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ASSENTAMENTOS RURAIS NO ESTADO DO AMAPÁ: UMA VISÃO DA
REALIDADE
Irenildo Costa da Silva Universidade Federal do Amapá - UNIFAP
silvaic2009@hotmail.com
Antônio Sérgio Monteiro Filocreão Universidade Federal do Amapá - UNIFAP
filocreao@unifap.br
Roni Mayer Lomba Universidade Federal do Amapá - UNIFAP
ronimayer@hotmail.com
Resumo Esta pesquisa tem como objetivo analisar a situação e as realidades dos assentamentos rurais do Estado do Amapá. A metodologia adotada embasou-se no levantamento de informações em setores que estão relacionados com o desenvolvimento e manutenção dos assentamentos. Constatou-se que o Amapá possui 40 projetos de assentamentos ocupando uma área de 2.125.329,0112 hectares, o que corresponde a 14,88% da área total do Estado, sendo jurisdicionados por quatro instituições. Os assentamentos estão envoltos de várias problemáticas que interferem fortemente no estimulo dos assentados em continuarem suas lutas para sobreviver em um pedaço de terra, onde ficam quase que abandonados pelas políticas do Estado. Diante disto, tem-se necessidade da urgência de políticas bem formuladas e estruturantes para que ocorram novos rumos para o desenvolvimento nos assentamentos rurais do Estado. Palavras-chave: Estado do Amapá. Assentamentos rurais. Problemáticas.
Introdução
Discutir sobre questões de assentamentos rurais, seja em nível local, regional ou
nacional é um debate que merece ser levantado quando da situação em que se encontra
o contexto agrário na nossa realidade. Apesar da tentativa de vários setores em criar
mecanismos que venham amenizar as disparidades da distribuição de terras no Brasil,
ainda há muito o que se fazer para se avançar neste sentido.
Percebe-se ainda no quadro atual brasileiro, a existência de muita terra nas mãos de
poucos, contexto este agravado na Amazônia. E do contrário, muitos brasileiros na
tentativa de conseguir um espaço para produzir ficam a revelia das decisões e interesses
políticos.
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Nada distante deste cenário, com relação às problemáticas de distribuição de terras e
manutenção das pessoas em seus lotes, encontra-se o Estado do Amapá com as suas
muitas limitações e dificuldades para administrar e gerenciar os seus assentamentos.
As políticas de assentamentos rurais e a luta pela terra apresentam-se como formas de
conflitos e controle social na inexistência de uma política efetiva de reforma agrária. A
precariedade e a dificuldade que as famílias sem um pedaço de terra enfrentam, revelam
a importância que o Estado tem dado à essa questão.
O Estado do Amapá está localizado na região norte do Brasil e possui uma extensão
territorial de 142.827,89 km2, distribuída por 16 municípios. Em relação ao contingente
populacional, o Estado tem uma população de 669.526 pessoas, sendo que 89,8 % das pessoas
estão residindo na área urbana do Estado e apenas 10,2% da população localiza-se em área
rural. A densidade demográfica deste Estado amazônico é baixa, apresentando 4,69 pessoas por
km2 (IBGE, 2010).
As terras do Estado estão sob jurisdição de 4 órgãos, sendo eles o: Instituto de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que possui sob sua jurisdição 41% das terras
do Estado, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)
que possui sob sua jurisdição 40% das terras, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
que possui 8% e o Instituto do Meio Ambiente e de Ordenamento Territorial do Amapá
(IMAP) que tem sob sua jurisdição 11% das terras do Estado (IMAP, 2010).
Apesar de ser detentor de uma enorme extensão territorial, apenas 11% das terras do
Estado do Amapá encontra-se tituladas (regularizadas). Esta situação faz com que o
Estado deixe de receber e acessar a muitos programas que ajudariam no seu
desenvolvimento (INCRA, 2011).
Desta forma, o Estado fica limitado a usufruir de muitos benefícios que são
importantíssimos para o crescimento da dinâmica econômica, entres eles pode-se citar,
o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) e o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), - que são linhas de créditos - que,
para serem acessadas, têm como um de seus pré-requisitos a regularização fundiária. A
estas limitações, soma-se a restrição imposta pelo IMAP que não mais aprova planos de
manejo em terras não tituladas.
A ausência de regularização fundiária vem acarretando conflitos fundiários, a grilagem
e venda de terras públicas, crimes ambientais, evasão de tributos e perda de créditos
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bancários para atividades do setor primário, devido à falta de documentos que garantam
a titularidade da terra.
As terras do Estado do Amapá estão distribuídas e destinadas de diferentes formas,
sendo que 44,7% das terras estão ocupadas por Unidades de Conservação (39%
unidades federais e 5,7% unidades estaduais), as terras indígenas ocupam 8,37% das
terras, as glebas do estado 12%, as glebas transferidas ao estado 10,05%, as áreas
tituladas 11% e os assentamentos (federais, estaduais ou municipais) que detêm 14,88%
das terras do estado, o que corresponde a 2.125.326 hectares (IMAP, 2010).
Estes últimos (os assentamentos) são o foco de análise deste trabalho, que tem como
objetivo apontar a situação e as realidades dos assentamentos rurais existentes no
Estado do Amapá, discutindo fatores como localização, assistência técnica, transporte,
apoio social, eletrificação, questão ambiental, produção e comercialização dos produtos
produzidos pelos assentados.
Como metodologia para alcançar o objetivo proposto, este trabalho embasou-se em
informações levantadas e adquiridas em setores que estão relacionados com o
desenvolvimento e manutenção dos assentamentos no Estado do Amapá, em entidades
como o INCRA e o IMAP.
Também foi de fundamental importância a realização de entrevistas com pessoas
ligadas a estes órgão públicos para compreender os problemas relacionados com as
realidades dos assentamentos localizados no Estado do Amapá.
De posse dos dados e informações colhidas nas instituições governamentais, foram
feitas as análises e reflexões de acordo com o objetivo proposto, o que permitiu a
discussão dos resultados e a formulação de conclusões sobre a realidade da situação
atual dos assentamentos rurais no Amapá.
Contexto das políticas de reforma agrária e assentamentos na Amazônia
É com a criação do INCRA em 1970, que tem como finalidade promover, executar e
controlar a reforma agrária, que nasce todo um esquema de colonização em larga escala
para a maior porção do espaço nacional, a Amazônia (BECKER, 1990).
Ainda segundo esta autora, o contexto de criação do INCRA se realiza justamente no
sentido de distribuir terras, mas sob o controle do Estado, estimulando, orientando e até
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mesmo prevenindo os movimentos espontâneos da população. Trata-se de uma
estratégia de retirar terras do controle dos governos estaduais para o governo central.
Esta estratégia é compreendida como uma forma de solucionar conflitos de ordem
sociais, distribuindo terras a produtores sem terra e promovendo o povoamento da
fronteira em locais estratégicos e criando ao mesmo tempo “bacias de mão-de-obra” em
nível local.
As políticas de assentamentos rurais, seja na Amazônia ou em nível nacional, são
colocadas como formas de resultados de conflitos e controle social, oriundas da
inexistência de políticas de reforma agrária. A Amazônia em todo o seu contexto de
conflito pela ocupação e uso da terra nunca teve de fato uma reforma agrária (PASQUIS
et. al. 2005).
Pois segundo este autor, a reforma agrária está centrada em um conjunto de políticas e
ações que convergem para o processo de redistribuição de terras não produtivas, de
maneira a promover a função social da terra e combater a concentração fundiária, fato
este que não acontece na Amazônia.
O Estado, sendo o agente responsável pela promoção da reforma agrária e implantação
de assentamentos tem se omitido, no sentido em que se verifica as precariedades e as
dificuldades que as famílias sem terra enfrentam.
A introdução dos assentamentos em diversos contextos regionais e nas relações de
desenvolvimento local, tem se constituído em uma problemática, ressaltando a
existência de tensões entre as práticas e as ações dos diferentes agentes, compreendidos
no âmbito dos agentes políticos, assentados, assistência técnica, agentes de
financiamento entre outros, que intensificam-se no campo das diferentes forças sociais
que disputam os destinos da reforma agrária.
Becker (1990) relata que os assentamentos na Amazônia são de estreita relação com os
projetos oficiais de colonização para a região que teve inicio com o Programa de
Integração Nacional (PIN).
Este programa previa que os projetos de colonização teriam sua localização numa faixa
de 100 km de cada lado de qualquer rodovia federal, desta maneira sendo concebidos
num esquema de urbanismo rural a ser implantado nas chamadas áreas de vazio
demográfico.
De inicio os projetos de colonização previam a distribuição de 100 hectares aos colonos
que teriam numa rede hierarquizada de núcleos urbanos a base para a sua organização.
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Vários tipos de projetos foram implantados na Amazônia sob diferentes graus de
responsabilidade do Instituto de Colonização e Reforma Agrária, destacando-se o PIC
(Projeto Integrado de Colonização) e o PA (Projeto de Assentamento) ou PAR (Projeto
de Assentamento Rápido) (BECKER, 1990).
Os projetos integrados de colonização (PIC) davam responsabilidade ao INCRA de se
encarregar de organizar todo o assentamento, inclusive de assistência financeira e
técnica aos colonos; nos projetos de assentamento (PA) e projetos de assentamento
rápidos (PAR), o INCRA tinha a sua responsabilidade reduzida a simples demarcação e
titulação das parcelas ocupadas espontaneamente. Os projetos do tipo PIC eram os que
apresentavam maior assistência técnica aos colonos.
Quando no contexto amazônico, o governo passou a privilegiar a apropriação privada da
terra e o fluxo de migrantes não pode ser controlado, ocorreu a intensificação de
conflitos, o que somados a crise econômica dos anos de 1970 alterou as estratégias de
colonização, pois rapidamente os assentamentos se multiplicaram o que não foi
acompanhado pelos programas de assistência aos colonos, principalmente, pelos
serviços de assistência técnica (BECKER, 1990).
Quando o fluxo populacional excedeu em muito à capacidade de controle do INCRA, o
Estado foi obrigado a se adaptar as novas demandas, tendo que recorrer à novas formas
de assentamentos que se tornaram cada vez menores e com menos investimentos do
Estado. Os novos assentamentos que iam surgindo ficaram quase que praticamente sem
apoio de serviços do Estado. Muitas famílias que vieram para a Amazônia não
conseguiram terras e este cenário resultou na intensificação de invasões de muitos locais
e na explosão de muitos conflitos, onde muitos assentamentos passaram a surgir de
forma espontânea.
Os assentamentos rurais no Amapá
O Estado do Amapá atualmente possui 40 projetos de assentamentos rurais, que ocupam
uma área de 2.125.329,0112 hectares, o que corresponde a 14,88% da área total do
Estado. Os assentamentos estão distribuídos entre várias jurisdições.
Dos 40 projetos de assentamentos presentes no Estado do Amapá, 30 estão sob
jurisdição do Instituto de Colonização e Reforma Agrária, 8 estão sob jurisdição do
Instituto do Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Estado do Amapá , 1 está sob
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jurisdição do poder Municipal (Município de Laranjal do Jarí-AP) e 1 encontra-se sob
jurisdição do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO).
Todos os assentamentos são reconhecidos pelo INCRA, mas somente 30 são
gerenciados por este instituto (Tabela 1).
Tabela 1 – Assentamentos rurais do Estado do Amapá, por município de localização, jurisdição, área, capacidade de famílias e número de famílias assentadas. Nome do Assentamento Município Jurisdição Área (ha) C.F F.A PA Piquiá do Amapá Amapá INCRA 3.670 67 64 PA Cruzeiro Amapá INCRA 5.930 96 92 PA Carnot Calçoene INCRA 31.957 306 275 PA Mutum Calçoene IMAP 7.000 90 82 PA Lourenço Calçoene INCRA 26.000 266 263 PDS Irineu e Felipe Calçoene INCRA 10.681 213 192 PA Ferreirinha Fer. Gomes INCRA 5.389 133 128 PA Itaubal Itaubal INCRA 13.535 250 186 PA Casulo /Maria de Nazaré L. do Jarí Municipal 3.000 100 95 PA Corre Água Macapá INCRA 210.200 105 101 PA Padre Josimo Macapá IMAP 352 55 53 PA Drª Mércia Macapá IMAP 571 73 67 PA Santo Antônio da Pedreira Macapá IMAP 717 97 95 PAE Ilha Curuá Macapá IMAP 26.777 1.484 1.112 PAE Ilha do Marinheiro Macapá IMAP 1.946 976 720 PAE Ilha do Franco Macapá IMAP 10.501 820 340 PAE Ilha do Brigue Macapá IMAP 2.500 760 475 Ipixuna Miranda Macapá INCRA 2.849 100 52 PA Piquiazal Mazagão INCRA 26.000 650 207 PAE Maracá Mazagão INCRA 569.208 1.500 1.485 PA Pancada do Camaipí Mazagão INCRA 24.055 400 393 RESEX do Rio Cajarí Mazagão ICMBIO 501.651 1.500 1.462 PAE Barreiro Mazagão INCRA 2.113 72 65 PA Vila Velha do Cassiporé Oiapoque INCRA 28.000 170 149 PA Igarapé Grande Oiapoque INCRA 1.770 35 32 PA Perimetral Pedra Branca INCRA 34.000 680 377 PA Pedra Branca Pedra Branca INCRA 251.188 400 388 PA Munguba Porto Grande INCRA 37.500 649 314 PA Nova Colina Porto Grande INCRA 26.643 309 303 PA Manoel Jacinto Porto Grande INCRA 16.391 270 249 PA Nova Canaã Porto Grande INCRA 20.554 340 323 PA Cujubim Pracuuba INCRA 13.000 220 218 PA Matão do Piaçaca Santana INCRA 42.904 600 560 PAE Anauerapucu Santana INCRA 37.058 519 517
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PA Serra do Navio Serra do Navio INCRA 25.000 250 122 PA Bom Jesus Tartarugalzinho INCRA 33.031 450 446 PA Cedro Tartarugalzinho INCRA 47.970 600 598 PA São Benedito do Aporema Tartarugalzinho INCRA 2.900 54 53 PA Nova Vida Tartarugalzinho INCRA 9.511 185 183 PA Governador Janary Tartarugalzinho INCRA 11.304 200 198
Total geral: 40 Projetos 2.125.326 16.044 13.034 Fonte: INCRA-AP (2011). Nota: C.F= capacidade de famílias; F.A= famílias assentadas. Os assentamentos localizados no Estado do Amapá têm a capacidade de atender 16.044
famílias. Deste total, segundo observa-se na tabela 1, 13.034 famílias já ocupam os lotes
disponíveis nos assentamentos. Isto significa que ainda existem disponíveis 3.010 vagas
a serem ocupadas, ou seja, os assentamentos estão ocupados em 81,23% da sua
capacidade de atendimento.
O município do Estado do Amapá que concentra o maior número de assentamentos é
Macapá, capital do Estado, no qual 9 assentamentos estão inseridos, ocupando uma área
de 256.413,3234 hectares, o que corresponde à 39,07% da área total do município
(656.240 ha).
Os assentamentos rurais não estão presentes em todo o Estado (Mapa 1). Eles ocupam
áreas de 14 dos 16 municípios. Os municípios de Cutias e Vitória do Jarí não possuem
nenhum assentamento.
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Mapa 1 – distribuição dos assentamentos no Estado do Amapá.
Fonte: Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá – IEPA, 2012.
De inicio, muitos dos assentados receberam algumas formas de apoio que são realizadas
no intuito de assegurar os meios de sobrevivência, produção e permanência do homem
no campo. Uma das primeiras ações disponibilizadas pela estrutura governamental
refere-se à aplicação de créditos para instalação, sendo este o apoio inicial visando à
aquisição de materiais para a construção de moradias.
Cabe ao governo também se responsabilizar em prover a infraestrutura básica de
acessibilidade para os assentados, com a construção de estradas e pontes o que é
somado à demarcação dos lotes e a titulação dos mesmos.
Ainda outros serviços e ações são, apesar de timidamente, realizados pelo governo,
como o apoio a produção por meio de fomentos e incentivo à obtenção de créditos,
principalmente, os de origem do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF), os serviços de assistência técnica em consonância com o Instituto
de Desenvolvimento Rural do Estado do Amapá (RURAP), e outras ações que visam o
bem estar dos assentados, sejam no aspecto social, econômico, político e ambiental.
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No entanto, as ações do governo não estão sendo bem executadas nos assentamentos do
Estado, pois grande parte dos assentamentos convivem com os problemas de
infraestrutura de toda a natureza, com a deficiência ou até mesmo a falta de amparo à
saúde e carência de estradas. Com isto, pode inferir-se que a precariedade nos
assentamentos do Estado é grande, o que requer a urgente atuação dos programas
criados (fomentos, crédito/financiamento, cursos, ações sociais, infraestruturas entre
outros), com a finalidade de prover o desenvolvimento nos assentamentos.
No Estado, os assentamentos presentes estão envoltos de várias deficiências que têm o
seu inicio desde a criação de muitos, problemáticas estas que interferem fortemente no
estimulo dos assentados em continuarem suas lutas para sobreviver em um pedaço de
terra, onde ficam quase que abandonados pelas políticas do Estado.
Muitos dos assentamentos presentes no Estado não surgiram de forma planejada, ou
seja, não fizeram parte das programações dos órgãos responsáveis pelas questões
territoriais no Estado, e por isso foram surgindo de forma aleatória em vários locais.
Segundo o Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas do
Estado do Amapá (PPCDAP, 2009), a maioria dos assentamentos do Estado surgiu
espontaneamente, a partir da invasão de terras públicas por grupos de pessoas,
especialmente de nordestinos, e somente depois coube ao INCRA apenas o papel de
“regularizador”. Após o ano de 2000 é que o INCRA passou a direcionar os
assentamentos, o que começou pela escolha das áreas para os futuros assentamentos no
Estado.
Em termos de produção nos assentamentos do Estado, a configuração básica da área
produtiva é a pequena agricultura de caráter eminentemente familiar. Nos
assentamentos, em geral, predomina o cultivo de pequenas roças de lavouras anuais,
centradas, especialmente na cultura da mandioca (utilizada na produção da farinha) e
em algumas situações em consórcio com outros cultivos, como arroz e feijão.
Segundo o PPCDAP (2009), o uso da terra nos assentamentos segue o modelo vigente
no restante do Estado, iniciando pela extração da madeira e produção de lenha,
queimada, seguida pela introdução de “roças” de mandioca, base econômica de todas as
propriedades.
No que se refere à agregação de valor da produção nos assentamentos, a dinâmica
produtiva não segue rigorosamente os padrões de sistemas produtivos, ditos modernos,
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uma vez que as práticas produtivas usuais ainda são artesanais, utilizadas muito mais,
como estratégias de subsistência e de fixação do homem à terra.
A questão é que a pequena produção agrícola dos assentamentos do Estado está
relacionada a sérios problemas de diferentes ordens, que, em muitos casos, se
constituem em impedimento e/ou desestímulo ao trabalho, tais como: deficiência ou
falta de assistência técnica, de transporte para escoar a produção, de energia elétrica, de
abastecimento de água (poços) e de créditos agrícolas.
Somados a estes problemas, tem-se que em muitos assentamentos, devido a
precariedade das infraestruturas básicas, muitas famílias não moram nos seus lotes,
sendo muitos assentados abrigados a percorrerem longas distâncias até o local onde
produzem, o que é muito mais dificultoso ainda, quando leva-se em consideração o
péssimo estado dos ramais/vias de acesso (Fotografias A, B, C, D, E e F) que muitas
vezes não permitem a passagem de nenhum tipo de veículo até as proximidades das
plantações dos assentados, impossibilitando, dessa forma, o escoamento da produção.
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Fotografias A, B, C, D E, e F – Visão geral da concentração de assentados e das péssimas condições de acesso aos assentamentos rurais no Estado do Amapá.
Fonte: INCRA-AP. Nota: A= Assentamento Nova Colina; B= Assentamento Pedra Branca; C= Assentamento Carnot; D= Assentamento Lourenço; E= Assentamento Nova Canaã; F= Assentamento Piquiá e G= Assentamento Vila Velha do Cassiporé.
A estrutura educacional nos assentamentos, também é uma questão que merece muita
atenção pelo precário desenvolvimento em que esta se encontra. A infraestrutura deste
serviço é insuficiente para atendimento da demanda escolar (salas de aula, biblioteca,
refeitório e quadra poliesportiva). A mesma situação encontra-se presente nos serviços
de saúde, nos quais as estruturas médicas não têm alcançado as expectativas dos
assentados no estado do Amapá.
Nos assentamentos rurais existentes no Estado do Amapá, muitas famílias assentadas
não possuem o titulo definitivo de propriedade da terra, o que aliado a deficiência de
infraestrutura, incentivos, de organização e garantia da produção e comercialização,
A
B C
D E
F G
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além da pouca vocação (domínio técnico) dos assentados para a agricultura, tem
provocado o registro de alta taxa de evasão nos assentamentos.
Outro aspecto considerado como um fator que tem atrapalhado e limitado o
desenvolvimento dos assentamentos no Amapá, está relacionado com a questão
fundiária, ou seja, com a ausência de legalização dos lotes adquiridos pelos assentados.
Das 13.034 famílias indicadas pelos documentos do INCRA como estando em estado de
assentadas, apenas 858, ou seja, 6,58% são tituladas, e do contrário 93,42% das famílias
não são tituladas (INCRA-AP, 2011).
Estes dados demonstram um cenário bastante preocupante no que se refere ao
desenvolvimento dos assentamentos no Estado do Amapá. Pois a falta de títulos de terra
por parte dos assentados, implica em uma barreira na obtenção de vários benefícios que
são de interesse dos agricultores, principalmente, no que concerne a questão da
obtenção de créditos/financiamentos.
A legalização fundiária é de fundamental importância para que o agricultor possa
conseguir um financiamento, pois a elaboração e contratação de um projeto que vise o
alcance de crédito por parte do agricultor requer a documentação da terra, e na ausência
deste, o crédito não é liberado.
Outro aspecto que configura a falta de atenção e irresponsabilidade por parte do
governo, está relacionado com a ausência de Licença de Instalação (LI) e Licença
Operação (LO) para muitos assentamentos no Estado do Amapá.
Do total de assentamentos (40), apenas quatro e todos sob a gestão e jurisdição do
INCRA apresentam licenciamento concluído (Licença de Instalação e Operação), a
saber: PA Perimetral Norte, localizado no município de Pedra Branca do Amapari; PA
Serra do Navio, localizado no município de Serra do Navio e PAs Bom Jesus e Cedro,
ambos localizados no município de Tartarugalzinho (PPCDAP, 2009).
A falta de licenciamento para a maioria dos assentamentos consiste num desafio do
governo para promover o desenvolvimento econômico e o aproveitamento racional dos
recursos naturais dos assentamentos no Estado.
Em um contexto bem amplo, os assentamentos do Estado sofrem com a deficiência de
políticas agrícolas e fundiárias.
Para Oliveira (2007), p. 71 as politicas agrícolas:
13
São aquelas que se referem ao conjunto de ações que o governo visa implantar nos assentamentos de reforma agrária, como a assistência social, técnica, de fomento e de estímulo à produção, comercialização, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários. Estão incluídos nestas ações: educação e saúde públicas, assistência técnica, financeira, creditícia e de seguros, programas de garantia de preços mínimos e demais subsídios, eletrificação rural e outras obras de infra-estrutura, construção de moradias e demais instalações necessárias, etc.
Já as politicas fundiárias são compreendidas como o conjunto de legislações que
estipulam os tributos incidentes sobre a propriedade privada da terra, as legislações
especiais que regulam seus usos e jurisdições de exercício de poder e programas de
financiamentos para a aquisição da terra (OLIVEIRA, 2007).
Em relação às políticas agrícolas, os assentamentos no Estado encontram-se em situação
precária, pois as infraestruturas (estradas, pontes, habitação, eletricidade, escolas, entre
outros) estão deixando muito a desejar, em alguns casos pela ausência e em outros pelas
péssimas condições em que estão sendo executadas. Na questão agrícola, ainda há de
considerar os serviços de apoio à produção que são operados em baixa qualidade e
pouca frequência, são serviços como a prestação de assistência técnica, apoio a
comercialização, transporte, entre outros.
Com relação às políticas fundiárias, os assentamentos sofrem com a irregularidade e
falta de documentação dos lotes, o que em muito dificulta a vida dos assentados e o
desenvolvimento dos assentamentos rurais do Estado.
Estes dois pontos (políticas agrícolas e fundiárias) devem ser resolvidos ou amenizados
conjuntamente no Estado do Amapá, pois não adianta ter boas políticas agrícolas para
os assentamentos se continuarem as irregularidades no que se refere à legalização
fundiária, e do contrário, se tornará complicado também para os assentados ter a
documentação dos seus lotes e conviver com a precariedade de políticas agrícolas.
Os assentamentos no Estado foram “reconhecidos” pelo INCRA, no entanto, não
necessariamente foram acompanhados de políticas que garantissem a fixação das
famílias nestes.
Segundo o PPCDAP, a decorrente deficiência e falta de infra-estrutura, de precário
aparato por parte do Estado, de deficiência de organização e garantia da produção,
aliado a falta de incentivos, tem provocado o registro de alta taxa de evasão nos
assentamentos. Em alguns casos, 50% dos assentados retornam para as cidades.
Ainda segundo o PPCDAP, calcula-se que perto de 80% das famílias que abandonam os
assentamentos procuram Macapá, capital do Estado do Amapá, para fixar residência,
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contribuindo para o inchaço populacional da capital, o que tem acarretado em
consequências sociais, econômicas e ambientais nas áreas urbanas do Estado.
Apesar da maior parte dos assentamentos localizarem-se próximos das estradas em área
de transição de vegetação, em virtude da maior facilidade de acesso, isto não chega a
configurar-se como uma vantagem, uma vez que os solos destes ambientes são mais
pobres que o das áreas florestais, o que está somado a restrições ecológicas impostas aos
assentados.
Outro ponto que tem atribuído uma imagem não agradável para os assentamentos do
Estado do Amapá está relacionado com o índice de desmatamento provocado pelas
famílias que ocupam os lotes disponíveis.
Fearnside (2001) relata que a agropecuária e a agricultura de pequenos colonos
(assentamentos rurais) tem merecido destaque como sendo uma das atividades que mais
causam impactos à floresta.
Por mais que as políticas de reforma agrária desenvolvida na Amazônia tenha grandes
benefícios sociais e econômicos, a precariedade em que ocorrem essas políticas, aliada à
falta de planejamento do Estado, tem acarretado graves consequências ambientais, e até
mesmo colocado em dúvida a viabilidade dos benefícios sociais e econômicos. A
ocorrência de elevadas taxas de evasão e o desmatamento nos assentamentos
comprovam a falta de sustentabilidade econômica e ambiental.
Segundo pesquisa realizada por Batista (2009), os desmatamentos ocorridos nos
projetos de colonização e reforma agrária (assentamentos), em especial, os de jurisdição
do INCRA-AP, representam um percentual de 25,5% do total de áreas desmatadas no
Estado do Amapá.
Este dado revela a desatenção que o Estado tem demonstrado para com as famílias que
ocupam os assentamentos rurais, pois os assentados não estão sendo acompanhados no
processo de uso da terra, e pelo fato de muitos não terem vocação para a agricultura,
realizam desmatamentos sem nenhuma orientação.
Em geral, o contexto dos assentamentos rurais no Amapá é de muita precariedade, onde
muitos serviços não se tornam realidade na vida dos assentados. Fator este, que
desestimula a muitos agricultores em continuarem em seus lotes.
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Conclusões
Os assentamentos rurais existentes no Estado do Amapá estão marcados por muitas
problemáticas que dificultam o desenvolvimento destes. São problemas que estão
presentes em todos os aspectos, que vão deste as deficiências nas infraestruturas básicas
até as deficiências nas politicas mais profundas para o desenvolvimento dos mesmos.
As dificuldades de regularização fundiária no Estado tende permanecer os problemas no
que tange ao desenvolvimento socioeconômico nos assentamentos, permanecendo os
agricultores com dificuldades de acesso a créditos subsidiados e programas de
assistência oferecidos pelo Estado ou pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário.
Há necessidades, portanto, do Estado regularizar a situação fundiária nos
assentamentos, como um dos aspectos para amenizar a evasão populacional, a venda
dos lotes, a concentração fundiária e a migração desses mesmos agricultores
desassistidos para as periferias urbanas, especialmente, para a cidade de Macapá-AP.
O cenário atual, marcado pelo baixo índice de assistência, em todos os aspectos, nos
assentamentos do Estado, tem contribuído muito para que agricultores desistam ou
abonem os seus lotes, já que não contam com um governo presente em parcerias com
outras instituições, que deveriam atentar para uma política de planejamento que
atingisse de forma expressiva os agricultores, que como já mencionado, enfrentam
grandes desafios a serem superados.
Os assentamentos rurais necessitam de políticas bem formuladas e estruturantes em
todas as dimensões, para que a partir de então, torne-se nítido o desenvolvimento e/ou a
produção legal na terra, bem como a permanência do agricultor e sua família.
Destarte, com a atuação do governo de forma eficiente, novos rumos tenderão a ser
direcionados para os assentamentos, onde poderá ocorrer maior e melhor
aproveitamento de suas terras e de seus produtores, garantindo pontos positivos e
acarretando com isso, um desenvolvimento socioeconômico para os assentados, uma
vez que os beneficiados teriam o atendimento de suas necessidades.
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Referências
BATISTA, E. das M. O desmatamento em Projetos de Colonização e Reforma Agrária situados no Estado do Amapá. In: Anais XIV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Natal, Brasil, 25-30 abril 2009, INPE, p. 33-39, 2009. BECKER, B. K. Amazônia. São Paulo: Ática, 1990. FEARNSIDE, P. M. Desmatamento na Amazônia brasileira: história, índices e consequências. In: Megadiversidade, v.1, p. 113-123, 2005. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo 2010. Disponível no site: http://www.censo2010.ibge.gov.br, acessado no dia 16 de Setembro de 2011, às 10:30 h. Instituto de Pesquisa Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá – IEPA. Projetos de assentamentos no Estado do Amapá. Divisão de Geoprocessamento, Macapá, Amapá, 2012. Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA-AP). Sistema de informação e projetos de reforma agrária. Macapá, 2011. ______. Reforma agrária no âmbito do Estado do Amapá. Macapá, 2011. Instituto do Meio Ambiente e Ordenamento Territorial do Estado do Amapá – IMAP. Situação fundiária do Amapá. Macapá-AP, 2010. OLIVEIRA, A. U. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007. Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas do Estado do Amapá – PPCDAP. Plano estadual do Amapá. Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico do Estado e Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Macapá-AP, 2009.
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