a in depend en cia de angola

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  • 8/6/2019 A In Depend en CIA de Angola

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    A Independncia de Angola

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    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio das RelaesExteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectosda pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temasde relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411-6033/6034/6847Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.br

    MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

    Ministro de Estado Embaixador Celso AmorimSecretrio-Geral Embaixador Samuel Pinheiro Guimares

    FUNDAO ALEXANDRE DE GUSMO

    Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

    Instituto Rio Branco (IRBr)

    Diretor Embaixador Fernando Guimares Reis

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    Braslia, 2008

    Mrcia Maro da Silva

    A Independncia de Angola

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    Direitos de publicao reservados

    Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411 6033/6034/6847/6028Fax: (61) 3411 9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Impresso no Brasil 2008

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994 de 14.12.2004

    Equipe Tcnica

    Eliane Miranda Paiva, Maria Marta Cezar Lopes eCintia Rejane Sousa Arajo Gonalves

    Programao Visual e Diagramao:Cludia Capella e Paulo Pedersolli

    Capa:Felix FranoisBarcos em Venezaleo sobre painel - 40x30cm

    Silva, Mrcia Maro da.A independncia de Angola / Mrcia Maro da Silva. - Braslia : Fundao

    Alexandre de Gusmo, 2007.

    248 p.

    ISBN 978-85-7631-134-8

    Originalmente apresentado como Tese da autora no LI CAE, (Curso de AltosEstudos), Instituto Rio Branco, 2007.

    1. Poltica externa - Brasil. 2. Poltica externa - Angola. I. Instituto Rio Branco. II.Autor

    CDU 327(673)(043)

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    Abreviaturas

    CPDOC Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contemporneado Brasil da Fundao Getlio Vargas

    CIA Central Intelligence Agency

    CSN Conselho de Segurana Nacional

    DASP Departamento de Administrao do Servio Pblico

    DSN Doutrina de Segurana Nacional

    ESG Escola Superior de Guerra

    FNLA Frente Nacional para a Liberao de Angola

    FRELIMO Frente para a Liberao de Moambique

    MRE Ministrio das Relaes Exteriores

    MPLA Movimento Popular para a Liberao de Angola

    PAIGC Partido Africano para a Independncia da Guin e do Cabo Verde

    PEI Poltica Externa Independente (1961-1964)

    PTD Processo de Tomada de Deciso

    RPC Repblica Popular da China

    SERE Secretaria de Estado das Relaes Exteriores

    SNI Servio Nacional de Informao

    UNITA Unio Nacional para a Liberao Total de Angola

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    Sumrio

    ABREVIATURAS ............................................................................................ 9

    1. INTRODUO: O PAPEL DO ITAMARATY NO RECONHECIMENTO

    DA INDEPENDNCIA DE ANGOLA E DO GOVERNO DO MPLA

    COMO QUESTO DE PESQUISA .............................................................. 11

    1.1 Delimitao da pesquisa ..................................................................... 13

    1.2 Objetivos ............................................................................................ 22

    1.2.1 Objetivo geral ............................................................................ 22

    1.2.2 Objetivo especfico .................................................................... 23

    1.3 Referencial terico adotado ................................................................ 23

    1.4 Hipteses e questes centrais ............................................................. 24

    1.5 Metodologia....................................................................................... 261.6 Estrutura............................................................................................. 27

    PARTE I: MARCO TERICO E A EVOLUO DA POLTICA

    EXTERNA BRASILEIRA DE KUBITSCHEK A GEISEL .................................. 29

    2. REFERENCIAL TERICO ..................................................................... 31

    2.1 Introduo: nveis de anlise............................................................... 31

    2.2 A opo pela Teoria Realista: razes .................................................... 322.3 O Modelo Clssico de Snyder .............................................................. 33

    2.4 O Modelo de Allison e Zelikow ........................................................... 35

    2.4.1 Consideraes gerais acerca do Modelo..................................... 35

    2.4.2 Os trs Modelos que integram o Modelo Geral de

    Allison e Zelikow ...................................................................... 37

    2.4.2.1O Modelo do Ator Racional........................................... 37

    2.4.2.2O Modelo do Comportamento Organizacional ............. 38

    2.4.2.3 O Modelo da Poltica Governamental ........................... 41

    2.5 O Modelo Poltico-burocrtico de Brbara Geddes .............................. 44

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    2.6 O Institucionalismo Histrico ............................................................. 45

    2.7 Reviso de Bibliografia acerca do Pragmatismo Responsvel .............. 47

    2.7.1 O Pragmatismo Responsvel como ponto de inflexo

    na poltica externa .................................................................... 47

    2.7.2 A questo do desenvolvimento econmico e da

    emancipao tecnolgica e as relaes com os EUA ................. 51

    2.7.3 O Universalismo e as relaes com o Terceiro Mundo ............... 54

    2.7.4 A personalidade do Presidente Geisel e o processo de

    tomada de deciso .................................................................... 57

    3. CONTEXTO HISTRICO ..................................................................... 61

    3.1 Introduo ......................................................................................... 61

    3.2 O Governo Juscelino Kubitschek: do alinhamento ao Pragmatismo .... 62

    3.2.1 A primeira fase do Governo Kubitschek .................................... 63

    3.2.2 A segunda fase do Governo Kubitschek .................................... 64

    3.2.3 O Processo decisrio em poltica externa no Governo JK........... 653.3 A Poltica Externa Independente de Jnio/Jango .................................. 67

    3.3.1 A Administrao Jnio Quadros ................................................ 67

    3.3.2 A Administrao Joo Goulart................................................... 69

    3.3.2.1 O Processo Decisrio na Poltica

    Externa Independente .................................................. 70

    3.4 O Governo Militar 1964-1974 ............................................................ 71

    3.4.1 O Governo Castelo Branco: realinhamento com os EUA ........... 71

    3.4.2 O Governo Costa e Silva: a Diplomacia da Prosperidade ............ 73

    3.4.3 O Governo Mdici: o projeto Brasil Potncia .......................... 763.4.3.1 O Processo de Tomada de Deciso ................................ 78

    3.5 Concluso ........................................................................................... 84

    PARTE II: O RECONHECIMENTO DA INDEPENDNCIA DE ANGOLA

    E DO GOVERNO DO MPLA ..................................................................... 87

    4. AS DISTINTAS VISES PARA A POLTICA EXTERNA PARA A FRICA

    E OS PRINCIPAIS ATORES ....................................................................... 89

    4.1 Introduo ................................................................................... 89

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    4.2 Perodos e correntes da poltica do Brasil para a frica ................ 90

    4.3 A Poltica Externa para a frica a partir de 1961 .......................... 94

    4.4 O comprometimento do Governo Geisel com o processo

    de descolonizao da frica e de Angola .................................... 97

    4.5 Os atores e suas posies no Processo de Tomada de Deciso ..... 99

    4.5.1 Geisel: pequena biografia .................................................. 99

    4.5.1.1 Geisel: a ascenso .............................................. 103

    4.5.1.1.1 O Contexto Interno............................ 103

    4.5.1.1.2 O Contexto Externo ........................... 107

    4.5.1.2 Geisel e o Reconhecimento da Independncia de

    Angola e do MPLA ............................................. 110

    4.5.2 O Itamaraty ..................................................................... 111

    4.5.2.1 O Embaixador Antnio Francisco Azeredo da

    Silveira, Ministro de Estado das Relaes

    Exteriores (1974-1979) ...................................... 117

    4.5.2.2 O Ministro talo Zappa, Chefe do Departamento da

    frica, sia e Oceania do MRE ........................... 1294.5.2.3 O Ministro Ovdio de Andrade Melo,

    Representante Especial do Brasil em Luanda ....... 132

    4.5.3 Os setores militares ......................................................... 136

    4.6 Concluso ................................................................................. 137

    5. O PROCESSO DE TOMADA DE DECISO EM AO ..................... 139

    5.1 Introduo ................................................................................ 139

    5.2 O conflito angolano.................................................................. 1415.2.1 Os principais atores internos: a FNLA, o MPLA, a UNITA ... 143

    5.2.2 Principais atores externos: Unio Sovitica, Cuba,

    China, Estados Unidos, Zaire e a frica do Sul ................. 151

    5.3 A Representao Especial do Brasil em Luanda.......................... 160

    5.4 A hora da deciso ..................................................................... 171

    5.5 O resultado do processo de tomada de deciso: o

    reconhecimento do Governo do MPLA em 1975 ...................... 177

    5.5.1 Repercusses Internas ..................................................... 177

    5.5.2 Repercusses Externas .................................................... 185

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    5.6 Articulao do processo de tomada de deciso com

    o Marco Terico ........................................................................ 187

    5.7 Concluso ................................................................................. 200

    6. CONCLUSO GERAL ...................................................................... 203

    NOTAS ................................................................................................... 209

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................ 229

    ANEXOS ................................................................................................. 241

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    1.1 DELIMITAODAPESQUISA

    Em 11 de novembro de 1975, o Governo brasileiro reconheceua independncia de Angola e o Governo de esquerda do MovimentoPopular para a Libertao de Angola (MPLA), apoiado pelos Governossovitico e cubano.

    Tendo em vista as restries de ordem ideolgica quedificultavam qualquer aproximao com Governos de esquerda elimitavam a ao no campo externo, a deciso de reconhecer aindependncia de Angola e o Governo de Agostinho Neto provocoufortes reaes internas contrrias. Houve questionamento sobre oprocesso decisrio e o tratamento e circulao das informaes, porparte dos atores que participaram da tomada de deciso.

    Ainda que existissem setores internos favorveis ao referido

    reconhecimento e que a poltica de aproximao com a frica fizesseparte da poltica de universalizao das relaes externas, oreconhecimento de um Governo de esquerda, do outro lado doAtlntico, representava para os setores militares mais radicais econservadores de direita uma questionvel aproximao e, mais ainda,uma ameaa de contgio1.

    Como explicar ento a deciso de reconhecer o Governo doMPLA? Qual foi o papel do Itamaraty? Que atores participaram doprocesso de tomada de deciso? Havia uma viso institucional com

    1. INTRODUOO PAPELDO ITAMARATYNO RECONHECIMENTODA

    INDEPENDNCIADE ANGOLAEDO GOVERNODO MPLACOMO QUESTODE PESQUISA

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    relao ao reconhecimento da independncia de Angola e do Governodo MPLA ou o resultado do processo decisrio se deveu ao dosatores individuais? Os objetivos almejados com a deciso dereconhecer a independncia e o Governo do MPLA foram atingidos?

    O presente trabalho visa a analisar o processo de tomada dedeciso (PTD) que levou ao reconhecimento do Governo do MPLA,

    buscando identificar o papel desempenhado pelo Itamaraty, emconjuntura complexa, onde se impunha legitimar dentro do Governo epara a opinio pblica a deciso tomada.

    Quando se analisa o processo do reconhecimento daindependncia de Angola do ponto de vista da atuao do Itamaraty, anfase dada ao papel desempenhado pelo Chefe da Representaodo Brasil em Luanda, Ministro Ovdio de Andrade Melo. Aspercepes do Ministro e as avaliaes com relao ao contextopoltico angolano s vsperas da independncia so percebidas comoo eixo condutor que levou as autoridades brasileiras ao reconhecimentodo Governo do MPLA.

    Mais do que as avaliaes de Ovdio Melo, que consideravamo MPLA a organizao melhor preparada para assumir o Governodepois da independncia - e interpretadas a posteriori como parciaispelo Presidente Geisel -, a falta de informao oficial sobre a presenade tropas cubanas em Angola foi considerada fator determinante naadoo da deciso final.

    Especula-se que se o Conselho de Segurana Nacional tivessetido conhecimento da participao das tropas cubanas no conflito, oresultado do processo de tomada de deciso teria sido diferente, poisno teria havido margem para o reconhecimento do Governo do MPLA.Apesar das declaraes oficiais de que o interesse nacional pautaria asdecises brasileiras em poltica externa, Cuba continuava sendo umtabu. O receio de que Cuba servisse de plataforma na Amrica Latinapara exportar a revoluo comunista estava bem arraigado no seio das

    Foras Armadas e na sociedade civil mais direita.

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    Analisando sob esse prisma, tem-se a impresso de que a visodo Ministro Ovdio Melo como ator individual, por meio das informaesoriginadas na Representao em Luanda, foi capaz de determinar todoo processo decisrio. Aps o reconhecimento da independncia equando se tornou pblica a participao das tropas cubanas no conflito,as crticas externas e internas causaram dificuldades ao Governo

    brasileiro na legitimao da deciso adotada. Diante das crticas dojornal O Estado de So Paulo, em entrevista publicada, o ChancelerAzeredo da Silveira alegou desconhecimento do fato no momento dadeciso.

    Anos depois, em entrevista ao Centro de Pesquisa eDocumentao de Histria Contempornea do Brasil da FundaoGetlio Vargas (CPDOC)2, o Presidente Geisel, contradizendo o quehavia sido afirmado por Azeredo da Silveira, admitiu ter conhecimentoda presena das tropas cubanas no momento da deciso, mas quehavia outros interesses que preponderavam sobre tal fato. Queinteresses eram esses? Qual a viso do Presidente sobre o processode independncia de Angola e a posio que deveria adotar o Governobrasileiro? Qual a viso do Chanceler e dos principais formuladores,no Itamaraty, da poltica externa para a frica? Que interesses e atoresse opunham percepo do Ministrio? Que estratgia foi adotadapelo MRE para superar as resistncias que ameaavam inviabilizar aposio do Itamaraty de neutralidade poltica e de reconhecer o

    vencedor das eleies angolanas, qualquer que fosse ele?A deciso de reconhecimento pelo Governo brasileiro da

    independncia de Angola, qualquer que fosse o resultado entre osdiversos movimentos que disputavam o poder no processo deindependncia, foi tomada bastante antes da independncia em si. ParaGes3, o raciocnio por detrs da referida deciso era de que se vencesseum dos dois grupos de direita, pr-ocidente, a Frente Nacional para aLiberao de Angola (FNLA) ou a Unio Nacional para Independncia

    Total de Angola (UNITA), o Governo brasileiro no teria a menor

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    dificuldade em reconhec-los; caso sasse vencedor do processoeleitoral o Movimento Popular para a Liberao de Angola (MPLA),seria este um fato consumado, independente da posio do Brasil. Ono reconhecimento implicaria apenas isolar-nos ainda mais nocontinente africano. Por outro lado, na possibilidade de subseqentealternncia de poder, por meio de guerra ou mesmo pela via eleitoral,

    com a vitria dos movimentos de direita, o Brasil no teria problemaem manter boas relaes com o novo Governo por haver reconhecidoo MPLA, j que a posio anticomunista do Brasil sempre forainquestionvel.

    A verdade que havia a determinao de Geisel e de Silveirade reconhecer o vencedor das eleies em Angola independentementede sua orientao ideolgica. Mas o processo decisrio no seria tofcil assim. Primeiro, porque a transio pacfica terminou em guerraentre as diversas faces e o vencedor no chegaria ao poder por viaeleitoral, como previsto, mas, sim, por meio das armas. Segundo, porqueo movimento que se afigurava como provvel vencedor era oMovimento Popular para a Liberao de Angola (MPLA), deorientao marxista, apoiado pela Unio Sovitica e por Cuba. Taisfatores tornaram o processo decisrio extremamente delicado,obrigando os dois principais atores, a Presidncia e o Itamaraty, a umgrande exerccio de habilidade estratgica para obter o resultadoalmejado de pronto atamento de relaes com Angola.

    nesse contexto que se analisar o papel desempenhado peloItamaraty no processo de reconhecimento da independncia de Angola.Ao tentar identificar o papel do Itamaraty, pretende-se expor as variveisque influram no processo de tomada de deciso, tais como: o conflitoentre os distintos rgos dentro da burocracia para obter maior poderde influncia no processo; o enfrentamento entre atores individuais comvises prprias sobre qual deveria ser a formulao poltica; o controledas informaes que circularam; e, finalmente, o papel do Itamaraty e

    sua estratgia de ao na adoo da deciso final.

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    A opo pelo referido trabalho procura a preencher lacunaexistente na literatura sobre o papel desempenhado pelo Itamaraty,como Agncia de Governo, e seus funcionrios no processo decisrioque levou ao reconhecimento da independncia de Angola e doGoverno do MPLA. Buscar-se- colocar em evidncia quais os canaisdecisrios efetivos, e no apenas formais, os interesses e viso de mundo

    que motivaram os distintos atores, se estas vises refletiam umapercepo institucional, e qual foi o peso especfico de cada um dosatores nas aes adotadas. O trabalho buscar agregar todos os fatoresacima em uma perspectiva pouco explorada, a disputa entre Agnciasdentro da burocracia.

    Os trabalhos sobre o chamado Pragmatismo Responsvel dogrande nfase aos papis do Presidente Geisel e do Chanceler Azeredoda Silveira, inclusive s caractersticas pessoais, para tentar explicar ainflexo na poltica externa no perodo, como o reatamento das relaescom a Repblica Popular da China, a Assinatura do Acordo Nuclearcom a Alemanha, o Reconhecimento da Independncia de Angola, orompimento do Acordo Militar com os EUA. Nessa anlise, queprivilegia o ator individual, a viso e papel do Itamaraty como instituio,na formulao do que seria o interesse nacional, ficam relegados a umsegundo plano ou so analisados de um ponto de vista meramentereativo s presses do sistema internacional. No caso especfico doreconhecimento da independncia de Angola, e o fim do alinhamento

    automtico com Portugal, a posio do Itamaraty favorvel aoreconhecimento percebida como uma reao tardia do MRE a umprocesso inexorvel, o de descolonizao, ao qual a maior parte dacomunidade internacional j havia aderido.

    Esse tipo de abordagem, buscando explicar as decises naesfera externa a partir dos constrangimentos impostos pelo sistemainternacional, principalmente quando se trata de pas emdesenvolvimento como o caso do Brasil, desconsidera que ainda que

    o sistema internacional imponha limitaes, este tambm oferece

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    oportunidades aos Estados. H certa latitude de escolha por parte dosEstados entre cursos a seguir e a explicao de uma determinada aodeve ser buscada na anlise do processo decisrio e dos atores quedele participaram.

    No que tange independncia de Angola, certamente, a partirda abordagem do sistema internacional como determinante central da

    ao externa, no haveria qualquer oposio determinao daadministrao Geisel de reconhecer o Estado angolano, uma vez queas colnias portuguesas, ou territrios de ultramar como eramdenominadas, eram as nicas remanescente do processo dedescolonizao. O no reconhecimento pelo Brasil da independnciacolocaria o Pas na contramo da histria e seria totalmente descabida,uma vez que a potncia colonial, Portugal, havia concedido aindependncia. O que no explicado pela abordagem das limitaesimpostas pelo sistema internacional porque o Brasil reconheceu oGoverno comunista do MPLA - e no apenas a independncia deAngola. A administrao Geisel teve opes e adotou uma decisocuja explicao se encontra, argumenta este trabalho, na esfera interna,onde se definem os interesses nacionais.

    H trabalhos que analisam a poltica externa dos Governosmilitares (1964-1985) no como uma reao direta s imposiesdo sistema internacional, mas, sim, como fortemente condicionadapela poltica interna e seus constrangimentos4. Para seus autores, a

    poltica externa do perodo foi monoltica uma vez que seus preceitosemanavam da Doutrina de Segurana Nacional (DSN). Nessapercepo, o binmio segurana nacional e desenvolvimento presente na DSN e observado pelo Conselho de Segurana Nacional,considerado formalmente o locus de deciso -, de uma forma ou deoutra, explica as aes tomadas. No caso da administrao Geisel,as inflexes so atribudas no apenas dtente, na esfera externa,mas, sobretudo, ao gradual processo de abertura poltica interna,

    que teria permitido uma maior flexibilidade do regime do ponto de

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    vista ideolgico, mas, ainda assim, teriam sido aes que obedeciamaos preceitos da DSN.

    A anlise explicativa a partir da Doutrina de Segurana Nacionalno leva em considerao que os conceitos contidos na referida Doutrinaeram to fluidos que permitiam sua adequao a qualquer deciso quetivesse sido tomada5. A flexibilidade era tal a ponto de permitir a

    inverso do binmio, da administrao Castelo Branco, de segurana/desenvolvimento para desenvolvimento/segurana, na administraoGeisel, gerando conseqncias diretas nas decises tomadas na esferaexterna. Da mesma forma, o conceito de interesse nacional, recorrentena Doutrina, no explicita quem o formula e define, e figura ao longoda DSN como se fosse algo definido a priori, reconhecido e aceitopor todos os atores sem disputa. Ao considerar que havia consenso noGoverno com relao ao que seria o interesse nacional, a abordagemdesconsidera as divises internas e distintas percepes sobre ointeresse nacional, cuja existncia ficou evidente com a tentativa degolpe do Ministro do Exrcito, Sylvio Frota.

    Por ltimo, ao considerar o CSN como locus de deciso naesfera externa, a referida anlise negligencia a posio do Itamaratycomo Agncia de Governo privilegiada que, por questes que seroanalisadas mais frente, conseguiu manter certa independncia frenteao CSN e DSN, mesmo que formalmente estes condicionassem todasas aes de Governo.

    Ainda no que tange s anlises que tratam de explicar oPragmatismo Responsvel, e a ao especfica do reconhecimento daindependncia de Angola e do Governo do MPLA, h trabalhoscentrados no Processo de Tomada de Deciso e que reconhecem aslimitaes das abordagens das imposies do sistema internacional eda teoria da Doutrina de Segurana Nacional6. Os citados trabalhosadotam a perspectiva do ator individual como formulador e executor,impondo aos demais o seu ponto de vista7. So anlises que, como

    dito anteriormente, centram a explicao da ao na parceria e

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    Da mesma forma, as explicaes centradas nos comportamentosdos Ministros talo Zappa e Ovdio Melo, como responsveis pelofato do Itamaraty e a Presidncia terem tomado a deciso de reconhecero MPLA8, tambm se revelam insatisfatrias. Zappa e Ovdio Melo -que ao longo de suas carreiras tinham tido a oportunidade de manifestarsuas posies favorveis ao apoio inequvoco do Brasil ao processo

    de descolonizao - foram escolhidos para as posies que ocuparam,com vistas a cumprir com o objetivo definido pela Presidncia e pelosformuladores do Itamaraty de reconhecer o Governo independente deAngola, qualquer que fosse a sua orientao ideolgica. Os atorescumpriram o papel que se esperava deles, uma vez que, apesar dasdificuldades internas e externas, logrou-se a atingir o objetivo almejado.Em 1996, Geisel admitiu ter tido conhecimento da presena das tropascubanas, mas que havia interesses maiores que determinaram suadeciso de reconhecer o Governo do MPLA9. Tal fato revela que ocontrole da circulao das informaes da Representao Especialem Luanda para a Secretaria de Estado das Relaes Exteriores, ou afalta de informao, no caso da presena cubana, foi instrumental aosinteresses do MRE e da Presidncia.

    No se pretende, com esse enfoque, negar a importncia dosatores individuais no processo que culminou com o reconhecimentodo Governo do MPLA. Ao contrrio, se reconhece o papel centraldos atores individuais na concretizao da ao. Contudo, estes no

    determinaram a formulao ou a deciso final. Mesmo admitindo, como correto, que a deciso final coube ao Chanceler Azeredo da Silveirae ao Presidente Geisel, a linha seguida, a do reconhecimento daindependncia qualquer que fosse o governo estabelecido em Luanda,no foi uma criao intelectual do Ministro de Estado ou do Presidente.A deciso derivava de posies defendidas pelo Itamaraty, conformecomprovam as comunicaes internas do MRE, antes mesmo dasassunes de Geisel e Silveira. Geisel e Silveira, entre as opes de

    curso que tinham, abraaram a formulao do interesse nacional

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    defendida pelo MRE e a traduziram em poltica externa, emcontraposio linha defendida por outros atores (para efeitos destetrabalho, Agncias) dentro do Governo.

    Da mesma forma, o presente trabalho no pretende negar asoportunidades dadas pelo sistema internacional - como a dtente, areadmisso da Repblica Popular da China na ONU ou, mais

    especificamente, a Revoluo dos Cravos em Portugal - na concretizaodas aes tomadas. O trabalho argumenta, no entanto, que tais fatoresno explicam a formulao da poltica externa adotada, menos aindaquando se considera as limitaes impostas pelas amarras ideolgicasque inspiraram o golpe de 1964. Igualmente, no se pretende ignorarque a ascenso de Geisel Presidncia, com o predomnio de setoresmais moderados do Exrcito sobre os mais radicais de direita, permitiumaior flexibilidade na interpretao e aplicao dos preceitos da DSN ea adoo de medida arrojada como o reconhecimento do MPLA. Masse a flexibilidade ideolgica interna deu margem adoo da ao, elanada acrescenta quando se pretende analisar a formulao da polticaexterna implementada, nem quem definiu a viso de interesse nacionalque a inspirou.

    O presente trabalho busca argumentar que na verdade as referidasaes, e, particularmente, o Reconhecimento da Independncia de Angolae do MPLA, representam a materializao de inflexes identificadascomo necessrias aos interesses nacionais do Pas pelos funcionrios do

    Itamaraty, e que vinham sendo buscadas desde longa data.

    1.2 OBJETIVOS

    1.2.1 Objetivo geral

    O trabalho tem por objetivo geral analisar o papel doItamaraty no processo de deciso que levou ao reconhecimento

    da independncia de Angola e do Governo do MPLA por parte

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    do Governo brasileiro, em 11 de novembro de 1975. Pretende-se tambm examinar quais foram os principais atores envolvidosno Processo de Tomada de Deciso10 e os interesses, motivaese valores que animavam esses atores.

    1.2.2 Objetivos especficos

    Os objetivos especficos deste trabalho so demonstrar queo reconhecimento da independncia de Angola e do Governo doMPLA representou o predomnio da viso do Itamaraty sobrequal era o interesse nacional do Brasil sobre a viso de outrasAgncias; e que interesses de Estado predominaram sobreinteresses de Governo.

    1.3 REFERENCIAL TERICO ADOTADO

    O referencial terico adotado o desenvolvido por Allisone Zelikow11, que analisam como se d o Processo de Tomada deDeciso em poltica externa dentro da burocracia governamental,o papel dos diferentes atores e a interao e jogo de poder entreeles, na defesa de seus interesses, e como tentam influenciar oPTD.

    Allison e Zelikow, em sua anlise, adotam uma perspectiva

    Realista para explicar o PTD. De acordo com os objetivos dopresente trabalho, as categorias de anlise utilizadas pelos referidosautores so as que melhor explicam o PTD na administraoGeisel. As distintas categorias e modelos de Allison e Zelikowesto detalhados no Captulo 2.

    Ainda como marco terico, adota-se conceitos sobreinstitucionalismo histrico, visando a explicar o processo deformulao da Poltica Externa Brasileira pelo Itamaraty, bem

    como o seu insulamento burocrtico.

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    1.4 HIPTESESDETRABALHO

    O estudo parte de duas hipteses de trabalho.

    1) A primeira hiptese a de que os objetivos poltico-estratgicos de mdio e longo prazos como o aumento do

    peso especfico do Pas, por meio da diversificao dasrelaes externas, e maior autonomia no cenrio internacional- foram os que inspiraram as aes tomadas no Itamaraty,no que concerne ao reconhecimento da independncia deAngola e do Governo do MPLA. Esses objetivos poltico-estratgicos preponderaram, sempre que possvel, quandohavia conflito, sobre os objetivos econmicos ou ideolgicosde curto prazo que orientavam parte dos atores queparticiparam do processo de tomada de deciso.

    2) A segunda hiptese a de que a Presidncia da Repblicae o Itamaraty foram os atores que mais influenciaram noprocesso decisrio, apesar de outros atores teremigualmente buscado incidir sobre o processo, com visesnem sempre convergentes com as posies do Itamaratye da Presidncia. Os setores militares e de segurana doEstado e a rea econmica do Governo, representadosno Conselho de Segurana Nacional (CSN), tinham por

    vezes vises diferentes daquela do Ministrio das RelaesExteriores com relao ao que seria o interesse nacionalna rea externa.

    As aes adotadas pela poltica do Pragmatismo Responsvel,entre elas o reconhecimento da independncia de Angola, refletiamvalores que inspiravam a poltica externa brasileira desde longa data,tais como o anseio de ter maior autonomia na esfera externa, sem os

    condicionamentos impostos pela poltica norte-americana.

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    O que instiga a curiosidade saber como as referidas aspiraesde maior autonomia tiveram vazo e se traduziram em aes externasconcretas, como o reconhecimento do Governo do MPLA, durante aadministrao Geisel, e como atuou o MRE no processo decisrio.

    Ainda que se reconhea que o presidente Geisel foi figuracentral no processo de tomada de deciso durante o Pragmatismo

    Responsvel e que suas caractersticas pessoais explicam parte dasaes tomadas no perodo, este trabalho no pretende centrar aanlise nas caractersticas da personalidade do presidente. A referidacaracterizao foi feita apenas para analisar como o Itamaraty seposicionou e operou em ambiente onde as caractersticas doPresidente ofereciam oportunidades e limitaes para influenciar noprocesso decisrio.

    Para Mouro,

    (...) o acompanhamento atento da evoluo das relaes

    internacionais entre o Brasil e os pases africanos mostra

    claramente que o quadro dos entendimentos registrados, no

    nosso sculo, sem dvida fruto de uma atividade do Poder

    Executivo, especialmente do Ministrio das Relaes

    Exteriores12.

    Nesse contexto, a anlise parte da premissa de que cada

    Ministrio ou rgo estatal tentou impor seu ponto de vista e influenciaro Presidente da Repblica. Na anlise, buscou-se delinear asmotivaes dos atores no do ponto de vista de suas convicespessoais, mas, principalmente, da cultura institucional e dos mtodosde trabalho institucionais.

    A unidade de anlise foi o Ministrio das Relaes Exteriores.Os outros rgos e seus mtodos de trabalho, bem como sua percepoda poltica externa, em especial do processo do reconhecimento da

    independncia de Angola, foram analisados apenas para indicar sua

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    posio no processo de tomada de deciso e como condicionaram aao do Itamaraty.

    1.5 METODOLOGIA

    Ao se tentar identificar o papel do Itamaraty no reconhecimento

    da independncia de Angola e do Governo do MPLA, pretendeu-se exporas variveis que influram no processo de tomada de deciso, tais como asdistintas vises sobre o interesse nacional, o conflito entre Agncias paraobter maior poder de influncia no processo; e, finalmente, a barganhaentre os atores, incluindo o Presidente, na adoo da deciso final.

    De forma a permitir a consecuo dos objetivos estabelecidos,buscou-se identificar os atores que tiveram ao decisiva no PTD, osseus posicionamentos frente s diferentes opes e de que interesseseram representantes. A anlise da documentao da Secretaria de

    Estado, da srie telegrfica da Representao Especial em Luanda,bem como dos telegramas particulares e relatos pessoais dos atoresenvolvidos, permitiram avaliar a participao do Itamaraty no PTD, opeso especfico de cada ator individual e o nvel de informao quedetinham o Itamaraty, a Presidncia e os demais atores no perodo queprecedeu a declarao de independncia.

    Entre os procedimentos de pesquisa, foram utilizadas fontesprimrias e documentos disponveis no Itamaraty. Tambm foram

    consultadas e entrevistadas pessoas que participaram diretamente doseventos ou que assessoram as que tomavam as decises; com isso, foipossvel a comparao de discursos pessoais, que se constituiu emimportante fonte de pesquisa para o trabalho.

    Como documentao secundria, foram utilizados trabalhosacadmicos e artigos publicados sobre o assunto. A adoo da referidametodologia permitiu a delimitao dos contextos interno e externoque facultaram a tomada da deciso, bem como o peso de cada ator

    especfico e seus interesses.

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    1.6 ESTRUTURADADISSERTAO

    O trabalho est dividido em duas partes. Na primeira parte,que abrange os Captulos 2 e 3, faz-se uma apresentao do referencialterico adotado e das razes que levaram sua adoo. Em seguida,examina-se a evoluo da poltica externa brasileira desde a

    administrao Kubitschek, quando a frica comeou a ocupar espaona formulao, at o Pragmatismo Responsvel da administraoGeisel. Ainda na primeira parte, faz-se reviso de literatura centradaem trs eixos: 1) O Pragmatismo Responsvel como ponto de inflexona poltica externa; 2) A questo do desenvolvimento econmico e asrelaes com os EUA; e, 3) O Universalismo e as relaes com oTerceiro Mundo.

    Tentou-se nesta anlise evidenciar que a poltica externaapresentava uma continuidade evolutiva, que se pautava ora por

    uma aproximao com os Estados Unidos, ora por umafastamento, e no centro dos debates e das definies das aesexternas estavam as questes do nacionalismo e dodesenvolvimento. Pretendeu-se demonstrar a partir da revisobibliogrfica e histrica que, a par das distintas vises dos diversosatores que participavam do processo decisrio, os formuladoresda poltica externa no Itamaraty tinham uma viso prpria do quedeveria ser a poltica para a frica. Essa viso vinha-se

    cristalizando no Ministrio desde o perodo da Poltica ExternaIndependente (PEI), de forma evolutiva.

    A segunda parte do trabalho tem incio no Captulo 4, no qualso apresentados os principais atores que tomaram parte no PTD.Inicia-se com uma breve apresentao da biografia do presidente Geisel,buscando identificar as caractersticas pessoais, a formao intelectuale a trajetria profissional que teriam influenciado com maior intensidadeas decises tomadas pelo Presidente na esfera externa e como conduziu

    o PTD.

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    Em seguida, so apresentados os principais atores dentro doItamaraty que participaram do PTD, buscando pr em evidncia asdiferentes percepes com relao formulao da poltica externapara a frica, bem como a posio que ocupavam no organogramado Ministrio. Busca-se igualmente identificar as posies dos outrosrgos estatais que participaram do PTD e que tinham vises

    discrepantes daquela dominante no MRE.No Captulo 5, analisa-se o processo de reconhecimento daindependncia de Angola e do Governo do MPLA. Inicia-se com adescrio do quadro poltico angolano, com a apresentao dos trsMovimentos de Liberao que disputavam o poder. Em seguida,aborda-se a deflagrao da guerra civil angolana e a internacionalizaodo conflito, com a interferncia dos Estados Unidos, Unio Sovitica,China, Zaire, Cuba e da frica do Sul. No mesmo Captulo, faz-seanlise da srie telegrfica da Representao Especial em Luanda, bemcomo outras informaes que circularam por canais informais. Porltimo, analisa-se a interao e jogo de foras dos atores no PTD, oresultado final, e seu impacto nos campos interno - sobretudo comrelao reao de setores militares e da sociedade civil - e externo.

    Finalmente, apresentam-se, no ltimo Captulo, as conclusesrelativas ao papel do Itamaraty e de seus funcionrios no processodecisrio, luz do paradigma terico adotado.

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    PARTE I

    MARCO TERICOEAEVOLUODAPOLTICA EXTERNA

    DE KUBITSCHEKA GEISEL

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    2.1 NVEISDEANLISE

    No marco terico das Relaes Internacionais, e dentro dashipteses anteriormente definidas, o estudo tentar mostrar que emregimes autoritrios a formulao da poltica externa d-se dentro dosparmetros da Teoria Realista, segundo a qual o Estado projeta-se

    como unitrio, com o afastamento de demais grupos de interesse doprocesso de tomada de deciso. De acordo ainda com a Teoria Realista,a inspirao central e determinante da ao externa de cunho militar-estratgico, em detrimento de outras condicionantes, como os interessesde natureza econmica ou poltica13.

    A Teoria Realista adota - com relao ao comportamento dosEstados no cenrio internacional - pressupostos que parecem ter sidoos mesmos a inspirar a administrao Geisel no processo de deciso

    na arena externa entre 1974 e 1979. Entre os referidos pressupostos,destacam-se, como relevantes para o enquadramento do trabalho noplano da teoria das relaes internacionais que levaram adoo doPragmatismo Responsvel , as seguintes premissas:

    a) o Estado um ator e, assim como o indivduo, capaz deadotar aes racionais;

    b) se um Estado visa a ser bem sucedido na esfera externa, aaquisio de poder tem que ser seu objetivo central e

    imediato nas aes externas;

    2. REFERENCIAL TERICO

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    c) a segurana e o acmulo de poder so objetivos definidoscomo interesse nacional; e

    d) todo Estado, em uma determinada situao poltica, tem uminteresse nacional e esse interesse beneficiar ao conjuntoda sociedade e no a indivduos isolados 14.

    O modelo clssico da Escola Realista, no entanto, contmsimplificaes que impedem uma compreenso do processo decisrioem poltica externa, em todos os seus aspectos. Entre as crticas feitasao modelo, a que teria maior impacto no estudo que aqui se prope a viso de que os Governos, que operam em nome dos Estados, seriamatores monolticos.

    2.2 AOPOPELATEORIAREALISTA: RAZES

    As abordagens sistmica ou pluralista no campo das relaesinternacionais que buscam identificar fatores polticos ou econmicoscomo motivaes primordiais no processo de tomada de deciso naesfera externa15 no sero adotadas, por se considerar que, no perodoem anlise, ainda que o desenvolvimento econmico fosse um objetivocentral do Governo ele no se constitua um fim em si, mas parte deuma estratgia que visava a diminuir a vulnerabilidade do Pas frente aomeio externo. O mesmo se considera no campo poltico. A aproximao

    com o Terceiro Mundo no constitua um fim poltico em si; tratava-seigualmente de deciso estratgica que buscava fortalecer a posionegociadora do Pas frente a parceiros mais fortes como os EUA e aEuropa.

    O objetivo do Governo era aumentar o poder do Pas no cenriointernacional e melhorar suas condies de participao e influncia nosistema como um todo. Nesse contexto, a emancipao tecnolgica eo desenvolvimento econmico eram vistos como objetivos estratgicos

    que possibilitariam ao Pas ocupar posio de maior relevo no cenrio

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    REFERENCIAL TERICO

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    internacional, compatvel com as dimenses e potencialidades do Brasil.O iderio de Brasil Potncia, do perodo Mdici, teve sua expressomxima em termos de aes na administrao Geisel, e era este iderio,supe este estudo, a mola motriz da poltica externa do Governo Geisel.

    Nesse contexto, o desenvolvimento econmico era fator centralpara a manuteno da soberania do Pas, livrando-o de interferncias

    externas de parceiros economicamente mais fortes. O binmiosegurana nacional/desenvolvimento econmico da era Mdici sofreuinverso para desenvolvimento econmico /segurana nacional naadministrao Geisel. Mas as questes de segurana nacional, desoberania e de acmulo de poder foram centrais na inspirao dasaes externas tomadas no perodo. Por isso, escolheu-se a EscolaRealista como paradigma que melhor explicaria a poltica externa deGeisel.

    2.3 MODELO CLSSICODE SNYDER

    A competio entre os diversos atores internos que participamdo processo de tomada de deciso foi analisada no trabalho de Snyder,que definia o PTD como um processo que permite a escolha, dentreum nmero limitado de solues possveis, definidas socialmente, deuma soluo particular que venha a produzir o resultado escolhido pelosresponsveis pela deciso16.

    Ainda que o modelo de Snyder reconhea a existncia de fatoresirracionais no processo de deciso, ele centra-se, para efeito de anlise,nos fatores racionais do processo. Ou seja: o Governo busca por meiode uma determinada ao alcanar o objetivo que o Estado perseguia.

    Com relao aos atores, Snyder 17 reconhece comoformuladores apenas os atores oficiais de um Governo, isto , pessoasinvestidas de autoridade reconhecida e que detm o poder decisrioefetivo em suas mos. Nesse contexto, a viso individual dos

    formuladores (nesse caso, dos funcionrios de Governo) com relao

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    realidade objetiva e suas percepes sobre o que seria o interessenacional constituem elementos centrais na compreenso do processodecisrio.

    O modelo de Snyder estabelece trs grupos de variveis comodeterminantes do comportamento dos tomadores de deciso: 1) o dasesferas de competncia, que representa as atribuies de cada unidade

    decisria; 2) o da comunicao e informao, que diz respeito sredes de comunicao que servem para veicular as informaes e osdados dentro da organizao; 3) o da motivao, que tenta esclarecero porque de uma ao, quais os valores, normas e vises que levaramuma unidade de deciso a tomar uma determinada ao.

    Muitas so as crticas feitas ao modelo anteriormentedescrito. A principal delas com relao ao comportamento racionaldos atores. Para os crticos do modelo, os fatores psicolgicos,questes de interesse e valores pessoais interagem no processodecisrio.

    Do ponto de vista da anlise desenvolvida neste trabalho,as referidas crticas se aplicam, e buscar-se- demonstrar que aracionalidade dos atores produto da cultura institucional daorganizao a qual pertencem. Assim sendo, como ser visto maisadiante, o trabalho adotar, secundariamente, categorias de anlisedo Institucionalismo Histrico, que, a par da Escolha Racional e doInstitucionalismo Sociolgico, compe a Escola do chamado Novo

    Institucionalismo.Levando em considerao as ponderaes mencionadas, o

    trabalho bsico a ser usado como referencial terico ao longo desteestudo ser o de Graham Allison e Philip Zelikow18 - a serapresentado a seguir -, que estabelece trs modelos tericos paraexplicar o processo decisrio em poltica externa : 1) o do atorracional; 2) o do comportamento organizacional; 3) o da polticagovernamental, ou burocrtica. O trabalho buscar analisar o

    processo decisrio que levou ao reconhecimento da independncia

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    de Angola e do Governo do MPLA a partir dos modelos 2 (o docomportamento organizacional) e 3 ( o da poltica governamental).

    2.4 MODELODE ALLISONE ZELIKOW

    2.4.1 Consideraes Gerais acerca do modelo

    No modelo de Allison e Zelikow19, as aes e decisesgovernamentais so resultantes da interao de diferentes opinies sobreo que deve ser feito. Nesse caso, so duas as possibilidades: um grupotriunfa sobre o outro, ou distintos grupos, pressionando em direesdiversas, produzem um resultado que no reflete os propsitos dequaisquer dos atores envolvidos. O conceito bsico o de que,

    when officials come together to take some action, the result

    will most often be different from what any of them intendedbefore they began interacting as a group20.

    A referida abordagem especialmente importante na anlisedo processo de tomada de deciso em poltica externa no GovernoGeisel, j que h uma tendncia a se buscar um ator preponderante emcada uma das decises tomadas e no a ver a deciso como resultantedo enfrentamento de diversos atores. comum na literatura sobre o

    assunto encontrar-se nfase ora na figura do Presidente como aprincipal autoridade decisria21, ora no papel preponderante doConselho de Segurana Nacional (CSN) como locus de deciso22.Ou, ainda, a atribuir-se as decises competncia e ao profissionalismodo Itamaraty e ao respeito que a Instituio sempre deteve nas demaisesferas de Governo. Nesse sentido, a abordagem integrada de Allisone Zelikow23 torna-se especialmente til para a compreenso do PTD.

    O reconhecimento de que o processo decisrio d-se em

    ambiente interno complexo e exposto interferncia de mltiplos atores

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    conduz a uma questo central do modelo: os diferentes atorescompartilham as mesmas concepes com relao ao que se define comointeresse nacional? Allison e Zelikow24 afirmam que nem sempre issoacontece. A maioria dos atores representa um Ministrio, ou uma Agncia,e defende os interesses da instituio que representam. Como suas crenase preferncias so ligadas a diferentes instituies, suas anlises com

    relao s aes a serem tomadas, so, no raro, conflitantes25

    .Portanto, a racionalidade a ser esperada dos referidos atorescom relao s oportunidades e s ameaas apresentadas na esferaexterna tender a ser a racionalidade da organizao a que pertencem.Alm do mais, cumpre observar que nem sempre h consenso dentroda organizao sobre a melhor deciso, sendo recorrentes as disputasinternas com relao linha de ao a ser adotada.

    As disputas internas podem envolver desde a manipulao eocultao de informaes at a criao de estruturas paralelas dentroda organizao, com o objetivo de subverter a estrutura formal e seusprocedimentos regulares26. As disputas internas dentro das organizaes,no entanto, tendem a se dirimir diante do enfrentamento potencial comoutras agncias do governo no momento do processo de tomada dedeciso.

    Na disputa burocrtica entre as diversas agncias que participamdo processo decisrio, o aparelho governamental passa a ser, portanto,a verdadeira arena onde se desenrola o jogo que visa consecuo de

    objetivos internacionais que possam traduzir-se em ganhos. Os atoresora se confrontam, ora realizam pactos, em razo de conflitos ou deconsensos de pontos de vista. Para Allison e Zelikow,

    to explain why a particular formal governmental decision

    was made or why one pattern of governmental behavior

    emerged, it is necessary to identify the games and players, to

    display the coalitions, bargains, and compromises, and to

    convey some feel for the confusion27

    .

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    Com relao ao conceito de ator racional, faz necessria,ainda, uma ltima considerao geral. Deve-se ter presente que nadisputa interna pelas decises de governo, nem sempre o imperativocentral dos atores a maximizao dos benefcios, para o pas, daadoo de uma linha de ao externa, mas, sim, o objetivo primordialdos atores de manterem internamente seu poder e influncia dentro

    do governo.

    2.4.2 Os trs modelos que integram o Modelo Geralde Allison e Zelikow

    2.4.2.1 O Modelo do Ator Racional

    A tentativa de explicar os fatos internacionais por meio daidentificao dos objetivos dos governos das naes, e dos

    clculos que estes fazem de perdas e ganhos envolvidos em cadaopo de ao externa para alcanar os referidos objetivos,constitui a principal caracterstica do Modelo do Ator Racional28

    (modelo I).A premissa central desse modelo que os governos

    decidem com base em uma escolha racional, em meio a diversasopes, cada qual contendo prs e contras, buscandoestrategicamente maximizar os ganhos em relao aos objetivos

    estabelecidos.Os conceitos que fundamentam o Modelo do Ator Racional

    so29:a. O governo dos Estados, concebido como um ator racional e

    unitrio, o agente da ao externa. O governo, comoAgente, se antropomorfiza, passando a ter, assim, comoos indivduos, preferncias e percepo individualizada dosfatos, das escolhas possveis e das conseqncias envolvidas

    em cada escolha. O governo , portanto, um ator unitrio.

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    b. A ao escolhida em resposta situao estratgicaespecfica que o ator enfrenta. As ameaas e oportunidadesque surgem na arena internacional levam a nao a agir.

    c. A ao uma escolha racional fundamentada em trscomponentes:

    Objetivos: a Segurana Nacional e o interesse nacional so as

    principais categorias na determinao dos objetivosestratgicos;Opes: as aes para se alcanar os objetivos constituem as

    opes;Escolha: a escolha racional busca a maximizao dos objetivos;

    o agente racional escolhe a alternativa que melhor atendeaos seus objetivos estratgicos.

    A inferncia central a de que se uma nao ou seusrepresentantes tomam uma determinada ao, esta foi selecionada comosendo a que maximizava os objetivos do ator.

    O Modelo I, por adotar o pressuposto de que o governo umator unitrio,no ser adotado. A perspectiva de anlise precisamentea contrria, a de que h distintas percepes dentro do governo sobrequal seria o interesse nacional, gerando com isso conflito eenfrentamento na arena decisria.

    Sero adotadas como categorias de anlise, portanto, a par do

    Institucionalismo Histrico, os Modelos II e III de Allison e Zellikow,como se ver.

    2.4.2.2 O Modelo do Comportamento Organizacional30

    O Modelo do Comportamento Organizacional (modelo II)busca explicar as aes externas por meio da anlise das organizaesque participam do processo decisrio. O posicionamento das

    organizaes com relao s decises explicado pela identificao

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    dos objetivos de cada organizao e de sua cultura organizacional,que so compartilhados pelos indivduos que a compem. As tentativasde compreenso das decises externas so centradas, portanto, nasorganizaes e no nos indivduos que as integram.

    A base conceitual que fundamenta esse modelo a de que asorganizaes tm uma cultura prpria e que esta molda o

    comportamento dos indivduos dentro da organizao, de forma a queos mesmos ajam em conformidade com as normas formais e informaisda organizao. O resultado que as organizaes passam a teridentidade prpria, individualizada, fruto das prticas, rotinas e valoresque compem a cultura da organizao.

    Segundo Herbert Simon31, h duas lgicas de ao: a doator racional, que fundamenta sua deciso na anlise das conseqnciasde cada ao e busca diante de cada situao estratgica a opo quemaximiza os seus objetivos; e, outra, a lgica de ao a doprocedimento mais adequado em cada situao, e esta a quefundamenta as opes das organizaes. A lgica da ao, nessasegunda acepo, que orienta o comportamento da organizao umalgica baseada na experincia acumulada em situaes passadasanlogas, e os resultados obtidos.

    Essa distino fundamental para diferenciar os dois modelosapresentados at aqui: do ator racional e o do comportamentoorganizacional. So lgicas distintas as que orientariam os atores

    enquanto agentes decisrios.Ainda que alguns autores, como Max Weber, considerem as

    organizaes como a forma mais efetiva de instrumento da escolharacional, analistas, em perodos mais recentes, chamam a ateno paraa importncia se de aferir quanto o comportamento dos indivduos,como membros de uma instituio, influenciado e controlado pelainstituio e pelos objetivos da organizao a qual pertencem. Nessaltima linha de anlise, a eficincia e racionalidade descritas por Weber

    passam a estar comprometidas com os objetivos da organizao e no

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    com o objetivo estabelecido pelo governo. Ou seja, a burocraciaadquire vida prpria, vontade prpria, racionalidade prpria.

    Segundo esse modelo de anlise - o do comportamentoorganizacional-, os burocratas teriam autonomia para definir quaisseriam as prioridades, de acordo com as preferncias que emergemda instituio e dos seus dirigentes. Allison e Zelikow ponderam que,

    toda vez que h conflito entre a cultura rotineira da organizao ecritrios de eficincia, estes ltimos sempre perdem a batalha32.Os conceitos que fundamentam o Modelo do

    Comportamento Organizacional so:a. Unidade bsica de anlise: as aes do Governo so

    resultantes das aes das organizaes que o integram; asdecises dos lderes governamentais desencadeiam rotinasorganizacionais; os lderes governamentais podem moldaros resultados das aes das organizaes ou combin-loscom os resultados de outras organizaes; geralmente ocomportamento do Governo (aes) condicionado porprocedimentos j previamente estabelecidos dentro dasorganizaes.

    b. Atores Organizacionais:o ator no um Governo, ou nao,monoltico, mas, sim, uma constelao de organizaesvagamente aliadas, sobre a qual paira o lder governamental.

    c. Problemas e poder fracionados: o acompanhamento dos

    assuntos externos e sua complexidade requer que osproblemas e o poder sejam fracionados e encaminhados adistintas organizaes de acordo com as respectivascompetncias.

    d. Coordenao Central: As aes de Governo requerem adescentralizao das responsabilidades e das atribuies; faz-se necessria, no entanto, uma coordenao centralizada,sobretudo porque as competncias, com freqncia, so

    dbias ou h sobreposio de atribuies.

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    2.4.2.3 O Modelo da Poltica Governamental

    O Modelo da Poltica Governamental (modelo III) parte dasuposio de que os lderes de cada organizao/agncia so atoresindividuais, com direito legtimo - pelo cargo que ocupam - de participarde um jogo competitivo, denominado poltica. Nesse jogo, os atores

    barganham com outros atores, posicionados hierarquicamente dentrodo Governo, por meio de canais regulares estabelecidos dentro daburocracia.

    Neste terceiro modelo de Allison e Zelikow33, os atores nose preocupam somente com uma nica questo estratgica, mastambm com diversos problemas de ordem interna. Os atorestampouco escolhem em termos de um conjunto consistente deobjetivos estratgicos como no modelo do ator racional, mas emconformidade com vrias concepes de segurana nacional, da

    organizao, domsticas e de interesses pessoais. Nesse contextoos atores que participam do processo de tomada de deciso no sepautam apenas pela escolha racional centrada em objetivos de polticaexterna, ou da organizao a que pertencem, mas, sim, pelas as idase vindas que caracterizam o jogo poltico e o processo de barganha.

    Na perspectiva desse modelo, o aparelho de governo passaa ser a arena decisria onde se desenrola o jogo poltico interno.Os atores principais so os lderes polticos no topo do aparelho

    de Estado e os dirigentes das organizaes mais importantes,envolvidas no PTD. O Presidente da Repblica participa do jogocomo um poder moderador, um administrador dos conflitos entreas distintas organizaes, ao mesmo tempo em que tenta impor suaprpria viso, buscando influenciar os demais atores no processodecisrio. Para tanto, vale-se de sua posio como lder mximodo governo e dos seus poderes formais para forjar acordos e imporsua viso sobre a melhor linha de ao. Nas palavras de Allison e

    Zelikow,

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    if the president is to rule, he must squeeze from the formal

    powers a full array of bargaining advantages. Bolstered by

    his professional reputation and public prestige, the president

    can use these advantages to translate the needs and fears of

    other participants into an appreciation that what he wants

    of them is what they should, in their own best interest, do 34.

    O modelo ora em anlise diferencia-se do modelo II, oOrganizacional, por centrar-se mais nos indivduos e menos nasorganizaes. No modelo II, os indivduos no so to importantes, jque so meros representantes das posies das instituies querepresentam e so por elas moldados. No modelo III, os indivduosconstituem o centro da anlise, j que no agem apenas de acordocom as determinaes das agncias (organizaes) a que pertencem,mas, sim, extrapolam os procedimentos regulares, visando a impor suaviso no processo decisrio efetivo. Nesse contexto, o organograma menos relevante do que a viso dos indivduos que participam noprocesso decisrio.

    So os seguintes os conceitos que fundamentam o Modelo daPoltica Governamental:

    a. Unidade bsica de anlise: a ao governamental resultante de negociaes polticas internas; a decisotomada no necessariamente a soluo para o um problema,

    mas, sim, o resultado de compromissos, conflitos entre atorescom diferentes interesses e poder de influncia.

    b. Os atores: so funcionrios do Governo, que ocupam asprincipais posies nas instituies que participam doprocesso decisrio, ou que assessoram os agentes principais(no compem um aglomerado de instituies, mas de atoresindividuais); a imprensa, as organizaes no-governamentaise demais grupos de interesse formam crculos concntricos

    em torno da arena principal;35

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    c. Interesses paroquiais e percepes: a posio, em termosdo organograma do Governo, e os interesses que umdeterminado ator representa faz com que dificilmente hajaunanimidade entre os diversos atores no processo decisrio;mas assim como no modelo II, o conhecimento doposicionamento da organizao a que o ator representa

    frente a determinado assunto tender a condicionar oposicionamento daquele preciso ator no processo decisrio;d. O jogo poltico: o jogo poltico toma lugar visando a

    determinar as decises e aes de Governo; os atores tentamimpor sua viso particular do que seria o interesse nacional;esta viso condicionada pelos interesses especficos daorganizao a que pertence o ator e por consideraespessoais. Essa sobreposio de interesses constitui a razocentral do jogo poltico que se desenrola ao longo doprocesso decisrio.

    e. Poder de influncia dos atores: o poder de influncia de umdeterminado ator no PTD depender de trs fatores bsicos: opoder de barganha, a habilidade e desejo do ator de fazer valerseu poder de barganha e a viso que os demais atores tm dosdois primeiros fatores. O poder de barganha decorre: daautoridade formal e da responsabilidade do ator sobre umdeterminado tema; do controle sobre os recursos necessrios

    para implementar a ao; do conhecimento especfico e controlesobre as fontes de informao que levam definio doproblema; da identificao de opes e estimativa de viabilidadede implementao; do controle sobre informaes que levam achefia a decidir se, e de que forma, as decises seroimplementadas; da capacidade de interferir nos objetivos deoutros atores em outros processos decisrios, incluindo osinteresses de natureza domstica; do carisma, reputao e poder

    pessoal de persuaso frente aos demais atores.

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    A inferncia central do modelo III a de que uma determinadaao de uma nao resultante de um jogo poltico interno do qualparticipam indivduos e grupos dentro do Governo36.

    Como j foi dito em 2.3, a combinao dos modelos II e III deAllison e Zelikow37 constitui a base terica sobre a qual ser analisadoo processo de reconhecimento da Independncia de Angola e do

    Governo de Agostinho Neto.

    2.5 O MODELO POLTICO-BUROCRTICODE BARBARAGEDDES

    Ainda dentro da anlise poltico- institucional interna quepossibilitou a adoo do Pragmatismo Responsvel, e comodesdobramento e complementao da anlise de Allison e Zelikow,partiremos da viso de Geddes38 de que o Estado um reduto depoder, recursos e interesses mltiplos e, no raro, conflitantes entre si;

    de que o Estado tem autonomia para agir de forma independente dosgrupos de interesse que compem a sociedade; e de que a burocraciatem vontade prpria, e que esta se mantm insulada das pressesexternas.

    Nas palavras de Geddes,

    states are loci of power, resources, and interests (...) state

    officials sometimes have policy preferences independent of

    those of major social and economic groups in society, andthat these officials can sometimes, by virtue of their position

    in Government, use state power and resources to pursue their

    own ideas and interests39.

    Ponto de partida deste estudo ser igualmente o pressupostode que as agncias governamentais competem entre si e de que aautonomia do Estado s pode ser percebida por meio das aes do

    Estado.

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    State autonomy has not been, and perhaps cannot be, directly

    observed. Its presence is inferred on the basis of policy

    outcomes that appear to reflect the preferences of officials, or

    even of some disembodied national interest. State autonomy

    thus explains a situation that appears anomalous if one assumes

    that government policies generally reflect societal interests40.

    Finalmente, adotar-se- ao longo do estudo a percepo deque os lderes polticos agem como atores racionais movidos porinteresses e vises de mundo prprios41.

    2.6 O INSTITUCIONALISMO HISTRICO

    O estudo adotar, ainda, como j dito, preceitos doInstitucionalismo Histrico, com vistas a analisar o papel do

    Itamaraty, como Agncia de governo, no processo decisrio quelevou ao reconhecimento da independncia de Angola e do governodo MPLA. As premissas bsicas dessa Escola adotadas no trabalhoso:

    a. As Instituies:os institucionalistas histricos definem asinstituies como procedimentos formais e informais, rotina,normas e convenes incrustadas na estrutura organizacional.Para eles, as instituies fornecem informaes relevantes

    que afetam o comportamento de outros atores

    by altering the expectations an actor has about the actions

    that others are likely to take in response to or simultaneously

    with his own action. Strategic interaction clearly plays a key

    role in such analyses42.

    Esse aspecto ser especialmente relevante quando da anlise

    das Informaes ao Presidente da Repblica, que eram preparadas

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    no Itamaraty, e que serviam de subsdios s informaes elaboradaspela Secretaria-Geral do Conselho de Segurana Nacional (CSN) paraauxiliar seus membros no processo decisrio.

    Ainda com relao s instituies, os institucionalistas histricossalientam o fato de que algumas instituies so

    so conventional or taken- for-granted that they escape directscrutiny and, as a collective construction, cannot readily be

    transformed by the actions of any one individual. Institutions

    are resistant to redesign ultimately because they structure

    the very choices about reform that the individual is likely to

    make43.

    Essa percepo conduz interpretao de que

    a given institutional setting may ossify over time into

    worldviews, which are propagated by formal organizations

    and ultimately shape even the self-images and basic

    preferences of the actors involved in them44.

    b. Os Indivduos. No que concerne aos indivduos, estes sovistos como

    an entity deeply embedded in a world of institutions, composedof symbols, scripts and routines, which provide the filters for

    interpretations, of both the situation and oneself, out of which a

    course of action is constructed. Not only do institutions provide

    strategically-useful information, they also affect the very

    identities, self-images and preferences of the actors45.

    O Institucionalismo Histrico tende, ainda, a perceber os

    indivduos como

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    satisficers, rather than utility maximizers, and to emphasize

    the degree to which the choice of a course of action dependes

    on the interpretation of a situation rather than on purely

    instrumental calculation46.

    Essas premissas do Institucionalismo Histrico sero

    particularmente instrumentais ao se analisar o processo deinstitucionalizao do Itamaraty, e seu papel na conduo do processodecisrio que levou ao reconhecimento da independncia de Angola edo governo do MPLA.

    2.7 REVISODE BIBLIOGRAFIAACERCADOPRAGMATISMO RESPONSVELNO GOVERNO GEISEL

    A viso de que o Pragmatismo Responsvel representa um

    ponto de inflexo com relao poltica externa que vinha sendoadotada desde 1964 pelos antecessores de Geisel permeia a bibliografiadedicada anlise do perodo.

    A reviso da bibliografia aqui apresentada visa a dar uma visogeral sobre a poltica do Pragmatismo Responsvel e os diferentesmatizes na interpretao dos diversos autores sobre quais teriam sidoas reais motivaes e objetivos que levaram sua adoo.

    2.7.1 O Pragmatismo Responsvel comoponto de inflexo na poltica externa

    Para Souto Maior,

    a nfase na identificao ideolgica com o bloco poltico-militar

    ocidental, que caracterizara o Governo Castelo Branco e que

    apenas fora atenuada durante a gesto do General Costa e Silva,

    cedeu lugar na administrao Geisel a uma orientao mais

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    pragmtica . A nova linha de ao diplomtica passou a dar

    prioridade aos interesses nacionais autonomamente definidos,

    rejeitando um alinhamento automtico e apriorstico com o Mundo

    Ocidental, com cujos valores declarava entretanto seguir

    identificando-se47.

    Ainda na viso de Souto Maior48

    , a mudana na linha de atuaoexterna no implicou uma mudana na percepo de quais seriam osinteresses nacionais identificados em 1964, mas, sim, teria decorridode uma mudana ttica na defesa desses mesmos interesses em umaconjuntura, interna e externa, diferente.

    No campo interno, o Pas que Geisel encontrou em 1974 erabastante mais sofisticado em termos de diversificao econmica doque aquele que Castelo Branco assumiu em 1964. O Brasil estavamuito mais vulnervel ao jogo das foras econmicas internacionais euma maior participao de produtos industrializados em nossa pautade exportaes colocara o Pas em atrito freqente com os pasesindustrializados. Calados, txteis, produtos siderrgicos, dentre outros,tornaram-se objeto de constantes controvrsias comerciais com aEuropa e os Estados Unidos.

    Na arena externa, por outro lado, em 1974 o conflito leste-oeste estava menos acirrado e vivia-se um momento de distenso coma tmida, mas inequvoca, aproximao entre os EUA e a China, em

    contraposio forte tenso vigente entre os dois blocos em 1964,logo depois da crise dos msseis cubanos.

    Para Souto Maior, em 1974,

    as condies objetivas do Pas colocavam os seus governantes

    diante do dilema de se definirem entre qual dos dois grandes

    conflitos mundiais era mais relevante para a atuao poltico-

    diplomtica brasileira : o confronto poltico, ideolgico e militar

    entre os blocos capitalista e socialista ou o choque de interesses

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    criado pelo hiato econmico entre os pases ricos e pobres. A

    deciso de dar primazia a este ltimo est na raiz das mudanas

    que caracterizaram a poltica externa do Governo Geisel49.

    Para Fonseca,

    o Pragmatismo ser uma tentativa de superar uma histria quecomea em 1964 e que resulta, de um lado, em algum isolamento

    diplomtico (especialmente no campo multilateral) e de outro em

    uma teia de contradies reais com a potncia hegemnica (em

    reas variadas como direito do mar, energia nuclear, comrcio

    etc)50.

    Para esse autor, o objetivo diplomtico do PragmatismoResponsvel era a ampliao do campo de manobra na arena externa,aproveitando o espao conquistado pelos pases em desenvolvimentodurante as dcadas de 60 e 70.

    Esse maior espao de manobra no caso brasileiro resultaria dainterao das condies interna e externa do Pas em meados da dcadade 70. Do ponto de vista externo, a delimitao da rea de ao eradada pela estrutura bipolar em vigor, que dominava a agendainternacional, e pela incorporao das questes Norte-Sul, quepassaram a se firmar na agenda.

    Para Soares Lima e Moura51, o Pragmatismo Responsvel foifruto das mudanas ocorridas no cenrio internacional, somadas a umatentativa de implementar internamente uma ordem poltico-econmicade um carter particular. Para esses autores, a diversificao dasrelaes bilaterais empreendida durante a administrao Geiselaumentava o poder de barganha do Brasil frente aos Estados Unidos,ao mesmo tempo em que potencializava as reas de diferenas e atritos.

    De acordo com Soares de Lima e Moura, o Pragmatismo

    Responsvel era conseqncia do

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    modelo poltico e econmico que se estabeleceu e consolidou no

    Brasil, caracterizado pela tentativa de aprofundar um tipo de

    capitalismo associado, com o respaldo de um sistema poltico

    autoritrio. Este modelo, operando nas novas condies

    internacionais, gerou um projeto de potncia emergente, que

    procurou obter melhores condies de desenvolvimento

    econmico e acrscimo de poder no plano internacional52

    .

    Para Pinheiro53, a crise energtica, a recesso internacional e oimpacto negativo desses fatores na balana comercial do Brasilpressionavam por uma alterao de curso na poltica externa brasileiraem meados da dcada de 70. A diminuio da tenso leste-oeste e aredemocratizao que j se iniciava no Pas permitiram ao Brasil aadoo de posies mais independentes e nacionalistas na esferaexterna.

    Ainda em conformidade com o que apresenta Pinheiro54, essascondies positivas para a implementao de uma poltica externa maisautnoma, que atendesse pragmaticamente s necessidades do Pasna sua busca do desenvolvimento econmico, no implicavam, noentanto, que o Governo estivesse livre de constrangimentos internospara a sua implementao.

    Segundo essa autora, os setores mais conservadores, sobretudomilitares, viam a diversificao comercial de parceiros, o abandono do

    alinhamento automtico com os Estados Unidos e o estabelecimentode relaes mais prximas com os pases do terceiro mundo comouma ameaa, j que poderiam representar desengajamento ideolgicocom o Ocidente, com conseqncias desastrosas para a segurana doPas.

    Nesse contexto, Pinheiro55 afirma que o PragmatismoResponsvel foi uma tentativa de manter em equilbrio os dois lados dabalana: promover os ajustes necessrios na poltica externa brasileira,

    de forma a melhor defender os interesses do Pas; e acalmar os setores

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    mais conservadores, que davam sustentao e coeso ao Governo,temerosos que a desideologizao da poltica externa, com maiorindependncia frente aos Estados Unidos, representasse na verdade aabertura de espao a setores de esquerda externamente, comconseqncias no plano interno.

    2.7.2 A questo do desenvolvimento econmico, aemancipao tecnolgica e as relaes com osEstados Unidos

    Para Souto Maior56, a opo feita pelo desenvolvimentoeconmico e social frente primazia da segurana, que vinha pautandoos Governos militares anteriores, teria levado realizao de ajustesna nossa poltica externa. A consecuo do desenvolvimento

    econmico-social e a busca de um maior espao de atuao diplomticateriam conduzido deciso estratgica de estabelecer maioraproximao com os pases em desenvolvimento, com vistas a aumentaro poder de barganha do Brasil no campo econmico frente aos pasesdesenvolvidos.

    As dificuldades impostas pelos norte-americanos ao acesso doPas a tecnologias sensveis, o protecionismo comercial, as acusaesfreqentes de violao dos direitos humanos eram fatos vistos como

    contrrios defesa do interesse nacional definido pelo Governo.Geisel reconhece a relao de desigualdade de negociao entre Brasile Estados Unidos e busca, por meio de aes diplomticas, tornar asreferidas negociaes mais equilibradas dentro do contexto dodiferencial de poder entre os dois pases.

    O Acordo Nuclear com a Alemanha descrito por Geisel57

    como uma tentativa de superar dificuldades impostas pelos EstadosUnidos emancipao tecnolgica do Brasil. As proibies dos Estados

    Unidos s empresas americanas, quanto a transferirem ao Brasil

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    tecnologia que permitisse o enriquecimento de urnio, teriam levado oBrasil a buscar a cooperao com a Alemanha, que nos permitiria detero know-how do ciclo inteiro da tecnologia nuclear.

    Para Geisel58, o rompimento do Acordo Militar com os EstadosUnidos reflete igualmente as duas fontes de inspirao do PragmatismoResponsvel: a busca do desenvolvimento econmico por meio da

    emancipao tecnolgica e a da autodeterminao no campo poltico.O rompimento do Acordo representava a primeira delas, na medidaem que, do ponto de vista da transferncia de equipamento e tecnologiablica, o Acordo no mais atendia aos interesses de aparelhamento emodernizao das Foras Armadas; do ponto de vista poltico, orompimento representava a afirmao da autodeterminao e no-aceitao de ingerncia em temas internos, j que o Senado americanoameaava no autorizar a renovao do Acordo Militar enquantopersistisse a situao de violao de direitos humanos pelo poderpblico. Geisel considerava o problema uma questo deindependncia, de autonomia nacional59.

    Na viso de Soares Lima e Moura60, as relaes com os EstadosUnidos constituram o aspecto central do Pragmatismo, tanto no planopoltico-militar como no econmico. A tese do no-alinhamentoautomtico e a propalada convico de que o Brasil no era um passatelizvel eram manifestaes da determinao da administraoGeisel de perseguir os interesses do Brasil sem aceitar as amarras

    impostas pela existncia de aliados preferenciais.Nesse contexto, os referidos autores afirmam que o

    rompimento do Acordo Militar com os Estados Unidos teria sidouma jogada extremamente habilidosa da diplomacia brasileira. Soaresde Lima e Moura61 entendem que o Acordo Militar de 1952 j noatendia mais aos interesses das foras armadas brasileiras, sobretudodepois das restries impostas peloMilitary Sales Actde 1968 transferncia de equipamentos militares mais sofisticados Amrica

    Latina e frica.

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    O rompimento possibilitou ao Governo angariar dividendospolticos tanto no plano interno como no externo. Domesticamente, adeciso governamental soou como uma resposta altiva s pressesnorte-americanas contra a assinatura do Acordo Nuclear com aAlemanha e contra as violaes dos direitos humanos; externamente,sinalizava para os demais pases do Sul certa independncia com relao

    aos Estados Unidos, que eram vistos como um aliado preferencial doBrasil desde o Golpe de 64.Conforme Soares de Lima e Moura62, as presses norte-

    americanas teriam suscitado um arrefecimento do sentimentonacionalista, presente nas burocracias civil e militar. No plano externoo referido sentimento manifestava-se na tentativa de ter uma posiomais afirmativa com relao aos assuntos considerados de interessenacional e na busca de obteno de maior poder no cenriointernacional. Nesse contexto,

    escapar da rbita de influncia norte-americana e se opor

    condio de pas satlite dos Estados Unidos constituam

    instrumentos fundamentais para a consecuo dos objetivos da

    poltica brasileira no plano externo63.

    Para Arcela64, o Brasil teria sido o primeiro Pas a aderir doutrina norte-americana de segurana hemisfrica, a partir de 64, com

    o Governo Castelo Branco, pela qual o Governo e as Foras Armadasse responsabilizariam pela segurana interna, dando garantias ao capitalnorte-americano por meio da neutralizao das atividades sindicais epoltica das oposies. Por seu lado, os norte-americanos se ocupariamda segurana externa do Pas e assumiriam compromisso pelodesenvolvimento local, o que implicava que o Brasil abriria mo daspossibilidades de autonomia e se submeteria poltica de Washington.

    Ainda segundo Arcela, o referido pacto teria comeado a ruir a

    partir do incio da dcada de setenta, em razo de uma conjuno de fatores:

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    a) a decepo com as respostas insuficientes de Washington

    para com a poltica externa de Castelo Branco (em termos de

    recursos financeiros, transferncias tecnolgicas e tratamento

    especial);

    b) o fracasso da Aliana para o Progresso;

    c) a progressiva eroso da ordem internacional do ps-guerra

    com a eliminao do modelo bipolar e com uma nova redistribuiodo poder econmico;

    d) a necessidade interna de combater a recesso e retomar a

    expanso industrial; e) a aspirao do pas ao status de grande

    potncia65.

    Fez-se necessria nesse contexto, portanto, uma reformulaoda doutrina de segurana nacional com a inverso do binmiosegurana-desenvolvimento para desenvolvimento-segurana, emretomada dos princpios que guiaram a poltica externa de Vargas,Juscelino, Jnio, Goulart. A referida inflexo teria ressuscitado as faixasde conflito que haviam permeado as relaes entre os Estados Unidose o Brasil desde a dcada de 50.

    Para Arcela66, na administrao Geisel a nfase passou a serdada ao desenvolvimento econmico, cincia e tecnologia, emespecial tecnologia nuclear. Na consecuo dos referidos objetivoso Brasil se teria visto na premncia de buscar novos parceiros tanto

    econmicos como polticos, seja como consumidores de seus produtosprimrios e industrializados, seja como provedores em potencial detecnologias de ponta.

    2.7.3 O Universalismo e as relaes como Terceiro Mundo

    Para Souto Maior67, a aproximao com o Terceiro Mundo

    teria sido estratgica. O autor chama ateno para o fato de que

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    nada indica, porm, que tal aproximao com as demais naes

    pobres tenha sido considerada como um objetivo em si. Ao que

    tudo faz crer, ela teria sido antes a ttica considerada eficaz

    para a consecuo de uma meta julgada importante para o

    interesse nacional - a modificao da ordem econmica

    mundial68.

    Geisel69 corrobora a viso de Souto Maior, ao afirmar que aaproximao com os pases em desenvolvimento teria sido maisdiplomtica do que concreta. Na viso de Geisel, os pasessubdesenvolvidos no teriam nada a nos oferecer,os nossos interesses,de fato, estavam no Hemisfrio Norte. Os pases do hemisfrio Sul,em termos de tecnologia, de financiamento, de equipamento, nadatinham que pudssemos aproveitar70.Ainda nas palavras de Geisel,(...) na questo do Terceiro Mundo, dos subdesenvolvidos, o Brasilno se vinculou a qualquer organizao correlata71.

    Com esse ponto de vista pragmtico, Geisel72 afirma que tinhaviso um pouco diferente dos diplomatas e que nem sempre concordoucom estes, que tinham uma postura mais favorvel a uma aproximaocom os pases subdesenvolvidos. Justificou a aproximao com os pasesrabes, por exemplo, e o reconhecimento da independncia de Angolae dos demais pases lusfonos na frica, como decorrncia deinteresses concretos, como a expanso da fronteira martima, no caso

    da frica Ocidental, da conquista de mercados para nossos produtose, sobretudo, para assegurar suprimento de petrleo.

    Para Fonseca73, a opo pela poltica externa universalistaapresentava-se no apenas como algo natural a um Pas com asdimenses do Brasil e que pretendia participar dos grandes temas daagenda internacional, mas, principalmente, como forma de diminuir avulnerabilidade do Pas a presses hegemnicas. Por outro lado,Fonseca chama a ateno para a limitao da opo universalista, cujo

    realismo tambm estava presente na viso de Geisel:

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    as solues diplomticas para a opo universalista, tais como a

    ampliao das relaes com os socialistas, a aliana com os

    subdesenvolvidos, a projeo para a frica e a sia, encontram

    limites claros, que nascem de uma combinao de uma atitude

    bloqueadora do ator hegemnico e da falta de meios reais de

    projeo de poder74.

    Ainda dentro dos marcos estruturais que condicionam a aoexterna, Fonseca afirma que as dimenses da economia do Brasil nadcada de 70 pressionavam por correo correspondente de curso napoltica externa. Os interesses do Pas eram bastante mais diversificadose os indicadores econmicos ampliavam o instrumento diplomtico.

    Para Soares de Lima e Moura75, no que tange s relaes comos pases em desenvolvimento e ao universalismo, o Brasil teria sidolevado a uma aproximao estratgica em razo: 1) das dificuldadesdas relaes bilaterais com os pases desenvolvidos, em especial comos EUA; 2) dos impasses recorrentes nos fruns multilaterais para asoluo de conflitos no contexto norte-sul.

    Nesse quadro, a intensificao das relaes sul-sul deveria servista dentro de uma perspectiva de fortalecimento das posies doPas frente ao mundo desenvolvido, por meio do multilateralismo. Aomesmo tempo, as relaes sul-sul abririam novas possibilidades deparcerias econmicas, seja com a conquista de fornecedores

    alternativos para os produtos importados, sobretudo petrleo, sejapela conquista de novos mercados para as exportaes.

    Para Pinheiro, a guinada em favor de uma maior aproximaocom o Terceiro Mundo, de inspirao econmico-estratgica, noimplicou um descuido das relaes com os pases desenvolvidos:

    Although energy vulnerability and the need to expand and

    develop new markets for exports have driven Brazil towards

    a Third World approach, the need for foreign currency which

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    made Brazil very much dependent on the developed countries

    who controlled the international capitalist system led the

    country to maintain a high deference on the North76.

    Por outro lado, essa autora v na opo de aproximao como Terceiro Mundo uma deciso estratgica. No plano multilateral,

    Pinheiro77

    afirma que a poltica brasileira visava a obter para o Pasmaior participao e poder no sistema internacional. Para tanto, o Brasilbuscava apoio dos pases do Terceiro Mundo para atuar em frentecoesa nos fruns multilaterais, sobretudo nas Naes Unidas, onde seopunha ao congelamento de poder que os pases desenvolvidosbuscavam impor.

    2.7.4 A personalidade do Presidente Geisel eo processo de tomada de deciso

    Souto Maior78 afirma que a nova postura imposta peloPragmatismo Responsvel na arena externa no foi fruto de um debateinterno; foi, na realidade, algo no apenas dispensvel em se tratandode um regime autoritrio, mas, sobretudo, incompatvel com apersonalidade autoritria e centralizadora de Geisel. Por outro lado,sublinha que a adoo de cada medida controversa, como oreconhecimento da independncia de Angola e do Governo do MPLA,

    ou mesmo a Assinatura do Acordo Nuclear com a Alemanha, sempreera acompanhada de esclarecimentos didticos visando a acalmar ossetores descontentes, sobretudo a direita militar mais conservadora.

    Para Fonseca79, a figura forte e autoritria de Geisel aliada auma conjuntura interna, no mais to condicionada ideologicamentecomo a que vigorava na dcada de sessenta, teriam sido fatoresimportantes na adoo de inovaes nas aes diplomticas. Aindaque os setores de direita vissem com certa reserva algumas decises

    na esfera externa, do ponto de vista interno, o fim da guerrilha de

  • 8/6/2019 A In Depend en CIA de Angola

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    MRCIA MARODA SILVA

    esquerda e o incio do processo de abertura permitiram maior tolernciae espao de manobra ao Governo Geisel nas decises externas.

    No que tange ao processo decisrio que levou inflexo dapoltica externa adotada por Geisel, Arcela80 chama a ateno para ofato de que sob a administrao Mdici teria sido processado umesvaziamento da funo executiva em favor do automatismo

    administrativo, da tecnocracia81

    ; em 74, Geisel teria assumido com aproposta de reverter o quadro de acefalia poltica e, para tanto, teriaprocedido escolha minuciosa de seus Ministros, dos diretores dasempresas estatais, das assessorias e dos titulares do segundo escalo.

    Com Geisel as decises passaram a ser centralizadas no Palciodo Planalto, que atuava como poder moderador e voto de minervaquando havia diferenas de opinio entre diferentes rgos daadministrao. O Conselho de Segurana Nacional (CSN) teria sidoo principal rgo de assessoramento de Geisel e locus fundamental doprocesso decisrio.