a filosofia da narrativa no design de comunicação

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http://convergencias.esart.ipcb.pt/artigo/69 por Suzana Dias 1 , Porto, Portugal Era uma vez... A filosofia da narrativa no Design de Comunicação n.º 5 Oralidade vs Literacia O termo narrativa deriva do Sânscrito gnärus que significa ʻsaberʼ, ʻter conhecimento de algoʼ; e do Latim narro como acto de ʻcontarʼ, ʻrelatarʼ. Como forma de reviver acontecimentos da vida humana, a narrativa adquire outras forma de expressão artísticas além do género literário, cristalizando-os em vitrais, filmes, teatro, pintura, bailado, etc. Alguns autores, tal como Alves conclui [1], defendem que “o narrador é um instrumento que não tem de se revelar apenas através da linguagem verbal articulada, nem, tampouco terá de estar representada por uma linguagem audível”, não se tratando, por isso, a narrativa, de uma representação, mas sim de uma apresentação. Desta forma, acrescento que o Design, na sua dimensão funcional e estética, é também uma expressão humana onde ela se manifesta. Todo o objecto conta uma história. Numa sociedade de cultura oral, ou como lhe chamou Walter Ong (1982), “sociedade de oralidade primária”[2], em que não existe qualquer contacto com a palavra escrita, a relação estabelecida com a narrativa é de uma importância fundamental. É através dela que se recuperam, armazenam e comunicam pensamentos e memórias das experiências humanas passadas, unidos verbalmente em histórias. Através do domínio de fórmulas rituais, longos e complexos conteúdos (com acções e cenas por vezes complexas) são guardados na memória de forma permanente. A narrativa torna-se, portanto, numa espécie de repositório do conhecimento cultural. A oralidade face-a-face implica uma relação física e de proximidade na construção da mensagem, na medida em que, tanto o emissor, como o receptor ʻtrabalhamʼ na construção do sentido. É uma cooperação activa e dinâmica, numa tentativa de comunicação. Como a comunicação humana nunca é feita num só sentido, a mensagem transmitida, não só espera resposta, como também é moldada na sua forma e contexto pela antecipação da resposta. Ou seja, quem transmite deverá ter o papel de emissor e receptor ao mesmo tempo, dando forma ao seu discurso de acordo com a ideia que tem do ʻoutroʼ. Por isso, não se comunica da mesma forma com uma criança ou com um adulto. É uma comunicação ao nível inter- subjectivo que implica ter o outro dentro da mente e estar dentro da mente do outro. 1 Designer de comunicação e professora de ensino superior. Licenciada, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto [1996] – Design Gráfico; mestre pela Universidade Católica Portuguesa [2002] – Curso de Som e Imagem, com a tese intitulada “e- dentidade, do Analógico ao Digital na Construção da Identidade Contemporânea”. Candidata ao doutoramento em Design, pela Universidade de Aveiro. De 1994 a 2002, professora de Artes Visuais no ensino básico e secundário. Desde 2001, docente na Escola Superior Artística do Porto (ESAP), no curso de Arte e Comunicação e no curso de Design e Comunicação Multimédia. Desde 2006, lecciona na escola Superior de Tecnologia do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, nos cursos de Design Gráfico e Design Industrial. Exerce a actividade de designer de comunicação como freelancer, destacando-se, desde 1996 a 2000, a colaboração com a Porto Editora nas áreas da paginação e tratamento de imagem de manuais escolares. Co-autora do manual de Teoria do Design: Desígnio (1 e 2), Porto Editora e de diversos artigos publicados. Participação em várias Comunicações Científicas. Link: Dias, Suzana & Cunha e Silva, Paulo, Tecnologias da Comunicação e Identidade, in Interact nº 10 (revista online de Arte Cultura e Tecnologia: www.interact.com.pt).

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Um texto de Suzana Dias

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http://convergencias.esart.ipcb.pt/artigo/69 por Suzana Dias1, Porto, Portugal

Era uma vez... A filosofia da narrativa no Design de Comunicação n.º 5 Oralidade vs Literacia O termo narrativa deriva do Sânscrito gnärus que significa ʻsaberʼ, ʻter conhecimento de algoʼ; e do Latim narro como acto de ʻcontarʼ, ʻrelatarʼ. Como forma de reviver acontecimentos da vida humana, a narrativa adquire outras forma de expressão artísticas além do género literário, cristalizando-os em vitrais, filmes, teatro, pintura, bailado, etc. Alguns autores, tal como Alves conclui [1], defendem que “o narrador é um instrumento que não tem de se revelar apenas através da linguagem verbal articulada, nem, tampouco terá de estar representada por uma linguagem audível”, não se tratando, por isso, a narrativa, de uma representação, mas sim de uma apresentação. Desta forma, acrescento que o Design, na sua dimensão funcional e estética, é também uma expressão humana onde ela se manifesta. Todo o objecto conta uma história. Numa sociedade de cultura oral, ou como lhe chamou Walter Ong (1982), “sociedade de oralidade primária”[2], em que não existe qualquer contacto com a palavra escrita, a relação estabelecida com a narrativa é de uma importância fundamental. É através dela que se recuperam, armazenam e comunicam pensamentos e memórias das experiências humanas passadas, unidos verbalmente em histórias. Através do domínio de fórmulas rituais, longos e complexos conteúdos (com acções e cenas por vezes complexas) são guardados na memória de forma permanente. A narrativa torna-se, portanto, numa espécie de repositório do conhecimento cultural. A oralidade face-a-face implica uma relação física e de proximidade na construção da mensagem, na medida em que, tanto o emissor, como o receptor ʻtrabalhamʼ na construção do sentido. É uma cooperação activa e dinâmica, numa tentativa de comunicação. Como a comunicação humana nunca é feita num só sentido, a mensagem transmitida, não só espera resposta, como também é moldada na sua forma e contexto pela antecipação da resposta. Ou seja, quem transmite deverá ter o papel de emissor e receptor ao mesmo tempo, dando forma ao seu discurso de acordo com a ideia que tem do ʻoutroʼ. Por isso, não se comunica da mesma forma com uma criança ou com um adulto. É uma comunicação ao nível inter-subjectivo que implica ter o outro dentro da mente e estar dentro da mente do outro.

1 Designer de comunicação e professora de ensino superior. Licenciada, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto [1996] – Design Gráfico; mestre pela Universidade Católica Portuguesa [2002] – Curso de Som e Imagem, com a tese intitulada “e-dentidade, do Analógico ao Digital na Construção da Identidade Contemporânea”. Candidata ao doutoramento em Design, pela Universidade de Aveiro. De 1994 a 2002, professora de Artes Visuais no ensino básico e secundário. Desde 2001, docente na Escola Superior Artística do Porto (ESAP), no curso de Arte e Comunicação e no curso de Design e Comunicação Multimédia. Desde 2006, lecciona na escola Superior de Tecnologia do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, nos cursos de Design Gráfico e Design Industrial. Exerce a actividade de designer de comunicação como freelancer, destacando-se, desde 1996 a 2000, a colaboração com a Porto Editora nas áreas da paginação e tratamento de imagem de manuais escolares. Co-autora do manual de Teoria do Design: Desígnio (1 e 2), Porto Editora e de diversos artigos publicados. Participação em várias Comunicações Científicas. Link: Dias, Suzana & Cunha e Silva, Paulo, Tecnologias da Comunicação e Identidade, in Interact nº 10 (revista online de Arte Cultura e Tecnologia: www.interact.com.pt).

O discurso é praticado com base directa num contexto e reporta-se à realidade concreta e experienciada por ambos. Com o aparecimento da escrita, deu-se o afastamento físico entre a fonte e a recepção. O autor abandona o seu discurso que vai ser recebido, à distância geográfica e temporal, pelo receptor, não podendo ser ʻnegociadoʼ, contestado ou questionado directamente como acontecia anteriormente. Tal como fundamenta Ong, “A comunicação oral une as pessoas em grupos. Ler e escrever são actividades solitárias que activam a psique para si próprio” (1992, p. 69) [3]. A escrita espacializa a palavra e descontextualiza o discurso. Introduz a divisão e a alienação. A comunicação torna-se pacífica e distante. O discurso narrativo fica livre da sua função primária de reter a memória, e já Platão temia pelo enfraquecimento e preguiça mental. Contudo, apesar da cisão física presente na comunicação face-a-face, o emissor terá de definir igualmente uma ideia do seu receptor, de forma a ganhar referências para formatar a mensagem. É criado um receptor ficcional que lhe exigirá um esforço de empatia. Conhecer o outro, a sua psicologia e o seu contexto cultural, são informações preciosas para o sucesso da comunicação. Mas, a passagem da oralidade à literacia não traz apenas transformações ao nível formal da comunicação: alterou também os conteúdos. A suas consequências foram tão profundas que fundaram uma nova estrutura no pensamento humano. O processo de pensamento dos seres humanos que possuem uma mente alfabetizada não se estrutura num poder natural, mas directa ou indirectamente numa estrutura produzida pela artificialidade da escrita. Com a tecnologia da escrita, treina-se o pensamento abstracto: a cada sinal corresponde um valor convencionado; o equivalente a dizer que a cada letra corresponde um som – fonetismo. Com isto, torna-se possível uma separação clara entre a palavra e a coisa. A realidade é mediada pela abstracção que terá de ser aprendida. Pelo contrário, na cultura oral, as palavras têm uma relação íntima com as coisas reais. A comunicação é estabelecida com indicações que reportam directamente às experiências das coisas vividas e situacionais. Assim, se com a literacia podemos falar de quadrados, triângulos e círculos – que são convenções abstractas à qual se atribuiu um significado; numa sociedade de cultura oral, estas formas são reportadas a formas de coisas reais. O quadrado, por exemplo, pode representar o campo do vizinho. Grande Narrativa São claras as alterações estruturais provocadas pela escrita, mas o salto da oralidade para a literacia foi brutal com a introdução da Imprensa em meados do século XV e a impregnação da palavra impressa nas diferentes camadas sociais, mudando para sempre a consciência humana. Contudo, o domínio dos códigos da linguagem (quer seja na escrita, no ritual religioso, na música, na moda, etc.), foi desde sempre aproveitado como exercício de poder social, restrito a especialistas que partilham um saber. A cultura oral, apesar de ser raiz de toda a verbalização, foi durante séculos repelida de estudos científicos sobre linguagem e literatura e vista como pertencente a sociedades primitivas. Os povos eram classificados entre selvagens e civilizados, de acordo com a sua relação com a escrita. A partir de meados do século XVI,

na Europa, esta espécie de complexo foi aumentado na relação oralidade-literacia. O racional cartesiano do ʻpenso logo existoʼ era uma continuação da metafísica de Platão. Esta rejeitava a oralidade antiga, móvel, quente, da vivência pessoal interactiva das culturas orais, por estar ligada ao irracional, à emotividade e ao inconsciente (ideologia representada pela expulsão dos poetas na sua obra República). Contudo, a retórica, fruto de um pensamento estruturado, é muito apreciada. Esta crença na supremacia do conhecimento ʻtreinadoʼ deu origem à escrita das grandes narrativas, ou dʼA Narrativa, como sendo a verdade toda-poderosa do ʻHomem civilizadoʼ. Esta ʻverdadeʼ imperou durante séculos, expulsando outras linguagens, culturas e estéticas da grande ideia de Civilização. Diminuiu, reduziu e anulou, nesta escala de valores, todos os indivíduos com práticas culturais provenientes de artefactos. A oralidade, a manualidade, a ornamentação, a tradição, etc., estariam no mesmo nível de classificação do tosco e do inferior. O Modernismo, no século XX, na sua busca ofuscante do ʻnovoʼ, repete, à sua maneira, esta ideologia. Multinarrativas Os estudos sobre a percepção visual que Alexander Luria desenvolve, na década de 30, junto de uma povoação oral, vem contribuir para abalar a crença racionalista do modernismo. Luria sugeria que, ao contrário do que proposto pela ideologia modernista, a capacidade de reconhecer formas visuais abstractas, desenquadradas de um contexto de uso social – como é o caso das formas: quadrado, círculo e triângulo – é uma técnica sofisticada pertencente a um pensamento domesticado e não uma faculdade universal de percepção. Numa cultura oral, a forma ʻcírculoʼ é entendida com uma relação directa com a realidade, como um prato ou a lua. A abertura dos estudos deste neuropsicólogo, provavelmente terão inquietado a sociedade ʻcivilizadaʼ, ao confrontá-la com a sua obtusidade racional, cultivada durante séculos. Entre outros acontecimentos, os meios de comunicação de massas contribuíram para o acelerar do processo de estilhaçar a ʻnarrativa centralʼ em ʻmúltiplas narrativasʼ. Se, na origem da imprensa, se elege uma forma de escrita para vigorar como linguagem de referência para os diferentes dialectos, e mais recentemente as primeiras transmissões de rádio nivelam a língua, como aconteceu em Inglaterra originando o inglês standard ou BBC (Swann, 1991), o que é certo é que, hoje, o ʻoutroʼ é cada vez mais absorvido e bem-vindo em programas de rádio, televisão, cinema ou podcasting, tal como seria inevitável, dada a natureza dos meios de comunicação actuais. A necessidade de chegar a todo o lado, ou de tornar a venda de produtos mais abrangente, multiplica a diversidade de linguagens e de culturas presentes no quotidiano. Tal como a Arte desceu à rua e se misturou com a vida nas sopas enlatadas [4], as linguagens científicas, que desde sempre pertenceram a elites especializadas, também elas começaram a ʻdescerʼ para novos contextos, adquirindo novos utilizadores e novas formas de serem comunicadas. Tornam-se familiares. A sua ʻcientificidadeʼ é deslocada, transportada, misturada (e destruída até) em contextos ortodoxos e inesperados. Esta situação está muito presente na cultura visual, e são muitos os exemplo gráficos que a registam. Veja-se o mapa do metropolitano de Londres, concebido em 1931 por Harry Beck que, ao perder o rigor de um mapa geográfico, rompeu com a forma tradicional de representação. Foi por isso muito contestado na época. Mas ao comprovar-se um elemento gráfico altamente informativo pela simplificação gráfica de uma circulação complexa, através das linhas e das cores, rapidamente se tornou num êxito. Mais do que isso, infiltrou-se na cultura visual como um símbolo de modernidade e uma referência, tanto para outros mapas

em todo o mundo, como para ser ʻcitadoʼ noutros contextos de comunicação. A organização do Porto 2001- Capital Europeia da Cultura utilizou essa ideia para ʻmapearʼ os seus eventos.

Figura 1 Harry C. Beck, 1931-33. Mapa do Metropolitano de Londres. Um outro exemplo, são os trabalhos de designers que utilizam a tipografia de uma forma ʻfísicaʼ quebrando as regras da ʻarte de bem escreverʼ defendida pelos linguistas. Veja-se, como exemplo, o cartaz de João Faria anunciando uma peça de teatro. Sobre este tipo de decisões gráficas, o teórico Mário Moura constata que “[…] uma das razão para a raridade dos hífenes é a dificuldade em convencer o cliente. O argumento mais comum invocado por este último é gramatical: não é correcto dividir um título e um hífen só deve ocorrer em texto corrido” [5].

Figura 2 João Faria, 2005. Cartaz.

Os próprio GUI (Graphic User Interface) ou a linguagem visual metafórica dos interfaces de computadores feita através de ícones, inicialmente implantados pela Apple, representaram uma ruptura com a ideia instalada daquilo que se julgava ser um computador: um manipulador de símbolos, com uma linguagem que implicava uma aprendizagem muito específica. O sistema operativo da Microsoft, MS-DOS, entendido neste conceito de sistema ʻsérioʼ e profissional, rejeitava uma linguagem feita através de ícones e de apontar e ʻclicarʼ nos conteúdos. Contudo, apesar do debate entre estas duas posturas ter durado anos, a visão da Microsoft rendeu-se à ideia do computador como uma nova experiência visual, adoptando a linguagem gráfica que Susan Kare tinha imaginado para a Aplle em meados dos anos 80. Rapidamente o acesso ao computador se democratizou.

Figura 3 Susan Kare, anos 80. Icones da Apple. Nestes e em muitos outros exemplos, os códigos herméticos de mão única enfraquecem a sua autoridade na classificação de certo/errado, superior/inferior, passando a existir mais livremente a lógica do ʻfaça-você-mesmoʼ. Narrativa e Consumo No início da sociedade de consumo, a necessidade de escoar os novos produtos, frutos da Indústria, obrigou a grandes alterações no estilo de vida das pessoas. Veja-se o caso dos produtos alimentares industriais que implicaram todo um trabalho de mudança da mentalidade do mercado, de forma a suavizar a ruptura com os hábitos tradicionais. Criaram-se narrativas que ʻembalavamʼ os produtos num contexto simbólico, conseguindo, desta forma, instalar-se na esfera familiar. Neste cartaz, publicitando os produtos concentrados Tropon (fig. 4), o artista Henri van de Velde ter-se-á inspirado nas gemas dos ovos caseiros para abrir o apetite à compra da comida concentrada.

Figura 4 Henri van de Velde, 1899. Cartaz, Tropon comida concentrada. O mercado de hoje oferece uma ampliação ʻaparenteʼ das opções de consumo e produção mas, a verdade é que muitos desses objectos não diferem entre si. É ao designer a quem se exige esse trabalho de diferenciação, através da intervenção a nível simbólico, ampliando o valor de troca em relação ao valor de uso. Multiplicam-se os objectos e trabalha-se o desejo, tendencialmente, com falsos valores. Assistimos hoje a uma preocupação na construção de ideologias, que funcionam como uma carga ilusória para vender um produto que, muitas das vezes, não se encontra imediatamente visível. Se não fosse o uso de uma narrativa audaz e de todo um discurso envolvente, como seria então possível vender o que não existe? Em 2001, o ʻinvisible Jimʼ levou esta tentativa às últimas consequências. Vendeu-se literalmente uma embalagem vazia e a ideia de um boneco. Na caixa, além do seu nome, podia ler-se “como não viu na tv”, “pilhas não incluídas”, “fato camuflado vendido separadamente”, “inclui outras óptimas características. Aparentemente”, etc.

Figura 5 Invisible Jim. 2001. Mas o debate entre forma/função, ou valor de uso/valor de troca, parece não mais fazer sentido quando se reconhece que “as formas artificiais criadas pelo homem são inevitavelmente semantizadas” (Bonsiepe, 1992, p.69) Actualmente, a velocidade e o impacto com que novas ideias surgem no mercado, provocou uma alteração do público que as recebe. Este deixou de ser um mero observador passivo para se tornar mais participativo e exigente, desejando envolvimento e participação na construção das mensagens. Algumas marcas já desenvolvem com sucesso este branding de experiência, multisensorial, de interacção e proximidade,

entendendo o utilizador como uma referência fundamental num projecto de design. O designer deverá, assim, imergir na cultura investindo ao nível da relação emocional entre o objecto e o público, de forma durável. Conclusão Numa resposta a esta condição, e para concluir a presente reflexão, elege-se, para análise, um trabalho do designer Stefen Sagmeister: o CD “Imaginary Day” de Pat Metheny. Sagmeister cria um jogo visual com as letras das músicas de Metheny, utilizando o CD como um aparelho de descodificação. Rodando o CD, as letras têm correspondência, cada uma, com uma imagem. A combinação correcta destes elementos revela a chave para descodificar o texto. O booklet expande o ʻjogoʼ de descodificação por mais doze páginas. O diálogo, patente neste trabalho, teve uma resposta imediata por parte dos fans que, em menos de 24 horas do lançamento do CD, disponibilizaram na internet o texto das canções completamente descodificado. Segundo o designer, a ideia para este projecto surgiu durante uma visita ao Museu da Ciência em Londres, que, nessa altura, exibia uma colecção de aparelhos de descodificação e encriptação usados na Segunda Guerra Mundial (Hall, 2001, p. 256-259).

Figura 6 Stefen Sagmeister, 1997. CD “Imaginary Day” de Pat Metheny. Neste projecto, como em tantos outros da sua autoria, Sagmeister recupera, de certa forma, alguns valores partilhados pela comunicação face-a-face, num contexto da oralidade primária. Ele possibilita a participação activa das pessoas na vivência física da comunicação, implicando o receptor na construção de sentido. Toda esta narrativa, ou discurso de proximidade que envolve o objecto na sua inter-relação com o receptor, é uma espécie de ʻapropriaçãoʼ de uma linguagem especializada (do domínio de um grupo restrito de especialistas num contexto bélico). Contudo, os jogos entre a palavra, a imagem e o som, sempre foram muito explorados na linguagem popular, e são também um elemento de prazer usado universalmente e partilhado por muitas culturas.

Estes valores tornam-se hoje preciosas ferramentas de comunicação, remetendo-nos assim para um campo a ser aprendido e explorado com atenção. Posto isto, um bom trabalho de design de comunicação implica uma aproximação com outras áreas, nomeadamente as Ciências Sociais e Humanas, podendo dar origem a projectos de excelência no que toca à eficácia, responsabilidade social na comunicação, armazenamento e recuperação de pensamentos e memórias de uma cultura. Fica a questão: não estaremos nós a necessitar de uma relação mais profunda com os objectos? “No final, o objectivo do design é a satisfação das necessidades” (Bonsiepe, 1992, p.70) Notas [1] ALVES, Jorge, s.v. "Narrativa", E-Dicionário de Termos Literários [em linha]. Coord. de Carlos Ceia, 2005. [Consult. 15 Jan 2009]. Disponível em www:<URL: http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/N/narrativa.htm. ISBN: 989-20-0088-9. [2] Walter Ong diferencia dois tipos de oralidade: a primária, usada para designar uma sociedade que nunca teve contacto com a palavra escrita; e a secundária, usada para designar uma sociedade alfabetizada em que a oralidade resulta de um processo mental diferente porque estruturado a partir da abstracção. [3] “Oral communication units people in groups. Writing and reading are solitary activities that throw the psyche back on itself. ” Tradução livre. [4] Referência a um dos ícones da mudança de paradigma no campo artístico, Andy Warhol e as suas famosas exposições de latas de sopas Campbell e outros objectos de consumo. [5] MOURA, Mário, Linguagem & Design. The Ressabiator. [em linha] 2006. [Consult. 10 Jan 2009]. Disponível em: www:<URL:http://ressabiator.blogspot.com/2006/10/linguagem-design.html Bibliografia BABO, Maria Augusta. A Escrita do Livro. Lisboa: Vega, Col. Passagens, 1993. ISBN: 972-699-403-9. BONSIEPE, Gui – Teoria e prática do design industrial: elementos para um manual crítico. 1ª ed. Portuguesa, Lisboa: Centro Português do Design, 1992. ISBN 972-9445-02-8 FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. Colecção Signos. Edições 70, 2000. ISBN:9789724405315 HALL, Peter. Sagmeister: Made You Look. London: Booth-Clibborn Editions, 2001. p.256-259. ISBN:1-86154-274-7. Lyotard, Jean Françoise. Discurso, Figura. Colectición Comunicación Visual. Barcelona: Ed. Gustavo Gili, 1979. LUPTON, Ellen, and J. Abbott Miller. Design Writing Research. London: Phaidon, 1999. ISBN:07148 3851 9. ONG, Walter J. Orality and Literacy. London: Routledge, 1982. ISBN:0 415 02796 9 SWANN, Cal, Language and Typography- and introduction to the basic theories of language and its visible transmission as typography. Lund Humphries, 1991. ISBN-13: 978 0442308223 WURSTER, Christian. Computers. An Illustrated History. Taschen, 2002. ISBN: 978-3-8228-1293-8 Referências da WEB ALVES, Jorge, s.v. "Narrativa", E-Dicionário de Termos Literários [em linha]. Coord. de Carlos Ceia, 2005. [Consult. 15 Jan 2010]. Disponível em www:<URL: http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/N/narrativa.htm. ISBN: 989-20-0088-9.

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