alphonse bouvier - magnetismo curativo - vol. 2
DESCRIPTION
Classicos espiritismoTRANSCRIPT
-
www.autoresespiritasclassicos.com
Alphonse Bouvier (Alphonse Bu)
Magnetismo Curativo
Volume 2
Psicofisiologia
Magnetismo e Hipnotismo Sonambulismo Fascinao
Sugesto mental Clarividncia Catalepsia e Letargia
Lei Fenomnica da Vida Sade Molstia Remdio
www.autoresespiritasclassicos.com
-
Contedo resumido
Alphonse Bouvier foi um dos importantes pesquisadores dos
fenmenos psquicos nos fins do sculo XIX e incio do sculo
XX. Foi fundador e presidente da Sociedade de Estudos Psqui-
cos de Lyon e, ainda, diretor da revista La Paix Universelle,
dedicada ao magnetismo curativo e ao espiritualismo experimen-
tal.
A presente obra o resultado de duas dcadas de estudos ali-
ados experincia prtica adquirida pelo autor no tratamento de
seus pacientes.
Magnetismo Curativo compe-se de dois volumes:
Volume 1: Manual Tcnico dedicado aplicao prtica
do magnetismo na cura de molstias diversas;
Volume 2: Psicofisiologia onde so expostas as explica-
es tericas sobre o magnetismo e os fenmenos relacio-
nados.
Esta obra , conforme as prprias palavras de Bouvier, um
manual terico e prtico recomendado a todos os homens de boa
vontade, desejosos de, por si mesmos, aliviarem os sofrimentos
dos seus semelhantes.
O autor recomenda a leitura da obra especialmente aos pais e
mes de famlia, que, atravs de processos simples e sem ne-
nhuma medicao, tero um forte aliado para promover o desen-
volvimento normal e saudvel de seus filhos.
-
Sumrio
Prefcio ............................................................................................ 4
Magnetismo Curativo Psicofisiologia
PRIMEIRA PARTE Exposio dos Fenmenos ......................... 8
I Hipnotismo e Magnetismo ................................................... 8
II Das diferenas existentes entre o Magnetismo e o
Hipnotismo ......................................................................... 16
III Explicao fisiolgica dos fenmenos ............................... 25
IV Estudo comparado, sob o ponto de vista curativo, dos
efeitos hipnticos e magnticos .......................................... 36
V Das causas ........................................................................... 56
VI Do Sonambulismo .............................................................. 80
VII Da Clarividncia sob o ponto de vista teraputico ............. 94
VIII Das causas que atrasaram o conhecimento e propagao
das virtudes curativas do Magnetismo ............................. 109
IX O exerccio do Magnetismo sob o ponto de vista legal ... 119
X Da prtica do Magnetismo sob o ponto de vista da
conscincia ........................................................................ 157
SEGUNDA PARTE Lei dos Fenmenos .................................. 166
I O estudo do Magnetismo conduz em teraputica a uma
sntese ................................................................................ 166
II S h uma Vida ................................................................. 174
III S h uma Sade ............................................................... 193
IV S h uma Molstia .......................................................... 208
V S h um Remdio ............................................................ 220
VI O Magnetismo o verdadeiro agente da transfuso da
vida .................................................................................... 247
VII O Magnetismo e a evoluo neo-espiritualista ................ 267
-
Prefcio
Existe na Natureza uma lei de equilbrio baseada na analogia
dos contrrios.
Esta lei revela-nos a existncia de um s princpio, fora mo-
tora original, que, andrgina por essncia, atrai e repele, coagula
e dissolve, engendra e destri, e marcha incessante para limita-
es sempre novas, movimenta eternamente o Universo entre
dois impulsos contrrios que se equilibram.
De um extremo a outro do mundo, misteriosa cadeia de sim-
pticas afinidades prende todos os corpos entre si por alternn-
cias de correntes centrpetas e centrfugas, cujo funcionamento
contnuo, baseado na dupla resistncia de limitaes graduadas,
condensa e dispersa, produz equilbrios e rompe-os, agrupa ou
desassocia as molculas, e d lugar a esses mltiplos estados de
condensao e disperso que caracterizam os slidos, os lquidos
e os gases.
A fora primordial, geradora das formas, revela-se aos nossos
sentidos por meio de quatro manifestaes distintas: eletricidade,
calor, luz e magnetismo; porm a vida reside antes de tudo na
tenso equilibrada das correntes; possuindo os corpos a facul-
dade de absorver e organizar as foras livres em proveito pr-
prio, fixam na direo do seu centro as foras atrativas centrpe-
tas e irradiam para a sua superfcie as foras propulsoras centr-
fugas, constituindo deste modo uma atmosfera radiante proteto-
ra, e identificando-se por esta dupla polaridade individual a
corrente bipolar universal.
Minerais, vegetais e animais possuem estados de condensa-
es apropriadas, que lhes permitem exercer influncias radian-
tes especiais; os astros influenciam a Terra, a Terra influencia os
corpos terrestres e estes se influenciam entre si; h um magne-
tismo mineral, vegetal, animal.
O magnetismo astral se manifesta pelo movimento peridico
das mars e das evolues siderais; o magnetismo terrestre pela
sensibilidade bipolar da bssola e dos ms; o magnetismo
-
mineral, vegetal e animal por aes particularmente especializa-
das constituio ntima de cada substncia ou de cada ser.
Todos os fenmenos da Natureza, atrao, gravitao, gra-
vidade, afinidade, coeso, etc., no so mais que a expresso de
um s e mesmo fenmeno, isto , a expresso do funcionamento
alternativo das correntes! Mas essas correntes, que por seu
equilbrio asseguram a harmonia universal dos mundos, so ao
mesmo tempo o seu agente mais dissolvente; ocupadas de cont-
nuo em dar assalto aos equilbrios que formaram, desassociam
inexoravelmente tudo que delas se afasta; no h um corpo
slido, qualquer que seja a sua densidade, que a influncia
dissolvente da ao centrfuga no possa instantaneamente
volatilizar; no h um s corpo gasoso, por mais sutil que seja,
que a fora condensadora centrpeta no possa solidificar; este
antagonismo das correntes impele continuamente os equilbrios
para a sua formao e para a sua ruptura, apresentando a luta
perptua de dois princpios, o ativo contra o passivo, um que
divide, quebra, espalha, labora, semeia; o outro que coagula,
ajunta, rene, fecunda.
A alma dos mundos, a mola da vida universal est neste du-
plo movimento antagnico, centrpeto e centrfugo; este movi-
mento que regula a justa ponderao das coisas e sua reciproci-
dade de influncias.
Sobre este terreno, detemo-nos no domnio das foras instin-
tivas da natureza, na maneira de agir das foras fatais, no com-
plemento puro e simples da Lei.
o que se poderia chamar a fsica da Natureza.
sob esse aspecto, puramente fsico, que em nosso primeiro
volume do Magnetismo Curativo, sob a denominao de Manual
Tcnico, apresentamos o magnetismo.
No Manual, limitando-nos a enumerar os processos tcnicos
por meio dos quais se pode acionar as correntes e favorecer o seu
movimento alternativo centrpeto e centrfugo, mola de toda a
vida, explicamos o que era uma imposio, uma insuflao, um
passe, uma disperso e o que se deve entender por massagem
-
magntica, automagnetizao, cadeia, magnetizao dos corpos
animados e dos corpos brutos.
Damos o meio prtico de reconduzir ou de entreter no orga-
nismo a tenso equilibrada das correntes, nica que pode manter
o estado de sade.
Mas, ao lado desses processos mecnicos rudimentares, cuja
aplicao to simples no exige da parte do operador mais do
que uma espcie de neutralidade passiva, h outros, que possu-
em o dom, pelos seus efeitos prodigiosos, de excitar vivamente a
ateno pblica.
Desde que estudamos a marcha das foras nos organismos
superiores dotados de volio e pensamento, no podemos
efetivamente manter-nos no crculo acanhado dos fenmenos
fsicos, e forosamente nos achamos em contacto com os fen-
menos perturbadores da psicofisiologia, fenmenos que abrem,
sob os nossos passos, misteriosos abismos.
So esses fenmenos que nos despertaram o interesse de a-
presentar este segundo volume sob as epgrafes: Hipnotismo,
Sonambulismo, Sono provocado, Catalepsia, Letargia, Sugesto
mental e Clarividncia.
Explicamos de que modo o hipnotismo originou-se do magne-
tismo, que matizes separam os processos desses dois mtodos, e
sobre que consideraes fisiolgicas nos podemos basear para
explicar tais diferenas. O enunciado comparativo dos recursos
curativos que se podem tirar do hipnotismo e do magnetismo d-
nos o valor respectivo desses processos.
Vemos que os fenmenos, que por sua prpria singularidade
excitaram o entusiasmo dos investigadores e a curiosidade das
multides, e que foram o tema obrigatrio de todas as experin-
cias pblicas ou particulares, das conferncias, das publicaes,
das polmicas, dos concursos nas academias e dos exames da
Faculdade, so a causa principal das constantes barreiras que o
magnetismo tem encontrado em sua vulgarizao e na propagan-
da de suas virtudes curativas.
Averiguamos que so precisamente os seus mais fervorosos
adeptos que, persistindo em apresentar o magnetismo sob um
-
falso aspecto, mais largamente contriburam para que se levan-
tem as oposies, as suscetibilidades e os dios que lhe fizeram
tantas vezes partilhar e o tornaram vtima dos juzos errneos de
que ele ainda hoje objeto.
Finalmente, na Segunda parte deste volume empreendemos a
tarefa delicada de expor os princpios sobre os quais quisramos
ver edificar a teraputica; acreditamos na existncia de uma Lei
fsica baseada num trinmio universal. Tentamos esboar essa
lei; aplicamo-la ao magnetismo, e tomando ainda da idia sobre
a qual repousa a doutrina mesmeriana: S h uma vida, uma
sade, uma molstia e um remdio, procuramos demonstrar que
todos os fenmenos (inclusive o magnetismo) vm fundir-se na
unidade do plano que preside, de uma forma imutvel, gnese
das coisas.
Alphonse Bouvier
-
Magnetismo Curativo
PSICOFISIOLOGIA
PRIMEIRA PARTE
Exposio dos Fenmenos
CAPTULO I
Hipnotismo e Magnetismo
Experincias do Dr. James Braid, em 1841. Depois de haver concludo pela identidade dos efeitos produzidos pelo seu sistema e os produzidos pelos partidrios do mesmerismo, ele volta sua primeira opinio, especificando as diferenas que distinguem esses efeitos. Sua definio do sono nervoso provocado. Experincias e teorias do Dr. Durand de Gros (1854-1860). Estado hipotxico, sua definio. Experincias pblicas de fascinao experimental (Hansen e Donato, 1880-1886). Hipno-tismo moderno. Grande e pequena hipnose. O que se deve entender por hipnotizar. Nomenclatura dos fenmenos hipnti-cos. Suas tendncias para substituir o automatismo, o desdo-bramento e a inconscincia unidade do eu consciente. Opinio de Msmer acerca da inutilidade e perigos do sono nervoso provo-cado.
Em 1841, um mdico ingls, o Dr. Braid, de Manchester, as-
sistindo a uma sesso pblica dada em Londres por La Fontaine,
o bem conhecido magnetizador, admirou-se da singularidade dos
efeitos produzidos pelo clebre prtico sobre os seus sonmbu-
los, fixando-lhes o olhar e segurando-lhes os polegares.
Desejoso de penetrar a causa fisiolgica desses efeitos provo-
cados, empreendeu uma srie de experincias em que obteve os
mesmos fenmenos, substituindo a pessoa do magnetizador por
um objeto brilhante qualquer, tal como um instrumento de ao
ou uma simples rolha de garrafa o que o levou a concluir que o
magnetizador no tinha influncia alguma na produo do
fenmeno, e que a fixao prolongada do olhar, paralisando os
centros nervosos e destruindo o equilbrio do sistema nervoso,
-
bastava por si s para determinar o efeito produzido. (James
Braid, pg. 23).
O sono provocado, segundo essas concluses, no dependia,
portanto, como se pretendia crer, de uma volio do operador ou
dos passes pelos quais este ltimo pretendia pr em movimento
certos agentes msticos da Natureza, tais como um fluido univer-
sal ou particular, mas dependia essencialmente de um estado
fsico e psquico do paciente; a concentrao do olhar, o repouso
absoluto do corpo, a fixao da ateno e a supresso da respira-
o que acompanham sempre essa fixao, eram suscetveis de
trazer aos centros crebro-espinhais uma modificao suficien-
temente profunda para provocarem aquele estado.
Se a opinio emitida pelo Dr. Braid fosse fundada, teria aca-
bado com o mesmerismo, seus processos e teorias; mas, engana-
do por certas aparncias de semelhana, o sbio observador, que
desde logo havia acreditado na identidade dos efeitos produzidos
pelo seu sistema e pelos dos partidrios do mesmerismo, foi
obrigado a convir posteriormente que existiam, entre esses
efeitos to notveis, diferenas que deviam ser consideradas
como resultantes de dois agentes distintos. (James Braid, pg.
27).
Pelos processos artificiais, indubitavelmente se consegue bem
produzir os efeitos fisiolgicos da letargia, da catalepsia e do
xtase, mas no se consegue desenvolver essas preciosas facul-
dades de clarividncia, de dupla vista e de previso, que so
precisamente o apangio especial dos sonmbulos formados
pelos processos mesmricos.
A seguinte passagem da obra de Braid fornece o testemunho
desta confisso sincera, toda ela em honra desse consciencioso
experimentador:
Os magnetizadores asseguram positivamente diz ele
poder realizar certos efeitos que eu nunca pude provocar
com o meu mtodo, se bem que o tenha tentado. Os efeitos a
que aludo so, por exemplo, ler a hora num relgio colocado
por detrs da cabea ou na cavidade epigstrica, ler cartas
dobradas ou um livro fechado, reconhecer o que se passa
-
distncia de alguns quilmetros, adivinhar a natureza das en-
fermidades e indicar-lhes o tratamento sem possuir conhe-
cimentos mdicos, magnetizar sonmbulos na distncia de
muitos quilmetros, sem que eles tenham conhecimento da
operao que se propem fazer. Devo dizer, a esse respeito,
que no julgo razovel, nem mesmo conveniente, pr em
dvida as afirmaes de experimentadores, homens de talen-
to e de observao, cuja palavra constitui autoridade em ou-
tras matrias, sob pretexto de que no fui pessoalmente tes-
temunha dos fenmenos, ou que no pude reproduzi-los quer
pelo meu mtodo, quer pelo deles. (J. Braid, pg. 28).
Seria para desejar que aqueles que deviam mais tarde reapos-
sar-se das idias de Braid, j conhecidas, tivessem limitado a sua
imparcialidade; seja como for, interessante consignar aqui o
juzo feito acerca do mesmerismo e de seus adeptos pelo pai dos
hipnotistas de hoje; o Dr. Braid pode, com razo, ser considera-
do o verdadeiro promotor da doutrina do sono nervoso provoca-
do, pois foi ele quem primeiro o batizou com o nome de hipno-
tismo, definindo-o deste modo: Estado particular do sistema
nervoso, determinado por manobras artificiais, estabelecendo
assim desde o comeo, a distino notvel que cumpre fazer e
que realmente existe, entre o Hipnotismo e o Magnetismo, isto ,
entre os fenmenos provocados e os que se desenvolvem em sua
plena liberdade de ao.
Apesar das tentativas de Braid, o Hipnotismo no devia to
cedo conquistar o direito de cidade; foi debalde que, de 1854 a
1860, os Drs. Azam e Broca tentaram abrir-lhe as portas da
Academia, e que o Dr. Durand de Gros, com o pseudnimo de
Philips, empreendeu uma verdadeira campanha a favor do brai-
dismo; apesar das publicaes, das conferncias, das experin-
cias pblicas, muito notveis, deste sbio experimentador, que
excitaram durante alguns anos grande curiosidade e interesse, os
seus esforos vieram dar de encontro indiferena e aos precon-
ceitos da poca.
De todos os hipnotistas que sucederam a Braid, o Dr. Durand
de Gros foi quem melhor colocou a questo. Diz ele:
-
O resultado final que se procura no emprego do Hipno-
tismo o produto de uma operao complexa: esta operao
se divide em dois tempos e a cada um deles corresponde um
trabalho, um agente e um efeito particular perfeitamente dis-
tintos.
O primeiro tempo consiste em desenvolver uma modifica-
o preparatria da vitalidade, modificao que na maioria
dos casos se conserva latente, e cujo efeito total dispor o
organismo a sofrer a ao determinante e especfica que
constitui o segundo tempo. Quanto ao segundo tempo, con-
siste em dar fora nervosa acumulada no encfalo a dire-
o necessria, a fim de fazer dela o agente dcil de todas as
modificaes funcionais que se podem ter em vista.
O Dr. Durand de Gros deu modificao preliminar da vita-
lidade, que forma o primeiro tempo de qualquer operao bri-
dica, o nome de estado hipotxico (palavra de origem grega,
que significa: preparao para sofrer); esse estado, na sua opini-
o, consiste fisiologicamente numa interrupo mais ou menos
completa da enervao perifrica e numa acumulao anormal
da fora nervosa no crebro, que prepara o sonmbulo para
sofrer a ao do operador. Os hipnotistas procuram obter esse
estado congestivo cerebral, provocando artificialmente no
sonmbulo uma diminuio da atividade mental, pela fixao
contnua e prolongada de um s e mesmo objeto; esse processo,
a que o braidismo d preferncia, no o nico meio de promo-
ver progressivamente a nulificao do pensamento, que caracte-
riza o estado hipotxico: qualquer manobra que produza uma
sensao uniforme e contnua desempenha o mesmo objetivo; e,
como o estado hipotxico simplesmente uma congesto nervo-
sa do crebro, qualquer processo suscetvel de desenvolver essa
condio fisiolgica agir tanto como a fixao de um ponto
brilhante; e assim que se chega ao mesmo resultado por meio
dos narcticos administrados em certas doses, a eterizao, a
eletrizao local, e mesmo certos processos mesmricos.
Mas, se o estado hipotxico pode produzir-se artificialmente
de diversas maneiras, cumpre saber tambm que muitas vezes se
apresenta espontaneamente como alterao mrbida resultante de
-
certas diteses ou com o carter tpico de idiossincrasias especi-
ais; assim que os histricos, por exemplo, cujos deslocamentos
bruscos da fora nervosa e rpidas alternncias de estados nervo-
sos contrrios indicam um estado fisiolgico particular, esto
geralmente em estado hipotxico natural, o que lhes permite
passar sem nenhum preparo preliminar e sem transio para o
segundo tempo da operao bridica, sendo bastante um
determinante qualquer (jacto de luz, som de t-t, injuno
breve) para substituir neles a hiperestesia insensibilidade, a
catalepsia e o xtase resoluo do sistema muscular.
Estas consideraes fisiolgicas desenvolvidas no curso de
braidismo do Dr. Durand de Gros, apesar de sua importncia e
da confirmao que traziam s teorias de Braid, esclarecendo-as
e completando-as, tiveram a mesma sorte destas ltimas, e o
Hipnotismo ficaria sepultado no p do esquecimento, se dois
hbeis e extremados experimentadores no lhe tivessem feito um
panegrico colossal nas suas conferncias pblicas: Donato, de
1875 a 1886; Karl Hansen, a partir de 1880.
Percorrendo a Europa, dando por toda parte representaes
com sonmbulos admiravelmente adestrados, exercendo mesmo
o seu poder de fascinao sobre os espectadores, obtiveram em
pouco tempo um resultado prodigioso.
Foi um verdadeiro sucesso: corria-se em multido para admi-
rar essas exibies teatrais, que representavam os curiosos
fenmenos dos convulsionrios e dos miraculados da Idade
Mdia.
Violentas controvrsias explodiram na imprensa, acerca da
natureza desses fenmenos; cada qual procurou interpretar a seu
modo esses fatos estranhos, que to vivamente excitavam a
curiosidade pblica; os homens de cincia, solicitados para
exprimirem sua opinio, foram obrigados ao exame dessas
questes; desse modo, a idia de Braid ao fim de uns quarenta
anos voltava tona, e, coisa singular, foi por meio do palco que
o Hipnotismo deu entrada nas academias.
Estimulados pelas experincias pblicas de fascinao expe-
rimental, que se haviam tornado o objetivo de todos os espritos,
-
os mdicos, os sbios, foram, de algum modo, constrangidos a
tomar interesse por esses assuntos; comearam a repetir as
experincias de Donato e Hansen a fim de averigu-las, e lana-
ram-se a novas investigaes; de todos os lados puseram-se
obra: nos hospitais de Paris, na Salptrire, no hospital de Cari-
dade, no da Piedade, na Misericrdia, os Drs. Charcot, Luys,
Dumontpellier, Voisin, deram cursos e clnicas a numerosos
alunos. Em breve formaram-se grupos avantajados, escolas
rivais, que trocaram vivas polmicas e publicaram opinies e
documentos contraditrios.
Enquanto a grande hipnose se firmava soberanamente na
Salptrire, em conseqncia das lies do professor Charcot, de
1879 a 1880, a pequena hipnose defendida pelos Drs. Libault,
Bernheim e Beanis, aparecia em Nancy pelo ano de 1884; em
Nice, em Rochefort, no Havre, em Brest, por toda parte em que
passava o fascinador Donato, os Drs. Barety, Baurru, Burot,
Gibert e Bremaud faziam numerosas experincias sobre o so-
nambulismo, a influncia dos medicamentos a distncia e a
sugesto. No estrangeiro os Drs. Heidenheim, Grtaner, Fritche,
Berger, Baumler, Preyer, Schneider, Ladame, Tamburini, Seppi-
li, Lombroso, Opitz, Ruhlmann e muitos outros entregavam-se
com ardor a esses novos estudos. Livros, brochuras, artigos de
jornais tratavam diariamente dos mais rduos problemas da
psicofisiologia; institutos, jornais especiais foram fundados; e,
fora dos nomes j citados, vrios mdicos distintos publicaram
os resultados de suas observaes e de suas investigaes: os
Drs. Binet, Fer, Berillon, Gilles de La Tourette, Babinski,
Fernand Botteym, Cullerre, Regnier, de Grandchamps, Paul
Richer, Charles Richet, Chararain, Foveau de Courmelles, Jules
Hricourt, Pitres, etc. Os mdicos no foram os nicos a discutir
o alcance dos fenmenos hipnticos: independentemente do lado
mdico, o Hipnotismo se apresentava sob aspectos que tambm
interessavam jurisprudncia e psicologia; numerosos sbios
das Faculdades de Direito e outros, entre os quais podemos citar
em primeira linha os Srs. Ligeois, de Nancy; Delboeuf, de
Life; Raoul e Emele Young, de Genebra; Ochorowicz, de
Lamberg; Focachon, de Charmes (Moselle); e em Paris: os Srs.
-
Paul e Pierre Janet, Victor Meunier, Pierre Veron, o padre de
Meissas, o Coronel de Rochas, tomaram partido pr ou contra os
fenmenos hipnticos.
No tentaremos analisar o que se tem dito e escrito acerca do
Hipnotismo; o quadro restrito em que voluntariamente nos
confinamos no no-lo permite; o que importa saber e tornar aqui
conhecido, que no meio das inmeras divergncias desta
literatura complexa, os fundadores da doutrina hipntica se
encontram neste ponto essencial que decorre de suas prprias
definies:
O estado hipntico um estado particular do sistema
nervoso, determinado por manobras artificiais, tendendo, pe-
la paralisia dos centros nervosos, a destruir o equilbrio ner-
voso. (Braid).
Esse estado fisiolgico consiste num acmulo anormal da
fora nervosa no crebro, acmulo provocado por meios ar-
tificiais ou resultante de um estado patolgico particular.
(Durand de Gros).
Hipnotizar , portanto, segundo os prprios mestres, desequi-
librar a fora nervosa, dirigindo-a de maneira anormal ao cre-
bro, ou aproveitar-se de uma congesto cerebral j existente, em
conseqncia de um estado patolgico qualquer. Em outras
palavras, hipnotizar aproveitar uma falta de equilbrio nervoso,
ou produzi-la.
Eis aqui uma confisso que conservamos preciosamente, ns
os magnetizadores, que, pelos processos que empregamos, s
temos em mira uma coisa: o restabelecimento do equilbrio
nervoso. Quanto aos hipnotistas so eles mesmos que no-lo
dizem por suas aes diretas e violentas sobre o encfalo,
provocam continuamente bruscos deslocamentos ou alternncias
na fora nervosa, que engendram contraturas musculares, parali-
sias e catalepsias parciais ou totais, anestesia ou hiperestesia dos
sentidos, afonia, afasia, mudez: privao ou exaltao do gosto,
surdez ou exaltao do ouvido; depois, imitaes automticas e
inconscientes, tanto em palavras como em gestos, iluses senso-
riais, transposies reais ou supostas, dos sentidos; a perda ou a
-
exaltao da memria; as sugestes falazes e as alucinaes
contrrias verdade ou natureza, como as alteraes provoca-
das da personalidade; as sugestes de atos imediatos ou a prazos
mais ou menos remotos, os sonhos em ao; a exaltao das
idias e dos sentimentos, fenmenos estes certamente bem
curiosos de estudar-se sob o ponto de vista fisiolgico e psicol-
gico, divertidos mesmo, quando dados em espetculo, porm
profundamente perigosos de manejar, pelo fato de possurem
uma tendncia absoluta para deslocar o equilbrio fsico e moral,
e a substituir numa certa medida o automatismo, o desdobramen-
to e a inconscincia do eu consciente e sinttico, que forma a
personalidade humana, unidade de que s podem decorrer sade
e razo.
Desse ponto de vista, nunca demais levantarmo-nos contra
o abuso que se cometeu e que ainda se comete todos os dias
pelos processos hipnticos; esse abuso um perigo e esse perigo
Msmer o pressentiu quando, reagindo com todas as suas foras
contra a divulgao dos processos para provocar o sono nervoso,
cujo emprego julgava perigoso, ou pelo menos intil, assim se
explicava numa de suas memrias:
Depois que o meu mtodo de tratar e de observar os do-
entes foi posto em prtica nas diferentes partes da Frana,
diversas pessoas, quer por um zelo imprudente, quer por
uma vaidade sem cabimento e sem considerao pelas reser-
vas e as precaues que eu julgara necessrias, deram publi-
cidade prematura aos efeitos e principalmente explicao
deste sono crtico; no ignoro que tenham da resultado a-
busos, e observo com sentimento que voltaram com ardor os
antigos preconceitos!
A fim de reforar a opinio do mestre, da qual compartilha-
mos por completo, e que nos leva excluso dos processos
hipnticos, de qualquer mtodo curativo, esforamo-nos, no
captulo seguinte, por tornar bem salientes as linhas divisrias
que separam os dois sistemas.
-
CAPTULO II
Das diferenas existentes entre
o Magnetismo e o Hipnotismo
Processos de Braid para produzir o sono provocado. Processos do Dr. Durand de Gros. Processos da escola atual. Processos dos fascinadores. Manobras hipnticas comparadas aos proces-sos magnticos. Diferenas notveis entre os sonmbulos formados por um e outro mtodo. Concentrao dos sonmbulos magnticos. Exteriorizao dos sonmbulos hipnticos. Nega-o, pelos hipnotistas, da existncia dos fenmenos psquicos. Causas dessa negao. Meio magntico de pr-se em relao. Regularizao que da resulta. Ressonncia magntica ideopls-tica. Causa de apreciaes confusas. Individualidade psicofi-siolgica do experimentador. A ao direta sobre o encfalo e a ao direta sobre o epigstrio diferenciam o Hipnotismo do Magne-tismo.
O Hipnotismo, dizem os partidrios dessa doutrina, um es-
tado particular do sistema nervoso determinado por manobras
artificiais, tendendo, pela paralisia dos centros nervosos, a
destruir o equilbrio nervoso.
Em que consistem, pois, essas manobras?
Braid, no comeo de suas experincias, ligava uma rolha de
garrafa testa do paciente e fazia com que ele a olhasse atenta-
mente; a obrigao de conservar constantemente os dois olhos
dirigidos sobre um objeto to prximo, convulsionava a vista e
fatigava consideravelmente os sonmbulos, o que muitas vezes
forava-os a abandonar a experincia antes do fim. Foi necess-
rio modificar esta maneira de praticar. Eis o processo definitiva-
mente adotado, e que ainda hoje geralmente seguido: conserva-
se um objeto brilhante qualquer (um instrumento de ao, por
exemplo) entre o polegar, o indicador e o mdio da mo esquer-
da, numa distncia de 25 a 45 centmetros dos olhos, em posio
tal acima da testa, que seja necessrio o maior esforo do lado
dos olhos e das plpebras, para que o paciente encare fixamente
o objeto.
-
O Dr. Durand de Gros, conformando-se quase ao mesmo
princpio, mas concedendo na produo do fenmeno uma parte
mais importante fixao da ateno e concentrao do
pensamento do que fadiga visual resultante da convergncia
dos olhos, empregava um disco de zinco, de dois centmetros de
dimetro, cujo centro era formado por um prego de cobre encra-
vado em outro metal: ele conservava esse boto a 45 centme-
tros, mais ou menos, do corpo, na altura da cintura, como um
ponto de mira, sobre o qual devia o paciente fixar os olhos
durante quinze ou vinte minutos sem pestanejar e concentrando
toda a sua ateno. Logo que o via absorvido nessa contempla-
o sem oscilar as plpebras, fechava-lhe os olhos por meio de
brandas e suaves frices e punha-lhe uma das mos sobre a
cabea, aplicando-lhe fortemente o polegar testa. Os hipnotis-
tas da escola atual usam dos mesmos processos, com ligeiras
variantes: fixao do olhar sobre objetos brilhantes, juntam
projees de luz eltrica, presso dos globos oculares ou dos
polegares, frices do vrtex e violentas pancadas de t-t, que
atacam e fazem vibrar o sentido do ouvido; empregam tambm o
vulgar fole das nossas lareiras e certo espelho chamariz de
toutinegras, aperfeioado e formado de fragmentos de espelhos
encaixados em dois pedaos prismticos, feitos de madeira e
dispostos em cruz, a que se imprime um movimento de rotao
que traz em breve ao paciente perturbao e fadiga do aparelho
tico, fazendo-o cair no estado de sonambulismo provocado.
Enfim, os fascinadores, apesar das sua pretenso de no que-
rerem confundir-se com os hipnotistas, no se afastam de modo
algum dos processos empregados por estes ltimos: desde o
padre Faria que, colocando os seus pacientes em poltronas e
fazendo-os concentrar-se, dava-lhes rapidamente e em voz de
estentor esta ordem imperativa: Dorme!, at Donato, que
sobre as mos abertas e espalmadas, fazia colocar as do seu
paciente, dizendo-lhe que fizesse peso sobre elas, e depois,
inesperadamente, lanava-lhe um olhar acerado como a ponta de
uma espada; todos, sem exceo, por uma ao violenta e im-
prevista sobre o sentido do ouvido ou da vista, procuram produ-
zir o mesmo efeito que os hipnotistas com suas pancadas de t-
-
t e suas projees de luz, esforam-se por provocar a vibrao
dos centros nervosos que lhes deve entregar, inconsciente e sem
defesa, o paciente inteiramente aparelhado s suas variadas
experincias.
Hipnotistas e fascinadores esto manifestamente de acordo
acerca da finalidade dos seus processos:
em conseqncia dum excesso de fadiga de que sofre
um sistema particular de msculos, estado resultante da po-
sio incmoda e forada dos olhos diz o Dr. Braid , que
se desenvolve no crebro e em todo o sistema nervoso esse
estado particular a que eu chamo hipnotismo.
Imponho as minhas convices pela fora diz Donato,
na exposio do mtodo que d em sua Revista Fisio-
psicolgica , e para isso recorro a um processo rpido, de
algum modo violento, que nada tem de comum com o Hip-
notismo, porque no provoca nem a ocluso dos olhos, nem
o sono; destruo instantaneamente a vontade dum homem
desperto e consciente, e depois provoco o estado de incons-
cincia sem sono.
Quer haja sono, quer no, pouco importa: os dois mtodos,
como se v, convergem para o automatismo, a inconscincia, e o
desequilbrio do ser, pela surpresa, fadiga ou violncia.
Se compararmos essas manobras com os processos magnti-
cos, no dubitvel que elas diferenciem-se absolutamente;
enquanto hipnotistas e fascinadores, dirigindo-se especialmente
ao crebro, procuram lanar fora do seu equilbrio os centros
nervosos por ataques violentos ou por jato contnuo, os magneti-
zadores, poupando cuidadosamente o encfalo e concentrando
toda a sua ao sobre o epigstrio e o sistema nervoso ganglio-
nar, empenham-se em equilibrar da melhor maneira, a corrente
nervosa, de modo a obterem a mais elevada expresso da auto-
nomia funcional do ser.
Uns destroem o eu consciente, os outros elevam-no ao seu
mais alto grau sinttico. Demais, so notveis as diferenas que
se destacam entre os sonmbulos formados por um ou outro
mtodo, quando, sob a influncia benfica e equilibradora das
-
imposies e dos passes magnticos, vem naturalmente surgir o
estado sonamblico.
No sonmbulo magntico, as trs condies essenciais ex-
presso normal do fenmeno se desenvolvem: isolamento,
concentrao, mobilidade.
O isolamento, nulificando todas as sensaes que vm do ex-
terior, d ao sonmbulo mesmrico a faculdade preciosa de
concentrar sua ateno melhor ainda do que no estado de viglia;
seus sentidos, de algum modo sintetizados numa exaltao do eu
sensorial, do-lhes uma sensibilidade singular que o estado de
relao pe exclusivamente disposio do seu magnetizador:
s pode ser tocado por ele, s a ele ouve, s a ele obedece, e s
por ele pode ser despertado.
A concentrao, permitindo que a atividade funcional se
condense e se equilibre por dentro, faz do sonmbulo mesmrico
um instrumento de delicadeza inaudita, que s poderamos
comparar a uma balana de preciso, na qual o mais tnue peso
desloca o centro de gravidade; respondendo maravilhosamente s
menores incitaes daquele que o ps em ao por meio da
relao, o sonmbulo mesmrico l no pensamento do seu
magnetizador, responde a todas as suas sugestes mentais, tanto
de perto como de longe, fora da vista, atravs das paredes, e goza
dessa extrema mobilidade magntica, de que fala Puysgur,
mobilidade que consiste em ceder a todas as atraes distncia.
Esse estado de condensao interna, avivando os focos nervo-
sos, permite ao sonmbulo mesmrico projetar suas faculdades
sintticas sobre todos os pontos que lhe so designados ou que
ele escolhe, maneira de um refletor que une num s feixe os
raios luminosos. deste modo que ele v em si e fora de si, que
descreve os seus prprios rgos ou os de seus vizinhos, que
precisa o estado das partes doentes, o gnero, a origem, a dura-
o e o xito das molstias; tambm assim que a sua fora de
irradiao vai at lhe permitir a estranha e misteriosa faculdade
de ler no espao, de predizer e vaticinar.
O sonmbulo formado por processos hipnticos est longe de
possuir essas numerosas e eminentes qualidades.
-
No est isolado nem concentrado; suas faculdades, longe de
serem condensadas num feixe interno, so, pelo contrrio, exte-
riorizadas. Ele pode ser tocado por qualquer pessoa e, se por
acaso experimenta algum embarao, este fato manifestado para
com todos.
Ouve a todos ou no ouve a ningum; obedece a todos; pode
ser adormecido e despertado pela primeira pessoa que aparecer;
todos os condutos que levam as impresses sensoriais ao cre-
bro, em lugar de estarem fechados, conservam-se abertos s
sensaes que partem do exterior, o que coloca os sonmbulo em
instabilidade permanente, que o faz flutuar entre estes dois
extremos: catalepsia e letargia.
No primeiro caso, catalepsia, os sentidos da audio, do pa-
ladar, do olfato e do tato tomam uma agudeza tal que o sonm-
bulo pode apanhar as palavras pronunciadas muito baixo e quase
sem movimento dos lbios; percebe o mnimo odor, os gestos,
conhece a presena e a natureza dos objetos afastados, mas num
raio restrito.
No segundo caso, letargia, essa agudeza dos sentidos se ex-
tingue e o crebro, atacado instantaneamente de inrcia, parece
privado de todo o funcionamento. Em um ou outro desses extre-
mos o sonmbulo hipntico no apto para receber nenhuma
sugesto mental; distrado, por um lado, pela agudeza dos seus
sentidos hiperestesiados, que o colocam merc de todas as
impresses do exterior, ou, por outro lado, mergulhado no estado
comatoso letrgico que o separa daquilo que o cerca, ele se
conserva indiferente s transmisses de pensamentos e aos
efeitos a distncia, tal como, num meio ruidoso que nos traz
sensaes mltiplas ou num sono profundo que nos absorve, as
nossas faculdades se conservam igualmente insensveis a qual-
quer percepo delicada. O sonmbulo hipntico, assim exterio-
rizado ou nulificado, representa um instrumento imperfeito, s
responde s incitaes fsicas e s sugestes verbais e no deixa
acesso a nenhuma reao psquica. Demais os hipnotistas, no
tendo tido jamais ocasio de averiguar em seus sonmbulos os
fenmenos psquicos, sempre negaram a existncia destes.
-
Se abrirmos um livro acerca do Hipnotismo diz o Dr.
Ochorowicz , encontraremos nele faccias sobre a sugesto
mental; os hipnotistas nunca a estudaram, porm certificam
a exatido de sua opinio negativa, baseando-se no testemu-
nho de outros sbios, que tambm no a estudaram.
De que modo teriam estudado esses experimentadores turbu-
lentos a sugesto mental, se os processos artificiais empregados
visam principalmente o efeito perante uma reunio mais ou
menos numerosa, quando o fenmeno s se pode obter por meio
de processos que eles propositadamente desconhecem e procu-
ram ridicularizar? Em Hipnotismo, o que chamamos entrar em
relao, no existe; esta constitui um processo exclusivamente
mesmrico, e somente por ele, quando inteligentemente gradu-
ado, que se pode chegar a regular um sonmbulo. Diremos
regular, porque, efetivamente, precisa-se proceder a uma verda-
deira regularizao; regula-se um sonmbulo como se procede
com um instrumento de preciso: um telescpio, um cronmetro,
um telefone.
Pelas imposies e os passes, acionam-se mais ou menos o
crebro e o epigstrio e procura-se manter um justo equilbrio
entre esses dois centros de vida nervosa; pelos passes longitudi-
nais e imposies, carrega-se; pelos passes transversais e o
sopro frio a distncia, dispersa-se; aumenta-se ou diminui-se
assim, vontade, a profundez do estado sonamblico, que ape-
nas deve ser produzida por aes graduadas com pacincia e tato
indefinveis; e assim que se chega, progressivamente, a estabe-
lecer entre magnetizador e magnetizado esse estado de simpatis-
mo que o Dr. Ochorowicz to perfeitamente descreveu:
No s diz ele uma relao puramente fsica:
principalmente, e antes de tudo, o efeito de uma ao reflexa
psico-nervosa, que produz a associao das idias, sentimen-
tos e volies, tanto como a das sensaes fsicas e dos mo-
vimentos, e que, mostrando mais uma vez a estreita solidari-
edade que une no organismo o fsico e o moral, d a explica-
o dessas associaes ideo-orgnicas, em que a idia basta
para produzir a inflamao dum rgo, sua secreo, sua hi-
-
perestesia ou sua paralisia; faz sustar uma hemorragia ou re-
nascer uma perturbao biolgica qualquer.
No estado de relao bem equilibrado, o sonmbulo magnti-
co, achando-se num estado de tenso suficientemente elevado,
no necessita, como no estado ordinrio, de fazer passar as
sensaes pela anlise do seu crebro; ele sofre como que espon-
taneamente as impresses que recebe, do mesmo modo que uma
corda vibra simpaticamente por igualdade de tenso; , pois,
necessrio em toda experincia ter em vista esta sensibilidade de
ressonncia magntica ideoplstica, que, na realidade, a ori-
gem de inmeros erros de apreciao, de que se acha cheio o
estudo desses fenmenos.
No mais motivo de dvida entre os sbios hipnotiza-
dores diz o Dr. Ochorowicz que ao fazer-se experincias
num sonmbulo sensvel se possa incutir-lhe suas teorias,
seus conhecimentos, seus temores, suas suposies mesmo,
e que deste modo, sem nos precatarmos, conseguimos diver-
tir, acreditando fazer descobertas. O que direis dum fsico
que, desejando fazer uma medida galvanomtrica delicada,
enchesse os bolsos de fragmentos de ferro ou de ms?
precisamente o caso dos experimentadores em Hipnotismo:
no conservam uma neutralidade cabal nas suas investiga-
es; esquecem que suas presunes, repercutindo-se no so-
nmbulo eminentemente sensvel, venham, depois, induzi-
los em erro.
Da, essa produo perptua de teorias diversas e classifica-
es novas, onde a unidade dos princpios desaparece sob a onda
de apreciaes confusas, resultante da multiplicidade das aparn-
cias sob as quais se ostenta o fenmeno: Os trs estados caracte-
rsticos do sono hstero-epilptico, de Charcot, os nove estados,
de Pierre Janet, a causa que produz e desfaz, de Dumontpellier,
as zonas histergenas, de Charcot, hipngenas, de Pitres, dina-
mgenas, de Fr, ergenas, de Chambord, reflexgenas, de
Heidenhein, noutras, de Rocha, os pontos de imbibio, de
Brown-Squard, o vgil hipnotismo, de Charles Richet, o magne-
tismo molecular geomtrico, de Tony Molin, os transferts, de
-
Luys, a ao dos medicamentos a distncia, de Bourru e Burot,
etc., e todas as outras teorias especulativas desse gnero, que
nada possuem de positivo; os experimentadores, na produo dos
fenmenos que obtm, parecem esquecer completamente a parte
que devem representar estes dois fatores essenciais: a idiossin-
crasia do sonmbulo e o temperamento do operador.
Efetivamente, tudo depende, em grande parte, da individuali-
dade psicofisiolgica daquele que experimenta, das suas vistas
pessoais e do seu modo de operar. Tal obtm, de preferncia,
fenmenos de paralisia e letargia; tal outro, s produz a hiperes-
tesia e a catalepsia.
Este acarreta quase sempre espasmos, crises convulsivas;
seus sonmbulos so verdadeiros demnios, aos quais dificil-
mente se consegue dominar e conduzir; aquele, ao contrrio, s
produz bem-estar e calma; seus sonmbulos so dceis, obedien-
tes e disciplinados. H magnetizadores que quase nunca conse-
guem fazer adormecer; e quando, por acaso, o sono sobrevm
naturalmente sob sua influncia, esse sono muito benfico no se
complica de desordem alguma; no h, sequer, espasmos, parali-
sias ou contraturas. Alguns h que s atuam por sugesto; outros,
debalde procuram empreg-la. Ora, estas mltiplas modalidades
no so mais do que os graus ou as fases de um s e mesmo
fenmeno, que um experimentador hbil pode conseguir von-
tade, pela justa regularizao do instrumento que emprega. Que
ele leve a sua ao diretamente sobre o encfalo, atuando com
violncia ou de maneira contnua sobre os centros sensoriais,
alcanar toda a srie dos fenmenos neuromusculares: letargia,
catalepsia, xtase, etc.; reduzir o eu consciente e produzir o
automatismo, considerando-se deste modo no domnio dos
fenmenos que se conveio chamar hipnticos. Que concentre,
pelo contrrio, sua ao sobre esse centro frnico importante do
epigstrio, chamado o plexo solar; que poupe o encfalo, que
no empregue seno aes brandas e progressivas, que nada
provoque e se conserve neutro, aguardando tudo da Natureza em
vez de substituir-se a ela; em outras palavras, que deixe o fen-
meno desenvolver-se livremente, e nenhum dos fenmenos
neuromusculares da letargia e da catalepsia aparecero; o eu
-
consciente se desenvolver, as faculdades se sintetizaro e a
verdadeira clarividncia magntica, com todos os admirveis
efeitos que a acompanham, mostrar, ao produzir-se, que esta-
mos aqui em pleno domnio dos fatos a que se conveio chamar
magnticos.
Conservando esses dois nomes, que o uso consagrou, diremos
que a nica coisa que diferencia a Hipnotismo do Magnetismo
a maneira de regular o sonmbulo e a natureza dos processos
empregados para estabelecer esse adestramento. Entre o Hipno-
tismo e o Magnetismo no h nem a identidade que certas pesso-
as julgaram descobrir, suprimindo o antigo nome para substitu-
lo pelo novo, nem o fosso profundo que muitas outras quiseram
cavar; a todo o momento, quem se acredita magnetizador, hipno-
tiza; e quem julga simplesmente hipnotizar, magnetiza.
Du Potet, La Fontaine e tantos outros, nas sesses pblicas
em que se aplicavam a dominar um homem ou um animal em
alguns segundos, no eram mais magnetizadores, na verdadeira
acepo da palavra: faziam obra de hipnotistas; e se Braid teve a
idia de imitar artificialmente essas manobras mais teatrais do
que curativas (o que fez originar a grande querela que ainda hoje
subsiste), infelizmente porque um magnetizador, saindo do seu
papel, deu o mau exemplo.
A distino que acabamos de estabelecer entre o Hipnotismo
e o Magnetismo no resulta somente da conservao dos fatos;
essa distino se apia igualmente em considerao fisiolgicas,
que nos propomos desenvolver no captulo seguinte.
-
CAPTULO III
Explicao fisiolgica dos fenmenos
Esquema do equilbrio orgnico: crebro, aparelho genital, corao e fgado. A vida um equilbrio oscilatrio, obedecendo lei de concentrao tonalizante. Do enormon. Do rtmico vital. De suas relaes com a acstica e a tica. Divises do circuito nervoso: encfalo, rquis, sistema ganglionar. Funcionamento do sistema nervoso: sentido, crebro, tronco; seu preparo; corrente sensorial e corrente visceral. Os hipnotistas, atuando diretamen-te sobre o crebro, pela corrente sensorial, provocam uma reao dispersiva que exterioriza a ao dos sentidos, enfraquece a tenso-enormon, faz nascer a idia improporcionada, e acarreta automatismo e inconscincia. Papel obturador do cerebelo. Os magnetizadores, atuando indiretamente sobre o crebro pela corrente visceral, produzem um estado de concentrao que duplica a tenso-enormon, fecha as vias dispersivas dos sentidos, aumenta a isolao e entretm o jogo equilibrado do aparelho cerebral. Integridade da vontade e do eu consciente. Papel libertador do cerebelo.
Antes de penetrarmos o mago da questo, julgamos necess-
rio dar um resumo do organismo vivo e do antagonismo das
foras que regulam o jogo da funo nervosa, no que tenhamos
a pretenso de entrar na descrio minuciosa de aparelhos com-
plexos de que nos podem dar a exata topografia os livros de
anatomia e de fisiologia; porm, colocando-nos num ponto de
vista mais elevado, nosso intuito essencial expor a filosofia do
fenmeno vital, conforme a maneira pela qual o concebemos.
Para atingir esse desiderato nos serviremos do seguinte es-
quema: suponhamos dois crculos concntricos, um branco e
outro preto, o branco (externo) representando o sistema nervoso,
o preto (interno) representando o conjunto dos sistemas respira-
trio, digestivo e circulatrio. Coloquemos em cada um desses
dois crculos, dois ns: sobre o crculo externo, o aparelho
cerebral e o aparelho genital; sobre o crculo interno, o corao
e o fgado.
Estes quatro ns, em oposio de polaridade antagonista con-
jugada, e que, por sua arquitetura especial, do a mais perfeita
-
idia do que se pode chamar um desfiladeiro orgnico e, por
derivao, um aparelho compressivo ou de tenso, tm por
misso manter em permanncia o eretismo tensional, indispen-
svel ao funcionamento de toda a vida celular. O crculo cre-
bro-genital ou nervoso, que representa o animal externo, coloca
o ser em comunicao com o meio ambiente; ele que est
encarregado de todas as relaes externas, e que sofre as influn-
cias dos meios; transmite-as ao crculo cardaco-heptico, repre-
sentante do animal interno, com a qual est em constantes e
estreitas relaes e que ele completamente envolve, regulando
desse modo, na economia animal, todas as relaes internas e
externas do ser.
A vida apresenta-se-nos ento, no como a imobilizao de
elementos arquiteturis, mas como um equilbrio oscilatrio entre
rgos especiais, gozando de uma independncia relativa tal, que
se poderia acredit-los colocados fora de todo o centro regulador,
quando na realidade obedecem a um jogo de antagonismo, que
representa tonalidades de detalhe, submetidas a uma lei nica de
concentrao tonalizante.
A vida no , portanto, nem a expresso de uma onipotncia
misteriosa, oculta em algum refolho do organismo, como no-la
mostram Van Helmont e Stahl, nem a resultante de propriedades
especiais atribudas aos tecidos, como tentam provar Holler e
Bichat: porm, mui simplesmente, um fenmeno de tonalizao,
semelhante ao que nos fornece como tipo admirvel a tonalidade
musical.
Crebro, corao, aparelho genital e fgado representam efe-
tivamente, na tonalidade fisiolgica, um papel idntico ao que a
tnica, a mediante, a dominante e a sensvel representam na
tonalidade acstica; tanto em uma como em outra tonalidade, a
srie dos deslocamentos parte do estado de condensao para
caminhar para o estado de resoluo, passando por todos os
graus da disperso.
O organismo apresenta, assim, todos os fenmenos de reao
de uma fora prisioneira; o instrumento se distende contra os
esforos adventcios, em vez de ceder sem resistncia; e do
conflito desses antagonismos, justamente ponderados, nasce essa
-
tenso vital equilibrada, que constitui a individualidade do ser,
do mesmo modo que a tenso acstica equilibrada constitui a
individualidade da gama. Em fisiologia, como em acstica, a
regularizao dos antagonismos traz uma resultante que se
chama aqui o tom e l o enormon.
Enormon um termo que se encontra nas obras de Hipcra-
tes, para designar a imaterialidade do ser; este apelativo nos
parece aqui inteiramente apropriado para representar o ponto
fictcio de interseo das foras antagonistas; d-nos uma ima-
gem figurada do ritmo vital que, elevando-se ou abaixando-se
segundo a natureza e a intensidade das ressonncias que afetam o
crculo nervoso, engendra os matizes infinitos das idiossincrasias
e dos temperamentos.
para o centro frnico colocado no epigstrio, chamado ple-
xo solar, que a impresso desse equilbrio se faz mais particu-
larmente sentir, no ponto em que Van Helmont colocava o seu
arquu; Bufon, o foco da alma, e os antigos fisiologistas os
praecordia ou corao moral das entranhas; ali que efetiva-
mente ressente-se o contrachoque de todas as paixes, onde se
fazem sentir as flutuaes centrfugas e centrpetas que regulam
o movimento alternante de eliminao e de nutrio, e onde
verdadeiramente se pode esperar o ponto de preparo do orga-
nismo.
Assim, a tonalidade acstica nos d a chave do ritmo vital, e,
em razo da unidade de plano que preside to admiravelmente
sntese dos fenmenos naturais, podemos acrescentar que as leis
da tica no-lo explicam tambm:
Do mesmo modo que a luz nasce da concentrao tonali-
zada dos matizes do espectro diz Louis Lucas , assim
tambm a individualidade psquica e fisiolgica nasce do jo-
go harmnico das condensaes tonalizadas do ser, que pro-
duzem sade, inteligncia e razo.
Todos os organismos no conseguem realizar esse estado de
sntese: escalam-se sobre todos os graus do espectro orgnico;
mas, achando-se totalmente classificados em tal ou tal frao da
srie, tendem com todos os seus esforos, em vista da felicidade
-
e da integridade individuais, para esse estado perfeito de que
procuram desviar-se o menos possvel.
Manter o ritmo vital na tonalidade que lhe convm , pois, o
segredo da vida dos organismo; deve ser este igualmente o
objetivo de toda a teraputica racional; importa-nos, ento, saber
de que maneira se comporta o sistema nervoso, esse maravilhoso
instrumento de tenses vitais, esse admirvel regulador do
organismo, que em nosso esquema reduzimos sua mais simples
expresso, figurando-o por meio de um crculo envolvendo os
demais sistemas.
O circuito nervoso, primeira vista, apresenta trs grupos
distintos: 1o o sistema ganglionar; 2
o o rquis; 3
o o encfalo.
1o O Sistema ganglionar esse conjunto de inumerveis c-
lulas disseminadas em gnglios e plexos nas profundezas do
organismo, formando grupos ou reunies de grupos que se
tornam outros tantos centros independentes de movimentos
combinados, sucessivos ou alternados, correspondendo a excita-
es determinadas. o centro dos atos orgnicos chamados
inconscientes, encarregado de coordenar as energias dos diversos
elementos dos tecidos; este sistema representa a forma mais
rudimentar da vida nervosa abaixo da escala dos seres.
2o O Rquis, situado na regio dorsal dos vertebrados e que
nos invertebrados substitudo pelos cordes nervosos ganglio-
nares da regio ventral, pe em relao ntima e permanente o
sistema ganglionar e o sistema enceflico; o lao natural entre
o plo crebro-bucal, que preside s ingestes e o plo gnito-
anal, que preside s excrees, unindo desse modo a funo de
oxigenao e a de hidrogenao, e operando por sua expanso
no saco formado pelo aparelho muscular, essa espcie de invlu-
cro do animal interno pelo animal externo, do qual falaremos em
breve.
A seco do cordo medular, que se estende ao longo da co-
luna vertebral, afeta uma forma prismtica muito ntida, e, do
mesmo modo que uma lmina de estilete triangular, o rquis
caminha atravs do buraco occipital e vai inserir-se com suas
razes e anexos nas circunvolues do cerebelo e do crebro.
-
Com os seus numerosos pares de nervos espinhais, constitu-
do cada um por duas razes distintas, reunidas para formar um
nervo misto, que se vai distribuir depois a todos os sistemas da
economia, o rquis, pela sua disposio anatmica, representa
uma verdadeira harpa estendida no meio do tronco, espcie de
instrumento prismtico, prestes a receber e a seriar todas as
ressonncias que lhe chegam dos sentidos pelo crebro, ou das
vsceras pelo sistema ganglionar. o centro dos atos reflexos.
3o O encfalo, finalmente, alojado em uma caixa ssea re-
sistente e bem fechada, ocupa o alto do edifcio; , ao mesmo
tempo, o ponto de partida e de chegada de todas as expanses
nervosas, e tudo quanto parte deste santurio ou a chega, passa
por um dos desfiladeiros mais apertados do organismo o orif-
cio occipital.
A parte do rquis que atravessa esse orifcio com os seus a-
nexos ntimos forma o que se chama o bulbo ou medula alonga-
da; a, em nossa opinio, o ponto mais notavelmente interes-
sante da rede nervosa, e nunca seria demais chamarmos a aten-
o sobre essa regio enceflica, onde, indubitavelmente, vm
cruzar-se duas correntes antagnicas, das quais uma, a que chega
pelos sentidos, parte do exterior, e a outra, subindo pelo rquis,
parte do sistema ganglionar e do interior visceral.
Nesta regio, o coroamento da medula (camadas tico-
estriadas) e suas expanses (protuberncia anular, pednculos,
tubrculos, etc.) formam um ddalo complexo onde vm conver-
gir os nervos dos sentidos (paladar, olfato, viso, audio), e os
nervos que, por suas funes, esto mais ou menos afetos
expresso das emoes da alma ou ao ritmo do corao e dos
pulmes, tais como o pattico, o lacrimal, o facial, o trigmeo e
o pneumogstrico; este deve ser, de alguma forma, o rgo de
recepo do encfalo.
O cerebelo com seus dois lbulos, montado sobre a medula
alongada e suas irradiaes, vem completar o jogo desta regio
encfalo-raquidiana, desempenhando, fora das outras proprieda-
des fisiolgicas que se lhe podem atribuir, a importante funo
de obturador sobre o trajeto das correntes sensorial e visceral,
de que acabamos de falar.
-
Finalmente, os dois hemisfrios cerebrais, afetando a forma
de uma lentilha convexa, cuja concavidade estaria voltada interi-
ormente para o corpo, completam o encfalo, que pode conside-
rar-se como a sede das percepes e o instrumento das volies.
Digamos, de passagem, que rquis, medula alongada, cerebelo e
crebro, rgos de concentrao, so aparelhos de luxo que s
pertencem aos organismos superiores, contentando-se toda a vida
rudimentar com a disperso nervosa ganglionar, com suas aes
inconscientes e reflexas.
Tal o esboo sucinto do instrumento das ressonncias vitais;
esta exposio rpida bastar para tirar as consideraes que nos
restam deduzir.
O ser, em relao obrigatria e constante com o meio onde
chamado a viver, haure, por todas as radculas nervosas perifri-
cas, os elementos difusos do movimento que o cerca; congrega
esses elementos, canaliza-os e os diferencia por meio dos nervos;
estes, em vez de agirem eletricamente, como se poderia julgar,
preenchem o simples papel de condensadores, condutores,
modificadores das correntes, e do choque, cuidadosamente
ponderado, das ressonncias externas e internas, transmitidas ao
crebro, de um lado pela corrente sensorial, e do outro pela
corrente visceral, que nasce o equilbrio enorme; sob o influxo
combinado desses dois impulsos antagnicos, um externo e outro
interno, que o eretismo nervoso se acentua ou se distende, fazen-
do subir ou descer o diapaso do enormon (este estmulo-luz da
tonalidade) que leva diante do espelho cerebral a imagem mais
ou menos ntida do tronco orgnico e dos sentidos, e vai estimu-
lar esses atos de retorno espcie de reflexos luminosos a que
chamamos juzo, pensamento, volio e movimento.
Os sentidos, o crebro e o tronco formam, assim, um conjunto
harmnico de ressonncias de que so solidrios todos os ele-
mentos, e dos quais d Louis Lucas uma idia justa pela compa-
rao analgica seguinte:
Os sentidos e o tronco representam alternadamente, uns
frente aos outros, o papel de ocular ou de objetiva, conforme
se considerem de um ponto de vista diferente; quanto ao c-
-
rebro, representa a lente de campo, colocada no centro fo-
cal.
Toda a filosofia do sistema nervoso ali se acha, e a soluo do
problema que estudamos reside na questo do ponto de preparo;
para o fsico, esse preparo a sade; para o moral, a conscin-
cia e a razo. Se as foras centrfugas e centrpetas no se equi-
libram, se h desigualdade de sucesso ou de intensidade nas
disperses e condensaes, os elementos de eliminao e nutri-
o no mais se compensam; h flutuao nas funes orgnicas
e a molstia aparece; ao mesmo tempo, a lente cerebral, insufici-
entemente iluminada, no mais reproduz seno formas vagas e
confusas, contornos indecisos, cuja falta de nitidez e de propor-
es engendra a alucinao, a inconscincia e o sonho, que so
um caminho para a loucura.
A conservao da personalidade, a salvaguarda fsica e moral
do ser, dependem desse ponto de preparo, qualquer processo
capaz de manter esse equilbrio benfico; toda causa que dele
se afaste torna-se nociva.
Ora, se nos referirmos aos processos hipnticos e magnticos,
eis o que verificamos:
Os hipnotistas e os fascinadores, atuando diretamente sobre
os sentidos da vista e do ouvido por processos violentos ou
contnuos, produzem o eretismo desses sentidos; e, como toda a
tenso, toda a fora acumulada provocam um antagonismo
correspondente, resulta desses vivos ataques sensoriais uma
reao centrfuga; o impulso nervoso se acentua dos centros
periferia e traz, por disperso, um abaixamento sensvel da
produo da fora; do mesmo modo como, por meio dum comu-
tador, quando se abre bruscamente uma corrente eltrica, a
excessiva intensidade no ponto da partida pode comprometer o
trabalho das pilhas; de um lado, a perturbao trazida aos rgos
da vista e do ouvido, sustando e diminuindo a ao metral dos
sentidos, do outro lado, o abaixamento tensional do enormon
cessando de pr todos os pontos da rede nervosa em relaes
suficientes com os centros receptores, do lente cerebral uma
espcie de vaporizao que, produzindo na sensao uma falta
-
notvel de proporcionalidade, dispe o sonmbulo a todos os
desvios e a todas as iluses da idia improporcionada e o coloca,
assim, merc das mais extravagantes sugestes.
Demais, como todo excesso de disperso engendra tenses
musculares anormais (o que facilmente verificvel pela experi-
ncia), v-se desde logo desenvolver, sob a influncia dos pro-
cessos hipnticos, esta sucesso de movimentos neuromuscula-
res, espasmos, contraturas, catalepsia, que, travando o jogo das
rdeas orgnicas, produzem essas bruscas alternncias de disper-
ses e condensaes, que fazem suceder s vezes, de maneira
imprevista a hiperestesia, a paralisia, e vice-versa.
Enfim, o cerebelo, que consideramos como rgo obturador,
encarregado de regular at certo ponto as disperses vitais,
sofrendo a mesma influncia que as outras rdeas orgnicas,
rompe, obturando o desfiladeiro cerebral ou orifcio occipital, a
passagem das correntes que colocam o tronco e o crebro em
relao pelo rquis; em virtude da cessao momentnea dessas
relaes, os movimentos automticos inconscientes, que tm sua
origem na medula, predominam e o ser, de algum modo insulado
da influncia cerebral, acha-se num estado fisiolgico passagei-
ro, tendo alguma analogia com aquele que se verifica num
animal decapitado.
O excesso de disperso produzido pela violncia ou a conti-
nuidade dos processos hipnticos, no influencia somente o
movimento neuromuscular: extingue tambm, mais ou menos, a
sensibilidade perifrica; ora, quando o tato, sentido antagonista
dos sentidos cerebrais (viso, paladar, audio, olfato) chega, por
uma causa qualquer, a ficar paralisado ou obscurecido no seu
trabalho de equilibrao orgnica, produz-se um contra-golpe e
d-se a retroverso dos sentidos superiores.
Em resumo, as manobras hipnticas ativando o movimento de
concentrao dispersiva, impelem as correntes a se exterioriza-
rem, enfraquecem a tenso normal, perturbam mais ou menos a
harmonia do ponto de preparo, e nesse profundo ataque do
equilbrio vital, tendem a minorar, seno destruir, a unidade
fsica e consciente do ser.
-
No acontece o mesmo com os processos magnticos. Os
magnetizadores, em vez de atacarem a rede nervosa pelos senti-
dos, concentram sua ao sobre o centro nervoso mais importan-
te do sistema ganglionar: o plexo solar, ao qual, com razo,
chamou-se o crebro da vida orgnica; excluindo todo o ato
violento provocador, s procedendo por imbibio progressiva, e
influenciando o impulso nervoso pela extremidade diametral-
mente oposta quela que escolheram os hipnotistas, os magneti-
zadores atuam sobre a corrente que sobe em sentido inverso das
profundezas viscerais ao longo dos cordes, dos gnglios e dos
plexo do sistema ganglionar: acionando esse mecanismo compli-
cado, cujos meandros mltiplos parecem especialmente constitu-
dos pela natureza, para retardar, regularizando, o impulso ner-
voso para o crebro (do mesmo modo que, na circulao do
sangue, as vlvulas das veias retardam o impulso do sangue para
o corao), os magnetizadores regularizam melhor a ao pro-
gressiva de suas irradiaes, j to benficas por si mesmas,
submetendo-as ao mecanismo fisiolgico encarregado de receb-
las; essas irradiaes, enfraquecidas pelos gnglios do grande
simptico e da medula, sobem pelo rquis na direo da passa-
gem occipital, que atravessam sem embarao, porque o cerebelo,
que desempenha o papel de obturador nas invases violentas
suscetveis de comprometerem a integridade do ser, deixa, nesta
ocorrncia, passar a onda nervosa; esta onda vai, sem abalo e
sem choque, despertar no aparelho cerebral, na extremidade do
circuito, uma reao centrpeta, que fecha as vias externas,
retroverte os sentidos e traz consecutivamente a insensibilidade
perifrica. Aqui o fenmeno sob a influncia condensadora das
imposies magnticas se produz em sentido inverso; a retrover-
so dos sentidos acarreta a insensibilidade perifrica, como, h
pouco, a insensibilidade perifrica produzia a retroverso dos
sentidos; porque, no esqueamos, sob aparncias de similitude,
condensaes e disperses, produzem alternadamente efeitos
contrrios. No caso presente, a reao centrpeta, fechando as
vias que do acesso s ressonncias externas, favorece o movi-
mento de concentrao em vias de realizao, aumenta a fora
tensional do enormon, e, por uma isolao mais completa escla-
rece, acentuadamente, a lente cerebral. O ser assim separado do
-
mundo exterior, de algum modo voltado sobre si mesmo, se v
no aparelho cerebral; esse aparelho, colocado sobre o circuito
nervoso, do mesmo modo que o corao est colocado sobre o
circuito sanguneo, ope s tendncias condensadoras das aglo-
meraes capilares, viscerais e perifricas, a sua elevada potn-
cia centralizante. Impedindo a fora nervosa de se difundir s
cegas, atravs dos tecidos; evitando assim uma difuso, que
infalivelmente traria a runa da tonalidade, minorando a sua
tenso, regulando a onda nervosa, como o corao regula a onda
sangunea; mantendo, em outras palavras, a vibrao do ritmo
vital, o crebro se nos apresenta, neste equilbrio realizado pelos
processos magnticos, como o mais maravilhoso maquinismo
das combinaes misteriosas da vida orgnica. Os sentidos, em
vez de se exteriorizarem pela excitao, como nos fenmenos
hipnticos, recolhem-se calma mais absoluta em direo s
ressonncias do crebro, que formam como que uma espcie de
capital precioso de memria armazenada; por sua interveno, os
sentidos vem aumentar a prtica deste tesouro oculto e desen-
volver as faculdades sintticas do ser: no somente nada impede
o aparelho cerebral de pr-se em ao integralmente; mas, pelo
contrrio, tudo concorre para desenvolver os fenmenos do
entendimento e da vontade: cada vibrao nervosa, por mais leve
que seja, faz soar o teclado cerebral, tanto mais sensvel quanto
mais equilibrado for; cada idia leva a no somente a sua resso-
nncia individualizada, mas todas as ressonncias da srie, do
mesmo modo que em acstica toda nota fundamental arrasta
aps si a srie infinita das harmnicas, e assistimos assim
realizao do fenmeno da origem e da associao das idias.
Nesse estado de concentrao equilibrada, tudo se encadeia e
se coordena; cada centro nervoso, subordinado ao seu vizinho
hierrquico, ao mesmo tempo suscetvel de determinar e man-
ter os movimentos que lhe so prprios; os gnglios do grande
simptico coordenam as energias dos elementos dos tecidos; os
gnglios da medula espinhal coordenam as funes dos centros
orgnicos; os centros sensoriais verificam os centros espinhais, e
todo o conjunto nervoso vem sintetizar-se nos dois lbulos
cerebrais, realizando assim a mais elevada manifestao da
-
individualizao. No h, como sob a influncia das manobras
hipnticas, predominncia tirnica de um dos lados da alavanca
ertica sobre o outro; a vontade, produto dum antagonismo
equilibrado, no est submersa pela falta de coordenao dos
centros; ela persiste e mantm, assim, a integridade do eu cons-
ciente. Em outras palavras, h subordinao mtua de todas as
partes, e por conseguinte equilbrio; e deste equilbrio nasce a
penetrao profunda e de longo alcance da clarividncia magn-
tica, desconhecida em Hipnotismo.
Desse equilbrio promanam, igualmente, todas as virtudes cu-
rativas do sono no provocado, equilbrio que, devemos repeti-lo
saciedade, se produz sob a influncia da magnetizao mesme-
riana, fora de todo sono, e que as manobras artificiais e violentas
dos hipnotistas no poderiam por preo algum determinar.
-
CAPTULO IV
Estudo comparado, sob o ponto de vista
curativo, dos efeitos hipnticos e magnticos
O Hipnotismo e suas virtudes curativas, segundo os partidrios desse mtodo. O Hipnotismo e seus perigos: proibio das experincias pblicas pela autoridade administrativa. Opinio dos magnetistas, Aubin Gauthier, Jussieu, Puysgur, Bruno, Dr. Roullier, Deleuze, Msmer. Nossas averiguaes pessoais. Experincias feitas sobre os animais, por La Fontaine, Dr. Harting e Beckensteiner. Generalizao dos processos magnticos, sua aplicao s degenerescncias dos tecidos e dos rgos. Exem-plos de curas: cura de uma artrite crnica causada por uma entor-se; cura de uma hemiplegia facial, conseqncia de uma crie do rochedo; cura de um quisto multilocular.
Se admitirem-se as consideraes fisiolgicas que desenvol-
vemos no captulo precedente, no necessrio possuir grandeza
de esprito para pronunciar-se a priori sobre as vantagens, sob o
ponto de vista curativo, que deve apresentar um dos dois mto-
dos sobre o outro; evidente que os processos, fazendo apelo ao
equilbrio vital e contribuindo para restabelecer esse equilbrio,
devero sob todos os pontos de vista possuir mais elevadas
virtudes curativas do que aqueles que tendam manifestamente a
destruir esse equilbrio, provocando perturbaes profundas no
organismo.
Entretanto, apesar disso, os hipnotistas apresentam seu mto-
do como podendo dirigir-se a certas molstias que a medicina
comum impotente para curar:
Pela maneira com que o Hipnotismo impressiona o sis-
tema nervoso diz Braid , possui o poder de curar rapida-
mente numerosas desordens funcionais intratveis ou intei-
ramente incurveis pelos medicamentos ordinrios, assim
como um grande nmero dessas afeces dolorosas que, na
maioria, no sendo acompanhadas de modificaes patol-
gicas na estrutura dos rgos, so chamadas, assim o con-
fessam todos, perturbaes nervosas, e dependeriam de
um estado especial do sistema nervoso.
-
Desordens funcionais e perturbaes nervosas, tal deveria ser
o campo acanhado das virtudes curativas do Hipnotismo; pela
prpria confisso dos partidrios deste mtodo, toda a teraputi-
ca hipntica se resumiria, pois, no seguinte: opor uma desordem
a uma outra desordem; obtm-se a ordem da confuso, por
simples acaso, do mesmo modo que se atira uma moeda para o ar
a fim de ver se cai em cunho ou coroa; quanto s leses orgni-
cas profundas, que exigiam para sua reparao o concurso equi-
librado de todas as foras vitais do ser, os hipnotistas, bem
entendido, colocaram-nas fora de sua competncia; tiveram
razo, porque a base de seu mtodo curativo sendo a sugesto,
isto , o assenhoreamento das faculdades volitivas do sonmbulo
s do operador, no podiam eles cogitar de educar, pela nica
influncia exterior de que dispem, outra coisa mais do que
simples hbitos fsicos ou morais. Compreende-se facilmente
que, pela fora imperativa da vontade, se possa agir em certos
limites sobre um ser crdulo e inconsciente, como o todo o
sensitivo hipotxico colocado artificialmente no estado hipotxi-
co. Sugere-se a um menino que no mais seja preguioso, a um
brio que no beba mais, a um mentiroso que fale verdade; mas
o que j no seria compreensvel, que uma sugesto, por mais
enrgica que fosse, pudesse chegar a reduzir uma luxao, a
combater uma crie, ou a desembaraar o organismo de um
quisto ou tumor.
Os efeitos benficos que os hipnotistas atribuem aos seus
processos (nos limites restritos que eles prprios fixaram), nos
parecem ainda muito contestveis; no somos os nicos a emitir
esta apreciao, que tende, desde alguns anos, a generalizar-se;
por toda a parte em que outrora as experincias de hipnotismo e
fascinao alcanaram to grande voga, o governo interveio e
proibiu-as no interesse da sade pblica.
Depois de se haver sido de uma excessiva tolerncia a esse
respeito, comea-se, finalmente, a ouvir as judiciosas advertn-
cias dos magnetizadores que, com reserva prudente, inspirada
por sua grande experincia, no cessavam de dizer a quem
quisesse ouvi-los: No faais experincias. No as faais nunca.
So mais que inteis, so perigosas... Limitai-vos a observar as
-
crises produzidas pela Natureza no decurso dum tratamento. Eis
a as nicas experincias permitidas, porque, se aproveitarem
observao, aproveitam tambm ao doente.
Desde a primeira ocasio em que me ocupei de magne-
tismo diz Aubin Gauthier , reconheci que as experincias
eram to inteis quo perigosas; sempre protestei contra as
que vi fazer, e nunca quis assistir a nenhuma dessas experi-
ncias tantas vezes acorooadas ou ridicularizadas por um
pblico ignorante ou estpido, desconfiado ou presunoso, e
algumas vezes tendo tudo isto ao mesmo tempo.
Aubin Gauthier est de acordo, neste ponto, com todos os
bons magnetizadores e eis aqui a opinio deles, a fim de que no
procurem contestar a sua:
De Jussieu: Cortemos cuidadosamente da prtica todas as
experincias de curiosidade, que so a magia do Magnetis-
mo e que uma judiciosa medicina rejeita como inteis, mui-
tas vezes ilusrias, algumas vezes nocivas, e sempre pouco
dignas de preocuparem homens encarregados de maiores
interesses.
De Puysgur: Se eu pudesse dar um conselho sobre a
maneira de proceder, diria a todos os magnetizadores que o
meio mais seguro de obterem boas experincias nunca
procurarem faz-las; curar, eis o nico objetivo que se deve
ter.
De Bruno: A maioria das experincias de v curiosidade
so inteis e podem tornar-se perigosas.
Dr. Roullier: Cedendo muito facilmente ao desejo dos
que no conhecem o Magnetismo seno pelo que ouviram
falar a respeito, exponde-vos muitas vezes se no sois do-
entes ou sofredores a uma nulidade de efeitos que substi-
tui, no esprito deles, a disposio confiana pela dvida e
incredulidade. Evitai expor o Magnetismo em espetculos, e
principalmente como diverso dos curiosos, fazendo o que
se chama prodgios de fora. O Magnetismo no deve ser
tratado como se fora fantasmagoria.
-
Deleuze: Sendo a faculdade de magnetizar ou a de bene-
ficiar os seus semelhantes pela influncia da vontade, a mais
bela e a mais preciosa que dada ao homem, cumpre que
encaremos o exerccio do Magnetismo como ato que exige o
maior recolhimento e a maior pureza. , pois, uma espcie
de profanao magnetizar por divertimento, por curiosidade,
pelo desejo de mostrar efeitos singulares.
Esta unidade dos mestres em magnetismo, pronunciando-se
contra toda provocao inslita dos fenmenos, no somente
baseada no respeito com que eles queriam envolver os seus atos,
mas tambm porque consideravam essas perigosas provocaes
como profundamente nocivas s pessoas que servem de sonm-
bulos nas experincias.
Atuando-se sobre uma pessoa por divertimento, para fa-
zer ato de caridade e mostrar a sua fora, excitam-se movi-
mentos nervosos que fatigam e podem comprometer a sa-
de. diz Aubin Gauthier.
O Magnetismo deve ser empregado com precauo e
pouco a pouco; se se empregar de sbito uma fora extraor-
dinria, proporciona-se o mal em vez do bem. acrescenta
Deleuze.
Ainda mais explcito afirma o Dr. dEslon: Se em lugar
de se pensar na sade do doente, s se procura sonambuliz-
lo, e para obteno deste resultado, concentra-se a ao so-
bre um rgo (particularmente sobre o crebro), pode resul-
tar da inconvenientes graves, ou, pelo menos, incmodos
desagradveis.
Assim, todos os que se tem seriamente votado prtica do
Magnetismo tendo em vista aliviar os doentes, deploram (estan-
do frente deles Jussieu) que se tenham empenhado nas gran-
des especulaes, nas grandes experincias, que no so mais do
que a parte espetaculosa e talvez errnea do mtodo; e que
tenham deixado de lado a parte prtica, a nica verdadeiramen-
te slida e essencial.
-
O prprio Msmer, nos seus aforismos, condena todo gnero
de excitao:
Quando se excitam crises violentas em um sonmbulo
diz ele (Aph. 342) , entretm-se nos rgos um estado de
elasticidade forada, que diminui na fibra a faculdade de re-
agir sobre si mesma e sobre os humores que ela contm;
donde se segue uma espcie de inrcia entretendo o estado
contra-natureza que se ocasiona.
Msmer, com os seus tratamentos pblicos e a sua famosa
cmara das crises, parece, entretanto, em contradio com seus
prprios princpios; seus inimigos no puderam deixar de revol-
tar-se nesse ponto, e vivamente criticaram os seus discpulos,
dizendo-lhes: Como? Condenais toda manifestao espetaculo-
sa, toda experincia pblica, quando o vosso mestre dava cotidi-
anamente o exemplo daquilo que proibis?...
A isso responderemos que preciso ter em vista as circuns-
tncias e dificuldades dum comeo; Msmer, apesar de todos os
inconvenientes previstos, devia passar por elas, a fim de tornar
conhecido e propagado o seu mtodo; oberado pelo nmero de
assistentes nos tratamentos pblicos que inaugurara, no queren-
do deixar os doentes expostos a serem tocados por todos, foi, por
assim dizer, constrangido a organizar a cmara das crises; mas
seus processos foram em breve conhecidos por grande nmero
de iniciados; estes julgaram-se autorizados a invadir o santurio,
para verem melhor os doentes: a cmara das crises tornou-se
ento um lugar banal, cuja entrada o mestre no teve foras para
proibir. Nada veio suavizar os desgostos do homem honesto,
forado a deixar assim profanar os meios empregados, diz de
Puysgur. Msmer lastima-se amargamente, nas suas memrias,
das exageraes, dos abusos e dos absurdos, aos quais a sua
descoberta deu lugar, e das estranhas aplicaes feitas por
homens que s dispunham dum conhecimento muito superficial
do assunto. Que diria hoje o mestre em face dos desvios funestos
a que se inclinam os princpios hipnticos adotados e preconiza-
dos pela cincia oficial?
-
Que severo exame de conscincia devem fazer todos aqueles
que, num interesse restrito e privado, falsearam as admirveis
trilhas da Natureza em detrimento de toda a humanidade!...
Tem-se podido averiguar as deplorveis conseqncias da
hipnotizao repetida. Na poca em que as experincias pblicas
de fascinao experimental tinham to grande voga em Paris,
seguia eu essas experincias com muito interesse e tive ocasio
de averiguar, de moto-prprio, que vrios mancebos, servindo
habitualmente de sonmbulos nas representaes pblicas, foram
obrigados a renunciar a um exerccio que os fatigava; um deles,
estudante numa escola dentria, sensitivo e de constituio frgil,
queixava-se de ter ficado completamente arruinado por aquelas
hipnotizaes repetidas, e fora coagido a abandon-las; no mais
podia, durante o dia, entregar-se aos seus afazeres profissionais
sem adormecer; a ateno acurada que era obrigado a prestar na
disposio das peas, o luzimento do ao dos instrumentos que
empregava, bastavam para hipnotiz-lo, e pouco a pouco resvala-
ra para uma inervao e marasmo comprometedores da sua
sade.
As experincias feitas com animais so talvez mais conclu-
dentes ainda do que as que tm sido feitas com o homem.
Os experimentadores, no tendo a temer as conseqncias de-
sagradveis das suas tentativas, no duvidaram levar as experi-
ncias at limites extremos, a fim de melhor esclarecerem a sua
opinio. La Fontaine, em seu livro. LArt de Magntizer, cita
vrios exemplos da fora do olhar nos animais e as terrveis
conseqncias que essas experincias podem ter para eles;
colocando uma r num frasco sem cor, de 15 centmetros de
dimetro por 30 de altura, comeou a hipnotizar com o olhar; a
r principiou a saltar e agitar-se; depois, passados alguns mo-
mentos, imobilizou-se, o seu olhar fixou-se no do operador como
se no pudesse mais desprender-se; da a pouco, a boca contrada
abriu-se, membros enrijeceram-se, o animal expirou; toda a
experincia havia gasto treze minutos.
La Fontaine pretende ter muitas vezes repetido essa experin-
cia com o mesmo resultado em cobras, lagartos e sapos. Em
apoio da citao de La Fontaine, referiremos um fato relatado
-
pelo Sr. Milne-Edwards Academia das Cincias, na sesso de
13 de fevereiro de 1882: o Sr. Harting, professor na Universida-
de de Utrecht, fez experincias de hipnotizao contnua em
galinhas, pombos, coelhos, que tiveram, no decorrer do tempo, o
mesmo resultado que as fascinaes operadas por La Fontaine.
Se a hipnotizao por diversas vezes repetida sobre o
mesmo indivduo diz o Sr. Harting , o seu sistema nervo-
so torna-se profundamente abalado. Eu possua seis gali-
nhas, que, com intervalos de dois ou trs dias, foram subme-
tidas hipnotizao. Cerca de trs semanas depois, uma ga-
linha comeava-a manquejar; em breve declarou-se uma
hemiplegia e o animal morreu. Aconteceu o mesmo com as
outras cinco: foram todas atacadas de hemiplegia, umas aps
outras, se bem que com intervalos de tempo muito diferen-
tes. Em trs meses tinham morrido todas as galinhas.
Esta experincia deve tornar-nos muito circunspectos,
quando tratarmos de aplicar o Hipnotismo espcie huma-
na.
Finalmente, um terceiro gnero de experincia, vindo reunir-
se s citaes precedentes, bem de molde a pr-nos em guarda
contra todo o processo de exteriorizao violenta, aplicado ao
organismo. O gato, muito amante de carcias, o animal que
melhor se presta, talvez, magnetizao ordinria; verdadeiro
reservatrio magntico, como todos os animais de plo compri-
do, condensa as correntes com tal potncia que, em certas condi-
es de temperatura, pode emitir fascas. Dessa disposio fcil
aproveitar-se para a experincia seguinte: Quando houver tempo
frio e seco, cu descoberto e temperatura abaixo de zero, tomai o
animal nos vossos joelhos, colocai a mo direita sobre a nuca e
os dedos da mo esquerda, em ponta, na direo do epigstrio;
fazendo com a mo direita alguns passes apoiados e rpidos
sobre a coluna vertebral, do comeo da nuca cauda, determina-
reis uma descarga que d uma fasca bastante forte; o gato, que
de ordinrio experimenta um prazer sensvel aos passes brandos
e lentos, feitos ao longo da espinha dorsal, e d testemunho de
contentamento pelo ronron que emite e o encurvamento da
-
espinha, nesta emergncia escapa-se precipitadamente, depois do
choque que lhe produzis; de mau grado se presta a uma segunda
prova; e se conseguirdes renovar esta experincia muitas vezes,
ele torna-se triste, enlanguesce e morre. Um eletricista distinto,
que por muito tempo morou em Lio, o Sr. Rickensteiner, refere
um fato destes, na sua obra sobre eletricidade.
No ser de admirar que por essas descargas repetidas, que
exteriorizam bruscamente as correntes num aparelho orgnico
to especialmente disposto para condens-las, se prive o animal
de uma parte essencial de suas reservas, e assim enfraquecendo-
lhe as faculdades condensadoras, seja colocado na impossibili-
dade de reparar suas perdas. Toda a causa provocadora, violenta,
tendendo a uma brusca exteriorizao das correntes, to funes-
ta ao organismo como a ao repetida e contnua das excitaes
sensoriais; uma excessiva despesa fsica num curto espao de
tempo, uma viva e brusca emoo moral, certas medicaes
chamadas hericas, uma hipnotizao repetida, uma fadiga
contnua trazem, igualmente, por perda progressiva ou por
descarga fulminante, a runa de nossas foras.
Evitemos, pois, a potncia dispersiva dessas vibraes de de-
sigual intensidade, que, por seu efeito contnuo ou choque, se
atiram mais ou menos diretamente reserva de nossas foras
capitalizadas e podem, mau grado nosso, nos arrebatar a essncia
da nossa vitalidade, nosso supremo recurso, guisa dos ladres
que durante a noite roubam o nosso tesouro. Convm manter-
mos, por todos os meios de que pudermos dispor, a igualdade da
nossa tenso vital; essa tenso equilibrada que, por seu turno,