a via crítica no patrimônio cultural

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1 A “VIA CRÍTICA” NO PATRIMÔNIO CULTURAL: UMA PERSPECTIVA COMPARATIVA Leonardo Barci Castriota Abstract In recent years, the field of cultural heritage has undergone a decisive change, leaving, in our view, its "dogmatic" phase and approaching a "critical" perspective which perceives heritage as historically and socially determined. With this shift of focus, the different ways in which the field of conservation has been constituted and articulated in different national contexts have become a privileged object of analysis. Designed and implemented in diverse times and circumstances in different countries, the heritage policies work, as a rule, with the dialectic remembering-forgetting: to create a national memory, they focus on certain aspects over others, illuminate certain moments in history, while others remain in the dark. In this framework, this paper will go over the recent discussion in the field of heritage in two different national contexts – Germany and Brazil, showing, in a comparative perspective, how heritage policies have undergone a radical revision in both countries. Keywords: heritage, memory, reconstruction, Germany, Brazil Introdução Nos últimos anos, o campo do patrimônio cultural tem passado por uma mudança decisiva, deixando, a nosso ver, sua fase “dogmática” e acercando-se de uma perspectiva “crítica”, em que o próprio patrimônio é percebido como histórica e socialmente determinado. Com isso, passa-se a adotar uma perspectiva crescentemente reflexiva, não se tomando mais as políticas da área como algo dado, derivadas do reconhecimento de valores objetivos e universais incorporados nos bens culturais, mas, reversamente, como construções sociais, multiplicando-se os trabalhos que examinam as suas condições de possibilidade, o seu enraizamento temporal e social 1 . Ao perscrutar os diversos valores envolvidos em cada escolha patrimonial, a teoria contemporânea em nossa área vem realizando uma “virada copernicana” de moldes Professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Presidente do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Sustentável (IEDS), [email protected] 1 Como anota Andrea Daher: “Ao deixar de ser definido como uma coleção de obras canônicas, ‘patrimônio’, nesta acepção contemporânea, remete à diversidade cultural das práticas sociais. No entanto, essa concepção, por mais que constatável em escala ocidental, não pode responder às indagações sobre as próprias representações que a noção veicula, sobretudo nos discursos voltados para a preservação, nem tampouco das práticas que as ensejaram. Daí a necessidade de uma perspectiva que dê conta da lógica específica de práticas e discursos em torno de ‘patrimônio’, no interior de diferentes regimes de representação em que foram operados, evidenciando o seu caráter tanto imaginário quanto institucional e, assim, os seus diversos sentidos históricos.(Daher, 2010, p. 199-200)

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Texto de Leonardo Barci Castriota no qual o campo de estudo Patrimônio Cultural é examinado de modo criativo.

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Page 1: A Via Crítica No Patrimônio Cultural

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A “VIA CRÍTICA” NO PATRIMÔNIO CULTURAL: UMA PERSPECTIVA COMPARATIVA

Leonardo Barci Castriota

Abstract

In recent years, the field of cultural heritage has undergone a decisive change, leaving, in our view, its "dogmatic" phase and approaching a "critical" perspective which perceives heritage as historically and socially determined. With this shift of focus, the different ways in which the field of conservation has been constituted and articulated in different national contexts have become a privileged object of analysis. Designed and implemented in diverse times and circumstances in different countries, the heritage policies work, as a rule, with the dialectic remembering-forgetting: to create a national memory, they focus on certain aspects over others, illuminate certain moments in history, while others remain in the dark. In this framework, this paper will go over the recent discussion in the field of heritage in two different national contexts – Germany and Brazil, showing, in a comparative perspective, how heritage policies have undergone a radical revision in both countries.

Keywords: heritage, memory, reconstruction, Germany, Brazil

Introdução

Nos últimos anos, o campo do patrimônio cultural tem passado por uma mudança decisiva, deixando, a nosso ver, sua fase “dogmática” e acercando-se de uma perspectiva “crítica”, em que o próprio patrimônio é percebido como histórica e socialmente determinado. Com isso, passa-se a adotar uma perspectiva crescentemente reflexiva, não se tomando mais as políticas da área como algo dado, derivadas do reconhecimento de valores objetivos e universais incorporados nos bens culturais, mas, reversamente, como construções sociais, multiplicando-se os trabalhos que examinam as suas condições de possibilidade, o seu enraizamento temporal e social1.

Ao perscrutar os diversos valores envolvidos em cada escolha patrimonial, a teoria contemporânea em nossa área vem realizando uma “virada copernicana” de moldes

Professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Presidente do Instituto de Estudos do

Desenvolvimento Sustentável (IEDS), [email protected]

1 Como anota Andrea Daher: “Ao deixar de ser definido como uma coleção de obras canônicas, ‘patrimônio’,

nesta acepção contemporânea, remete à diversidade cultural das práticas sociais. No entanto, essa concepção,

por mais que constatável em escala ocidental, não pode responder às indagações sobre as próprias

representações que a noção veicula, sobretudo nos discursos voltados para a preservação, nem tampouco das

práticas que as ensejaram. Daí a necessidade de uma perspectiva que dê conta da lógica específica de práticas

e discursos em torno de ‘patrimônio’, no interior de diferentes regimes de representação em que foram

operados, evidenciando o seu caráter tanto imaginário quanto institucional e, assim, os seus diversos sentidos

históricos.” (Daher, 2010, p. 199-200)

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kantianos: assim como Kant colocou a razão no centro de suas investigações, para que

primeiramente fosse examinado como se processa e se fundamenta o conhecimento, a teoria atual do patrimônio coloca o próprio patrimônio — enquanto campo e atividade social — no centro de suas investigações, examinando primeiramente como se processam e se fundamentam as escolhas que conformam o corpus desse campo. Hoje, mais do que nunca, se percebe que as escolhas (e consequentes omissões) das políticas de patrimônio são decorrentes de um Zeitgeist determinado, e se expressam, via de regra, numa historiografia específica2. Aqui poderíamos dizer, com Dominique Poulot, que a história do patrimônio, como tem sido praticada “há uma geração com êxito incontestável” é “amplamente a história da maneira como uma sociedade constrói seu patrimônio”. (Poulot, 2009, p. 12)

Neste sentido, têm sido objetos privilegiados de análise as maneiras diferenciadas com que se articula e se constitui o campo da conservação nos diversos contextos nacionais. Concebidas e postas em prática em momentos e circunstâncias diversificadas nos diversos países, as políticas do patrimônio trabalham, via de regra, com a dialética lembrar-esquecer: para se criar uma memória nacional, privilegiam-se certos aspectos em detrimento de outros, iluminam-se certos momentos da história, enquanto outros permanecem na obscuridade. Esse processo – marcado por seleção e escolhas sempre discricionárias – parece oferecer um terreno ideal para se perceber o caráter de construção social das memórias nacionais, foco de interesse desses estudos recentes. E aqui cabe notar

que essas análises críticas a que tem sido submetido o campo do patrimônio fazem-se mais factíveis exatamente devido à intensa revisão historiográfica que ele tem sofrido nos últimos anos, quando se tem examinado, em profundidade e por diversos ângulos, a sua gênese social e ideológica nos diversos países.

É natural que essas revisões, esses estudos que examinam como se processam e se fundamentam as escolhas que conformam e mantêm o corpus patrimonial, também

venham a ter ênfases diferenciadas, conforme o contexto nacional. Assim, por exemplo, no caso dos Estados Unidos, têm se multiplicado, nos últimos anos, trabalhos que, principalmente a partir da perspectiva especificamente anglo-saxônica da participação da sociedade civil e abordando as questões da história social e da memória dos lugares, submetem a uma revisão radical as políticas institucionais de patrimônio3. Neste texto vamos passar em revista a discussão recente em dois contextos nacionais diferentes: na Alemanha pós-Unificação e no Brasil das duas últimas de décadas, mostrando como em cada um desses contextos, releem-se as escolhas patrimoniais de forma também distinta.

2 A esse respeito, confira o capítulo “História da arquitetura e preservação do patrimônio: diálogos”, do livro

Patrimônio Cultural, de nossa autoria (Castriota, 2009, p. 65-76)

3 No caso dos Estados Unidos, podemos citar uma série de publicações, entre as quais Lowentahl, 1986;

Boyer, 1994; Hayden, 1995; Frank; Petersen, 2002; Page; Mason, 2004; Murtagh, 2006; Kaufmann, 2009.

Especial ênfase deve ser dada à edição especial do Journal of the Society of Architectural Historians (JSAH),

de setembro de 1999, que teve como tema a relação entre a preservação do patrimônio e a história da

Arquitetura, com diversos artigos abordando o tema.

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1. Alemanha, reunificação e reconstrução

Em primeiro lugar, poderíamos citar aqui o caso da Alemanha, onde, principalmente após a reunificação do país em 1990, tem ficado bastante clara a perspectiva política e ideológica das escolhas patrimoniais, que têm sido tematizadas em diversos trabalhos recentes. O fato é que com a incorporação da antiga República Democrática Alemã, do leste, pela República Federal, aquele país europeu tem se visto às voltas com muitas questões envolvendo seu passado e seu patrimônio, o que tem feito com que se discutam ali com muita ênfase questões centrais da teoria da conservação, entre as quais vai ter grande destaque a questão da reconstrução.

Dentre os inúmeros trabalhos que acompanham como a teoria e a prática no campo do patrimônio têm refletido a – difícil - construção da identidade nacional alemã, destaca-se, a nosso ver, o trabalho de síntese de Michael Falser, Zwischen Identität und Authentizität (Entre Identidade e Autenticidade), fruto de uma tese defendida na Universidade Técnica de

Berlim (Falser, 2008). Preocupado principalmente em ligar os discursos da história da arte e do público em geral, por um lado, com a questão da formação da identidade nacional, por outro, Falser produz uma impressionante história política do patrimônio alemão nos últimos dois séculos, desde o período do Iluminismo e das reformas da Prússia-Renânia, procurando identificar e discutir sempre o contexto das diversas escolhas patrimoniais4.

O seu trabalho vai abordar três eras bastante específicas na trajetória do patrimônio na Alemanha: o Século XIX, o período que vai de 1945 a 1989 e o seu momento presente, por volta do ano 2000. Suas observações sobre a teoria e o discurso são baseadas em seis estudos de caso (Fallbeispiele), sendo que o primeiro deles aborda o desenvolvimento da Prússia entre 1795-1840, tomando especificamente o papel de Friedrich Gilly e Friedrich Karl Schinkel, e os casos conhecidos e polêmicos envolvendo Marienburg e a Catedral de Erfurt. Em segundo lugar, o autor vai ter como foco o caso do Castelo de Heidelberg por volta de 1900, apresentando-se o intenso debate no qual, naquele momento, autores tão diversos como Georg Dehio e Alois Riegl se manifestaram contra uma possível reconstrução das ruínas, controvérsia na qual Falser vê o início da moderna preservação de monumentos na Alemanha. Ao analisar esse caso, o autor ilustra sua tese de que a teoria e prática no campo do patrimônio refletem a construção da identidade nacional, procurando esclarecer, nos processos da formação da nação alemã, estratégias culturais recorrentes que constantemente alteram os fundamentos da preservação do patrimônio.

À luz desse caso, Falser analisa a situação da preservação do patrimônio na região de língua alemã (deutschsprachigen Denkmalpflege), relatando a controvérsia entre o alemão, historiador da arte, Georg Dehio, e o austríaco, historiador da arte e conservador geral dos monumentos, Alois Riegl, na tentativa de esclarecer diferentes pontos de vista na conduta de conservação, tendo em vista as distintas identidades nacionais das duas regiões. Como se sabe, o fim do século XIX foi marcado na Europa por um excessivo nacionalismo, que teve reflexo na 1ª Guerra Mundial, que terminou por dissolver a monarquia de Habsburgo – efetivamente o Império Austro-Húngaro ao fim da 1ª Guerra – e o Reich

alemão. Após 1848 (Pequena Solução Alemã), 1866 (Guerra Austro-prussiana) e 1871 (Unificação Alemã), a “Prússia-Alemanha” e a “Áustria dos Habsburgos” seguiram

4 Aqui cabe se destacar também a obra do historiador norte-americano Rudy Koshar, que já havia tentado

escrever uma história social dos monumentos na Alemanha pelo menos desde o final do século XIX. (Confira

Koshar, 1998; 2000).

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trajetórias fortemente divergentes na formação de seus Estados. O desenvolvimento deste processo foi bastante notável no campo da cultura, da política e da preservação estatal do patrimônio: enquanto no Império Alemão havia desde a unificação, em 1871, o conceito de uma Kulturnation sob a qual estariam agrupados de forma homogênea numa mesma nação língua, cultura e tradições, o governo dos Habsburgos tinha em Viena uma capital multicultural, entendendo-se a nação como a união de diferentes etnias que compartilhavam a mesma história e condição. Assim, na Alemanha, após a unificação de 1871, o comando político propagava a Kulturnation e a consolidação da história alemã, o

que na prática implicou numa separação entre poder e cultura, estando o desenvolvimento desta última relacionado a um processo de “cultivação" e um conflito entre cultura e civilização.

O império Austro-Húngaro, por sua vez, era um Estado multicultural que em 1900 abrangia doze nacionalidades com suas respectivas línguas, tradições, além de três religiões monoteístas combinadas. Com isso, sua característica principal vai ser uma grande diversidade, além de uma ambivalente identidade coletiva. No círculo intelectual de Viena no início do séc. XX vão estar em voga as ideias de uma política cultural e artística, assim como o conceito de uma política social. Nesse ambiente, a preservação do patrimônio também vai ser percebida como um meio de estabilização de uma certa “ideia de Estado”, , quase federalista, e incentivador da arte, que se constituía na virada do século na República do Danúbio. Desde o início, então, a língua vai ser vista, simultaneamente, como um meio potencial de unificação – ou de separação – nacional e um problema na construção de uma identidade na monarquia dos Habsburgos5. A tese de Falser vai ser, então, que a ideia de preservação do patrimônio de Riegl, sobretudo a sua teoria do valor de ancianidade, somente poderia surgir dessa realidade, numa sociedade supranacional onde coexistiam várias línguas, uma sociedade subjetiva e emocional.

O terceiro caso estudado já vai envolver a reconstrução pós-2ª Guerra Mundial, depois de 1945, enfocando-se principalmente os debates sobre a reconstrução em Frankfurt am Main, enquanto o quarto caso já toma a repercussão do Ano Europeu do Patrimônio, em 1975, nos programas nacionais e iniciativas dos grupos comunitários na República Federal, mostrando um certo caráter retrógrado da interpretação da Alemanha Ocidental do pensamento europeu sobre o patrimônio, também expressa no lema "Um futuro para o nosso passado"6. Em quinto lugar, toma-se o caso do desmantelamento e a reconstrução na década de 1980, sob a égide do pós-modernismo, do mercado de Hildesheim. Finalmente o último caso de estudo trata de Berlim após 1990, principalmente as intervenções realizadas no entorno da ilha no rio Spree, e os debates sobre a "eliminação" da história – incômoda – da arquitetura da República Democrática Alemã (RDA), bem como a reconstrução de uma história nacional prussiano-alemã idealizada. Excelentes objetos para discussão, tais como o monumento a Lenin em Berlim Oriental, a Neue Wache, a desmontagem do Palácio da República e o projeto para

reconstrução do castelo real são trazidos à baila, parecendo este caso ser o ponto de convergência do trabalho de Falser. Se realiza um trabalho eminentemente descritivo, sua posição é inequívoca: ele ataca a destruição dos vestígios de uma história frágil e

5 As decisões tomadas quanto à preservação do patrimônio na Ringstraβe de Viena denotam o

caráter centralizador e institucional que o tema assumiu no império. 6 A seu ver, a expansão do conceito de patrimônio a todo tecido social vai ser provocado apenas iniciado a

partir do exterior (história da arte) e de baixo para cima (iniciativas de cidadãos).

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controversa, que vem sido, a seu ver, provocada pelas elites políticas e empresariais no intuito de criar um espaço mítico purificado.

A tese principal do trabalho de Falser é que "o discurso da teoria e prática da preservação histórica” vão ser “um reflexo da construção político-cultural da identidade nacional" (Falser, 2008, p. 59). Assim, a história da construção da nação alemã – cheia de crises, de rupturas profundos e inúmeras revoluções fracassadas desde o final do Século XVIII – teria se refletido nos debates recorrentes sobre o patrimônio nacional e principalmente sobre a questão da reconstrução de objetos transmitidos pela tradição: "O tema da reconstrução permanece até hoje”, escreve, “o reverso material do ‘caminho especial’ mental do processo de construção da nação alemã, com a sua construção contínua da identidade sempre dúvida e auto imposta."(p. 68). Para ele, não seria fortuito, portanto, que esse debate – que juntamente com a questão da autenticidade constitui um dos desafios centrais da conservação do patrimônio – ocupe uma posição central na Alemanha e que sempre reapareça no horizonte7.

2. Brasil: redesenhando o “mapa do passado”

No caso brasileiro, cabe se destacar a contribuição decisiva de diversos trabalhos que, desde o final dos anos 1980, têm realizado a “desnaturalização” das escolhas que vinham compondo o corpus patrimonial, mostrando como as

políticas de preservação em nosso país, principalmente aquelas em nível federal, são responsáveis pela criação de um “mapa do Brasil passado” muito específico8. Aqui cabe chamar a atenção para a contribuição da Antropologia, que, nos últimos anos, vai ser decisiva na abertura dessa “via crítica” em nosso país, situando histórica e culturalmente o discurso que se produzia na área. Se os antropólogos já vinham participando secundariamente de um campo dominado por arquitetos e historiadores 9, o patrimônio vai se tornar objeto de

7 Um trabalho interessante sobre a questão da reconstrução na Alemanha é o artigo “Wiederaufbau: a

Alemanha e o sentido da reconstrução”, de Luiz Antonio Lopes de Souza, publicado no ARQUITEXTOS em

duas partes (Souza, 2009a; 2009b).

8 Dentre os diversos trabalhos recentes nessa linha, cabem se citar Gonçalves, 1995; Rubino, 1996; Santos,

1996; Fonseca, 1997; Castriota, 1999; Guimarãens, 2004; Gonçalves, 2007; Lima Filho; Eckert; Beltrão,

2007; Chuva, 2009.

9 Manuel Ferreira Lima Filho e Regina Maria do Rego Monteiro de Abreu mostram que a atuação dos

antropólogos no campo do Patrimônio não é nova, especialmente se incluirmos no campo do Patrimônio os

museus. Em seu importante artigo, lembram-nos que a Antropologia “nasceu nos museus”, sendo “marcada pela ideia de preservação desde o início, quando os primeiros pesquisadores da disciplina coletavam objetos e

documentos em suas pesquisas de campo e depois os armazenavam nos laboratórios de pesquisa. Se

internacionalmente podemos nos lembrar de Franz Boas, Georges Henri Rivière (Museu de Artes e Tradições

Populares de Paris), Paul Rivet (Museu do Homem) e mesmo Claude Lévi-Strauss (colaborador do Museu do

Homem e do Projeto de fundação da UNESCO), no Brasil não há como se esquecer das figuras emblemáticas

de Édison Carneiro (Museu Nacional), Darcy Ribeiro (fundador do Museu do Índio) e Luiz de Castro Faria

(Museu Nacional). Já no que tange a atuação junto às instituições de patrimônio propriamente ditas, a atuação

dos antropólogos “se fez sentir desde o início, mas sempre de forma esporádica”, destacando-se a atuação no

Conselho do Patrimônio do IPHAN de Gilberto Velho e, mais recentemente, de Roque de Barros Laraia.

(Lima Filho, Manuel Ferreira; Abreu, Regina Maria do Rego Monteiro de. A antropologia e o patrimônio

cultural no Brasil. In: Associação Brasileira de Antropologia, 2007, p. 21-22.)

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reflexão sistemática dos antropólogos apenas nas últimas décadas, especialmente quando alguns pesquisadores incluíram o tema em suas teses de doutorado. Aqui cabe se citar os pioneiros Antônio Augusto Arantes Neto 10, que em 1978, defendeu a tese Sociological aspects of folhetos literature in Northeast Brazil, orientada por Edmund Leach na Universidade de Cambridge / King´s College, Inglaterra, e que mais tarde publica o livro Produzindo o passado (1984), e José Reginaldo Gonçalves, com a tese Rediscoveries of Brazil: Nation and Cultural Heritage as Narratives , orientada por Richard Handler e defendida na Universidade da Virginia (EUA) em 1984 e também transformada no livro A Retórica da Perda – os discursos do patrimônio cultural no Brasil em 199611.

Essa trilha fecunda aberta pelos dois antropólogos, vai ter sequência no início dos anos 1990, quando dois importantes trabalhos acadêmicos seguem na mesma linha, tratando de circunstanciar as políticas de preservação no país, colocando sob escrutínio suas escolhas e a constituição de seu discurso 12. E falar em políticas de patrimônio no Brasil é falar do Serviço do Patr imônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), que não foi um mero órgão burocrático, mas, como apontam à exaustão trabalhos recentes, formulou um ideário e implementou as ações de preservação em nosso país, desde sua fundação na década de 1930. Em As fachadas da história: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937 -1968,

dissertação defendida na UNICAMP em 1991, sob a orientação de Antônio Augusto Arantes, Silvana Rubino realiza um minucioso tra balho de desmistificação da ação desse órgão, investigando criticamente a sua utilização de conceitos ligados à memória, patrimônio histórico, cultural e artístico, mostrando as motivações políticas das diversas escolhas. O corpus com que trabalha emana dos primeiros anos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), a partir do qual a antropóloga recompõe o contexto do nacionalismo e da forte presença do Estado nos anos 1930, que configuravam o campo cultural aquando da emergência da política cultural no Brasil. Através da análise de personagens como Lucio Costa, Mário de

10 Antônio Augusto Arantes vai ter uma trajetória que combina pesquisa acadêmica e militância junto aos

órgãos de preservação. Do ponto de vista universitário cabe se destacar sua carreira docente de quatro

décadas em duas universidades paulistas – a USP e a Unicamp, que ajudou a criar em 1970. Nos anos de

1980, com o processo de redemocratização, participou da intensa discussão sobre a conceituação do

patrimônio, assumindo em 1983 a Presidência do CONDEPHAAT em São Paulo. Também esteve à frente do

IPHAN, de 2004 a 2006, como seu presidente, tendo implementado o Departamento de Patrimônio Imaterial

e o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial deste órgão. Dentre a sua produção acadêmica sobre o

patrimônio, cabe se citar o livro pioneiro Produzindo o passado, publicado em 1984.

11 Segundo Manuel Ferreira Lima Filho e Regina Maria do Rego Monteiro de Abreu, esses dois trabalhos

“podem ser considerados marcos de uma reflexão antropológica sobre o patrimônio no Brasil. Um tema antes

tratado por arquitetos e historiadores passava a ser focalizado sob o viés da Antropologia. A tônica destes

trabalhos consistiu em apresentar uma visão desnaturalizada de um campo eivado por ideologias e por

paixões sobretudo de cunho nacionalista. Arantes e Gonçalves esforçaram-se por propor uma outra leitura de

construções discursivas particularmente eficazes na fabricação de uma memória e de uma identidade

nacionais”. (Lima Filho e Abreu, A antropologia e o patrimônio cultural no Brasil. In: Associação Brasileira

de Antropologia, 2007, p. 21-22.)

12 Aqui se costuma citar também a tese de doutorado de Antônio Luiz Dias de Andrade, Um Estado completo

que pode jamais ter existido, defendida junto à FAU/USP, em 1993.

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Andrade, Gilberto Freyre, Gustavo Capanema, Manuel Bandeira e Rodrigo Mello Franco de Andrade, Rubino recupera conexões entre campos profissionais/intelectuais da antropologia, arquitetura e literatura, que marcaram a chamada “fase heroica” daquele órgão 13.

Já a tese de doutorado de Mariza Veloso Motta Santos, O tecido do tempo: a ideia de patrimônio cultural no Brasil, 1920-1970, defendida na UnB, em 1992, num movimento paralelo, analisa o surgimento da ideia de patrimônio e das práticas sociais consolidadas a partir dessa ideia, naquele período, evidenciando a presença ativa de um grupo modernista, principal articulador da trama discursiva construída em torno das ideias de patrimônio e nação. A questão do patrimônio é tratada ali como uma ideia -força que ordena e estrutura uma matriz discursiva voltada ao passado e que engloba concepções sobre a história, o tempo, a estética, a memória, o espaço público e, primordialmente, sobre a nação brasileira. A autora mostra como esse grupo modernista que institucionaliza, em 1937, o SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), vai articular uma estratégia baseada numa peculiar teoria da temporalidade: ao mesmo tempo em que “redescobre” o barroco - que vê como a origem da cultura brasileira, inventa um futuro para a nação que se acreditava nascente14. O trabalho centra sua análise em torno da atuação de dois personagens carismáticos e exemplares do grupo: R odrigo Melo Franco de Andrade e Mário de Andrade, e analisa, por fim, a criação a “Academia SPHAN” e o exercício de sua prática institucional por meio de documentos sobre rotinas e procedimentos adotados naquele período 15.

Em meados dos anos 1990, duas publicações dão a conhecer a um público mais amplo essa nova perspectiva de análise, que começa a impregnar os trabalhos acadêmicos sobre o patrimônio em nosso país. Assim, em 1996, mesmo ano da publicação do Volume 24 da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional , que traz diversos artigos nessa linha, José Reginaldo Santos Gonçalves publica como livro o interessante estudo A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil 16, versão de sua tese já

13 A pesquisa recompõe o contexto do nacionalismo e da forte presença do Estado nos anos 30, e o campo

cultural da emergência da política cultural no Brasil, em quatro perspectivas: (1) a proto-história, ou todo o

trabalho pró-preservação anterior ao SPHAN; (2) a criação do SPHAN em 1937; (3) a prática do SPHAN

através da análise do acervo preservado; (4) o legado intelectual e acadêmico da experiência do SPHAN.

14 A esse respeito, confira Castriota, 1999, artigo publicado posteriormente em versão alterada como o

capítulo “Nas encruzilhadas do desenvolvimento: a trajetória da preservação do patrimônio em Ouro Preto

(MD)”, em Castriota, 2009, p. 131-152.

15 Em 1996, essas mesmas autoras vão contribuir para o volume 24 da Revista do Serviço do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional, com os artigos “O mapa do Brasil passado” (Rubino, 1996, p. 97-105) e

“Nasce a Academia SPHAN” (Santos, 1996, p. 77-95), em que de certa forma retomam os temas de suas

respectivas teses.

16 A ideia de perda, que perpassa o livro, está, como mostra o autor, sempre presente na “criação” dos

patrimônios nacionais, como explicitado pelo autor: “A História aparece como “um processo inexorável de

destruição, em que valores, instituições e objetos associados a uma “cultura”, “tradição”, “identidade” ou

“memória” nacional tendem a se perder.(...) O efeito dessa visão é desenhar um enquadramento mítico para o

processo histórico, que é equacionado, de modo absoluto, à destruição e homogeneização do passado e das

culturas.” (Gonçalves, 1995, p. 22)

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citada, no qual avalia a estratégia de narração da identidade nacional, nos conduzindo a questões cruciais apontadas por Otávio Velho, as analogias entre alegoria, ruína e patrimônio; o barroco como "signo totêmico" da identidade nacional brasileira; as associações entre os discursos a partir de patrimônio e os discursos modernistas; o papel dos intelectuais na produção de valores supostamente em declínio, entre outros. Gonçalves também vai analisar as duas figuras centrais na formulação de políticas do patrimônio no Brasil: Rodrigo Mello Franco de Andrade – um dos idealizadores e primeiro diretor do SPHAN, que inspirou sua política de 1937 a 1979 – e Aloísio Magalhães – que esteve à frente do SPHAN/Pró-Memória por um curto período, de 1979 a 1983, mas que foi decisivo para sua transformação. Segundo o autor, no discurso de cada um deles, o Brasil seria “objetificado de certo modo e segundo determinados propósitos”. A partir dessa premissa, ele explora “contrasticamente (sic) as estratégias através das quais esses intelectuais, por meio de narrativas diversas, inventam o patrimônio cultural, a nação brasileira e a eles próprios, enquanto guardiões desse patrimônio.” (Gonçalvez, 1995, p. 33)

Gonçalez mostra como a questão da identidade nacional vinha sendo pensada desde os últimos anos do império e desde a instauração do regime republicano, em 1889, centrando-se, no entanto, as discussões sobre esse tema, naquele período, na ideia de “raça”. Ao longo da segunda e terceira décadas do século XX, o foco vai mudar substancialmente e o problema passa a ser discutido, não mais em termos raciais, mas culturais, como uma busca da “brasilidade”, de uma “essência”, “alma” ou simplesmente “identidade” da nação brasileira.” (p. 41). Para Rodrigo Mello Franco de Andrade, o patrimônio deveria ser pensado como parte de um patrimônio universal, mas ao mesmo tempo, ele situaria as origens da cultura brasileira na “tradição” singular produzida pelas contribuições da populações indígenas, africanas e europeias no Brasil.(...) uma síntese de valores “primitivos” e “exóticos”.” (Gonçalvez, 1995, p. 44-45) Essa visão, que se torna hegemônica no SPHAN, postula que uma “tradição” brasileira veio a ser criada e estabelecida com base nesse processo de combinação cultural, não sendo enfatizadas em sua narrativa as “diferenças entre essas heranças”, ganhando o primeiro plano “um quadro unificado e singular da identidade cultural brasileira.” Com isso, o autor pode concluir que seria possível dizer que “em certo sentido, Rodrigo, durante determinado período, modela o patrimônio cultural brasileiro, ao mesmo tempo que o patrimônio o modela, enquanto persona pública.” (Gonçalvez, 1995, p. 47)

Já Aloísio Magalhães, que assume a direção do SPHAN nos anos 1970, anos finais do regime político autoritário que vigorava no Brasil desde o golpe militar de 1964, dá início a uma nova política para o patrimônio cultural brasileiro, substituindo o “patrimônio histórico e artístico” de Rodrigo pela noção de “bens culturais”. Segundo Rodrigues, quando usa a noção de “cultur a brasileira”, Magalhães “enfatiza mais o presente do que o passado” e, principalmente “a diversidade cultural no contexto da sociedade brasileira”, embora continuasse acreditando que, além dessa diversidade, existiria uma cultura brasileira “integrada, contínua e regular.” (Gonçalvez, 1995, p. 52)

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Pensando num projeto de desenvolvimento nacional, o propósito de Aloísio Magalhães seria “identificar e preservar o caráter nacional brasileiro de forma que o processo de desenvolvimento econômico e tecnológico possa prosseguir sem que isso represente uma perda de autonomia cultural frente aos países do primeiro mundo.” Assim, os bens culturais seriam pensados “não como objetos fixos, exemplares, mas no processo mesmo de criação e recriação que lhes dá realidade.” (Gonçalvez, 1995, p. 55)17

É interessante percebermos, com o autor, que Rodrigo e Aloísio usam diferentes “estratégias de autenticação”: enquanto Rodrigo autentica sua posição “opondo-a a um discurso não científico, não profissional sobre a cultura brasileira.” (Gonçalvez, 1995, p.61), Aloísio “autentica sua própria posição desafiando a de Rodrigo”, sendo sua estratégia “a de narrar a cultura nacional brasileira, não necessariamente de um ponto de vista distante e impessoal, mas, aproximadamente, valorizando o que (...) chamamos de “ponto de vista narrativo”. Apesar dessa distinção, as narrativas dessas duas figuras emblemáticas do patrimônio se aproximariam no fato de que “em ambas as narrativas a nação é objetificada como uma “busca” pela identidade. (p.62) Essas narrativas se diferenciariam, de novo, no propósito que viam na apropriação necessária da cultura e do patrimônio nacional: enquanto para Rodrigo o propósito de apropriação seria o de “defender uma “tradição” para “civilizar”, para Aloísio era necessário “preservar a “heterogeneidade cultural” para garantir o “desenvolvimento”.” (Gonçalvez, 1995, p.63 -64)18

A Retórica da Perda segue mostrando como esses diferentes “discursos” se refletem e moldam as práticas do patrimônio cultural no Brasil, em dois períodos distintos: o que vai de 1937 a 1979, onde predominam as ideias de Rodrigo e o período posterior, quando se nota a influência de Aloísio Magalhães. Assim, no período inicial, numa política que o autor denomina de “em busca do tempo perdido”, o SPHAN praticaria uma defesa dos monumentos “como signos visuais de uma condição civilizada” (Gonçalvez, 1995, p.65), utilizando-se para isso do instrumento do tombamento (o correspondente ao termo registration, em inglês, e ao termo classement, em francês), também criado em 1937, e cujo procedimento é resenhado pelo autor. Aqui Gonçalves analisa, como vão fazer vários autores, os tombamentos da “primeira leva”, especialmente o tombamento de Ouro Preto e a defesa da arquitetura colonial a ela subjacente. Segundo ele, “Rodrigo justificou essa concentração argumentando que, no século XVIII, mais que em qualquer outra região do país, um número superior de monumentos e obras de arte “com

17 José Reginaldo Santos Gonçalves chama a atenção também para a aproximação da ideias de Magalhães

com aquelas do projeto original de Mário de Andrade, de 1936, que segundo Aloísio não teraim sido seguidas

pela instituição até então. O Projeto de Mário de Andrade é bastante abrangente, englobando as “diferentes

formas de ‘cultura popular’”; a “autêntica” identidade nacional (cultura popular); uma “visão pluralista e, de

certo modo, “antropológica” do brasil”, continuando o patrimônio a ser pensado também como uma “causa”

(Gonçalves, 1995, p. 56)

18 Num outro trecho, o autor enuncia: “A estratégia de apropriação da cultura nacional pressuposta no

discurso de Aloísio trazia como consequência uma representação da nação brasileira como uma totalidade

cultural diversificada e em permanente processo de transformação.” (Gonçalves, 1995, p.81)

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feição mais expressiva” foi produzido em Minas Gerais ([1969] 1987:73). ” (Gonçalvez, 1995, p.71) Nesses tombamentos, realizados sob a ótica inicial dominante no SPHAN, predominaria o “ponto de vista estético”, sendo que a religião, especialmente o catolicismo, desempenharia um “papel crucial na narrativa de Rodrigo”.

Identificando-se mais com a visão de Aloísio Magalhães, o autor ressalta a aproximação deste com as posições de Mario de Andrade: “Para Aloísio, a noção de “patrimônio cultural” concebida por Mário (de Andrade) estava muito próxima de uma concepção democrática e pluralista do que a veio a inspirar a política implementada por Rodrigo.” (p.73) O foco das políticas do SPHAN continuaria no passado, mas “um passado concebido como um instrumento, uma referência a ser usada no processo de desenvolvimento econômico e cultural”, onde os ”bens culturais”, “considerados como parte integrante da vida cotidiana de distintos seguimentos da sociedade brasileira”, desempenhariam um papel central (p. 76) A partir dessa visão, vai ser peça central a criação do CNRC (Centro Nacional de Referência Cultural) que vai ter o objetivo de “estudar e propor uma política alternativa de patrimônio cultural”, a fim de “traçar um sistema referencial básico para a descrição e análise da dinâmica cultural brasileira, tal como é caracterizada n a prática das diversas artes, ciências e tecnologias (Magalhães [1979] 1985:130). ” (Gonçalvez, 1995, p.77)

Cabe observar, por fim, que, em sua pesquisa, José Reginaldo Santos Gonçalves adota, como apontam Manuel Ferreira Lima Filho e Regina Maria do Rego Monteiro de Abreu, a noção de “colecionismo” de Clifford, identificando que os bens considerados dignos de preservação deveriam formar, nas construções discursivas estudadas (de Rodrigo Mello Franco de Andrade e de Aloísio Magalhães), uma espécie de mosaico “autenticamente” nacional:

Gonçalves, utilizando-se de estratégia etnográfica e tomando os discursos de Rodrigo Mello Franco de Andrade e de Aloísio Magalhães como os de informantes selecionados numa pesquisa de campo, produz a relativização desta categoria fundante das modernas ideologias ocidentais. O tema do patrimônio emerge, assim, como um lugar de construção de valores – e, como tal, extremamente plástico e variável. O bem cultural “autêntico” como representação metafórica da totalidade naciona l é desnaturalizado, e a sua face ideológica e ficcional descortinada. (Lima Filho e Abreu, A antropologia e o patrimônio cultural no Brasil. In: Associação Brasileira de Antropologia, 2007, p. 21-22.)

Na mesma linha, Maria Cecília Londres Fonseca publica em 1997 O Patrimônio em Processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil , que tinha sido apresentado inicialmente como tese de doutorado em Sociologia da Cultura na UNB, no qual traça a trajetória da política federal de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional até os anos 1980. Como no trabalho de Gonçalves, o foco de análise não se concentra apenas na chamada “fase heroica”, estendendo-se para as décadas posteriores. Assim, ao focalizar dois momentos fundamentais nas polít icas de patrimônio – a chamada “fase

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heroica” e a “fase moderna”, a partir dos anos 1970, a autora, que é funcionária do IPHAN, vai centrar sua discussão nas práticas institucionais adotadas no processo de construção desse patrimônio e como ao longo desse período os diversos grupos de intelectuais envolvidos nesse trabalho, nas palavras de Janete Tanno, “influenciados pelas mudanças sociais, políticas e culturais e pelas novas tendências internacionais sobre o tema”, vão contribuir para alargar a noção de patrimônio em nosso país, propondo “mudanças significativas no sentido da democratização desses bens, não somente pelo envolvimento da sociedade civil no processo, como na discussão do significado econômico e político da preservação”. (Tanno, 2006, p.233)

Cecília Londres adota, então, uma perspectiva “primordialmente histórica”, tomando como “objeto de pesquisa o processo de construção do patrimônio histórico e artístico no Brasil, considerado enquanto uma prática social produtiva, criadora de valor em diferentes direções” (Fonseca, 1997, p. 19-20). Tomando o viés institucional, a autora mostra que, num primeiro momento, o instrumento de legitimação das escolhas – que recaía, via de regra, sobre a herança luso-brasileira, restringindo-se, principalmente, às expressões culturais e arquitetônicas das elites econômicas e religiosas 19 – era a autoridade dos técnicos do SPHAN, “revestidos da aura intelectual que cercava o grupo de modernistas que fazia parte da instituição”. Analisando as condições de atuação do órgão, a autora chama a atenção para como o grupo de intelectuais desenvolvia suas atividades com grande autonomia no interior do Ministério da Educação e Saúde, a despeito de atuar em plena ditadura do Estado Novo. Ao tomar a segunda etapa de sua periodização, no entanto, nota-se como esse quadro irá se alterar, com o novo contexto político, social e cultural do país. Por meio da análise dos processos de tombamento abertos entre 1970 e 1990, Fonseca mostra, então, as modificações na política de proteção a o patrimônio histórico, a conceituação deste e a busca de novos instrumentos de proteção no contexto sociopolítico que se instaurou no País, sobretudo a partir da década de 1980. Ao tomar as novas formulações do SPHAN, pós -Rodrigo Mello Franco, Fonseca aponta para a ampliação da participação da sociedade organizada na definição do que deveria ser preservado como patrimônio cultural, mostrando principalmente o aumento da participação de diversos grupos sociais, e não somente dos técnicos ou das elites, e o direito de acesso aos bens culturais 20.

19 Nessa primeira fase de trabalho do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), os

tombamentos privilegiaram, em especial, igrejas e prédios do período colonial, prevalecendo uma apreciação

de caráter estético, sendo que o valor histórico era pouco considerado. A esse respeito, confira a crítica de

Tanno, 2006, p. 233-234.

20 É interessante anotarmos aqui que na reedição de 2005, a autora aprofunda o tema da democratização da

política de preservação, mostrando como essa pode ser observada tanto no alargamento da noção de

patrimônio, quanto na introdução do instrumento do registro cultural, que já se mostra abrangente pelos

próprios títulos dos livros de registro, estabelecidos pelo decreto-lei nº 3.551, de 4 de agosto de 2000 1) Livro

de registro dos saberes; 2) Livro de registro das Celebrações; 3) Livro de registro das formas de expressão; 4)

livro de registro dos lugares.

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Ainda nessa perspectiva, cabe chamar a atenção para o trabalho de Márcia Regina Romeiro Chuva,que em 1998 defende sua tese de doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense com o título Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil – anos 30 e 40, que vai se transformar em livro em 2009, quando é publicado pela Editora UFRJ com o título Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Neste trabalho, a autora, prosseguindo a mesma linha das pesquisas anteriormente citadas, vai mostrar como o patrimônio vai ser histórica e temporalmente determinado, o que fica mais claro na própria escolha do subtítulo do trabalho. Ao falar de uma “sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil”, Chuva recusa qualquer naturalização desse conceito, concentrando-se na definição do "serviço" do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: o "patrimônio", nesta perspectiva, não vai ser algo dado, mas muito mais uma arena em que práticas e representações, correspondentes aos mais variados programas políticos estatais, se encontram em disputa.

Para mostrar as lutas de representação, em divers os âmbitos, que marcaram a história do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Chuva utiliza-se da sua proximidade com o Arquivo Central do IPHAN, gerando uma obra de notável riqueza documental, que consegue delinear com precisão como se deu a “construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil” naquele período, com a invenção de seus objetos e a escolha de seus métodos de trabalho. Ao se concentrar no período 1930 -1940, a autora mostra como “a implementação de ações de proteção do patrimônio nacional foi estratégica para a ampliação das redes territoriais na formação do Estado e para a construção de sentimentos de pertencimento a uma comunidade nacional imaginada, na medida em que essas ações geraram uma territorialização particular da nação, garantindo a permanência, no tempo e no espaço, de objetos monumentalizado” (Abreu, 2010) Mais uma vez aqui, deparamo-nos com um trabalho que “desnaturaliza” as escolhas patrimoniais, mostrando como os “arquitetos da memória” inventaram os “quadros da memória nacional”, cuja referência primordial das origens da nacionalidade foi associada estreitamente a imagens das Minas Gerais do século XVIII. Márcia Chuva resume essa ideia

Esse patrimônio mineiro foi de tal forma reproduzido em revistas, jornais, mapas, folhetos, etc. que, multiplicando-se infinitamente, tornou-se ícone máximo de “brasilidade‟ na escala de valores que se impôs. O Sphan esteve, sem dúvida, aderido ao projeto de nacionalização implementado pelo Estado Novo, ao unificar uma escala hierárquica de valores patrimoniais a partir de um padrão de arte e arquitetura determinado pela produção mineira colonial. (Chuva, 2009, p. 63)

Se esses trabalhos citados se voltam, em primeira linha, para as escolhas que determinam o corpus patrimonial, identificando sua gênese e pano de fundo institucional, outro trabalho recente aborda criticamente outra faceta das políticas de patrimônio: a restauração. Trata-se do livro Restauração

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arquitetônica. A experiência do SPHAN em São Paulo, 1937-1975, de Cristiane

Souza Gonçalves, fruto de sua dissertação de mestrado defendida na FAU -USP (Gonçalves, 2007). Se as escolhas efetuadas pelos técnicos do SPHAN nos permitem traçar o “mapa do Brasil passado” que aquele órgão queria deixar em herança para as gerações futuras, também a maneira de intervir sobre aqueles bens, as restaurações pensadas e efetivamente executas naquele período vão ser igualmente significativas da forma de se gerir o patrimônio 21.

Assim, Cristiane Gonçalves se debruça sobre esse primeiro momento de ação institucional (1939-1975), tomando principalmente a atuação de Luís Saia, a frente da Superintendência Regional do IPHAN em São Paulo, e vai mostrar como ele pensava o restauro, a luz de exemplos concretos, entre os quais o restauro da antiga Câmara e Cadeia de Atibaia. Neste caso, mas também nos outros exemplos estudados – igreja de São Miguel Paulista, casa-sede e capela do Sítio Santo Antônio e Fazenda Pau D’Alho – a autora mostra como muito mais que aderir às normas que internacionalmente vinham sendo implementadas no campo do patrimônio naquele momento, tinha -se a tendência de se classificar os monumentos, enquadrando -os em modelos estilísticos previamente determinados, como fazia Viollet -le-Duc, o que levava a que se buscasse o princípio da “unidade estilística”22, apagando-se as marcas e as modificações deixadas pelo tempo. Além disso, mostra -se que não se atendia também minimamente a outros princípios como a da “distinguibilidade”: Se desde as primeiras restaurações já se procurava diferenciar a intervenção recente da matéria original (principalmente através do uso do concreto nos reforços estruturais ou reconstrução de partes ruídas), isto acabava prejudicado pela uniformização no tratamento das fachadas, que, em busca da unidade do conjunto, mascarava as técnicas recentes (Gonçalves, 2007, p.196).

Conclusões

Como pudemos ver, salta aos olhos, nos dois casos estudados, como nos últimos anos tem se submetido, de fato, a uma análise crítica as escolhas que conformaram o corpus patrimonial desses dois países, bem como a maneira de se intervir sobre ele. No caso da Alemanha, vimos, tomando principalmente o trabalho de Michael Falser, como a teoria e prática no campo do patrimônio refletem efetivamente a – problemática – construção da identidade nacional, âmbito no qual ganha especial destaque a questão da reconstrução, tão combatida pela teoria internacional da conservação e tão prezada pelos alemães. No caso brasileiro, pudemos acompanhar a intensa reflexão crítica, que, desde o final dos anos 1980, tem empreendido uma “desnaturalização” das

21 A respeito do livro de Cristiane Gonçalves, confira a interessante resenha de Claudia dos Reis e Cunha

(Cunha, 2007).

22 A unidade estilística, como coloca a autora, é uma “ideia [que] atravessa os trabalhos apresentados com tal

vigor que é quase impossível não observá-la nos resultados obtidos, sendo inevitável associá-la aos

propósitos finais das restaurações, bem como aos processos que levaram até as soluções alcançadas, nos

quatro casos analisados...” (Gonçalves, 2007, p. 186).

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escolhas que vinham compondo o nosso corpus patrimonial, e que eram

responsáveis, como vimos, pela criação de um “mapa do Brasil passado” muito específico.

Para finalizar, cabe ainda observar que essa perspectiva tem se espalhado com muita intensidade em nosso país, principalmente pelo rebatimento que tem tido no campo da academia: são inúmeros hoje os trabalhos que têm se produzido nos diversos programas de pós -graduação que se voltam para o próprio patrimônio como objeto de estudo, analisando as maneiras pelas quais esse campo tem se articulado ao longo dos anos nas diversas esferas de governo – federal, estadual e municipal. Com isso, avança crescentemente a nossa compreensão do patrimônio como uma construção social, e as inúmeras consequências que advêm dessa compreensão 23.

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23 Para ficarmos apenas no âmbito de nosso grupo de pesquisa, “Conservação e reabilitação urbana e

arquitetônica” / CNPq, podemos citar os trabalhos, sob nossa orientação ou coorientação, de Daniela Lorena

Fagundes de Castro, Maria Eugênia da Mata, Paulo Henrique Alonso, Letícia Mourão Cerqueira, Guilherme

Maciel Araújo, André de Souza Miranda, Ana Aparecida Barbosa, Laura Lage, entre outros, que em suas

dissertações de Mestrado acompanharam as trajetórias da preservação do Norte do Minas e Vale do

Jequitinhonha, Congonhas, Tiradentes e Diamantina, Conjunto IAPI e Praça da Estação em Belo Horizonte,

Serro, Serra da Piedade e Museu do Ouro, em Sabará, entre outros. (Confira Castro, 2004; Cerqueira, 2006;

Miranda, 2007; Barbosa, 2007; Araújo, 2009; Alonso, 2010.)

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