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ARMANDO REDENTOR IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS A CULTURA EPIGRÁFICA NO CONVENTVS BRACARAVGVSTANVS (PARS OCCIDENTALIS) PERCURSOS PELA SOCIEDADE BRÁCARA DA ÉPOCA ROMANA VOLUME I

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Série Investigação

Imprensa da Universidade de Coimbra

Coimbra University Press

2017

Com o dealbar da época romana no Noroeste hispânico, assiste-se à irrupção

do hábito epigráfico, novel prática em termos de cultura comunicacional intro-

duzida pela administração imperial e seus agentes e que depressa se entranha

no modo de estar das populações locais, mormente por via das suas elites.

Tratando-se de forma de comunicação que visou, em grande medida, a come-

moração e auto-representação individuais, mas também de colectividades, a

materialidade desse exercício, plasmada nos suportes gravados com textos de

finalidade diversa, serve-nos hoje como fonte privilegiada para afrontar os de-

safios que a construção de conhecimento sobre as sociedades da Antiguidade

encerra, ainda que aí não se reflicta o todo social.

É este o mote da investigação encetada no contexto territorial calaico meridio-

nal. Partindo da revisão do dossiê epigráfico do Ocidente brácaro e da clarifi-

cação da sua natureza, cronologia e representatividade, percorrem-se alguns

dos marcadores da sociedade que vivificou, em época romana, o território, os

núcleos de povoamento e as artérias que o uniram.

9789892

612270

ARMANDO REDENTOR

Armando Redentor nasceu em 1971.02.14, na Figueira da Foz.

É Doutor em História, na especialidade de Arqueologia (2012), Mestre em

Arqueologia, na especialidade de Arqueologia Romana (2001) e Licenciado

em História, variante de Arqueologia (1993), pela Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra. Como investigador integrado do Centro de Estudos de

Arqueologia, Artes e Ciências do Património/Universidade de Coimbra (CAACP/

UC) desenvolve investigação no âmbito da Epigrafia e Arqueologia romanas.

É membro de diversas agremiações científicas, entre as quais a Association

Internationale d’Épigraphie Grecque et Latine (AIEGL). Pertence ao Conselho

de Redacção da Hispania Epigraphica e à equipa da Hispania Epigraphica

OnLine, cuja direcção e coordenação é realizada pelo Archivo Epigráfico de

Hispania, da Universidad Complutense de Madrid. Tem diversificada produção

científica sobre a temática epigráfica, arqueológica e patrimonial, bem como

participação regular em reuniões científicas nacionais e internacionais, e ainda

em projectos de investigação centrados no âmbito hispânico.

ARM

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IMPRENSA DAUNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITYPRESS

A CULTURA EPIGRÁFICA NO CONVENTVS BRACARAVGVSTANVS(PARS OCCIDENTALIS)Percursos Pela sociedade brácara da éPoca romana

Volume i

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Com o dealbar da época romana no Noroeste hispânico, assiste-se à irrupção

do hábito epigráfico, novel prática em termos de cultura comunicacional intro-

duzida pela administração imperial e seus agentes e que depressa se entranha

no modo de estar das populações locais, mormente por via das suas elites.

Tratando-se de forma de comunicação que visou, em grande medida, a come-

moração e auto-representação individuais, mas também de colectividades, a

materialidade desse exercício, plasmada nos suportes gravados com textos de

finalidade diversa, serve-nos hoje como fonte privilegiada para afrontar os de-

safios que a construção de conhecimento sobre as sociedades da Antiguidade

encerra, ainda que aí não se reflicta o todo social.

É este o mote da investigação encetada no contexto territorial calaico meridio-

nal. Partindo da revisão do dossiê epigráfico do Ocidente brácaro e da clarifi-

cação da sua natureza, cronologia e representatividade, percorrem-se alguns

dos marcadores da sociedade que vivificou, em época romana, o território, os

núcleos de povoamento e as artérias que o uniram.

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edição

Imprensa da Univers idade de CoimbraEmail: [email protected]

URL: http//www.uc.pt/imprensa_ucVendas online: http://livrariadaimprensa.uc.pt

coordenação editorial

Imprensa da Univers idade de Coimbra

conceção gráfica

António Barros

infografia

Mickael Silva

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iSbn

978-989-26-1269-0

iSbn digital

978-989-26-1270-6

doi

https://doi.org/10.14195/978-989-26-1270-6

© Julho 2017, imPrenSa da univerSidade de coimbra

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S u m á r i o

I

Apresentação por José d’Encarnação ................................................. 23

Prefácio ................................................................................................. 27

Introdução ............................................................................................ 35

I Parte.

Enquadramentos: limites espaciotemporais e metodologia .............. 43

1. Dos limites espaciotemporais ............................................................. 45

1.1. O espaço .................................................................................... 45

1.1.1. O conuentus Bracaraugustanus:

origem, definição e limites ..................................................... 45

Criação e função da divisão conventual no Noroeste ............. 46

Delimitação territorial do conuentus Bracaraugustanus ......... 51

1.1.2. Enquadramento físico do conuentus Bracaraugustanus ........ 61

Esboço geomorfológico ............................................................ 61

Recursos minerais ................................................................... 65

Características climáticas e fitogeográficas ............................ 69

A fachada atlântica conventual:

breves notas orográficas e hidrográficas ........................... 71

1.1.3. Geoetnografia bracaraugustana:

propostas entre a fragilidade e a incerteza ............................ 74

1.2. O tempo ..................................................................................... 85

1.2.1. O mundo indígena ............................................................. 86

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1.2.2. A incorporação do espaço territorial

bracaraugustano no domínio romano ..................................... 94

1.2.3. A integração administrativa .............................................. 103

2. Aspectos teóricos e metodológicos das fontes epigráficas ............... 113

2.1. Da epigrafia como fonte .......................................................... 113

2.2. Breve enquadramento metodológico aplicado ao

tratamento das fontes ................................................................ 128

2.3. Dos critérios seguidos na datação das fontes epigráficas ........ 130

2.4. O nome e o seu significado jurídico ........................................ 146

II Parte.

Onomástica pessoal no Ocidente brácaro ........................................ 157

1. A população do Ocidente brácaro através dos nomes ..................... 159

1.1. Os limites do corpus onomástico ............................................. 159

1.2. Terminologia e preceitos onomásticos ..................................... 162

1.3. Onomástica quiritária ............................................................... 165

1.3.1. O efectivo de cidadãos ..................................................... 166

1.3.2. Expressões da nomenclatura quiritária ............................ 173

Expressão abreviada dos gentilícios e cognomes ................... 178

Filiação e libertinatio ........................................................... 187

Polionimia ............................................................................ 199

Transmissão quiritária dos nomes ........................................ 206

Nomes conjugais e casamentos ............................................. 209

Casamentos mistos, casamentos ilegítimos,

concubinato e contubérnio .............................................. 212

1.3.3. Estrutura linguística da onomástica quiritária .................. 220

Análise linguística dos componentes das

estruturas onomásticas .................................................... 224

Disposições linguísticas das nomenclaturas familiares ......... 227

Gentilícios dominantes ......................................................... 229

Gentilícios indígenas ............................................................ 235

Assonância e gentilícios incomuns ....................................... 239

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Os cognomina ....................................................................... 241

Cognomes de frequência indígena ........................................ 243

Nomes de tradução ............................................................... 244

Nomes de assonância ............................................................ 245

Gentilícios empregues como cognomes .................................. 245

Nomes antigos, raros e unica ................................................ 246

Cognomes de origem grega ................................................... 251

Estruturas onomásticas com unica e nomes raros ................ 252

1.3.4. Das nomenclaturas quiritárias ao recorte social .............. 253

A nata dos senadores e cavaleiros ........................................ 253

Elites locais ........................................................................... 268

Militares ............................................................................... 282

Liberti ................................................................................... 292

1.4. Onomástica peregrina .............................................................. 303

1.4.1. O efectivo de peregrinos .................................................. 304

1.4.2. Expressão da nomenclatura peregrina ............................. 307

Duplo idiónimo e indicações de proveniência ...................... 308

Filiação, libertinatio e transmissão dos nomes ..................... 315

1.4.3. Estrutura linguística da onomástica peregrina ................. 316

Idiónimos de frequência indígena ........................................ 320

Nomes de tradução e de assonância ..................................... 322

Formas gentilícias e prenominais ......................................... 323

Raros, unica e os idiónimos indígenas .................................. 324

Idiónimos gregos ................................................................... 337

Expressão abreviada dos idiónimos ...................................... 339

Características da onomástica familiar ................................ 342

1.4.4. Compleição social nas nomenclaturas peregrinas ............ 349

Liberti ................................................................................... 349

Elites aristocráticas ............................................................... 354

1.5. Onomástica servil ..................................................................... 367

1.5.1. O efectivo de escravos ..................................................... 369

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1.5.2 Expressão da nomenclatura servil..................................... 371

Dominatio e transmissão dos nomes ..................................... 371

1.5.3 Estrutura linguística da onomástica servil ........................ 375

Idiónimos de frequência indígena e outros latinos

associados aos meios servis .............................................. 376

Formas prenominais ............................................................. 379

Raros e unica ........................................................................ 380

Idiónimos gregos ................................................................... 384

Expressão abreviada dos idiónimos ...................................... 385

Características da onomástica familiar ................................ 386

1.6. Incerti ...................................................................................... 388

2. Os castella: toponomástica e organização territorial ........................ 391

2.1. O ɔ: problemática interpretativa e enquadramento histórico ........ 391

O contributo do édito do Bierzo ............................................ 394

Da escultura dos guerreiros lusitano-galaicos

ao papel das elites indígenas ........................................... 399

Dos castella como forma de enquadramento censual

à denominação dos indivíduos ........................................ 412

2.2. Localização e toponomástica .................................................... 416

III Parte.

Dinâmicas económicas ....................................................................... 431

1. As dinâmicas económicas e o registo epigráfico .............................. 433

1.1. A cidade no centro das comunicações

terrestres, marítimas e fluviais ................................................... 433

O papel económico de Bracara Augusta ................................ 435

A presença de ciues Romani qui negotiantur

em Bracara Augusta ......................................................... 442

O significado da homenagem a C. Caetronius Miccio ........... 448

1.2. Da rede viária terrestre no Ocidente brácaro .......................... 454

Uma dedicatória imperial júlio-claudiana ........................... 461

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11

A inscrição rupestre comemorativa

das Caldas das Taipas ..................................................... 470

1.3. Das vias marítimas e fluviais ................................................... 474

1.4. Do estatuto das explorações auríferas

da área de Gondomar, Valongo e Paredes ................................. 496

1.5. Ofícios...................................................................................... 511

Sector extractivo e transformador da pedra .......................... 513

Sector da construção ............................................................ 517

Sector do artesanato cerâmico .............................................. 523

Sector têxtil e do vestuário .................................................... 524

Sector alimentar ................................................................... 530

Outras actividades apenas indiciadas ..................................534

IV Parte.

Dos deuses e dos homens ................................................................. 541

1. Religião e manifestações religiosas .................................................. 543

1.1. Divindades romanas ................................................................. 547

As grandes divindades clássicas:

Iuppiter, Mars e Mercurius .............................................. 550

As grandes divindades tutelares:

Lares, Genii, Nymphae e Fortuna .................................... 568

Outros deuses e cultos de tradição ou veiculação clássica ........ 578

1.2. Divindades indígenas e interpretationes .................................. 588

As grandes divindades: Reue, Nabiae, Cossue / Cusu,

Bandue / Bandui, Munidi e Corougiai / Crougiai ............... 593

Divindades locais ................................................................. 621

Epítetos sem teónimo ............................................................. 631

Divindades romano-indígenas .............................................. 641

1.3. Divindades orientais ................................................................ 664

Penetração das divindades orientais no Ocidente brácaro ....... 666

Uma divindade romano-oriental .......................................... 669

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1.4. Nomes divinos reduzidos a termos genéricos,

abreviados, omissos e incompletos ............................................ 672

Nomes divinos reduzidos a termos genéricos e incompletos ....... 673

Teónimos reduzidos a siglas ................................................. 677

Omissão dos teónimos ........................................................... 684

1.5. Santuários: do rural ao periurbano .......................................... 686

O caso de Vermil ................................................................... 687

O edifício rectangular da citânia da Carmona .................... 692

O santuário da Fonte do Ídolo .............................................. 694

1.6. Inscrições politeicas ................................................................. 704

Rol sacrificial de Marecos ..................................................... 704

A inscrição de Caldas de Vizela ............................................ 708

1.7. Os ritos imperiais ..................................................................... 716

Manifestações do culto imperial no Ocidente brácaro .......... 719

Da organização do culto ......................................................741

Notas finais: das temáticas visadas às perspectivas de futuro........747

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II

Inventário epigráfico ...........................................................................15

1. Princípios de apresentação adoptados no catálogo ............................17

1.1. Sinais diacríticos utilizados ........................................................19

1.2. Abreviaturas e símbolos utilizados .............................................20

2. Catálogo ............................................................................................21

Bibliografia ........................................................................................ 259

Abreviaturas bibliográficas ............................................................. 343

Índices e tábuas de correspondências .............................................. 347

Índice de quadros ........................................................................... 349

Índice de gráficos ........................................................................... 351

Índice de cartografia ....................................................................... 352

Índice de estampas ......................................................................... 353

Índices epigráficos .......................................................................... 357

Tábuas de correspondências

(corpora e repertórios epigráficos) ............................................ 399

Apêndices ............................................................................................ 409

Apêndice 1: Ficha-tipo da base de dados epigráficos ..................... 411

Apêndice 2: Onomástica quiritária .................................................. 416

Apêndice 3: Onomástica peregrina ................................................. 420

Apêndice 4: Onomástica servil........................................................ 425

Apêndice 5: Onomástica dos incerti ............................................... 426

Cartografia .......................................................................................... 429

Estampas ............................................................................................. 451

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A c u lt u r A e p i g r á f i c A n o c o n v e n t v s

B r ac a r avg v s ta n v s ( pa r s o c c i d e n ta l i s ) :

p e r c u r S o S p e l A S o c i e dA d e b r ác A r A dA

é p o c A r o m A n A

e p i g r A p h i c c u lt u r e i n c o n v e n t v s

B r ac a r avg v s ta n v s ( pa r s o c c i d e n ta l i s ) :

p At h S t h r o u g h b r Ac A r i A n S o c i e t y o f t h e

r o m A n p e r i o d

autor author

Armando Redentor

filiação affiliation

Universidade de Coimbra

Resumo

Com o dealbar da época romana no Noroeste hispânico, as-

siste-se à irrupção do hábito epigráfico, novel prática em termos

de cultura comunicacional introduzida pela administração imperial

e seus agentes e que depressa se entranha no modo de estar das

populações locais, mormente por via das suas elites.

Tratando-se de forma de comunicação que visou, em grande me-

dida, a comemoração e auto-representação individuais, mas também

de colectividades, a materialidade desse exercício, plasmada nos

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suportes gravados com textos de finalidade diversa, serve-nos hoje

como fonte privilegiada para afrontar os desafios que a construção

de conhecimento sobre as sociedades da Antiguidade encerra, ainda

que aí não se reflicta o todo social.

É este o mote da investigação encetada no contexto territorial

calaico meridional. Partindo da revisão do dossiê epigráfico do

Ocidente brácaro e da clarificação da sua natureza, cronologia

e representatividade, percorrem-se alguns dos marcadores da so-

ciedade que vivificou, em época romana, o território, os núcleos

de povoamento e as artérias que o uniram.

A análise da onomástica pessoal ocasiona destrinçar a organiza-

ção jurídica e social da fracção da população que é possível fixar

pelos textos epigráficos, abalizando-se a bem estatuída divisão entre

cidadãos romanos e peregrini (em tempos anteriores à constitutio

Antoniniana), escravos e libertos, não só privados mas também

públicos. Assinalam-se mecanismos de mobilidade social e jurídica

e aquilata-se das tendências ou preferências, inclusive das estraté-

gias de género, nas escolhas dos nomes individuais, dentro de um

leque antroponímico vasto e com origens linguísticas diferenciadas.

As elites, por predisposição e capacidade económica, têm lu-

gar de destaque na cultura epigráfica, convivendo as extraídas da

camada autóctone da população, com as que têm uma origem ex-

terior ao Ocidente conventual, contando-se, neste caso, particulares

movidos por interesses diversos, militares e membros da estrutura

administrativa romana. Em termos locais, esta implicou uma orga-

nização baseada na ciuitas, não raras vezes com reflexo na forma

de identificação individual.

Ensaiam-se abordagens parcelares sobre a realidade da estrutura

económica do território em função de documentação que permite

enfocar aspectos concretos, como o aproveitamento dos recursos

naturais, com destaque para a exploração aurífera, a dinâmica ur-

bana e de ambientes portuários ou uma mão-cheia de actividades

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artesanais cujo registo epigráfico nos chegou, amiúde completando

a identificação de determinado indivíduo na sepultura ou na rela-

ção com o divino.

A religião, enquanto fenómeno inerente à sociedade, tem, ao

nível da documentação compulsada, importância não menosprezável,

pelo que se ensaia uma caracterização das manifestações religiosas

que giram não só em função de numes indígenas, exclusivamente

por esta via revelados, mas também de alguns dos deuses do pan-

teão greco-romano e, em menor medida, dos mistérios. Ainda neste

âmbito, dá-se atenção ao culto político centrado nos imperadores

e suas dinastias, tendo particular expressão, na época augustana,

em Bracara Augusta, sede conventual onde, ao longo das épocas

seguintes, se continuam a praticar os ritos imperiais, conforme se

depreende de actos consecratórios diversos e do conhecimento

de uma organização sacerdotal na qual participam as elites autócto-

nes, que, não raro, se alcandoraram a posições na capital provincial.

Pelas inscrições romanas caminha-se em direcção à Antiguidade,

não sem o amparo das fontes literárias e do registo arqueológico,

em busca de alguns dos protagonistas das vivências de que foi

cenário a parte ocídua do conuentus Bracaraugustanus.

Palavras-chave

Epigrafia, sociedade, Ocidente do conuentus Bracaraugustanus,

época romana.

Abstract

The Roman occupation of the Iberian northwest led to the

emergence of the epigraphic habit, a new practice of cultural com-

munication introduced by the imperial administration and its agents.

Local peoples rapidly adopted this trend, which was disseminated

through its social elites.

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As a form of communication, epigraphs were mainly used for

both individual and communal celebrations and self-representations.

The material that is evidence of this practice, the engraved surfaces

with writings on a variety of topics, are today privileged sources

that enable us to address the challenges posed by the study of the

societies of classical antiquity, despite the fact that they can provi-

de only a fragmentary picture of the world from which they arise.

These are the main concerns of this research, which focuses

on southern Callaecia. From a starting point of the review of the

epigraphic data originating from western Bracarensis, an attempt

has been made to clarify its nature, chronology and representati-

veness, investigating some of the markers of the society that gave

life to the territory, settlements and roads they were connected by

during Roman rule.

The study of personal names permits the understanding of both

the social and legal organization of that section of the population

that is reflected in the epigraphic evidence. It becomes possible

to envisage not only the well-established division between Roman

citizens and peregrini (the latter before the constitutio Antoniniana),

but also between slaves and freedmen in both the private and

public sphere. Mechanisms of mobility, both social and legal, and

the tendencies or preferences reflected by choices in the names of

individuals, and which include gender-based strategies, are drawn

on in a span which is both wide and of varied linguistic origins.

Social elites play a dominant role within the epigraphic culture,

a result of both natural propensity and wealth. Members of the eli-

te of the indigenous populations mingle with those who originate

from outside the western conventus, and include private individuals

driven by a variety of interests, members of the military, and offi-

cials in the Roman administration. The latter imposed a system of

local government based on the civitas, and was often reflected in

the naming patterns of individuals.

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Also being attempted are limited approaches to defining the

economic structure of the territory by means of inscriptions bea-

ring information on the management of natural resources including

those relating to gold mining, urban life and harbour environments.

Included in this study are a cluster of references to artisanal work,

records which often assist in the identification of determined indivi-

duals in their place of burial or in their relationship with the divine.

Religion, while an intrinsically social phenomenon, has a relevant

role within the inscriptions studied. An attempt has therefore been

made to describe religious practices associated with indigenous

deities, some of whom we only know of through epigraphs, as well

as those associated with the gods of the Greco-Roman pantheon,

and, to a lesser extent, the sacred Mysteries. Particular attention is

paid here to the political cult centred on emperors and their dy-

nasties, which enjoyed significant expression at Bracara Augusta

in Augustan times. In this seat of conventus, it can be inferred from

the epigraphical record that imperial rites persisted over subsequent

centuries, with the existence of an organized priesthood incorpo-

rating individuals from autochthonous elites who were sometimes

known to achieve high positions in the provincial capital.

Complemented by literary sources and the archaeological record,

Roman inscriptions build a path towards classical antiquity in the

search for the people and places that played a part in the wide

scenario that is the western conventus Bracaraugustanus.

Keywords

Epigraphy, society, western conventus Bracaraugustanus, Roman

period.

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20

Autor

n. 1971.02.14, na Figueira da Foz

Doutor em História, na especialidade de Arqueologia (2012),

Mestre em Arqueologia, na especialidade de Arqueologia Romana

(2001) e Licenciado em História, variante de Arqueologia (1993),

pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Investigador

integrado do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências

do Património (CAACP), sedeado na Universidade de Coimbra,

desenvolvendo investigação no âmbito da Epigrafia e Arqueologia

romanas. Membro de diversas agremiações científicas, entre as quais

a Association Internationale d’Épigraphie Grecque et Latine (AIEGL).

Pertence ao Conselho de Redacção da Hispania Epigraphica e à

equipa da Hispania Epigraphica OnLine, cuja direcção e coordena-

ção é realizada pelo Archivo Epigráfico de Hispania, da Universidad

Complutense de Madrid. Tem diversificada produção científica sobre

a temática epigráfica, arqueológica e patrimonial, bem como parti-

cipação regular em reuniões científicas nacionais e internacionais, e

ainda em projectos de investigação centrados no âmbito hispânico.

Page 17: A CULTURA EPIGRÁFICA ARMANDO REDENTOR …ml.ci.uc.pt/mhonarchive/histport/pdfpIKyMs2MhF.pdf · Tratando-se de forma de comunicação que visou, em grande me- dida, a comemoração

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Author

Born 14-02-1971 in Figueira da Foz

PhD in History, specializing in Archaeology (2012), MA in

Archaeology, specializing in Roman Archaeology (2001) and BA

in History, specializing in Archaeology (1993) from the Faculty of

Arts and Humanities at the University of Coimbra. Researcher at the

Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património

(CAACP), based at the University of Coimbra, carrying out research

into Epigraphy and Roman Archaeology. Member of several scientific

associations, including the Association Internationale d’Épigraphie

Grecque et Latine (AIEGL). On the editorial board of the Hispania

Epigraphica and part of the Hispania Epigraphica OnLine team,

which is managed by the Archivo Epigráfico de Hispania of the

Universidad Complutense de Madrid. The author publishes widely

on the subject of Epigraphy, Archaeology and cultural heritage, and

regularly attends national and international scientific meetings, as

well as participating in research projects relating to Roman Hispania.