Jordin. As cidades e o planejamento estratgico: uma reflexo europeia elatino-americana. In: FISCHER, Tnia (Org.). Gesto contempornea, cidades estrat-
gicas e organizaes locais. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1996. p. 79-100.CASTELLS, Manuel. Fim do milnio.2. ed. So Paulo: Paz e Terra, 2000. (A era dainformao. Economia, sociedade e cultura; 3).
CASTELLS, Manuel; GERHARDT, Klauss Brandini.A sociedade em rede. 10. ed. SoPaulo: Paz e Terra, 2007.
CASTELLS, Manuel; GERHARDT, Klauss Brandini.A sociedade em rede. So Paulo:Paz e Terra, 1999. (A era da informao. Economia, sociedade e cultura; 1).
FERREIRA, Joo Sette Whitaker. O mito da cidade-global:o papel da ideologia na
produo do espao urbano. Petrpolis: Vozes, 2007.GALVO, Marcos B. A. Globalizao: arautos, cticos e crticos. Poltica Exter-na, So Paulo, v. 6, n. 4, p. 36-88, mar./abr. 1998.
GILPIN, Robert. O desafio do capitalismo global: a economia mundial no sculoXXI. So Paulo: Record, 2004.
HARVEY, David. Condio ps-moderna. So Paulo: Loyola, 1992.
HELD, David. Global transformations: politics, economics and culture. Cambridge:Polity Press, 1999.
HIRST, Paul; THOMPSON, Grahame. Globalizao em questo:a economia inter-nacional e as possibilidades de governabilidade. Petrpolis: Vozes, 1998.
HOCKING, Brian. Regionalismo: uma perspectiva das relaes internacionais. In:WANDERLEY, Luiz Eduardo et al. (Org.).A dimenso subnacional e as relaes inter-nacionais.So Paulo: Educ, 2004. Cap.3, p. 77-108.
JACKSON, Robert H.; SORENSEN, Georg.Introduo s relaes internacionais:te-oria e abordagens. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
KEATING, Michael. Regiones y asuntos internacionales: motivos, oportunidadesy estratgias. In: WANDERLEY, Luiz Eduardo et al. (Org.).A dimenso subnacional
e as relaes internacionais.So Paulo: Educ, 2004. Cap. 2, p. 49-76.KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and interdependence.3. ed. New York:Longman, 2001.
MARIANO, Karina L. Pasquariello. Globalizao e seus impactos no sistema inter-nacional: a ascenso dos novos atores. In: CENTRO DE ESTUDOS DE CULTURACONTEMPORNEA. Gesto pblica e insero internacional das cidades. 2 Relat-rio Cientfico. So Paulo: Cedec, 2007.p. 29-43.
MARIANO, Karina Pasquariello. Globalizao, integrao e o Estado. Lua Nova,So Paulo, n. 7, p. 123-168, 2007.
MARIANO, Karina L. Pasquariello; MARIANO,Marcelo Passini. Governos subna-cionais e integrao regional: consideraes tericas. In: CONGRESSO INTERNA-CIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTR-
-
7/25/2019 5245-20360-1-SM
19/19
Novos atores no sistema internacional contemporneo:as unidades subnacionais na nova geografia econmica transnacional
CION PBLICA, 10,2005. Santiago. A insero internacional das cidades enquantoestratgia de fortalecimento da capacidade de gesto dos governos locais. Brasil, CE-DEC, p.01-16, 2005.
NUNES, Carmen; SALMON, Mnica. A ao externa dos governos subnacionais
no Brasil: os casos do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre: um estudo comparativode dois tipos de atores mistos. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p.99-147, jan./jun. 2007.
PRADO, Dbora Figueiredo Barros do. As cidades como atores nas Relaes Inter-nacionais: a atuao via rede. In: SIMPSIO EM RELAES INTERNACIONAISDO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM RELAES INTERNACIONAIS SANTIAGO DANTAS, 1, 2007, So Paulo.Anais... So Paulo: Unesp; Unicamp; PUC SP,2007.
RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. A insero internacional de cidades: no-
tas sobre o caso brasileiro. In: WANDERLEY, Luiz Eduardo et al. (Org.).A dimensosubnacional e as relaes internacionais. So Paulo: Educ, 2004.
ROMERO, Maria del Huerto. Poder local y relaciones internacionales em contex-tos de integracin regional: el caso de la red de mercociudades y la Renion Espe-cializada de Municipios e Intendencias (Grupo de Mercado Comn). In: WANDER-LEY, Luiz Eduardo et al. (Org.).A dimenso subnacional e as relaes internacionais.So Paulo: Educ, 2004. Cap. 13, p. 403-440.
ROSENAU, James N. Governana, ordem e transformao na poltica mundial. In:CZEMPIEL, Ernst-Otto; ROSENAU, James N. (Org.). Governana sem governo:or-
dem e transformao na poltica mundial. Braslia: Ed. UnB, 2000. Cap.1, p. 11-46.RUBIM, Albino. Metrpole: lugar de conviver, televiver, ciberviver. In: FISCHER,Tnia. (Org.). Gesto contempornea, cidades estratgicas e organizaes locais. Riode Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1996.
SASSEN, Saskia.As cidades na economia mundial. So Paulo: Studio Nobel, 1998.
SASSEN, Saskia. Sociologia da globalizao. Porto Alegre: Artmed, 2010.
SCHOLTE, Jan Aart. Globalization. In: CRAIG, E. (Ed.). Routledge Encyclopedia ofphilosophy on-line. London: Routledge, 2000.
SCHOLTE, Jan Aart. The sources of neoliberal globalisation. Geneva: United NationsResearch Institute for Social Development, 2005.