a produÇÃo de sequencias didÁticas como elemento articulador da formaÇÃo inicial...

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1469 III Congresso Nacional de Formação de Professores (CNFP) e XIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (CEPFE) Eixo 01 - Formação inicial de professores de educação básica A PRODUÇÃO DE SEQUENCIAS DIDÁTICAS COMO ELEMENTO ARTICULADOR DA FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA NO CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Gabriel de Moura Silva Instituto de Biociências – Universidade de São Paulo/SP [email protected] Rosana Ferreira Louro Silva Instituto de Biociências - Universidade de São Paulo/SP [email protected] Introdução As sequências didáticas (SD) têm sido consideradas na literatura um tema importante para a investigação do trabalho docente, tanto na perspectiva metodológica quanto na possibilidade de superação da lacuna pesquisa-prática. Zabala (1998) realça o papel destas na construção e desenvolvimento do ensino, afirmando que “adquirem personalidade diferencial segundo o modo como se organizam e articulam”. Zabala define sequência didática como “Um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais” (ZABALA, 1998, p. 18). Assim, as SDs permitem múltiplas considerações que incluem a análise de conteúdo, epistemologia, concepções dos estudantes e motivações, aprendizagem, teorias pedagógicas e restrições educacionais (MÉHEUT & PSILLOS, 2004). Giordan et al. (2012) sugerem que aparentemente os autores de SD recorrem à sua experiência e conhecimento para produzi-las, indicando uma possível dissonância entre os referenciais teóricos, conhecimento do professor e prática de ensino. Pesquisar SD de professores em formação, compreendendo e contextualizando essas SD em relação aos referenciais teóricos em que estão inseridas, podem representar um elemento de aproximação entre a pesquisa em ensino e a sala de aula (GIORDAN et al., 2012; NASCIMENTO et al., 2009), ocasionando trocas de aprendizados que enriquecem o trabalho docente, bem como sua formação, em uma perspectiva metodológica e prática. No que se refere às variáveis metodológicas que configuram as práticas educativas, Zabala (1998) explica que as SD devem ser compreendidas em sua complexidade e seus múltiplos determinantes, legitimados por parâmetros institucionais, organizativos, tradições metodológicas, possibilidades reais dos professores, dos meios e condições físicas existentes, etc. As sequências didáticas, em suas relações de saber- fazer, atitudes e intenções, podem extrapolar o estigma conteudista que, ao longo dos anos, tem se firmado nas práticas docentes e livros didáticos, permitindo uma perspectiva

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III Congresso Nacional de Formação de Professores (CNFP) e XIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (CEPFE)Eixo 01 - Formação inicial de professores de educação básica

A PRODUÇÃO DE SEQUENCIAS DIDÁTICAS COMO ELEMENTO ARTICULADOR DA

FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA NO CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Gabriel de Moura Silva

Instituto de Biociências – Universidade de São Paulo/SP

[email protected]

Rosana Ferreira Louro Silva

Instituto de Biociências - Universidade de São Paulo/SP

[email protected]

Introdução

As sequências didáticas (SD) têm sido consideradas na literatura um tema

importante para a investigação do trabalho docente, tanto na perspectiva metodológica

quanto na possibilidade de superação da lacuna pesquisa-prática. Zabala (1998) realça o

papel destas na construção e desenvolvimento do ensino, afirmando que “adquirem

personalidade diferencial segundo o modo como se organizam e articulam”.

Zabala define sequência didática como “Um conjunto de atividades ordenadas,

estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais” (ZABALA,

1998, p. 18). Assim, as SDs permitem múltiplas considerações que incluem a análise de

conteúdo, epistemologia, concepções dos estudantes e motivações, aprendizagem,

teorias pedagógicas e restrições educacionais (MÉHEUT & PSILLOS, 2004). Giordan et

al. (2012) sugerem que aparentemente os autores de SD recorrem à sua experiência e

conhecimento para produzi-las, indicando uma possível dissonância entre os referenciais

teóricos, conhecimento do professor e prática de ensino.

Pesquisar SD de professores em formação, compreendendo e contextualizando

essas SD em relação aos referenciais teóricos em que estão inseridas, podem

representar um elemento de aproximação entre a pesquisa em ensino e a sala de aula

(GIORDAN et al., 2012; NASCIMENTO et al., 2009), ocasionando trocas de aprendizados

que enriquecem o trabalho docente, bem como sua formação, em uma perspectiva

metodológica e prática.

No que se refere às variáveis metodológicas que configuram as práticas

educativas, Zabala (1998) explica que as SD devem ser compreendidas em sua

complexidade e seus múltiplos determinantes, legitimados por parâmetros institucionais,

organizativos, tradições metodológicas, possibilidades reais dos professores, dos meios e

condições físicas existentes, etc. As sequências didáticas, em suas relações de saber-

fazer, atitudes e intenções, podem extrapolar o estigma conteudista que, ao longo dos

anos, tem se firmado nas práticas docentes e livros didáticos, permitindo uma perspectiva

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de construção do conhecimento baseada na concepção e compartilhamento de saberes

pelos atores da educação.

A relação de saber com trabalho, particularmente em relação ao ensino, tem sido

objeto de muitos estudos. Os saberes que servem de base para o ensino, tais como são

vistos pelos professores, abrangem uma grande diversidade de objetos, de questões, de

problemas e não correspondem, ou pelo menos muito pouco, aos conhecimentos teóricos

obtidos na universidade e produzidos pela pesquisa na área de Educação (TARDIF,

2012). As múltiplas dimensões de conhecimento docente são oriundas de suas

interações históricas, valores morais e normas sociais, que moldam a maneira como

esses profissionais se relacionam com o seu trabalho e, portanto, determinantes na

concepção das práticas de aula.

Tardif (2012) propõe um modelo tipológico para identificar e classificar os saberes

dos professores, considerando o pluralismo do saber profissional, relacionando-o com os

lugares nos quais os próprios professores atuam, com as organizações que os formam

e/ou nas quais trabalham, com seus instrumentos de trabalho e, enfim, com sua

experiência de trabalho (TARDIF, 2012). São eles saberes pessoais dos professores,

saberes provenientes da formação escolar, saberes provenientes da formação

profissional para o magistério, saberes provenientes dos programas e livros didáticos

usados no trabalho e, saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na

sala de aula e na escola.

Diante do exposto, esta investigação teve como objetivos analisar o processo de

produção de sequências didáticas na formação de professores de um curso de

Licenciatura em ciências Biológicas, e como elas podem se constituir em elementos para

articular a formação inicial e continuada, na perspectiva dos saberes docentes, uma vez

que a disciplina contou com um momento de apresentação da sequência didática pelos

alunos da disciplina para professores atuantes da educação básica.

Contexto e procedimentos metodológicos

As sequencias didáticas foram produzidas no contexto de uma disciplina

denominada “Contexto e Práticas de Ensino de Zoologia”, oferecida no segundo

semestre de 2015, no curso de licenciatura em Ciências Biológicas de uma universidade

pública do estado de São Paulo. Houve o acompanhamento sistematizado de todas as

aulas, a grande maioria no período integral. A investigação contou com a gravação de

áudio e vídeo das apresentações finais das sequências didáticas com a participação de

professores da educação básica para auxiliar na avaliação dos trabalhos. Ao total

contamos com a participação da docente e orientadora desta pesquisa, dois (2)

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monitores, sendo um deles o pesquisador, setenta e quatro (74) alunos de licenciatura e

dez (10) professores da rede básica de ensino.

A disciplina teve por objetivos propiciar aos licenciandos: desenvolver sequências

didáticas que articulem diversidade e filogenia dos animais; analisar e discutir a seleção

de conteúdos, estratégias didáticas e instrumentos de avaliação no Ensino de Zoologia;

refletir sobre Ensino de Zoologia na escola básica e em outros espaços educativos;

elaborar e analisar diferentes recursos didáticos, tais como texto, multimídia, modelos,

imagens, jogos, filmes, animações; reconhecer o campo de pesquisa em Ensino de

Biologia.

Para entender essas perspectivas, optamos pelo método denominado Análise

Textual Discursiva. Moraes (2003) refere-se a essa metodologia como um processo auto-

organizado de produção de novas compreensões em relação aos fenômenos e capaz de

aproveitar o potencial dos sistemas caóticos no sentido da emergência de novos

conhecimentos. O autor descreve a abordagem de análise como: “um ciclo de operações

que se inicia com a unitarização dos materiais do corpus. Daí o processo move-se para a

categorização das unidades de análise definidas no estágio inicial. A partir da

impregnação atingida por esse processo, argumenta-se que emergem novas

compreensões, aprendizagens criativas que se constituem por auto-organização, em

nível inconsciente. A explicitação de luzes sobre o fenômeno, em forma de metatextos,

constitui o terceiro momento do ciclo de análise proposto” (MORAES, 2003, p. 209).

O envolvimento na análise textual discursiva exige um movimento de

compreensão, especialmente em relação aos modos de produção de ciência, superando

paradigmas e demandando construção de caminhos próprios de pesquisa. Além disso,

propicia a construção e reconstrução das realidades, de significados dos fenômenos

investigados, do objeto da pesquisa e de sua compreensão, ao mesmo tempo em que

tem grande potencial para fazer emergir a criatividade (MORAES & GALIAZZI, 2006).

Cabe destacar que os professores da educação básica recebiam um roteiro

orientativo para a avaliação das sequencias didáticas dos licenciandos (anexo 1). As

apresentações orais das SD foram analisadas sob as perspectivas dos conteúdos, das

principais estratégias didáticas e formas de avaliação propostas, além de identificarem

como se apresentavam os eixos de alfabetização científica (natureza da ciência,

linguagem científica e contextualização social). A docente da disciplina e o monitor

auxiliavam os professores no uso do roteiro e também faziam sua própria avaliação com

base no mesmo.

Resultados e discussão

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As seções de apresentação duraram em média 30 minutos, com 15 minutos de

discussão, que contaram com a participação de dois ou mais professores da rede privada

e pública de ensino. Vale lembrar que os professores não tiveram acesso ao texto integral

das sequências didáticas, apenas a apresentação oral dos licenciandos.

A discussão sobre a definição de objetivos esteve muito presente, em duas

frentes, de quem são os sujeitos de aprendizagem e como eles se portam em relação ao

que é ensinado. Uma das professoras, embasada na sua formação de magistério e

faculdade, relatou que os objetivos de ensino devem estar sempre centrados no aluno.

Os estabelecimentos de formação dos professores, estágios ou cursos tem um papel

fundamental na formulação e ênfase do discurso. E sua arguição sobre uma das

apresentações, ela disse:

“(...) tenham sempre em mente a frase... 'o aluno deverá...' aí

vocês não tem como errar, vocês vão sempre fazer baseados no

que o aluno precisa alcançar, não no que você quer com a

atividade.”

Um dos professores convidados disse que é comum licenciandos se confundirem

em relação a essa questão, sobre a dimensão que o objetivo pode alcançar, e também

pela definição do que são atitudes e procedimentos. A docente da disciplina aproveitou

essa questão e a interpretou sobre a temática da ética no estudo evolutivo de coleções

biológicas, fazendo um esclarecimento sobre o que seriam atitudes e procedimentos:

"... atitudinal tem a ver com valores, com ética, é bem difícil, (...)

seria respeitar a opinião do colega, ou trabalho em grupo (...) tem

a ver com valores, com posturas, e a interpretação, compreensão

de um cladograma, montagem do cladograma é tudo

procedimental, não só o montar como o interpretar, é um

procedimento, não é uma atitude."

Essa questão está longe de ser definida ou regulamentada, pois está entrelaçada

a variáveis que diferem de escola para escola, educandos, docentes, contextos e não

podem ser tratadas como códigos de conduta padronizados.

Isso nos leva a outro assunto recorrente, o currículo escolar, que acaba gerando

confusão no planejamento de aulas pelos licenciandos, por vezes, pela dissonância entre

os aprendizados da graduação e o que de fato os currículos e as escolas definem.

“Dependendo do material que é usado, os professores ficam muito desamparados”,

manifestou um dos professores convidados. Em seguida, citou um episódio ocorrido

recentemente em sua sala de aula, no qual encontrou uma divergência entre sua prática

e como o conteúdo está disposto no livro didático que adota em sala de aula.

"(...) uma visão diferente, e aí o aluno chega e diz: 'e aí, professor,

o que que eu sigo? A sua lousa ou que está escrito aqui no

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Amabis?’ (referindo-se a conteúdo de Peixes, da coleção Volume

Único para o Ensino Médio de Amabis e Martho) E aí, você fica

meio desamparado, né, então, as vezes, de acordo com o

material que você tem, você consegue ousar mais ou ousar

menos."

O dimensionamento de tempo da sequência didática é uma questão elementar.

Sobrestimar e subestimar o tempo mostra o quanto a prática pode contribuir para clarear

o que pode ou deve ser feito em sala de aula. A prática do ofício na escola e na sala de

aula, associada a experiência dos pares é um elemento fundamental na formação dos

saberes docentes, e nessa investigação, mostrou-se um importante elemento de

articulação entre a formação inicial e a continuada. Sobre uma SD cujo tema era

verminoses dimensionada em sete aulas, um professor compartilhou que não conseguiria

abordar esse tema em um período tão curto de tempo. Havia uma aula destinada a leitura

e discussão de textos associada a proposição dos projetos finais. O professor comentou

assim:

"Eu costumo dar seminários com os alunos, só pra explicar o que

que eu quero, eu gasto 50 minutos".

A disciplina pedia o planejamento de aulas em ensino de zoologia com enfoque na

alfabetização científica. Assim sendo, problematizou-se a proposição de saídas de

campo, a partir da preparação de roteiros de visita e fechamento sistemático, limites e

possibilidades de modelos, questões de ordenamento curricular, dúvidas acerca da

pertinência conceitual e faixa etária dos estudantes. Tratando do assunto coleções

biológicas, um grupo abordou a identificação de seres vivos a partir de chaves

dicotômicas e o modelo proposto na SD restringia a classificação ao conceito de

espécies. Quando questionados sobre os limites e possibilidades que esse modelo

poderia alcançar, uma licencianda respondeu que:

"(...) a gente pensou que espécie seria o termo mais próximo

deles, que todas as crianças ouviram, gênero é uma coisa bem

abstrata para eles.. e aí, a gente achou que no 7° ano, não seria

uma coisa muito.. cabível.. apropriado, colocar os gêneros."

Dúvidas conceituais e preconcepções, aliadas a proposições deterministas, são

problemáticas bastante presentes no dia-a-dia escolar. Nesse caso, não há como saber

se para todos os estudantes do 7° ano esse conceito é abstrato ou cabível. Como

dissemos antes, essa percepção está atrelada ao contexto escolar. Talvez fosse

importante problematizar esse ponto de vista ao docente, para que ele possa tomar

decisões embasadas e apropriadas a sua sala de aula.

Um outro caso também chamou a atenção nesse quesito. Um grupo, abordando o

tema de especiação a partir da dinâmica de populações propôs um jogo muito criativo e

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explicativo dos processos evolutivos. Uma professora, no entanto, achou que o jogo seria

complexo demais para ser trabalhado em sala de aula. Já a docente da disciplina disse

que não lhe pareceu tão complexo. Talvez o que tenha causado essa impressão foi a

exposição do conceito de aleatoriedade no jogo. Os licenciandos ficaram com essa

dúvida no planejamento da SD, se esse conceito era pertinente ao Ensino Médio. A

dúvida se espalhou por todos os presentes. Como podemos ver, o currículo gera muitas

preocupações e dúvidas, no que se refere aos conceitos abordados, ao tempo, e também

à terminologia.

Ao explicar como abordariam a construção de filogenias e cladogramas na SD, os

licenciandos se utilizaram de termos como anagênense, clagogênese, sinapomorfias,

entre outros. Uma professora questionou:

“(...) vocês acham realmente importante quando a gente ensina

evolução; que eles conheçam todos esses termos ou é mais

importante que eles tenham uma ideia geral do processo

evolutivo?”

Alguns licenciandos acharam que não todos os termos, enquanto outros acharam

que é importante que o aluno se familiarize com a terminologia. Isso só reforça a

importância de abordar esse tópico nas aulas de licenciatura e nos estágios

educacionais. As experiências educacionais formativas, bem como o compartilhar de

experiências alcança patamares que a teoria não consegue por si só abranger, além de

enriquecer o processo de formação de professores.

Destacamos a seguir duas falas de professores que endossam esse

entendimento. A primeira, sobre a dúvida na utilização de chave de identificação no

Ensino Fundamental e a pertinência de problematizar a ética na coleta:

“eu usei e deu super certo! (...) senão a molecada sai coletando a

torto e a direito.”

A segunda é sobre um trabalho que uniu o ensino de zoologia aos conhecimentos

tradicionais e lendas de animais nativos do Brasil:

"Trabalho primoroso (…) e tem umas coisas que acho que pegam

a gente, quem tem formação na área, e.. sente essa falta de

material, eu tenho uma filha pequena agora e fico doido da vida

porque ela tem 3 elefantes, 2 girafas, tem leão e não tem uma

oncinha, lá, né, um tamanduá..."

Esse último trabalho, em particular, foi um sucesso entre os participantes e

merece uma atenção especial, dessa pesquisa e dos educadores. Contemplou muitas

demandas de professores da Educação Básica com muita criatividade e expressão

verbal, a partir de ‘contação de histórias’, simbologias e outros sentidos. Tudo isso

amparado em amplos referenciais teóricos de uma maneira simples e enxuta, abrindo

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grandes possibilidades de trabalho em sala de aula. Um dos licenciandos autores da SD

comentou que esse foi um dos trabalhos que o grupo se sentiu mais motivado a fazer ao

longo daquele semestre:

"É um trabalho muito divertido, muito legal, de sentar e falar,

então vamos escolher a história, daí a gente lê as histórias e fala,

nossa, (...) limitação de espaço, que é o, cortar o coração, quando

não cabe a história inteira, (...) vamos apertar e diminuir um

pouco, porque.. esse finalzinho não dá pra tirar, não dá pra tirar

uma parte, então.."

Outro licenciando disse que o tema surgiu como uma soma. Ele se empolgou com

um trabalho que leu que apresentava como resultados que os brasileiros não conhecem

as espécies endêmicas do próprio país, enquanto outro colega queria falar sobre folclore

em animais, que é parte de sua pesquisa em Iniciação Científica.

Um assunto bastante importante ao se planejar sequências didáticas diz respeito

ao encadeamento das atividades propostas. Uma professora contou sua percepção sobre

esse assunto:

"A sequencia didática, ela tem que envolver atividades que

tenham relações entre si, então é mais ou menos assim, a

anterior tem que ser base para a próxima..."

A concepção de SD pode promover integração de conhecimentos, adaptação aos

contextos e possibilidades diferentes de lidar com as propostas pedagógicas. Mas para

que isso ocorra é essencial que as atividades propostas estejam conectadas, trazendo

significado para aquilo que e ensinado. Nesse aspecto surgem problemáticas

relacionadas ao posicionamento de uma determinada atividade na SD, ao processo de

ensino e aprendizagem, a autonomia dos estudantes e a percepção docente acerca dos

limites e possibilidades oriundos das propostas.

Nesse sentido, um grupo ressaltou a participação do estudante na construção do

conhecimento. Partindo de uma SD que pretende abordar a classificação biológica e

filogenia dos grupos vertebrados, o grupo planejou uma visita ao Jardim Zoológico de

São Paulo. Ao passo que restringe a atividade as escolas de São Paulo e

intermediações, a SD possibilita que os estudantes possam construir o próprio processo

educativo a partir da elaboração e aplicação de entrevistas aos visitantes e funcionários;

propõem uma forma de interação social que não é comum no dia-a-dia escolar. A

sequência passa por temas culturais e lida com os processos de categorização,

qualificação e quantificação das percepções coletadas, mesmo que a partir de perguntas

muito simples, como, 'por que que as pessoas vão aos zoológicos?'. Uma aluna reforçou

que é importante é investir nas perguntas que surjam dos próprios alunos, embora

possam haver alguns direcionamentos do professor.

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No que diz respeito ao ensino de evolução, podemos dizer que as SD do ano de

2015 seguiram a tendência dos anos anteriores, colocando esse assunto como pauta

principal, embasado no entendimento sobre Sistemática Filogenética. Simulações,

abstração de conhecimentos, descendência com modificações, filogenias, cladogramas,

processos evolutivos, parcimônia e consenso estiveram nas discussões sobre essa

temática no Ensino Básico. Além disso, foi bastante comum associar o ensino de

evolução ao método científico, onde prosperam evidências, hipóteses, interpretações e

teorias.

Uma professora alertou que o tema evolução traz, recorrentemente, concepções

alternativas, algumas delas ligadas a religiosidade dos estudantes, e que o professores

deve estar preparado lidar com essas e outras ideias. Além disso, ela diz que esse

assunto exerce uma resistência no corpo docente:

“O assunto de evolução é muito difícil, e os professores também,

né, tem bastante resistência de trabalhar evolução”

Outros importantes temas abordados ao longo das discussões foram o

levantamento do conhecimentos prévios e avaliação. É sabido que estes são elementos

essenciais ao desenvolvimento de uma sequência didática completa, pois consideram as

visões de mundo dos estudantes, como elas podem ou não se modificar no

desenvolvimento da SD, além de viabilizar o acompanhamento do aprendizado,

balizando sua prática de ensino.

Considerações Finais

Como inovar seguindo a regra? Seriam os currículos adequados ou estariam

defasados? Como funciona cada escola? Como saber se um tema deve complementar

um bimestre ou dar sentido a ele? Essa temática é mais adequada ao Ensino

Fundamental ou Ensino Médio? Quanto tempo devo destinar a esse tópico? E se gerar

discordância entre meu discurso e o livro didático? Todas essas são questões que

surgiram do diálogo entre alunos e professores e são problemas que serão enfrentados

ao longo da carreira de docente.

Conforme foi manifestado pelos licenciandos na avaliação final da disciplina, a

interação com os docentes teve um grande impacto na percepção dos limites e

possibilidades da prática educativa. Interessar-se pelos saberes e pela subjetividade dos

professores é tentar penetrar no próprio cerne do processo concreto da escolarização, tal

como ele se realiza a partir do trabalho dos professores em interação com os alunos e

com os outros atores educacionais (TARDIF, 2012, p. 228).

A relação entre a formação inicial e continuada é algo considerado extremamente

relevante na perspectiva da legislação de formação docente e da literatura da área. A

prática mais comum desse tivpo de interação tem sido a presença de licenciandos nas

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escolas. No entanto, nossa proposta foi de uma inversão, trazendo os professores para

auxiliar na avaliação dos alunos de uma disciplina da universidade. Ressaltamos o papel

sócio-interacionista da formação inicial e continuada presente nessa experiência, que

partiu da concepção “inexperiente” de sequencias didáticas e discussão destas sobre a

perspectiva de docentes atuantes, sujeitos do conhecimento e produtores de saberes. É

perceptível a mudança nos textos finais das SD que, consideraram vários aspectos

abordados no desenrolar das discussões. Tal melhoria se deveu em grande parte à

articulação dos saberes docentes provenientes da formação profissional para o

magistério, presente com mais evidência nos licenciandos, com os saberes provenientes

da experiência na profissão, na sala de aula e na escola dos professores atuantes da

educação básica, complementados pelas discussões dos conteúdos de Biologia dos

programas e livros didáticos.

Resta-nos saber se, de fato, essas propostas de sequência didática são factíveis

e como elas podem contribuir para a prática dos professores. Dessa forma, nossa

próxima etapa é juntar todas as sequencias produzidas em um documento único a ser

divulgado no portal de materiais didáticos da universidade, para que possam estar

disponíveis para serem utilizadas pelos professores da educação básica, particularmente

os participantes da discussão da disciplina.

Agradecimentos e apoios

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) pela bolsa concedida.

Referências Bibliográficas

MORAES, R. (2003). Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise

textual discursiva. Ciência & Educação: Bauru, SP, v. 9(2), p. 191-210.

MORAES, R. & GALIAZZI, M. C. (2006). Análise textual discursiva: processo

reconstrutivo de múltiplas faces. Ciência & Educação: Bauru, SP, v. 12(1), p. 127-128.

GIORDAN, M.; GUIMARÃES, Y. & MASSI, L. Uma análise das abordagens investigativas

de trabalhos sobre sequências didáticas: tendências no Ensino de Ciências. In: Atas do

VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2012, Campinas, SP. Rio

de Janeiro, RJ: ABRAPEC, 2012. V. 1. p. 1-12.

MÉHEUT, M. & PSILLOS, D. Teaching-learning sequences: aims and tools for science

education research. International Journal of Science Education. V. 26, n. 5, 2004, p.

515535.

NASCIMENTO, L. M. M.; GUIMARÃES, M. D. M. & EL-HANI, C. N. Construção e

avaliação de sequências didáticas para o ensino de biologia: uma revisão crítica da

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III Congresso Nacional de Formação de Professores (CNFP) e XIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (CEPFE)Eixo 01 - Formação inicial de professores de educação básica

literatura. In: Atas do VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências

(ENPEC) Belo Horizonte: ABRAPEC, 2009.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 13a ed. Petrópolis, R.J.: Editora

Vozes, 2002.

ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul

Ltda., 1998.

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Anexo 1

Critérios de avaliação das Sequencias didáticas 2015Titulo:Autores:Estrutura e organização

A proposta é original e inovadoraContempla as informações requeridasDescreve o público alvoOs objetivos estão coerentes com a propostaOs objetivos têm foco no aluno A proposta é exequível Contempla referencial teórico apropriado

Conteúdos abordados

Relacionados aos conhecimentos de Zoologia da educação básica - PCNsContempla conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais Aproximação com saberes de referênciaAproximação com saberes comunsCoerência com os objetivosEixos de Alfabetização científica

Aprofundamento didático pedagógico

Adequação ao Público-alvoLevanta conhecimentos prévios e relaciona com os novos conteúdosUso de problematizaçõesPotencial para aprendizagem significativa/motivadorUso de recursos tecnológicos e/ou midiáticosPropicia autonomia do estudante/desafios alcançáveis Avaliação formativaPluralismo metodológico

Recurso didático produzido

Facilidade de uso do material/regras clarasCriatividade e inovação Coerência com os objetivos e público alvoArticulação imagem-textoCoerência no uso de recursos linguísticosAproximação com saberes de referênciaCitação de fontes/ créditos/ escalasAtratividade

Apresentação

Clareza Uso de modos semióticos diferenciadosRespeito ao tempoPotencial de reflexãoIndicação de uso do material/regras clarasDinamismo e criatividadeContextualização para o educadorRespostas às colocações

NOTA FINAL

Comentários gerais

Page 12: A PRODUÇÃO DE SEQUENCIAS DIDÁTICAS COMO ELEMENTO ARTICULADOR DA FORMAÇÃO INICIAL ...200.145.6.217/proceedings_arquivos/ArtigosCongressoEduc... · 2016-05-05 · o que pode ou

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III Congresso Nacional de Formação de Professores (CNFP) e XIII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores (CEPFE)Eixo 01 - Formação inicial de professores de educação básica