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A participação das crianças na concepção projetual do ambiente escolar: o desenho como expressão de seus anseios e necessidades
Children participation in the conception of the school environment: drawing as
the expression of their wishes and needs
La participación de los niños en el proyecto ambiente escolar: diseño como
expresión de sus deseos y necesidades
MEDEIROS, Bruna Larine Dantas de. Arquiteta e urbanista pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, [email protected]
RESUMO
Nas últimas décadas, o ato de projetar para a infância passou a valorizar o estudo e entendimento dos processos de percepção e cognição das crianças e das suas relações com o ambiente ao redor, incluindo as expectativas e as vivências desses usuários como importantes componentes do processo projetual. Para tanto, uma importante contribuição tem sido dada por meio da adoção de uma abordagem participativa, considerada fundamental para aproximar a atividade projetual das necessidades reais da comunidade usuária, com influência tanto na programação arquitetônica e urbanística quanto na tomada de decisões técnicas ligadas ao conforto, estética e outras características do edifício. O presente artigo apresenta a aplicação de uma metodologia participativa de projeto ao ambiente escolar, desenvolvida durante a elaboração do anteprojeto de uma instituição para educação infantil apresentado como Trabalho Final de Graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Entre os procedimentos metodológicos, a pesquisa inicial incorporou a atividade de desenho com crianças (usuários em potencial da futura instituição) como meio de expressão dos seus principais anseios. Os resultados da pesquisa mostraram que elas gostariam de ter espaços generosos e coloridos que pudessem modificar facilmente, nos quais pudessem ter contato com água e pequenos animais. A proposta projetual desenvolvida respondeu a estes anseios por meio de uma edificação com pátios generosos e voltada para a valorização dos sentidos da criança.
PALAVRAS-CHAVE: ambiente escolar, criança, projeto participativo.
ABSTRACT
In the last decades the act of designing for children came to value the study and understanding of the processes
of children's perception and cognition and their relations with the surrounding environment, including
expectations and experiences of these users as an important component of the designing process. For this
purpose, an important contribution have been given through the use of a participative approach, considered
essential to make the designing activity closer to the user's real needs, with influence in the architectonic and
urbanistic schedule as well as in the technical decision making concerning comfort, aesthetics and other
characteristics of the building. The present paper presents the application of a participative methodology of
project to the school environment, developed during the elaboration of a pre-project of a children educational
institution presented as an Undergraduation End-of-program Project from the Architecture and Urbanism
program of the Universidade Federal do Rio Grande do Norte [Federal University of Rio Grande do Norte].
Among the methodological proceedings, the initial research incorporated drawing activities with the children
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(potential users of the future institution) as means of expressing their main wishes. Research results showed
that they would like to have big and colorful spaces which they could change easily, in which they could have
contact with water and little animals. The developed design proposal answered these wishes through a building
with big courtyards (playgrounds) and aimed to value children senses.
KEY-WORDS: school environment, child, participative project.
RESUMEN
En las últimas décadas el acto de hacer proyectos para los niños permitió la apreciación del estudio y la
comprensión de los procesos de percepción y la cognición de los niños y su relación con el entorno, incluyendo
las expectativas y experiencias de estos usuarios como un componente importante del proceso de producción un
proyecto. Por lo tanto, una contribución importante se ha dado mediante la adopción de un enfoque
participativo, fundamental para aproximación de la actividad de producir un proyecto y de las necesidades
reales de la comunidad de usuarios, con influencia tanto en la planificación arquitectónica y urbana como en las
decisiones técnicas vinculadas a el confort, la estética y otras características de la construcción. En este trabajo
se presenta la aplicación de una metodología participativa de construcción de un proyecto para un ambiente
escolar, desarrollado durante la elaboración del anteproyecto de una institución de educación infantil,
presentado como Trabajo Final de Curso de grado en Arquitectura y Urbanismo de la Universidad Federal de Río
Grande do Norte. Entre los procedimientos metodológicos, la investigación incorporó la actividad de diseño con
los niños (usuarios potenciales de la futura institución) como medio de expresión de sus principales aspiraciones.
Los resultados de la encuesta mostraron que les gustaría tener espacios generosos y coloridos, posibles de
modificar fácilmente, y en contacto con el agua y animales pequeños. La propuesta projetual desarrollada
respondió a estas aspiraciones a través de un edificio con patios generosos, centrándose en el desarrollo de los
sentidos del los niños.
PALABRAS-CLAVE: ambiente escolar, niño, proyecto participativo.
1 INTRODUÇÃO
No contexto atual - marcado por novos entendimentos sobre o desenvolvimento infantil e
sobre a compreensão da infância como uma fase crucial para a identidade do indivíduo -, a
elaboração de projetos voltados para a criança exige abordagens que estimulem sua participação, por
meio de "um projeto educativo que ative e valorize não só a capacidade crítica, comunicativa e
relacional das crianças, mas sua capacidade projetiva e criativa, a partir da sua vontade de fazer as
coisas" (DOLTO, 1998 apud MACHADO, 2008, p. 215).
Nesse sentido, o ambiente escolar deve ser entendido não somente como espaço
físico/material, sendo essencial considerar as interações que nele acontecem. Nas últimas décadas,
autores como Taylor e Vlastos (1983), Lima (1989), Sanoff (1995), Elali (2002), Azevedo (2002)
ressaltam a importância de incorporar a criança ao processo de planejamento e projeto do ambiente
escolar. Para Lima (1989, p.72), “esta nova postura supõe a visão da criança como construtora do seu
próprio conhecimento, ator ativo, transformador e criador de novos cenários. Isto implica em criar
oportunidades para que ela possa participar da construção de processos, possa experimentar, pensar,
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criar”.
Apesar dessas evidências, ainda não é usual a utilização desse tipo de processo em nosso
meio. Diante das possibilidades e do potencial dos projetos participativos, não apenas para a
programação da edificação, mas para o próprio processo criativo em arquitetura (unindo a
inventividade e espontaneidade infantil à atividade do profissional), o artigo apresenta a aplicação de
uma metodologia participativa ao ambiente escolar.
A experiência foi desenvolvida como trabalho final de graduação1 do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, resultando no anteprojeto de uma
instituição para educação infantil. A escolha da abordagem foi motivada pela intenção de enriquecer
o trabalho por meio da incorporação das necessidades e expectativas infantis ao projeto do ambiente
escolar, as quais foram consideradas durante o processo de definição das diretrizes de projeto e na
tomada das decisões projetuais.
Durante esse processo, foi realizada uma atividade de desenho com crianças de uma
instituição semelhante à que se pretendia projetar em termos de funcionalidade, faixa etária dos
alunos e atividades lúdicas e pedagógicas a serem desenvolvidas. O objetivo da proposta foi
compreender melhor as preferências e expectativas desse público. É fundamental esclarecer que, em
se tratando de um exercício acadêmico de projeto, a atividade foi realizada com um público
hipotético, isto é, os participantes não eram os futuros usuários da escola projetada, embora se
tratassem de crianças com perfil semelhante ao dos possíveis ocupantes.
Este artigo está focado na aplicação desse método, seus principais resultados e sua influência
no processo de projeto, e apresenta a base teórica referente à escola enquanto ambiente de
desenvolvimento infantil, e ao papel do usuário nas decisões projetuais.
Complementando o ponto de vista das crianças, alguns educadores participaram da pesquisa
(também como possíveis futuros usuários); para abordá-los, foram realizadas entrevistas semi-
estruturadas. Embora tal etapa da pesquisa não seja discutida neste artigo, é válido ressaltar aqui sua
contribuição para o conhecimento da dinâmica do ambiente escolar, acrescentando relatos
esclarecedores sobre os comportamentos infantis e a variedade de atividades e espaços que
abrangem.
1 MEDEIROS, Bruna Larine Dantas de. Centro Educacional Sentir: Anteprojeto de uma instituição para educação infantil.
Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2010.
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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
No processo de projetar a arquitetura, o usuário deve ser entendido como o centro do
ambiente “em concepção”, de modo que, além das questões técnicas relativas à materialização do
edifício, entre os principais focos do problema a ser resolvido estão suas necessidades e aspirações
(ORNSTEIN, 2005, p. 158). Como compreender esse usuário é fundamental para alimentar suas
etapas de programação de necessidades e formulação de alternativas para solução das questões
emergentes, o projeto de Arquitetura estabelece interfaces teórico-metodológicas e conceituais com
diversas disciplinas, entre as quais a Psicologia Ambiental e as Ciências Sociais.
As principais contribuições desses campos de conhecimento para o projeto arquitetônico
dizem respeito à fundamentação do chamado projeto participativo, cuja implementação proporciona
aos projetistas uma base e um enquadramento culturais pouco trabalhados em sua formação,
oferecendo direções e suporte para a tomada de decisões (ROMICE, 2005). Segundo a autora, o
trabalho conjunto com a população aufere “confiança” e credibilidade às ações projetuais, uma vez
que, ao contemplar as especificidades do lugar, ajuda a criar apoios e aceitação que facilitam a
programação arquitetônica. Além disso, as pessoas costumam mostrar-se mais satisfeitas com
espaços planejados com a sua participação, o que também aumenta a possibilidade de êxito da
intervenção.
No campo específico da Psicologia Ambiental, três conceitos mostram-se essenciais ao
entendimento das relações entre pessoas e ambientes e, portanto, ao planejamento de qualquer
intervenção em determinado local: percepção ambiental, cognição ambiental e identidade de lugar.
Ao introduzirem variabilidades culturais e pessoais na noção de ambiente, eles modificam a própria
noção de ambiente enquanto um local com características imutáveis, passando a entendê-lo como
uma forma de comunicação não-verbal, o que exige, segundo Machado (2008), atenção para as duas
dimensões: de um lado, o ambiente construído enquanto instrumento de análise para compreensão
dos usuários, seus diferentes códigos e valores; de outro, a consciência da importância de entender
que este ambiente pode modificar-se em função de quem o percebe, de maneira que diferentes
grupos de usuários podem recorrer a meios perceptivos distintos e, a partir deles, elaborar
(mentalmente) diferentes imagens. Assim, por exemplo, “projetistas muitas vezes percebem os
ambientes de forma diferente daqueles que não o são” (p.25).
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Nesse contexto, a percepção (enquanto compreensão básica dos estímulos) e a cognição
(como aprendizagem) estão relacionadas ao conhecimento, imagens, informações, impressões e
crenças que os indivíduos e grupos adquirem sobre os aspectos estruturais, funcionais e simbólicos
dos ambientes físicos (reais ou imaginários), sociais, culturais, econômicos e políticos (GOLLEDGE,
1987). A cognição e a percepção ambiental de cada pessoa influenciam e são influenciadas por seus
sentimentos, motivações e opiniões, relacionando-se, ainda, ao seu passado, presente e futuro. Nota-
se que, nesse sentido, os ambientes vivenciados no passado se referem, inclusive, às primeiras
oportunidades de aprendizado da infância, que, para Proshansky & Fabian (1987, p.24), são as mais
profundas influências à formação da identidade do lugar de cada indivíduo. Assim, a experiência
ambiental de cada pessoa forma-se em função dos objetos e espaços que satisfazem suas
necessidades biológicas, sociais, físicas e culturais, bem como daqueles que não as satisfazem.
Finalmente, o conceito de identidade do lugar consiste em um acúmulo de percepções e
cognições sobre o meio físico em que as pessoas vivem, mediados pelas relações afetivas ali
estabelecidas. De acordo com Proshansky & Fabian (1987, p.23), pode-se relacionar a formação da
identidade do lugar a dois grandes grupos de fatores (os quais também se inter-relacionam entre si):
o primeiro, representado pelos pensamentos, memórias, valores, ideias, preferências e significados
relacionados aos espaços vivenciados na vida diária; e o segundo, referente ao tipo de ambiente que
cada um desses espaços do dia a dia representa (a escola, o lar, a vizinhança, o local de trabalho, o
templo religioso, etc.), sendo essencial considerar que uma mesma pessoa pode alimentar-se,
descansar, socializar, aprender e ter lazer em diversos lugares, de acordo com suas próprias
necessidades, expectativas e medos.
A identidade do lugar é parte essencial da formação da identidade da pessoa, processo para o
qual as lembranças simbólicas assumem um papel significativo. Segundo Rivlin (2003, p.219),
enquanto meios de conexão e apego das pessoas com os lugares, esses significados simbólicos
podem ser motivados por sentimentos positivos ou negativos que “se desenvolvem ao longo do
tempo e estão contidos nas lembranças tanto de ambientes específicos quanto das pessoas lá
presentes, e também nos elementos simbólicos dos locais que nos fazem lembrar de alegrias,
prazeres, qualidades estéticas e terror”.
Transpondo esse conhecimento para o ambiente escolar, Proshansky & Fabian (1987, p.24)
comentam que, em termos de socialização, à medida que a criança cresce e estende seus espaços de
vivência para além de seu lar, ambientes como a escola e as áreas livres da vizinhança passam a ter
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uma importância considerável na vida e no desenvolvimento. Nesse contexto, a escola, nos seus
modelos tradicionais, é geralmente o ambiente sócio-físico mais rigidamente estruturado que é
experienciado na infância.
Enquanto as concepções espaciais, necessidades e expectativas da criança são desenvolvidas principalmente no ambiente residencial e na vizinhança, elas acabam sendo ajustados aos requisitos, atividades e normatizações da sala de aula e desse ambiente de aprendizagem e socialização (PROSHANSKY, FABIAN, 1987, p.33).
Assim, como a percepção e a cognição ambientais são fortemente influenciadas pelas
características do lugar (GIFFORD, 1997, p.37), é fundamental que a escola deixe de ser um ambiente
rígido e passe a ser mais dinâmica e estimulante, capaz de admitir uma organização espacial que
valorize o complexo processo educacional e as fases de desenvolvimento infantil.
Nesse novo contexto, a escola infantil deve construir uma proposta aberta, em diálogo com o seu tempo, com a nova sociedade e com o novo papel social que exerce hoje a criança na comunidade. Não podemos mais pensar a escola e, conseqüentemente, seu ambiente, apenas como espaços de ensino (muito menos tão-somente de assistência, acolhimento ou lazer), mas devemos concebê-la para além disso, como ambiente de aprendizagem, de troca, de experimentação e de desenvolvimento, individual e coletivo, da condição humana e da cidadania. (MACHADO, 2008, p.214)
Nesse sentido, Kowaltowski (2011, p. 244) alerta para a urgente necessidade de melhorias no
projeto de escolas, sendo fundamental a participação de outros agentes ao processo projetual nessa
área, notadamente das crianças/usuários. Segundo a autora, a incorporação do ponto de vista infantil
ao processo de projeto de escolas pode gerar novas reflexões e interesse pelo ambiente educativo e
configurar um primeiro passo para futuras inovações, além de despertar esse público-alvo para a
participação ativa no planejamento escolar e reforçar a sensação de pertencimento ao lugar.
Para tanto, é fundamental promover o desenvolvimento da fantasia infantil que, segundo
Bronfenbrenner (1996), conjuga suas percepções, cognições e atividades, entendendo-se que estas
“não são meramente um reflexo daquilo que ela vê, mas têm um aspecto ativo, criativo” (p.10). Ou
seja, o mundo fenomenológico desenvolvente da criança é, na verdade, uma “construção da
realidade” e não uma mera representação dessa realidade.
Por sua vez, Lewin e Piaget salientam que, a princípio, a criança confunde as características
subjetivas e objetivas do ambiente, mas gradualmente se torna capaz de adaptar sua imaginação aos
limites da realidade objetiva e, inclusive, de reformular o ambiente, para torná-lo mais compatível
com suas capacidades, necessidades e desejos. É esta crescente capacidade de remodelar a realidade
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de acordo com requerimentos e aspirações humanas que, numa perspectiva ecológica, representa a
mais alta expressão do desenvolvimento (BRONFENBRENNER, 1996, p.10).
Com base nesse arcabouço teórico-metodológico, ao se optar pelo desenvolvimento de um
projeto participativo, com a colaboração de crianças enquanto representantes dos principais usuários
da edificação que estava sendo projetada, optamos por analisar os desenhos elaborados por elas,
além de revelarem seus anseios em relação ao ambiente escolar, poderiam ser interpretados como
uma maneira de expressar simbolicamente a sua relação com o lugar, sendo influenciados por suas
lembranças e pelo ambiente à sua volta, através de fatores pessoais, culturais e/ou físicos.
3 MÉTODO
Segundo Adams (2002, p.45), as ideias que definem o projeto tanto podem ser provenientes
dos arquitetos, quanto dos usuários, sendo papel do profissional representar e defender as melhores
soluções. Como geralmente os usuários não tomam parte do processo, muitos dos ocupantes de um
edifício, podem não ter sido ouvidos sobre o que considerar importante para seu funcionamento. Um
dos modos de lidar com essa questão é a valorização das experiências vividas pelas pessoas, o que
pode ser investigado por meio da aplicação de multimétodos, combinando observações, relato
verbal (entrevistas) e técnicas gráficas (como o desenho). “O uso de procedimentos de escrita,
fotografia e desenho, podem desvendar pelo menos algumas das partes constituintes daquilo
inicialmente percebido como um campo unitário” (RIVLIN, 2003, p.216). Esse tipo de estratégia é
especialmente adequado às crianças, dada sua afinidade com meios de expressão mais lúdicos.
No caso do projeto do ambiente escolar, a criança também pode ser vista como ser
participativo e contribuir com o processo de projeto, incorporando a dimensão humana e sugerindo
expectativas reais. Essa possibilidade de participação também permite a criação de elos entre o
usuário e o ambiente, auxilia a construção mútua de conhecimento e aumenta o repertório dos
profissionais.
A elaboração de poemas-dos-desejos ou wish-poem (SANOFF, 1995) possibilita aos usuários
de um ambiente expressar, por meio de um conjunto de sentenças escritas ou de desenhos, suas
necessidades, seus anseios, seus sentimentos e seus desejos referentes ao edifício, incluindo suas
condições funcionais, programáticas e estéticas. Este instrumento incentiva a livre expressão e se
baseia na espontaneidade das respostas, é de fácil aplicabilidade e seus resultados são ricos e
representativos das demandas e expectativas dos usuários (SOUZA, 2003, p.116).
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Na experiência de projeto realizada, optou-se pelo desenho como resposta ao poema-dos-
desejos, devido à facilidade das crianças lidarem com esse tipo de representação, que é
considerando extremamente valioso na interlocução com o público infantil, um recurso mediador da
subjetividade das crianças.
O trabalho contou com a colaboração de 19 crianças de 5 a 7 anos, atendendo às exigências
do Comitê de Ética em Pesquisa quanto à permissão da escola, dos pais e da própria criança. O
método foi previamente explicado à coordenação e às professoras, que auxiliaram na mobilização das
crianças. Como sentença geradora foi utilizada: “A escola que eu gostaria de ter...”. Por sugestão das
docentes, a atividade foi realizada em um pátio coberto, próximo às salas de aula. Inicialmente, foi
explicado às crianças a proposta da pesquisadora, e elas foram convidadas a participar do estudo.
Todas demonstraram interesse em participar. Para isso, foi entregue para cada uma delas: 1 folha
quadrada de papel sulfite branco (19x19cm), 1 borracha e 1 lápis grafite. Não foi utilizado lápis de cor,
por dois motivos: para não distrair a criança com as cores (tirando o foco da atividade) e para não
induzir a representação de alguns elementos, normalmente associados a determinadas cores (como
piscina azul ou árvore verde, por exemplo). O papel quadrado também foi utilizado para não induzir a
orientação da folha (horizontal e vertical), que poderia condicionar as formas desenhadas
(MEDEIROS, 2010, p.76).
Após finalizados os desenhos, a pesquisadora conversou individualmente com cada criança
(entrevista não estruturada), registrando seus relatos em uma folha de papel vegetal posicionada
sobre os desenhos. Este procedimento, além de facilitar a comunicação, possibilitou a compreensão
e o registro do significado e das intenções que motivaram os traços, facilitando sua interpretação.
Alguns relatos já haviam sido antecipados durante a elaboração da atividade, pois cinco crianças
preferiram explicar por etapas o que estavam fazendo, informações posteriormente registradas pela
pesquisadora nos respectivos desenhos. Ao final, foi realizada uma conversa em grupo (com
participação das professoras), em que todos puderam manifestar sua opinião sobre a atividade e
discutir coletivamente como gostariam que a escola fosse.
4 O QUE DISSERTAM AS CRIANÇAS
A análise dos desenhos e relatos das crianças possibilitou a identificação dos elementos mais
frequentes e expressivos do ponto de vista da arquitetura, permitindo a identificação do imaginário
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coletivo referente ao ambiente da escola, e foi utilizada como indicação projetual relevante,
funcionando como diretriz para o anteprojeto.
Corroborando alguns dos resultados de pesquisa desenvolvida anteriormente por Elali
(2003), dentre os aspectos observados nos desenhos (Figuras 1, 2, 3 e 4) e nas entrevistas, chamou a
atenção a presença de:
(a) elementos da natureza, como árvore, grama, areia, céu, sol e nuvem (em todos os
desenhos foi representado pelo menos um desses elementos, em especial árvore e grama, as
quais também foram bastante citadas na conversa com a pesquisadora, demonstrando sua
relevância dentro do contexto espacial da escola);
(b) equipamentos de lazer (playground/parquinho, caixa de areia e balanços), geralmente
associados às árvores;
(c) janelas, o que pode ser interpretado como uma questão de conforto ambiental e/ou de
preferência estética, relacionada à permeabilidade visual do ambiente;
(d) balões e “coisas penduradas”, os quais, no contato com a pesquisadora foram descritos
como sendo coloridos (mesmo tendo sido utilizado lápis grafite), o que remete à questão do
lúdico no ambiente escolar;
(e) figuras humanas, descritas principalmente como “meus amigos da escola”, bebês (em
referência às crianças do berçário) e “pessoas chegando para visitar”, o que também pode
estar relacionado com a questão da permeabilidade visual entre os ambientes da escola, e a
sua compreensão enquanto conjunto.
Também chamou atenção o fato de uma das crianças ser enfática ao sugerir um laboratório
de ciências, que na conversa com a pesquisadora definiu como sendo “o melhor lugar que podia ter
na escola”.
Entre as principais contribuições para o projeto desenvolvido pela pesquisadora, as crianças
enfatizaram claramente aspectos ligados a: uso de cores; existência de espaços livres generosos
tanto cobertos (pátios) quanto descobertos; existência de elementos que pudessem manusear para
alterar o espaço definindo cantos com maior privacidade ou abrindo locais para vivencias coletivas;
presença de elementos para subir/descer/rolar; possibilidade de contato com água; convivência com
pequenos animais.
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Figuras 01, 02, 03: Desenhos elaborados pelas crianças, com descrições acrescentadas pela pesquisadora de acordo com os relatos durante e após a realização da atividade
Fonte: MEDEIROS, 2010.
4 A PROPOSTA PROJETUAL
Com base nas indicações e preferências das crianças, o projeto procurou valorizar os espaços
livres e a relação entre interior e exterior, por meio da utilização de grandes aberturas (janelas,
portas de correr e painéis removíveis), de modo a garantir permeabilidade visual e espacial, o que foi
possibilitado também pela implantação – conjunto de edificações integradas pelo paisagismo e por
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pátios cobertos e descobertos. Os espaços relacionados às ciências (laboratório, horta, mini
zoológico, painéis de experimentação de cores) foram integrados por meio do projeto paisagístico, o
qual foi pensado como elemento fundamental no papel estimulante da escola, com diversidade de
texturas e cores, e a presença de frutos, flores e sementes, que permitissem explorar os sentidos e a
criatividade. Também foram utilizadas pérgolas e aberturas zenitais com formas e cores variadas,
permitindo a dinamização do espaço a partir da variação dos efeitos de iluminação natural. O projeto
procurou explorar também a variação de pé-direito, de ângulos e de texturas, de modo a dinamizar o
espaço e ampliar as possibilidades de percepção.
Uma das principais decisões projetuais foi trabalhar com o tipo “pátio”, que ao longo do
processo foi abstraído e resultou em diferentes configurações espaciais com a mesma função:
facilitar a integração interior-exterior, sem prejuízos para o controle necessário à segurança das
crianças, proporcionar melhores condições de conforto ambiental e distribuir as atividades em
setores, integrados por essas áreas de transição. Não existe, portanto, um único campo visual que
permita visualizar a escola por inteiro. Cada pátio permite a visualização dos elementos e ambientes
ao seu redor e as circulações entre eles e entre os blocos são definidas por marquises ou varandas,
com largura e pé-direito variável, que produzem diferentes sensações de conforto, visuais e de
privacidade, por exemplo, tendo em vista que, segundo Rapoport (1978 apud Machado, 2008, p.49),
“são as mudanças e diferenciações de estímulos, ou melhor, as variações dentro de uma ordem que
criam a complexidade de um espaço e, consequentemente, resultam em sua riqueza ambiental”.
Buscou-se, então, conceber um projeto que resultasse em um espaço de vivências para o público
infantil, estimulando a criatividade, a brincadeira e a percepção, possibilitadas pela configuração
espacial do edifício e pela integração das partes entre si e com o meio externo. As Figuras 04, 05, 06,
07 e 08 ilustram o resultado do anteprojeto em maquete eletrônica.
Figura 04: Perspectiva geral do projeto
Fonte: MEDEIROS, 2010.
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Figura 05: Vista superior com indicação dos setores da escola
Fonte: MEDEIROS, 2010.
Figura 06: Planta baixa com indicações de layout
Fonte: MEDEIROS, 2010.
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Figura 07: Perspectiva interna do projeto
Fonte: MEDEIROS, 2010.
Figura 08: Estudos de composição e iluminação natural para a pérgola do setor de educação infantil
Fonte: MEDEIROS, 2010.
5 CONCLUSÕES
Na experiência relatada, a atividade de desenho foi aplicada com as crianças de apenas uma
instituição, pois o objetivo principal era conhecer o método e aplicá-lo ao exercício acadêmico de
projeto. Entretanto, vale salientar que, caso a intenção fosse aprofundar a pesquisa e a análise dos
resultados, contando ainda com um prazo mais longo para realização do trabalho, seria mais
interessante aplicar esse método em diferentes instituições, com características diferenciadas, o que
possivelmente resultaria em uma maior variedade de análises. Além disso, os resultados dos
desenhos não devem ser generalizados, tendo em vista que cada um deles tende a revelar um
conhecimento espacial individual, influenciado por fatores como fase de desenvolvimento, memória,
questões culturais, vivências anteriores e habilidade de desenho.
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A experiência trouxe contribuições tanto para a projetista, por proporcionar embasamento
teórico e uma série de diretrizes que valorizam o usuário, quanto para as crianças participantes, por
lhes permitir expressarem suas expectativas quanto ao espaço escolar e sentirem que podem
participar do planejamento do lugar onde vivem, e para a escola – instituição que, ao analisar o
projeto realizado, afirmou que poderia incorporar algumas das indicações ao espaço hoje ocupado.
A oportunidade representou uma grande contribuição metodológica para a prática projetual
da autora, sobretudo a partir de uma compreensão mais ampla da complexidade de projetar para o
público infantil, considerando as peculiaridades de seu desenvolvimento e a importância da escola
como ambiente de aprendizagem, de troca, de experimentação individual e coletiva. Espera-se, pois,
que o relato dessa experiência possa auxiliar outros pesquisadores na prática da interlocução entre
arquiteto e usuário, mais especificamente, entre arquiteto e público infantil.
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