a necessidade de revisão das tolerâncias admitidas para o abatimento do tronco de conce da nbr...

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ANAIS DO 54º CONGRESSO BRASILEIRO DO CONCRETO - CBC2012 – 54CBC 1 A NECESSIDADE DE REVISÃO DAS TOLERÂNCIAS ADMITIDAS PARA O ABATIMENTO DO TRONCO DE CONE DA NBR 7212 THE NECESSITY OF REVISION OF THE ADMISSIBLE TOLERANCES ON THE SLUMP TEST ACCORDING TO NBR 7212 Dario de Araújo Dafico (1); Rodrigo Teodoro Alves (2). Professor Doutor, Departamento de Engenharia Civil, PUC-Goiás Acadêmico de Engenharia Civil, bolsista do PIBITI/CNPq, PUC-Goiás Pontifícia Universidade Católica de Goiás – Área 3 - Departamento de Engenharia Av. Universitária, qd. 88, n. 904, Setor Leste Universitário - Goiânia – GO – CEP 74.605-010 Resumo A norma da ABNT, NBR 7212 – Execução de concreto dosado em central, diz no item que trata da aceitação ou rejeição do concreto, que o mesmo poderá ser recusado se não atender a, pelo menos, uma das especificações do pedido. Ela prescreve que a aceitação ou rejeição do concreto fresco compreende a verificação da consistência pelo abatimento do tronco de cone, ou outro método com a mesma finalidade. Em seguida a norma fixa as tolerâncias para o resultado do ensaio em + 10 mm para concretos de abatimento nominal na faixa de 10 a 90 mm, de + 20 mm para concretos na faixa de 100 a 150 mm e de + 30 mm para concretos especificados com abatimento de 160 mm e acima. Isso é muito difícil de ser cumprido na prática e vem causando muito desconforto na relação entre produtor e consumidor de concreto dosado em central. Ao observarmos a norma ASTM C94 – Standard specification for ready-mixed concrete, verificamos que as tolerâncias para o ensaio de abatimento são muito maiores, de + 15 mm para concretos de abatimento nominal de até 50 mm, de + 25 mm para concretos especificados na faixa acima de 50 mm até 100 mm e de + 40 mm no caso de concretos de abatimento nominal acima de 100 mm. Com o objetivo de demonstrar o acerto da norma da ASTM foi realizado um estudo experimental que compara a variação do abatimento ao longo da descarga dos caminhões betoneira com a variação da resistência à compressão dos concretos das mesmas amostras utilizadas para os ensaios de abatimento. Conclui-se, dentre outras coisas, que a norma brasileira confunde a variabilidade intrínseca do ensaio com a tolerância que deve ser dada ao fornecedor. Palavra-Chave: tolerâncias para o abatimento do tronco de cone, concreto dosado em central, concreto fresco Abstract The ABNT standard NBR 7212, says in the section on the acceptance or rejection, that it cannot be refused if does not satisfy, at least, one of the specifications of the order. It prescribes that the acceptance or rejection of freshly mixed concrete comprises the verification of the consistency by the slump test, or another method with the same goal. Then the standard sets the tolerances for the test result in + 10 mm for concretes with nominal slump in the range from 10 to 90 mm, + 20 mm for concretes in the range of 100 to 150 mm and + 30 mm for concretes specified with a slump of 160 mm and above. In practice, this is very difficult to be fulfilled and has caused much discomfort in the relationship between producer and consumer of ready-mixed concrete. By looking at the standard ASTM C94 - Standard specification for ready-mixed concrete, we find that the tolerances for the slump test are much bigger, + 15 mm for concretes with nominal slump up to 50 mm, + 25 mm for concretes specified in the range from 50 to 100 mm and + 40 mm in case of concretes with nominal slump above 100 mm. In order to demonstrate the correctness of the ASTM standard, an experimental study was done to compare the variation of the slump along the discharge of the concrete mixer trucks with the variation of the compressive strength of the concretes of the same samples used in the slump tests. It is concluded, among other things, that the Brazilian standard confuses the intrinsic variability of the test with the tolerance that should be given to the supplier. Keywords: tolerances in slump, ready-mixed concrete, freshly mixed concrete

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Page 1: A Necessidade de Revisão Das Tolerâncias Admitidas Para o Abatimento Do Tronco de Conce Da NBR 7212

ANAIS DO 54º CONGRESSO BRASILEIRO DO CONCRETO - CBC2012 – 54CBC 1

A NECESSIDADE DE REVISÃO DAS TOLERÂNCIAS ADMITIDAS PARA O ABATIMENTO DO TRONCO DE CONE DA NBR 7212

THE NECESSITY OF REVISION OF THE ADMISSIBLE TOLERANCES ON THE SLUMP TEST ACCORDING TO NBR 7212

Dario de Araújo Dafico (1); Rodrigo Teodoro Alves (2).

Professor Doutor, Departamento de Engenharia Civil, PUC-Goiás

Acadêmico de Engenharia Civil, bolsista do PIBITI/CNPq, PUC-Goiás Pontifícia Universidade Católica de Goiás – Área 3 - Departamento de Engenharia

Av. Universitária, qd. 88, n. 904, Setor Leste Universitário - Goiânia – GO – CEP 74.605-010

Resumo

A norma da ABNT, NBR 7212 – Execução de concreto dosado em central, diz no item que trata da aceitação ou rejeição do concreto, que o mesmo poderá ser recusado se não atender a, pelo menos, uma das especificações do pedido. Ela prescreve que a aceitação ou rejeição do concreto fresco compreende a verificação da consistência pelo abatimento do tronco de cone, ou outro método com a mesma finalidade. Em seguida a norma fixa as tolerâncias para o resultado do ensaio em + 10 mm para concretos de abatimento nominal na faixa de 10 a 90 mm, de + 20 mm para concretos na faixa de 100 a 150 mm e de + 30 mm para concretos especificados com abatimento de 160 mm e acima. Isso é muito difícil de ser cumprido na prática e vem causando muito desconforto na relação entre produtor e consumidor de concreto dosado em central. Ao observarmos a norma ASTM C94 – Standard specification for ready-mixed concrete, verificamos que as tolerâncias para o ensaio de abatimento são muito maiores, de + 15 mm para concretos de abatimento nominal de até 50 mm, de + 25 mm para concretos especificados na faixa acima de 50 mm até 100 mm e de + 40 mm no caso de concretos de abatimento nominal acima de 100 mm. Com o objetivo de demonstrar o acerto da norma da ASTM foi realizado um estudo experimental que compara a variação do abatimento ao longo da descarga dos caminhões betoneira com a variação da resistência à compressão dos concretos das mesmas amostras utilizadas para os ensaios de abatimento. Conclui-se, dentre outras coisas, que a norma brasileira confunde a variabilidade intrínseca do ensaio com a tolerância que deve ser dada ao fornecedor. Palavra-Chave: tolerâncias para o abatimento do tronco de cone, concreto dosado em central, concreto fresco

Abstract

The ABNT standard NBR 7212, says in the section on the acceptance or rejection, that it cannot be refused if does not satisfy, at least, one of the specifications of the order. It prescribes that the acceptance or rejection of freshly mixed concrete comprises the verification of the consistency by the slump test, or another method with the same goal. Then the standard sets the tolerances for the test result in + 10 mm for concretes with nominal slump in the range from 10 to 90 mm, + 20 mm for concretes in the range of 100 to 150 mm and + 30 mm for concretes specified with a slump of 160 mm and above. In practice, this is very difficult to be fulfilled and has caused much discomfort in the relationship between producer and consumer of ready-mixed concrete. By looking at the standard ASTM C94 - Standard specification for ready-mixed concrete, we find that the tolerances for the slump test are much bigger, + 15 mm for concretes with nominal slump up to 50 mm, + 25 mm for concretes specified in the range from 50 to 100 mm and + 40 mm in case of concretes with nominal slump above 100 mm. In order to demonstrate the correctness of the ASTM standard, an experimental study was done to compare the variation of the slump along the discharge of the concrete mixer trucks with the variation of the compressive strength of the concretes of the same samples used in the slump tests. It is concluded, among other things, that the Brazilian standard confuses the intrinsic variability of the test with the tolerance that should be given to the supplier. Keywords: tolerances in slump, ready-mixed concrete, freshly mixed concrete

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1 Introdução Duff. A. Abrams pôde desenvolver seu método de dosagem de concreto, publicado

em 1919, após um melhor entendimento de como água influencia nas propriedades do concreto fresco e endurecido. Compreendeu que uma maior quantidade água em uma mistura implica, até um certo limite, em maior plasticidade da massa de concreto, mas que, por outro lado, quanto maior a relação água/cimento, menor é a resistência (ABRAMS, 1919).

ABRAMS (1919) também criou um ensaio para medir a consistência do concreto fresco, recebendo a denominação de Slump Test. O ensaio, atualmente denominado de Determinação da Consistência pelo Abatimento do Tronco de Cone pela NBR NM 67 (1998), fornecia um ótimo método para o controle de dosagem da água do concreto, servindo assim para, com um único ensaio, regular a trabalhabilidade e a resistência mecânica. Até hoje, após a tecnologia dos aditivos redutores de água se tornar lugar comum, perdura o conceito de que existe forte correlação entre o abatimento e a resistência de concretos produzidos a partir de um mesmo traço.

Gene Daniel e Colin Lobo (2005), no livro “User’s Guide to ASTM Specification C 94 on Ready-Mixed Concrete” lembram que, no caso de concretos com uso de aditivos plastificantes ou superplastificantes, a variabilidade do abatimento do tronco de cone não representa estritamente a variabilidade da quantidade de água na mistura. Dizem os autores que “...Há muitas causas potenciais para o acréscimo ou decréscimo no abatimento de um concreto além da variação no conteúdo de água”. Em seguida eles descrevem várias dessas possibilidades.

A ASTM C94/C94M-09a – Standard Specification for Ready-Mixed Concrete (2009), quando trata das tolerâncias para o valor do abatimento para o recebimento do concreto pela obra, delimita bem dois diferentes objetivos que podem ser alcançados através do ensaio do abatimento do tronco de cone: garantir a construtibilidade e controlar a variabilidade do conteúdo de água da mistura.

Quando a maior preocupação da obra é quanto a construtibilidade, como no caso da utilização de formas deslizantes ou execução de pisos industriais, em que o projeto especifica o resultado do ensaio como um “abatimento máximo” ou “não exceder ao abatimento”, a norma prescreve somente tolerâncias para menos, conforme é apresentado pela tabela 1. Quando o foco é a manutenção das propriedades do concreto no estado endurecido, através da monitoração do concreto fresco utilizando o ensaio do abatimento do tronco de cone, as tolerâncias são apresentadas como valores para mais e para menos, conforme mostra a tabela 2.

Tabela 1 - Tolerâncias da ASTM C94/C94M-09a para o abatimento do tronco de cone

quando o projeto da obra o especifica como um valor máximo aceitável.

Abatimento Máximo (mm) Tolerâncias (mm)

Amáx ≤ 75 - 40

Amáx > 75 - 65

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Tabela 2 - Tolerâncias da ASTM C94/C94M-09a para o abatimento do tronco de cone

quando o projeto da obra o especifica como um valor alvo (central).

Abatimento Nominal (mm) Tolerâncias (mm)

A ≤ 50 ± 15

50 < A ≤ 100 ± 25

A > 100 ± 40

A norma brasileira NBR 7212:1984 – Execução de concreto dosado em central, no item que trata da aceitação ou rejeição do concreto, diz que o mesmo poderá ser recusado se não atender a, pelo menos, uma das especificações do pedido. Ela prescreve que a aceitação ou rejeição do concreto fresco compreende a verificação da consistência pelo ensaio de abatimento do tronco de cone, ou outro método com a mesma finalidade. Quando trata das tolerâncias para o valor do abatimento a mesma só prevê o caso de especificação de um valor nominal (alvo), aqui reproduzidas na tabela 3.

Tabela 3 - Tolerâncias da NBR 7212:1984 para o valor do abatimento do tronco de cone.

Abatimento Nominal (mm) Tolerâncias (mm)

10 ≤ A ≤ 90 ± 10

100 ≤ A ≤ 150 ± 20

A ≥ 160 ± 30

Comparando-se as tabelas 2 e 3 nota-se a grande discrepância entre as tolerâncias adotadas pela ASTM C94/C94M-09a e a NBR 7212:1984. Enquanto, por exemplo, um concreto com abatimento nominal de 120 mm pode ser aceito com resultados de ensaio entre 80 mm e 160 mm utilizando-se da norma estrangeira, a brasileira restringe a faixa de aceitação desse concreto para abatimentos entre 100 mm e 140 mm. Isso é muito difícil de ser cumprido na prática e vem causando muito desconforto na relação entre produtor e consumidor de concreto dosado em central.

Com o objetivo de demonstrar que a norma ASTM C94/C94M-09a é mais condizente com a realidade que a norma brasileira NBR 7212:1984, e assim contribuir para a revisão da mesma que ora se processa, o presente trabalho analisa e compara algumas prescrições dos dois documentos e outras normas correlatas. O presente texto também descreve um programa experimental realizado com o objetivo de observar a variabilidade que se verifica para o abatimento do tronco de cone dentro de uma mesma amassada de um caminhão betoneira. Ainda, no presente trabalho experimental, procurou-se observar se as variações no abatimento do tronco de cone implicam em alterações na resistência do concreto, confirmando a hipótese de que não existe correlação significativa no caso de concretos que fazem uso de aditivos de plastificantes.

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2 A variabilidade do ensaio do abatimento do tronco de cone A norma ASTM C143/C143M-10, que descreve o Método de Ensaio do Abatimento

do Tronco de Cone, possui um item que trata da precisão do teste. A norma apresenta uma tabela, reproduzida como tabela 4 neste trabalho, estabelecendo os desvios-padrões dentro do ensaio para um mesmo operador e para diferentes operadores, e amplitudes aceitáveis entre dois ensaios, para 3 diferentes abatimentos nominais: 30 mm, 85 mm e 160mm. A norma não fala em faixa de abatimento nominal, como poderia se esperar, somente apresenta 3 abatimentos nominais e a expectativa de desvio-padrão dentro do ensaio e amplitudes aceitáveis para 2 ensaios.

De acordo com esse texto, os valores estabelecidos foram obtidos a partir de um estudo conduzido em Fayetteville, em Arkansas, conduzidos por 15 técnicos de 14 laboratórios de tecnologia do concreto, representando 3 estados americanos. Todos os testes a 3 diferentes faixas de abatimento, de 25 mm a 160 mm, foram realizados utilizando uma única carga de concreto de caminhão betoneira. O concreto foi inicialmente entregue e ensaiado com um abatimento baixo, depois foi adicionada água ao concreto remanescente para, independentemente, produzir abatimento moderado e finalmente abatimento elevado.

O traço de concreto foi dosado com pedra britada de calcário nº 67 e areia lavada de rio, contendo 297 kg de material cimentício, sendo 50% de cimento Tipo I/II e o restante de cinza volante Classe C. Foi utilizada uma dose dupla de aditivo retardador a fim de minimizar as perdas de abatimento e manter a trabalhabilidade do concreto. A temperatura do concreto variou numa faixa de 30 a 34 oC. As perdas de abatimento foram em média de 17 mm durante os 20 minutos necessários para a realização da série de 6 ensaios de cada operador para cada uma das 3 faixas de abatimento. Os ensaios foram realizados utilizando alternadamente molde cônico de metal e de plástico. Logo os dados se aplicam para ambos os casos, moldes de metal ou plástico. No total 270 ensaios de abatimento foram realizados.

Tabela 4 – Precisão do ensaio de abatimento segundo a ASTM C143/C143M-10.

Abatimento Nominal

Desvio-padrão das operações de ensaio Amplitude aceitável entre 2 resultados

Mesmo operador Diferentes operadores Mesmo operador Diferentes operadores

(mm) (mm) (mm) (mm) (mm)

30 6 7 17 20

85 9 10 25 28

160 10 13 28 37

Tomando como referência o abatimento nominal de 85 mm da tabela 4, podemos a

partir das informações apresentadas pela ASTM C143/C143M-10, calcular o intervalo de abatimentos esperado quando diferentes operadores ensaiam uma mesma betonada de concreto. Considerando uma frequência de 95,4 % a partir da Distribuição de Gauss, temos uma Amplitude de µ + 2.σ, o que significa abatimentos na faixa de 85 + 20 mm.

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Ora, isso é dobro do que a NBR 7212:1984 admite para concretos provenientes de diferentes betonadas, o que mostra quão fora da realidade é a norma brasileira atual. Norma técnica mais recente, a NBR 8953:2009 apresenta uma tabela que classifica o concreto em termos de trabalhabilidade, em 5 classes de consistência, que aqui é reproduzida como tabela 5. A primeira coluna dá nome a cada classe, a segunda um intervalo para o valor do ensaio e a última exemplifica aplicações típicas. De acordo com as prescrições dessa tabela, uma obra que necessitasse, por exemplo, concretar pilares utilizando lançamento convencional (não bombeado), simplesmente deveria especificar junto à concreteira, quanto à trabalhabilidade da mistura, que o concreto solicitado é classe S100. Desse modo, a usina de concreto teria como alvo um abatimento de 130 mm e obra ao receber o concreto o aceitaria automaticamente caso, no ensaio do abatimento do tronco de cone, o resultado estivesse dentro do intervalo que vai de 100 a 160 mm. Difícil imaginar o motivo que levou o normalizador a nominar as classes de concreto pelo valor inferior do intervalo de tolerância, já que o produtor de concreto tem que mirar no centro, para os erros não ocorram fora do intervalo.

Tabela 5 – Classes de consistência do concreto conforme a NBR 8953:2009.

Classe Abatimento

(mm) Aplicações típicas

S10 10 ≤ A < 50 Concreto extrusado, vibro-prensado ou centrifugado.

S50 50 ≤ A < 100 Alguns tipos de pavimentos, de elementos de fundações e de elementos pré-

moldados.

S100 100 ≤ A < 160 Elementos estruturais correntes como lajes, vigas, pilares, tirantes, pisos, com

lançamento convencional do concreto.

S160 160 ≤ A < 220

Elementos estruturais correntes como lajes, vigas, pilares, tirantes, pisos, paredes

diafragma, com concreto lançado por bombeamento, estacas escavadas lançadas por

meio de caçambas.

S220 A ≥ 220

Estruturas e elementos estruturais esbeltos ou com alta densidade de armaduras com

concreto lançado por bombeamento, lajes de grandes dimensões, elementos pré-

moldados ou pré-fabricado de concreto, estacas escavadas lançadas por meio de

caçambas.

NOTA 1: De comum acordo entre as partes podem ser criadas classes especiais de consistência explicitando a

respectiva faixa de variação do abatimento.

NOTA 2: Os exemplos desta tabela são ilustrativos e não abrangem todos os tipos de aplicações.

3 Um estudo experimental visando observar a variabilidade de resistência e abatimento dentro de um mesmo caminhão betoneira 3.1 Materiais e métodos

Com o objetivo de observar a variabilidade na resistência à compressão e no abatimento do concreto que pode haver dentro de uma mesma descarga de um caminhão betoneira, foi realizado neste trabalho um estudo experimental que se deu na forma da coleta de 4 amostras de concreto ao longo da descarga de concreto de 5 caminhões betoneira, com realização do ensaio de abatimento, moldagem, cura e ruptura à

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compressão de corpos-de-prova cilíndricos (100 x 200 mm), de cada uma das amostras, totalizando 20 amostras.

De cada caminhão betoneira a amostragem foi realizada conforme a descrição realizada pela tabela 6. De cada uma das 4 amostras, obtidas dos 5 carregamentos de concreto usinado, foram realizados ensaios de abatimento do tronco de cone e moldados dois corpos-de-prova para ensaio de resistência à compressão à idade de 28 dias. As amostras foram retiradas ao longo da descarga, que ocorria em torno de 15 minutos, sendo reservadas em recipientes fechados, a fim de não haver perda de água, para posterior realização dos ensaios, logo após a obtenção da última amostra.

Tabela 6 – Procedimento de amostragem dos concretos do estudo experimental.

Sequência Procedimento de amostragem

Amostra 1 Logo no início da descarga, assim que se verificava o estabelecimento de um fluxo contínuo

de concreto, ou seja, após a descarga de cerca de 100 dm³ de concreto.

Amostra 2 Logo após a descarga de cerca de 15% do volume total de concreto, ou seja, para um

caminhão de 8,0 m³, após a descarga 1,2 m³ de concreto.

Amostra 3 Pouco antes de completar a descarga de 85% do volume total de concreto, ou seja, para um

caminhão de 8,0 m³, após a descarga de 6,8 m³ de concreto.

Amostra 4 Ao final da descarga, nos últimos 100 dm³ de concreto.

As amostras eram homogeneizadas com auxílio de colher de pedreiro antes da realização dos ensaios de abatimento e moldagem de 2 corpos-de-prova para ruptura à compressão à idade de 28 dias. Foram moldados 40 corpos-de-prova no total, constituídos de cinco betonadas distintas de concretos de diferentes características em termos de classes de concreto (fck) e abatimentos nominais.

Tabela 7 – Tempos de descarga dos concretos observados dos caminhões betoneira.

Caminhão Abatimento Volume Tempo de descarga

Fluxo de descarga

Tempo médio de descarga

Fluxo médio de descarga

(mm) (m³) min:seg (m³/minuto) min:seg (m³/minuto)

1 150 8,0 16:37 0,48

16:44

0,53

2 140 8,0 14:00 0,57

3 130 8,5 12:18 0,69

4 165 8,0 14:39 0,55

5 120 8,0 26:57 0,30

6 150 8,0 19:55 0,40

7 125 8,0 09:00 0,89

8 190 8,0 18:24 0,43

9 125 8,0 18:50 0,42

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Devido à dificuldade em estimar visualmente o volume de concreto que está sendo descarregado de um caminhão betoneira, foi feito um estudo preliminar para determinar o momento de retirada de cada amostra de concreto durante uma descarga. Desse modo foram feitas medições do tempo de descarga de caminhões betoneiras de variadas classes de concreto e diferentes tipos de lançamento – convencional e bombeado – utilizando cronômetro. Com isso foi possível estabelecer uma relação entre o tempo de descarga e o volume, com o propósito de estimar, de acordo com o tempo, o volume de descarga do concreto. A tabela 7 mostra os valores observados nesse estudo preliminar.

Após o estudo preliminar passou-se ao experimento principal. Foram 5 os carregamentos de concreto de diferentes classes de resistência e trabalhabilidade. Entretanto, todas as misturas apresentavam características semelhantes quanto ao diâmetro máximo do agregado (19 mm), tipo de lançamento (bombeado), volume da betonada (8,0 m³) e tempo médio de descarga compatível ao medido anteriormente, em torno de 15 minutos. As características dos concretos ensaiados estão resumidas na tabela 8.

Tabela 8 - Características dos concretos utilizados no estudo.

Concreto fck nominal (MPa) Abatimento nominal (mm) Superplastificante*

A 30 90 ± 10 Não

B 35 160 ± 30 Sim

C 40 160 ± 30 Sim

D 35 160 ± 30 Sim

E 30 120 ± 20 Não

(*) – Adição de superplastificante na obra poucos minutos antes do início descarga.

A usina de concreto que apoiou a pesquisa, no caso de concretos com abatimentos nominais elevados, dosa o concreto para sair da usina com abatimento entre 40 a 60 mm, para adição de superplastificante pouco antes da descarga, na proporção de 1 litro de aditivo por metro cúbico de concreto, independente da classe de resistência à compressão do concreto. Com essa dosagem de aditivo superplastificante espera-se que o material apresente um abatimento entre 130 a 190 mm no ato da descarga.

3.2 Resultados e discussão

A tabela 9 apresenta os resultados dos ensaios de abatimento e de resistência à compressão de todas as amostras obtidas dos 5 carregamentos de concreto usinado, denominados de concretos A, B, C, D e E. As análises foram feitas utilizando-se do valor mais alto de cada par de resultados de resistência à compressão. A tabela também inclui as médias, desvios-padrões e coeficientes de variação.

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Tabela 9 – Abatimentos e resistências dos concretos de todas as amostras.

Concreto Amostra Abatimento

(mm)

Resistência à compressão aos 28 dias (MPa)

Maior Menor

A

1 130 33,4 32,5

2 130 33,9 33,7

3 125 33,5 32,9

4 115 33,5 32,8

Média 125 33,6

Desvio-padrão 7,07 0,22

CV (%) 5,7 % 0,7 %

B

1 220 42,5 42,1

2 200 43,7 42,8

3 170 43,2 40,7

4 170 39,6 38,1

Média 190 42,3

Desvio-padrão 24,49 1,83

CV (%) 12,9 % 4,3 %

C

1 190 56,0 54,6

2 135 57,8 57,7

3 140 58,5 58,1

4 120 59,9 59,1

Média 147 58,1

Desvio-padrão 30,38 1,62

CV (%) 20,7 % 2,8 %

D

1 180 51,4 49,0

2 170 49,7 47,9

3 165 46,5 44,8

4 170 48,5 46,9

Média 171 49,0

Desvio-padrão 6,29 2,06

CV (%) 3,7 % 4,2 %

E

1 115 35,6 32,1

2 125 37,5 36

3 110 37,6 37,1

4 120 37,7 37,3

Média 118 37,1

Desvio-padrão 6,45 1,00

CV (%) 5,5 % 2,7 %

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Dos 5 concretos estudados, 2 apresentaram variabilidade mais elevada no abatimento se forem incluídas na análise todas as amostras da descarga, são os concretos B e C. Entretanto, se forem retirados da análise os valores do abatimento de cada primeira amostra, os resultados se tornarão muito mais homogêneos, como pode ser observado através da figura 1. Isso parece confirmar o conceito de que o concreto do início da descarga tende a possuir maior relação a/c, por insuficiência de tempo de mistura ou por causa da tendência de segregação de alguns traços.

Analisando ainda a tabela 9, vemos que a variabilidade nos abatimentos obtidos das amostras de uma mesma betonada é comparável ao do estudo conduzido em Arkansas. Interessante notar, que apesar das amostras do presente estudo terem sido retiradas ao longo da descarga do caminhão, o que significa sujeição à influência de mais uma variável, a figura 1 parece demonstrar que não houve uma tendência significativa de aumento ou diminuição no abatimento ao longo da descarga nos casos dos concretos A, D e E, que apresentaram-se bem homogêneos desde a primeira amostra. Mesmo assim, a variabilidade dentro de uma mesma mistura é comparável à do estudo citado, confirmando a hipótese de que os valores de tolerância de recebimento do concreto, prescritos pela atual norma NBR 7172:1984, só prevê a variabilidade dentro do ensaio, não dando margem a nenhuma variabilidade para a produção de concreto em si.

100

120

140

160

180

200

220

1 2 3 4

Sequencia de amostragem

Ab

atim

ento

(mm

)

A

B

C

D

E

Figura 1 – Variação do abatimento ao longo das descargas de concreto.

Quanto à variação na resistência à compressão ao longo da descarga, observamos que não houve uma tendência firme de aumento ou diminuição. A figura 2 mostra que, para misturas homogêneas, qualquer amostra retirada do caminhão não difere muito do valor médio. Entretanto, a formação de uma amostra composta, como prevê a NBR NM 33:1998, contribui bastante para obtenção de um valor mais central, melhor representativo do concreto, em especial para o caso de misturas menos homogêneas.

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25

30

35

40

45

50

55

60

65

1 2 3 4

Sequencia de amostragem

Res

istê

nci

a (M

Pa)

A

B

C

D

E

Figura 2 – Variação da resistência à compressão ao longo das descargas de concreto.

A figura 3 apresenta uma tentativa de obtenção de correlação linear entre a resistência à compressão e o abatimento do tronco de cone. O objetivo foi verificar se as alterações nos valores de abatimento são mais frequentemente causadas por alterações na relação a/c, causando modificações na resistência à compressão, ou se há outras variáveis igualmente importantes influenciando os resultados do abatimento.

R2 = 0,8741

R2 = 0,1727

R2 = 0,8749

R2 = 0,0536

R2 = 0,1017

25

30

35

40

45

50

55

60

65

100 150 200

Abatimento (mm)

Res

istê

nci

a (M

Pa) A

B

C

D

E

Figura 3 – Correlação linear entre resistência à compressão e abatimento do concreto.

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Podemos ver que os dados das amostras dos concretos C e D apresentaram boa correlação, pois os coeficientes de determinação mostram que cerca de 87,5 % das variações das resistências do concreto C, e 87,4 % do concreto D, podem ser explicadas por alterações no abatimento, que por sua vez são, obviamente, consequências de alterações na relação a/c, em função da heterogeneidade do concreto. Entretanto, a despeito de consideráveis variações observadas nos abatimentos dos concretos A, B e E, não houve alterações significativas nos valores das resistências à compressão. Ou seja, na atual era da tecnologia do concreto, onde todo concreto utiliza aditivo plastificante, não é correto utilizar o ensaio do abatimento do tronco de cone como uma ferramenta importante para o controle da água adicionada ao concreto.

4 Considerações Finais

A adição plastificantes e superplastificantes ao concreto se tornou muito comum atualmente, assim, o ensaio do abatimento do tronco de cone não é mais um instrumento importante no que concerne à detecção de erros de dosagem da água de amassamento do concreto, como foi no passado. À medida que esse ensaio perde importância, outros deveriam ser mais valorizados, tais como a medida da massa específica do concreto fresco, a temperatura e o teor de ar incorporado, como o faz a ASTM C94/C94M-09a. Além disso, à medida que os valores das resistências de projeto das estruturas aumentam, e a confiança prestada pelos ensaios usuais de recebimento do concreto fresco - de que o mesmo irá atingir a resistência especificada - diminui, torna-se urgente inserir nas práticas de construção novos ensaios de previsão da resistência a partir da análise do concreto fresco.

5 Referências ABRAMS, D. A. Design of concrete mixtures. Bulletin nº 1, Structural Materials Research Laboratory, Lewis Institute, Chigago, 1919. AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS (ASTM). C94/C94M-09a – Standard specification for ready mixed concrete. West Conshohocken, 2009. ______. C143/C143M-10 – Standard test method for slump of hydraulic-cement concrete. West Conshohocken, 2010. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 7212 – Execução de concreto dosado em central. Rio de Janeiro, 1984. ______. NBR 8953 - Concreto para fins estruturais - Classificação pela massa específica, por grupos de resistência e consistência. Rio de Janeiro, 2009.

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______. NBR NM 33 – Concreto – Amostragem de concreto fresco. Rio de Janeiro, 1998. ______. NBR NM 67 – Concreto – Determinação da consistência pelo abatimento do tronco de cone. Rio de Janeiro, 1998. DANIEL, D. G.; LOBO, C. L. User’s guide to ASTM specification C94 on ready-mixed concrete. Bridgeport, 2005.