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O MISTRIO
DAS CATEDRAIS
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Ttulo Original: Le mystre des cathdrales Jean-Jacques Pauvert, 1964Traduo de Antnio Carvalho
Capa de Alceu Saldanha CoutinhoDireitos reservados para todos os pases de Lngua Portuguesa
Edies 70, Lda., Av. Duque de vila, 69, r/c. Esq. 1000 LISBOA
Telefs. 57 83 65/55 68 98/57 20 01Telegramas: SETENTATelex: TEXTOS P
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Qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocpia
E xerocpia, sem previa autorizao do Editor.Qualquer transgresso Lei de Direitos de Autor,
Ser passvel de procedimento judicial.
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FULCANELLI
O MISTRIO
DAS CATEDRAIS
E A INTERPRETAO ESOTRICA
DOS SIMBOLOS HERMTICOS
DA GRANDE OBRA
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Aos irmos de Helipolis
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NDICE
PREFACIO DA PRIMEIRA EDIO..........................................................................12
PREFACIO DA SEGUNDA EDIO..........................................................................15
PREFCIO DA TERCEIRA EDIO.........................................................................29
O MISTRIO DAS CATEDRAIS.................................................................................45
I....................................................................................................................................46
II...................................................................................................................................50
III..................................................................................................................................53
IV.................................................................................................................................57
V..................................................................................................................................60
VI.................................................................................................................................62
VII................................................................................................................................65
VIII...............................................................................................................................73
IX.................................................................................................................................80
PARIS..........................................................................................................................86
I....................................................................................................................................87
II...................................................................................................................................91
III..................................................................................................................................97
IV...............................................................................................................................111
V................................................................................................................................119
VI...............................................................................................................................180
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VII..............................................................................................................................186
VIII.............................................................................................................................198
AMIENS.....................................................................................................................202
BOURGES................................................................................................................221
I..................................................................................................................................221
II.................................................................................................................................226
A CRUZ CCLICA DE HENDAIA..............................................................................250
CONCLUSO...........................................................................................................258
NDICE DE GRAVURAS
GRAVURA I. NOTRE-DAME DE CONFESSION: VIRGEM NEGRA DAS CRIPTASSAINT-VICTOR, EM MARSELHA............................................................................127
GRAVURA II. NOTRE-DAME DE PARIS : A ALQUIMIA.....................................128
GRAVURA III. NOTRE-DAME DE PARIS : O ALQUIMISTA..................................129
GRAVURA IV. NOTRE-DAME DE PARIS : A FONTE MISTERIOSA AO P DOVELHO CARVALHO.................................................................................................130
GRAVURA V. NOTRE-DAME DE PARIS : O ALQUIMISTA PROTEGE OATHANOR.................................................................................................................131
GRAVURA VI. NOTRE-DAME DE PARIS : O CORVO PUTREFAO...........132
GRAVURA VII. NOTRE-DAME DE PARIS : O MERCRIO FILOSFICO............133
GRAVURA VIII. NOTRE-DAME DE PARIS : A SALAMANDRA CALCINAO....................................................................................................................................134
GRAVURA IX. NOTRE-DAME DE PARIS : PREPARAO DO DISSOLVENTE
UNIVERSAL..............................................................................................................135
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GRAVURA X. NOTRE-DAME DE PARIS : A EVOLUO CORES E REGIMESDA GRANDE OBRA.................................................................................................136
GRAVURA XI. NOTRE-DAME DE PARIS: OS QUATRO ELEMENTOS E AS DUAS
NATUREZAS............................................................................................................137
GRAVURA XII. NOTRE-DAME DE PARIS: O ATHANOR E A PEDRA.................138
GRAVURA XIII. NOTRE-DAME DE PARIS : CONTRIO DO ENXOFRE E DOMERCRIO...............................................................................................................139
GRAVURA XIV. NOTRE-DAME DE PARIS : OS MATERIAIS NECESSRIOS ELABORAO DO DISSOLVENTE........................................................................140
GRAVURA XV. NOTRE-DAME DE PARIS : O CORPO FIXO................................141
GRAVURA XVI. NOTRE-DAME DE PARIS: UNIO DO FIXO E DO VOLTIL....142
GRAVURA XVII. NOTRE-DAME DE PARIS: O ENXOFRE FILOSFICO.............143
GRAVURA XVIII. NOTRE-DAME DE PARIS : A COOBAO..............................144
GRAVURA XIX. NOTRE-DAME DE PARIS: ORIGEM E RESULTADO DA PEDRA
...................................................................................................................................145
GRAVURA XX. NOTRE-DAME DE PARIS: O CONHECIMENTO DOS PESOS.. .146
GRAVURA XXI. NOTRE-DAME DE PARIS: A RAINHA DERRUBA O MERCRIO....................................................................................................................................147
GRAVURA XXII. NOTRE-DAME DE PARIS. O REGIME DE SATURNO..............148
GRAVURA XXIII. NOTRE-DAME DE PARIS. O SUJEITO DOS SBIOS.............149
GRAVURA XXIV. NOTRE-DAME DE PARIS. A ENTRADA DO SANTURIO......150
GRAVURA XXV. NOTRE-DAME DE PARIS : A DISSOLUO COMBATE DASDUAS NATUREZAS.................................................................................................151
GRAVURA XXVI. NOTRE-DAME DE PARIS : OS METAIS PLANETRIOS........152
GRAVURA XXVII. NOTRE-DAME DE PARIS. O CO E AS POMBAS.................153
GRAVURA XXVIII. NOTRE-DAME DE PARIS: SOLVE ET COAGULA.................154
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GRAVURA XXIX. NOTRE-DAME DE PARIS: O BANHO DOS ASTROS CONDENSAO DO ESPRITO UNIVERSAL........................................................155
GRAVURA XXX. NOTRE-DAME DE PARIS : O MERCRIO FILOSFICO E A
GRANDE OBRA.......................................................................................................156
GRAVURA XXXI. CAPELA S. TOMS DE AQUINO. ESCUDO SIMBLICO.......157
GRAVURA XXXII. SANTA CAPELA DE PARIS. O MASSACRE DOS INOCENTES....................................................................................................................................158
GRAVURA XXXIII. CATEDRAL DE AMIENS. O FOGO DE RODA........................159
GRAVURA XXXIV. CATEDRAL DE AMIENS: A COCO FILOSFICA............160
GRAVURA XXXV. CATEDRAL DE AMIENS: O GALO E A RAPOSA..................161
GRAVURA XXXVI. CATEDRAL DE AMIENS: AS MATRIAS-PRIMAS...............162
GRAVURA XXXVII. CATEDRAL DE AMIENS: O ORVALHO DOS FILSOFOS....................................................................................................................................163
GRAVURA XXXVIII. CATEDRAL DE AMIENS: O ASTRO DE SETE RAIOS........164
GRAVURA XXXIX. BOURGES PALCIO JACQUES COEUR: A VIEIRA DECOMPOSTELA.........................................................................................................165
GRAVURA XL. BOURGES PALCIO JACQUES COEUR: GRUPO DETRISTO E ISOLDA.................................................................................................166
GRAVURA XLI. BOURGES MANSO LALLEMANT: O VASO DA GRANDEOBRA........................................................................................................................167
GRAVURA XLII. BOURGES MANSO LALLEMANT. LENDA DE S.CRISTVO.............................................................................................................168
GRAVURA XLIII: BOURGES MANSO LALLEMANT: O TOSO DE OURO.. 169
GRAVURA XLIV: BOURGES MANSO LALLEMANT: CAPITEL DO PILAR.LADO DIREITO.........................................................................................................170
GRAVURA XLV. BOURGES MANSO LALLEMANT. TETO DA CAPELA
(FRAGMENTO).........................................................................................................171
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GRAVURA XLVI. BOURGES MANSO LALLEMANT : ENIGMA DA CREDENCIA....................................................................................................................................172
GRAVURA XLVII. HENDAIA (BAIXOS PUUNUS): CRUZ CCLICA....................173
GRAVURA XLVIII. HENDAIA: CRUZ CCLICA. AS QUATRO FACES DOPEDESTAL...............................................................................................................174
GRAVURA XLIX. ARLES IGREJA SAINT-TROPHIME: TMPANU DO PRTICO(SC. XII)..................................................................................................................175
PREFCIOS
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PREFACIO DA PRIMEIRA EDIO
tarefa ingrata e incmoda para um discpulo apresentar a obra escrita
pelo seu prprio Mestre. Por isso no me proponho analisar aqui O Mistrio das
Catedrais, nem sublinhar a sua beleza formal e o seu ensinamento profundo. A este
respeito, confesso muito humildemente a minha incapacidade e prefiro deixar aos
leitores o cuidado de o apreciarem na sua validade e aos Irmos de Helipolis o
prazer de recolher esta sntese, to magistralmente exposta por um dos seus. O
tempo e a verdade faro o resto.
H j muito tempo que o autor deste livro no est entre ns. Extinguiu-se
o homem. S persiste a sua recordao. E eu sinto uma certa dor ao evocar a
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imagem do mestre laborioso e sbio, a quem tudo devo, lamentando que tenha
desaparecido to cedo. Os seus numerosos amigos, irmos desconhecidos que
esperavam dele a soluo do misterioso Verbum dimissum, vo chor-lo comigo.
Podia ele, tendo chegado ao ponto mais alto do Conhecimento, negar-se
a obedecer s ordens do Destino? Ningum profeta na sua terra. Este velho
adgio d-nos, talvez, a razo oculta da perturbao que produz a centelha da
Revelao na vida solitria e estudiosa do filsofo. Sob os efeitos dessa chama
diurna, o homem velho consome-se inteiramente. Nome, famlia, ptria, todas as
iluses, todos os erros, todas as vaidades se desfazem em p. E, como a Fnix dos
poetas, uma personalidade nova renasce das cinzas. Assim o pretende, pelo menos,
a Tradio filosfica.
O meu Mestre sabia-o. Desapareceu quando soou hora fatdica, quando
se produziu o Sinal. E quem se atreveria a esquivar-se Lei? Eu prprio, apesar
de dilacerado por uma separao dolorosa, mas inevitvel, agiria do mesmo modo,
se me acontecesse hoje o feliz sucesso que obrigou o Adepto a renunciar s
homenagens deste mundo.
Fulcanelli j no existe. No entanto, e isso nos consola, o seu
pensamento mantm-se, ardente e vivo, encerrado para sempre nestas pginas
como num santurio.Graas a ele, a Catedral gtica revela-nos o seu segredo. E assim nos
damos conta, com surpresa e emoo, de como foi talhada pelos nossos
antepassados a primeira pedra dos seus alicerces, gema resplandecente, mais
preciosa que o prprio ouro, sobre a qual Jesus edificou a sua Igreja. Toda a
Verdade, toda a Filosofia, toda a Religio, repousam sobre esta Pedra nica e
sagrada. Muitos, cheios de presuno, julgam-se capazes de model-la; e, no
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entanto, so to raros os eleitos cuja simplicidade, cuja sabedoria, cuja habilidade,
lhes permitem alcan-lo!
Mas isso pouco importa. Basta-nos saber que as maravilhas da nossa
Idade Mdia contm a mesma verdade positiva, o mesmo fundo cientfico que as
pirmides do Egito, os templos da Grcia, as catacumbas romanas, as baslicas
bizantinas.
Esse o alcance geral do livro de Fulcanelli.
Os hermetistas ou, pelo menos, os que so dignos desse nome
descobriro nele outra coisa. Costuma dizer-se que do conflito das idias que
nasce a luz; eles descobriro que, aqui, graas ao confronto do Livro com o
Edifcio que se desprende o Esprito e morre a Letra. Fulcanelli fez para eles o
primeiro esforo; aos hermetistas cabe fazer o ltimo. O caminho que falta percorrer
curto. Mas devemos conhec-lo bem e no caminhar sem saber para onde vamos.
Quer eis que vos diga algo mais?
Sei, no por t-lo descoberto por mim mesmo, mas porque o autor mo
afirmou, h mais de dez anos, que a chave do arcano maior dada, sem qualquer
fantasia, por uma das figuras que ornamentam a presente obra. E essa chave
consiste simplesmente numa cor manifestada ao arteso desde o primeiro trabalho.
Nenhum Filsofo, que eu saiba, descobriu a importncia deste ponto essencial. Aorevel-lo, cumpro as ltimas vontades de Fulcanelli e sigo os ditames da minha
conscincia.
E agora que me seja permitido, em nome dos Irmos de Helipolis e em
meu prprio nome, agradecer calorosamente ao artista a quem o meu mestre
confiou a ilustrao da sua obra. , efetivamente, ao talento sincero e minucioso do
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pintorJulien Champagne que O Mistrio das Catedrais deve o envolvimento do seu
esoterismo austero por um soberbo manto de figuras originais
E. CANSELIET
F.C.H
Outubro de 1925
PREFACIO DA SEGUNDA EDIO
Quando O Mistrio das Catedrais foi redigido, em 1922, Fulcanelli no
tinha recebido O Dom de Deus mas encontrava-se to perto da Iluminao suprema
que julgou necessrio esperar e guardar o anonimato, alis por ele constantemente
observado, mais ainda talvez por inclinao de carter do que por questo de
obedincia rigorosa regra do segredo. Porque devemos dizer que este homem de
uma outra idade, pelo seu comportamento estranho, pelas suas maneiras
antiquadas e pelas suas ocupaes inslitas, atraa, sem querer, a ateno dos
ociosos, dos curiosos e dos tolos, muito menos, no entanto, do que a que devia
alimentar, pouco mais tarde, o desaparecimento total da sua personalidade comum.
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Assim, desde a reunio da primeira parte dos seus escritos, o mestre
manifestou a sua vontade absoluta e sem apelo de que ficasse na sombra a
sua real entidade, de que desaparecesse o seu rtulo social, definitivamente trocado
pelo pseudnimo exigido pela Tradio e desde h muito familiar. Esse nome
clebre est to solidamente implantado nas memrias, at s geraes futuras
mais longnquas, que positivamente impossvel substitu-lo por qualquer patrnimo
que seja, mesmo que aparentemente certo, o mais brilhante ou o melhor
Mas, pelo menos, devemos convencer-nos de que o pai de uma obra de
to alta qualidade no a abandonou assim que foi dada a conhecer sem ter razes
pertinentes, seno imperiosas, profundamente amadurecidas. Estas, num plano
muito diferente, levaram-no renncia, ame mo pode deixar de exigir a nossa
admirao quando os autores mais puros, entre os melhores, se mostram sempre
sensveis vaidade pueril da obra impressa. Deve acrescentar-se que o caso de
Fulcanellino semelhante a nenhum outro no reino das Letras do nosso tempo,
visto que depende de uma disciplina tica infinitamente superior, segundo a qual o
novoAdepto concilia o seu destino com o dos seus raros antecessores, tal como ele
sucessivamente aparecidos na sua poca determinada, balizando a estrada imensa,
como faris de salvao e misericrdia. Filiao sem mancha, prodigiosamente
mantida, a fim de ser reafirmada sem cessar, na sua dupla manifestao espiritual ecientfica, a Verdade eterna, universal e indivisvel. Tal como a maior parte dos
antigos Adeptos, deitando s urtigas do fosso os despojos do homem velho,
Fulcanelli s deixou no caminho o vestgio onomstico do seu fantasma, cujo
altaneiro carto de visita proclama a aristocracia suprema.
*
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Para quem possui algum conhecimento dos livros de alquimia do
passado, impe-se como aforismo de base que o ensino oral de mestre a discpulo
prevalece sobre qualquer outro. Fulcanelli recebeu a iniciao desse modo, como
ns prprios a recolhemos junto dele, no sem que devamos declarar que, pela
nossa parte, Cylianinos tinha j aberto a porta do labirinto, durante a semana em
que, em 1915, apareceu o seu opsculo reimpresso.
Na nossa Introduo s Douze Clefs de Ia Philosophie repetimos
expressamente que Basile Valentin foi o iniciador do nosso mestre, e isso tambm
para que nos fosse dada ocasio de mudar o epteto do vocbulo, ou seja, substituir
por razes de exatido o adjetivo numeral primeiro pelo qualificativo
verdadeiro, que tnhamos utilizado outrora no nosso prefcio das Demeures
Philosophales. Nessa poca, ignorvamos a existncia da carta to comovente que
reproduzimos um pouco mais adiante e que extrai toda a sua impressionante beleza
do impulso de entusiasmo, do acento de fervor que inflamam de repente o autor,
tornado annimo pela assinatura raspada, o mesmo acontecendo com a indicao
do destinatrio devido falta de sobrescrito. Esse foi, sem dvida, o mestre de
Fulcanelli, que deixou entre os seus papis a epstola reveladora, cruzada por duas
listas bistres no lugar das dobras por ter estado muito tempo guardada na carteira,
onde pelo menos a vinha procurar a poeira impalpvel e suja do enorme fornocontinuamente em atividade. Assim, o autor do Mistrio das Catedrais conservou
como um talism, durante anos, a prova escrita do triunfo do seu verdadeiro
iniciador, que nada nos probe de publicar hoje, sobretudo porque d uma idia
poderosa e justa do domnio sublime em que se situa a Grande Obra. No cremos
que nos censurem a extenso da estranha epstola da qual, sem dvida, seria pena
que se suprimisse uma nica palavra:
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Meu velho amigo,
Desta vez, recebestes verdadeiramente o Dom de
Deus; uma grande Graa e pela primeira vez compreendo
como esse favor raro. Considero, efetivamente, que no seu
abismo insondvel de simplicidade o arcano no se pode
encontrar apenas pela fora da razo, por subtil e exercitada
que ela seja. Enfim, possuis o Tesouro dos Tesouros, demos
graas Luz Divina que vos fez seu participante. Alis,
mereceste-o inteiramente pela vossa f inabalvel na Verdade,
pela constncia no esforo, pela perseverana no sacrifcio e
tambm, no o esqueamos... pelas vossas boas obras.
Quando minha mulher me anunciou a boa nova,
senti-me atordoado pela alegre surpresa e no consegui
dominar-me perante tanta felicidade. De tal maneira que dizia a
mim prprio: Oxal no paguemos esta hora de entusiasmo
com algum terrvel despertar. Mas embora sumariamente
informado acerca da questo, julguei compreender, e o que me
confirma na certeza que o fogo s se apaga quando a Obraest terminada e toda a massa tintorial impregna o vidro que,
de decantao em decantao, fica absolutamente saturado e
se torna luminoso como o sol.
Levastes a vossa generosidade a associar-nos a
esse alto e oculto conhecimento que vos pertence de pleno
direito e inteiramente pessoal. Mais do que ningum, ns
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avaliamos o seu preo e tambm melhor do que ningum
somos capazes de vos guardar eterno reconhecimento. Sabeis
que as mais belas frases, os mais eloqentes protestos no
valem a simplicidade comovente destas nicas palavras: sois
bom e por essa grande virtude que Deus colocou na vossa
cabea o diadema da verdadeira realeza. Ele sabe que fareis
nobre utilizao do cetro e do inestimvel apangio que ele
comporta. Ns conhecemo-vos h muito tempo como sendo o
manto azul dos nossos amigos nas provaes; o manto
caridoso estendeu-se de repente, porque agora todo o azul
do cu e o seu grande sol que cobrem os vossos nobres
ombros. Que possais gozar muito tempo dessa grande e rara
felicidade para alegria e consolao dos vossos amigos e
mesmo dos vossos inimigos, porque a desgraa tudo apaga e,
a partir de agora, dispondes da varinha mgica que realiza
todos os milagres.
Minha mulher, com essa inexplicvel intuio dos
seres sensveis, teve um sonho verdadeiramente estranho. Viu
um homem envolvido em todas as cores do prisma e elevadoat ao sol. A sua explicao no se fez esperar. Que
Maravilha! Que bela e vitoriosa resposta minha carta, no
entanto cheia de dialtica e teoricamente exata; mas to
distante ainda do Verdadeiro, do Real! Ah! quase pode dizer-se
que aquele que saudou a estrela da manh perdeu para
sempre o uso da vista e da razo porque fascinado por essa
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falsa luz e precipitado no abismo... A menos, como no vosso
caso, que um grande golpe de sorte venha tir-lo bruscamente
da beira do precipcio.
Ardo em desejos de vos ver, meu velho amigo, de
vos ouvir contar-me as ltimas horas de angstias e de
triunfos. Mas acreditai que nunca saberei traduzir em palavras
a grande alegria que sentimos e toda a gratido que temos no
fundo do corao. Aleluia!
Abraa-vos e felicita-vos o vosso velho...
Aquele que sabe fazer a Obra apenas pelo mercrio
encontrou o que h de mais perfeito ou seja, recebeu a luz e
cumpriu o Magistrio.
*
Uma passagem ter, talvez, espantado, surpreendido ou desconcertado o
leitor atento e j familiarizado com os principais dados do problema hermtico.
Precisamente quando o ntimo e sbio correspondente exclama:
Ah! quase pode dizer-se que aquele que saudou a
estrela da manh perdeu para sempre o uso da vista e da
razo porque fascinado por essa falsa luz e precipitado no
abismo.
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Esta frase no parece estar em contradio com o que afirmamos h
mais de vinte anos num estudo sobre o Toso de Ouro1, a saber, que a estrela o
grande sinal da Obra, que ela autentica a matria filosofal, ensina ao alquimista que
no encontrou a luz dos loucos mas sim a dos sbios; que consagra a sabedoria; e
denominada estrela da manh. Notaram que precisamos resumidamente que o
astro hermtico primeiramente, admirado no espalho da arte ou mercrio antes de
ser descoberto no cu qumico onde alumia de maneira infinitamente mais discreta?
No menos preocupado com o dever de caridade do que com a observncia do
segredo, embora passssemos por entusiasta do paradoxo, teramos podido ento
insistir sobre o maravilhoso arcano e, com esse fim, recopiar algumas linhas escritas
num velho caderno, aps uma dessas doutas conversas de Fulcanelli, as quais,
temperadas com caf aucarado e frio, faziam as nossas delcias profundas de
adolescente assduo e estudioso, vido de inaprecivel saber:
A nossa estrela est s e, no entanto, dupla.
Sabei distinguir a sua marca real da sua imagem e notareis
que ela brilha com mais intensidade luz do dia do que nas
trevas da noite.
Declarao que confirma e completa a de Basile Valentin (Douze Clefs),
no menos categrica e solene:
Duas estrelas foram concedidas ao homem pelos
Deuses para o conduzirem grande Sabedoria; observa-as,
1 Cf. Alchimie, pg. 137. J. J. Pauvert diteur.
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homem! e segue com persistncia a sua claridade porque nela
se encontra a Sabedoria.
Sero essas duas estrelas que nos mostra uma das pequenas pinturas
alqumicas do convento franciscano de Cimiez, acompanhada da legenda latina
exprimindo a virtude salvadora inerente radiao nocturna e estelar:
Cum luce salutem; com a luz, a salvao.
Em todo o caso, possuindo algum sentido filosfico e dando-se ao
trabalho de meditar sobre estas palavras de Adeptos incontestveis, ter-se- a
chave com a qual Cylianiabre a fechadura do templo. Mas se no se compreende,
que se leiam os Fulcanellie que se no v procurar noutro lado um ensinamento
que nenhum outro livro poderia dar com tanta exatido.
H, portanto, duas estrelas que, apesar de parecer inverossmil, formam
realmente uma s. A que brilha sobre a Virgem mstica simultaneamente nossa
me e mar hermtico, anuncia a concepo e apenas o reflexo da outra que
precede a miraculosa vinda do Filho. Porque se a Virgem celeste ainda chamada
stella matutina, a estrela da manh; se lcito ver nela o esplendor de um sinaldivino; se o reconhecimento dessa fonte de graas d alegria ao corao do artista,
trata-se, no entanto, apenas de uma simples imagem refletida pelo espelho da
Sabedoria. Apesar da sua importncia e do lugar que ocupa para os autores, essa
estrela visvel, mas inatingvel, atesta a realidade da outra, da que coroou o divino
Menino no seu nascimento. O sinal que conduziu os Magos para a caverna de
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Belm, ensina-nos S. Crisstomo, veio, antes de desaparecer, pousar-se na cabea
do Salvador e rode-la de uma glria luminosa.
*
Insistimos neste ponto, to certos estamos de que alguns nos
agradecero: trata-se verdadeiramente de um astro noturno cuja claridade irradia
sem grande brilho no plo do cu hermtico. Tambm importa, sem nos deixarmos
enganar pelas aparncias, instruirmo-nos acerca desse cu terrestre de que fala
Vinceslas Lavinius de Moravie e a propsito do qual insistiu Jacobus Tollius:
Ters compreendido o que o Cu pelo meu
pequeno comentrio que se segue e pelo qual o Cu qumico
ter sido aberto. Porque
Este cu imenso e reveste os campos de luz
[purprea,
Onde se reconhecem os seus astros e o seu sol.
indispensvel ponderar que o cu e a terra, embora confundidos no
Caos csmico original, no so diferentes em substncia nem em essncia mas
tornam-se diferentes em quantidade, em qualidade e em virtude. A terra alqumica,
catica, inerte e estril, no contm, todavia, o cu filosfico? Seria ento impossvel
ao artista, imitador da Natureza e da Grande Obra divina, separar no seu pequeno
mundo, com a ajuda do fogo secreto e do esprito universal, as partes cristalinas,
luminosas e puras, das partes densas, tenebrosas e grosseiras? Ora essa
separao deve ser feita, consistindo em extrair a luz das trevas e em realizar o
trabalho do primeiro dos Grandes Dias de Salomo. atravs dela que podemos
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conhecer o que a terra filosofal e o que os Adeptos denominaram o cu dos
sbios.
Filaleto que, no seu livro Entrada Aberta no Palcio Fechado do Rei, se
alargou mais acerca daprtica da Obra, assinala a estrela hermtica e conclui pela
magia csmica da sua apario:
o milagre do mundo, a juno das virtudes
superiores nas inferiores; por isso que o Todo-Poderoso o
marcou com um sinal extraordinrio. Os Sbios viram-no no
Oriente, ficaram surpreendidos e souberam logo que um Rei
purssimo tinha nascido no mundo.
Tu, quando tiveres visto a sua estrela, segue-a at
ao Bero; a vers o belo Menino.
OAdepto desvenda seguidamente a maneira de operar:
Tomem-se quatro partes do nosso drago gneo
que esconde no seu ventre o nosso Ao mgico, do nosso
man nove partes; misturem-se juntas por meio de Vulcano
ardente, em forma de gua mineral, onde sobrenadar umaespuma que dever ser afastada. Rejeite-se a crosta, tome-se
o ncleo, purifique-se trs vezes pelo fogo e pelo sal, o que
ser fcil se Saturno viu a sua imagem no espelho de Marte.
Enfim, Filaleto acrescenta:
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E o Todo-Poderoso imprime o seu selo real nessa
Obra e ornamenta-a particularmente.
*
A estrela no verdadeiramente um sinal especial do labor da Grande
Obra. Podemos encontr-la numa quantidade de combinaes arqumicas,
processos particulares e operaes espagricas de menor importncia. No entanto,
ela oferece sempre o mesmo valor indicativo de transformao, parcial ou total, dos
corpos sobre os quais se fixou. Um exemplo tpico -nos fornecido porJean-Frdric
Helvtius nesta passagem do seu Bezerro de Ouro (Vitulus Aureus) que traduzimos:
Um certo ourives de La Haye (cui nomen est
Grillus), discpulo muito prtico na alquimia mas homem muito
pobre segundo a natureza dessa cincia, h alguns anos1
pedia ao meu maior amigo ou seja, a Jean-Gaspard
Knttner, tintureiro de panos esprito de sal preparado de
maneira diferente da vulgar. A Knttner, informando-se se esse
esprito de sal especial seria ou no utilizado para os metais,
Gril respondeu: para os metais; seguidamente, deitou esse
esprito de sal em cima de chumbo que tinha colocado num
recipiente de vidro utilizado para os doces ou alimentos. Ora,
aps duas semanas apareceu, sobrenadando, uma
muito curiosa e resplandecente Estrela prateada, como
disposta com um compasso por um artista muito hbil. Da que
Gril, cheio de imensa alegria, nos anunciou ter j visto a estrela
Cerca de 1664, que o ano da edio princeps e desaparecida do Vitulus Aureus
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visvel dos Filsofos, acerca da qual, provavelmente, se tinha
instrudo em Basile (Valentin). Eu e muitos outros homens
honrados olhvamos com extrema admirao essa estrela
flutuante sobre o esprito de sal enquanto, no fundo, o chumbo
continuava cor de cinza e inchado como uma esponja.
Entretanto, com sete ou nove dias de intervalo, essa umidade
do esprito de sal, absorvida pelo grande calor do ar do ms de
Julho, desaparecia, a estrela atingia o fundo e pousava sobre
esse chumbo esponjoso e terroso. Esse foi um resultado digno
de admirao e no apenas para um pequeno nmero de
testemunhas. Finalmente, Gril copelou sobre um cadinho a
parte desse mesmo chumbo colhida com a estrela aderente e
recolheu, de uma libra desse chumbo, doze onas de prata de
cadinho e, alm disso, dessas doze onas, duas onas de ouro
excelente.
Esta a descrio de Helvtius. Damo-la apenas para ilustrar a presena
do sinal estrelado em todas as modificaes internas de corpos tratados
filosoficamente. Entretanto, no quereramos ser a causa de infrutferos e
decepcionantes trabalhos empreendidos certamente por alguns leitores entusiastas,apoiando-se na reputao de Helvetius, na propriedade de testemunhas oculares e,
talvez, tambm na nossa constante preocupao de sinceridade. por isso que
fazemos notar, queles que desejariam retomar o processo, que faltam nesta
narrativa dois dados essenciais: a composio qumica exata do cido hidroclrico e
as operaes previamente executadas no metal. Nenhum qumico nos contradir se
afirmarmos que o chumbo vulgar, qualquer que seja, nunca tomar o aspecto da
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pedras-pomes submetendo-o, a frio, ao do cido muritico. Vrias preparaes
so, portanto, necessrias para provocar a dilatao do metal, separar as suas
impurezas mais grosseiras e os elementos morredoiros, para o conduzir, enfim, pela
fermentao requerida, ao enchimento que o obriga a tomar uma estrutura
esponjosa, mole e manifestando j uma tendncia muito marcada para a
transformao profunda das propriedades especficas.
Blaise de Vigenre e Naxgoras, por exemplo, dissertaram acerca da
oportunidade de uma longa coco prvia. Porque se verdadeiro que o chumbo
comum est morto visto que sofreu a reduo e que uma grande chama, diz
Basile Valentin, devora um pequeno fogo no menos verdade que o mesmo
metal, pacientemente alimentado de substncia gnea, se reanimar, retomar
pouco a pouco a sua atividade abolida e, de massa qumica inerte, tornar-se- corpo
filosfico vivo.
*
Podero admirar-se que tenhamos tratado to abundantemente um nico
ponto da Doutrina, consagrando-Ihe, inclusivamente, a maior parte deste prefcio,
com o qual, conseqentemente, receamos ter ultrapassado o fim designado
habitualmente aos textos do mesmo gnero. No entanto, aperceber-se-o de como
era lgico que desenvolvssemos este tema que introduz, no mesmo nvel
diremos ns o texto de Fulcanelli. Desde o incio, efetivamente, o nosso mestre
deteve-se longamente sobre o papel capital da Estrela, sobre a Teofania mineral que
anuncia, com certeza, a elucidao tangvel do grande segredo encerrado nos
edifcios religiosos. O Mistrio das Catedrais, eis, precisamente, o ttulo da obra de
que damos aps a tiragem de 1926, constituda apenas por 300 exemplares
uma segunda edio, aumentada com trs desenhos de Julien Champagne e com
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notas originais de Fulcanelli, reunidas exatamente, sem o menor acrescento nem a
mais pequena modificao. Estas referem-se a uma questo angustiante que
ocupou durante muito tempo a pena do mestre e de que diremos algumas palavras a
respeito das Demeures Philosophales.
De resto, se o mrito do Mistrio das Catedrais tivesse de ser justificado,
bastaria apenas assinalar que este livro voltar a trazer para a luz a cabala fontica,
cujos princpios e aplicao tinham cado no mais total esquecimento. Aps esse
ensinamento detalhado e preciso, aps as breves consideraes que fizemos a
propsito do centauro, do homem-cavalo de Plessis-Bourr, em Deux Logis
Alchimiques, no se poder mais confundir a lngua matriz, o idioma enrgico,
facilmente compreendido embora jamais falado e, sempre segundo Cyrano
Bergerac, o instinto ou a voz da Natureza com as transposies, as intervenes, as
substituies e os clculos no menos abstrusos do que arbitrrios da kabbala
judaica. Eis porque importa diferenciar os dois vocbulos cabala e kabbala, a fim de
os utilizar com conhecimento de causa: o primeiro derivando de ou dolatim caballus, cavalo; o segundo, do hebraico kabbalah, que significa tradio.
Finalmente, no se dever alegar como pretexto os sentidos figurados, alargados
por analogia, de conventculo, de ardil ou de intriga para recusar ao substantivo
cabala o emprego que s ele capaz de assegurar e que Fulcanelli lhe confirmou
magistralmente, recuperando a chave perdida da Gaia Cincia, da Lngua dos
Deuses ou dos Pssaros. Essas mesmas que Jonathan Swift, o singularDeo de
Saint-Patrick, conhecia a fundo e praticava sua maneira, com tanta cincia e
virtuosidade.
SAVIGNIES, Agosto de 1957.
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PREFCIO DA TERCEIRA EDIO
Mieux vault vivre soubz gros bureaux
Povre, qu'avoir este seigneur
Et pourrir soubz riches tombeaux!
Qu'avoir este seigneur! Que dys?
Seigneur, Ias! et ne l'est il mais?
Selon les davitiques diz,
Son lieu ne congnoistras jamais.
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Franois Villon. Le Testament,
XXXVI e XXXVII.
Era necessrio e, sobretudo, do mais elementar cuidado de salubridade
filosfica que O Mistrio das Catedrais reaparecesse o mais cedo possvel. Para
Jean-Jacques Pauvert coisa feita da maneira que bem lhe conhecemos e que,
para felicidade dos pesquisadores, satisfaz sempre dupla preocupao de ajustar
no melhor sentido a perfeio profissional e o preo de venda ao leitor. Duas
condies extrnsecas e capitais muito agradveis exigente Verdade que Jean-
Jacques Pauvert, por acrscimo, quis aproximar bastante, ilustrando, desta vez, a
primeira obra do mestre com a fotografia perfeita das esculturas desenhadas por
Julien Champagne. Assim a infalibilidade da pelcula sensvel, na confrontao com
o modelo original, vem proclamar a conscincia e a habilidade do excelente artista
que conheceu Fulcanelli em 1905, dez anos antes de ns recebermos o mesmo
inestimvel privilgio, pesado no entanto e muitas vezes invejado.
*
Que a alquimia para o homem seno, verdadeiramente provenientes de
um certo estado de alma que releva da graa real e eficaz, a procura e o despertar
da Vida secretamente entorpecida sob o espesso invlucro do ser e a rude crosta
das coisas? Nos dois planos universais, onde residem conjuntamente a matria e o
esprito, o processo absoluto, consistindo numa permanente purificao at
ltima perfeio.
Com este fim, nada nos fornece melhor o modo de operar do que o
apotegma antigo e to preciso na sua imperativa brevidade: Solve et coagula,
dissolve e coagula. A tcnica simples e linear, exigindo a sinceridade, a resoluo
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e a pacincia e apelando para a imaginao, ai de mim! quase totalmente abolida,
na maioria, na nossa poca de agressiva e esterilizante saturao. Raros so
aqueles que se aplicam idia viva, imagem frutfera, do smbolo que permanece
inseparvel de toda a elaborao filosofal ou de toda a aventura potica e que se
abrem pouco a pouco, em lenta progresso, em direo a maiores luz e
conhecimento.
Vrios alquimistas disseram, e a Turba em particular, pela voz de Baleus,
que a me sente piedade pelo seu filho mas este muito duro para com ela . O
drama familiar desenrola-se, de modo positivo, no seio do microcosmos alqumico-
fsico, de modo que se pode esperar, para o mundo terrestre e sua humanidade, que
a Natureza perdoe, finalmente, aos homens e se acomode o melhor possvel aos
tormentos que eles lhe fazem perpetuamente sofrer.
*
Eis o mais grave: enquanto a Franco-Maonaria procura sempre a palavra
perdida (verbum dimissum), a Igreja universal (katholik), que possui esse Verbo,
est em vias de o abandonar no ecumenismo do diabo. Nada favorece mais essa
falta inexpivel do que a receosa obedincia do clero, muitas vezes ignorante, ao
falacioso impulso, pretensamente progressivo, recebido de foras ocultas visando
apenas destruio da obra de Pedro. O mgico ritual da missa latina,
profundamente alterado, perdeu o seu valor e agora caminha, a par do chapu mole
e do fato completo adotados por certos padres felizes com o seu travesti, em
prometedora etapa para a abolio do celibato filosfico...
De acordo com esta poltica de incessante abandono, a funesta heresia
instala-se na raciocinante vaidade e no desprezo profundo das leis misteriosas.
Entre estas, a inevitvel necessidade de putrefao fecunda de toda a matria,
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qualquer que ela seja, a fim de que a vida prossiga a, sob a enganadora aparncia
do nada e da morte. Diante da fase transitria, tenebrosa e secreta que abre
alquimia operativa as suas espantosas possibilidades, no ser terrvel que a Igreja
consinta agora nessa atroz cremao que ela recusava de modo absoluto?
Que horizonte imenso descobre, no entanto, a parbola do gro entregue
ao solo, que S. Joo relata:
Em verdade, em verdade vos digo que se o gro de
trigo que cai na terra no morrer, fica s; mas, se morrer,
produz muitos frutos (XII, 24).
semelhana do discpulo bem-amado, esta outra preciosa indicao do
seu Mestre, a respeito de Lzaro, de que a putrefao do corpo no quereria
significar a abolio total da vida:
Disse Jesus: Tirai a pedra. Respondeu-lhe
Marta, a irm do defunto: Senhor, ele j cheira mal porque
est l h quatro dias. Disse-lhe Jesus: No te disse que se
tu creres, vers a glria de Deus? (XI, 39 e 40).
No seu esquecimento da Verdade hermtica que assegurou a sua
fundao, a Igreja, ante a questo da incinerao dos cadveres, toma, sem
esforo, a sua m razo da cincia do bem e do mal, segundo a qual a
decomposio dos corpos, nos cemitrios cada vez mais numerosos, ameaaria de
infeco e de epidemias os vivos que respiram ainda a atmosfera das proximidades.
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Argumento to capcioso que nos faz pelo menos sorrir, sobretudo quando se sabe
que ele foi j citado muito a srio, h mais de um sculo, quando floria o estreito
positivismo dos Comte e dos Littr! Enternecedora solicitude, enfim, que no se
exerceu no nosso tempo bendito, nas duas hecatombes, grandiosas pela durao e
pela multido dos mortos, em superfcies quase sempre reduzidas, em que a
inumao demorava, muitas vezes bem longe do prazo e da profundidade
regulamentares.
Em oposio, este o lugar de lembrar a observao, macabra e
singular, a que se aplicaram no comeo do Segundo Imprio, num esprito muito
diferente, com a pacincia e a determinao de uma outra idade, os clebres
mdicos, tambm toxiclogos, Mathieu-Joseph Orfila e Marie-Guillaume Devergie,
sobre a lenta e progressiva decomposio do corpo humano. Eis o resultado da
experincia conduzida at ento no fedor e na intensa proliferao dos vibries:
O odor diminui gradualmente; chega enfim um
tempo em que todas as partes moles espalhadas no cho
formam apenas um detrito lamacento, enegrecido e com um
cheiro que tem qualquer coisa de aromtico.
Quanto transformao do fedor em perfume, deve notar-se a
surpreendente semelhana com o que declaram os velhos Mestres, a propsito da
Grande Obra fsica e entre eles, em especial, Morien e Raymond Lulle, precisando
que ao odor infecto (odor teter) da dissoluo obscura sucede o mais suave
perfume, porque prprio da vida e do calor (quia et vitae proprius est et caloris).
*
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Depois do que acabamos de delinear, quanto no devemos recear o que,
nossa volta, e no plano em que nos encontramos, podem representar o
testemunho contestvel e a argumentao capciosa? Propenso deplorvel que
invariavelmente mostram a inveja e a mediocridade e de que temos o dever de
destruir, hoje, os desagradveis e persistentes efeitos. Isso vem a propsito de uma
retificao muito objetiva do nosso mestre Fulcanelli, estudando, no Museu de
Cluny, a esttua de Marcelo, bispo de Paris, que se erguia em Notre Dame, o vo do
prtico de Santa Ana, antes de os arquitetos Viollet-le-Duc e Lassus o terem
substitudo, cerca de 1850, por uma cpia satisfatria. Assim, o Adepto do Mistrio
das Catedrais foi levado a corrigir os erros cometidos por Louis-Franois Cambriel
que podia, no entanto, fornecer pormenores da escultura primitiva que permaneceu
sempre na catedral desde o princpio do sculo XIV, e que escrevia ento, no
reinado de Carlos X, a sua breve e fantasiosa descrio:
Este bispo leva um dedo boca para dizer queles
que o contemplam e que vm tomar conhecimento do que ele
representa... Se reconheceis e adivinhais o que represento por
este hierglifo, calai-vos!... No digais nada! (Cours de
philosophie hermtique ou d'Alchimie en dix-neuf leons, Paris,Lacour et Maistrasse, 1843).
Estas linhas, na obra de Cambriel, so acompanhadas pelo esboo
desajeitado que lhes deu origem ou que elas inspiraram. Como Fulcanelli,
imaginamos dificilmente que dois observadores, a saber, o escritor e o desenhador,
tenham podido separadamente ser vitimas da mesma iluso. Na estampa, o santo
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bispo, que aparece com barba, em evidente metacronismo, tem a cabea coberta
com uma mitra decorada com quatro pequenas cruzes e segura com a mo
esquerda um curto bculo na concavidade do seu ombro. Imperturbvel, leva o
indicador ao nvel do queixo na expresso mmica do segredo e do silncio
recomendados.
A verificao fcil, conclui Fulcanelli, visto que
possumos a obra original e a fraude salta aos olhos primeira
vista. O nosso santo , segundo o costume medieval,
completamente escanhoado; a sua mitra, muito simples, no
mostra qualquer ornamento; o bculo, que segura com a mo
esquerda, apia a sua extremidade inferior sobre a goela do
drago. Quanto ao gesto famoso dos personagens do Mutus
Liber e de Harpcrates, saiu inteiramente da imaginao
excessiva de Cambriel. S. Marcelo representado
abenoando, numa atitude cheia de nobreza, a testa inclinada,
o ante-brao dobrado, a mo altura do ombro, o indicador e o
dedo mdio levantados.
*Como acabamos de ver, a questo estava nitidamente resolvida,
constituindo na presente obra o tema de todo o pargrafo VII do captulo PARIS e de
que o leitor pode desde j tomar conhecimento na sua totalidade. Todo o engano
estava ento desfeito e a verdade perfeitamente estabelecida quando Emile-Jules
Grillot de Givry, trs anos mais tarde, no seu Muse des Sorciers, escreveu a
respeito do pilar mdio do prtico sul de Notre-Dame estas linhas:
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A esttua de S. Marcelo que se encontra
atualmente no portal de Notre-Dame, uma reproduo
moderna que no tem valor arqueolgico; faz parte da
restaurao dos arquiteto Lassus e Viollet-le-Duc. A verdadeira
esttua, do sculo XIV, encontra-se atualmente relegada para
um canto da grande sala das Termas do Museu de Cluny, onde
a fizemos fotografar (fig. 342). Pode ver-se que o bculo do
bispo mergulha na goela do drago, condio essencial para a
legibilidade do hierglifo e indicao de que um raio celeste
necessrio para acender o fogo do athanor. Ora, numa poca
que deve ter sido os meados do sculo XVI, esta esttua
antiga tinha sido retirada do portal e substituda por uma outra
na qual o bculo do bispo, para contrariar os alquimistas e
arruinar a sua tradio, tinha sido feito deliberadamente mais
curto e j no tocava a goela do drago. Pode verse essa
diferena na nossa figura 344, em que representada esta
antiga esttua, tal como era antes de 1860. Viollet-le-Duc f-la
retirar e substituiu-a por uma cpia bastante exata da doMuseu de Cluny, restituindo assim ao portal de Notre-Dame a
soa verdadeira significao alqumica.
Que confusa embrulhada esta, para no dizer mais, segundo a qual, em
resumo, uma terceira esttua se teria inserido, no sc. XVI, entre a bela relquia
depositada em Cluny e a cpia moderna, visvel na catedral da Cite h mais de cem
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anos! Dessa esttua renascentista, ausente dos arquivos e desconhecida das mais
esclarecidas obras, Grillot de Givry, em apoio da sua afirmao pelo menos muito
gratuita, forneceu uma fotografia de que Bemard Husson fixa deliberadamente a
data e faz um daguerretipo. Eis a legenda que renova, por baixo da fotografia, a
sua insustentvel justificao:
FIG.344 ESTTUA DO SC. XVI SUBSTITUDA, CERCA
DE 1860, POR UMA CPIA DA EFGIE PRIMITIVA.
Portal de N.-D. de Paris.
(Coleo do Autor.)
Infelizmente para esta imagem, o pressuposto S. Marcelo no possui a
vara episcopal que lhe atribui a pena de Grillot, decididamente perdido at a
impossvel solicitao. Quando muito, distingue-se na mo esquerda do prelado
trocista e abundantemente barbado uma espcie de grande barra desprovida, na
sua extremidade superior, da voluta ornada que teria podido constituir um bculo de
bispo.
Importava, evidentemente, que se induzisse do texto e da ilustrao que
esta escultura do sculo XVI oportunamente inventada fosse a que Cambriel,
passando um dia diante da igreja de Notre-Dame de Paris examinou com muitaateno, visto que o autor declara na prpria capa do seu Curso de Filosofia que
terminou este livro em Janeiro de 1829. Desta maneira, encontravam-se acreditados
a descrio e o desenho devidos ao alquimista de Saint-Paul-de-Fenouillet, que se
completam no erro, enquanto esse irritante Fulcanelli, demasiado preocupado com a
exatido e a sinceridade, era reconhecido culpado de ignorncia e de inconcebvel
desprezo. Ora a concluso, neste sentido, no to simples; podemos constat-lo
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desde j na gravura de Franois Cambriel, em que o bispo portador de uma vara
pastoral seguramente encurtada mas completa, com o seu baco e com a sua parte
em espiral.
*
No nos detenhamos na explicao de Grillot de Givry, verdadeiramente
engenhosa mas um pouco elementar, do encurtamento da vara pastoral (virga
pastoralis); no deixemos, pelo contrrio, de denunciar esta bizarria, que
evidentemente visava, sem a nomear inocentemente, precisar Jean Reyor,
pretendendo que tivesse sido de maneira fortuita a pertinente correo do
Mistrio das Catedrais, da qual impossvel que um esprito to avisado e curioso
como o seu no tivesse conhecimento. Com efeito, este primeiro livro de Fulcanelli
tinha aparecido em Junho de 1926, quando datado de Paris, 20 de Novembro de
1928 Le Muse des Sorciers saiu em Fevereiro de 1929, uma semana aps a
morte sbita do seu autor.
Nessa altura, o processo, que no nos pareceu particularmente honesto,
causou-nos tanta surpresa como desgosto e desconcertou-nos profundamente.
certo que nunca teramos falado disso se, depois de Marcel Clavelle alis Jean
Reyor Bernard Husson no tivesse sentido recentemente a inexplicvel
necessidade, a trinta e dois anos de distncia, de voltar a tocar no caso e vir em seu
socorro. Daremos apenas neste lugar a presunosa opinio do primeiro no Voile
d'Isis de Novembro de 1932 visto que o segundo f-la inteiramente sua, sem
refletir nem sentir o menor escrpulo que gostaramos que tivesse em relao ao
Adepto admirvel e ao Mestre comum:
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Toda a gente partilha a virtuosa indignao de
Fulcanelli. Mas o que sobretudo lamentvel a leviandade
deste autor nesta circunstncia. Vamos ver que no havia
motivo para acusar Cambriel de 'truque', 'fraude' e desaforo'.
Ponhamos as coisas nos seus devidos lugares: o
pilar que se encontra atualmente no portal de Notre-Daine
uma reproduo moderna que faz parte da restaurao dos
arquitetos Lassus e Viollet-le-Duc, efetuada cerca de 1860. O
pilar primitivo encontra-se desterrado no Museu de Cluny. No
entanto, devemos dizer que o pilar atual reproduz bastante
fielmente, no seu conjunto, o do sculo XIV, com exceo de
alguns motivos do pedestal. Em todo o caso, nem um nem
outro destes pilares correspondem descrio e figura dadas
por Cambriel e inocentemente reproduzidas por um conhecido
ocultista. E, no entanto, Cambriel no tentou de maneira
nenhuma enganar os seus leitores. Descreveu e fez desenhar
fielmente o pilar que todos os parisienses de 1843 podiam
contemplar. que existe um terceiro pilar S. Marcelo,
reproduo infiel do primitivo, e este pilar que foi substitudo,cerca de 1860, pela cpia mais honesta que vemos
atualmente. Esta reproduo infiel apresenta todas as
caractersticas assinaladas pelo bom Cambriel que, longe de
ser um trapaceiro, foi, pelo contrrio, enganado por essa cpia
pouco escrupulosa, mas a sua boa-f est absolutamente fora
de causa e isso que desejaramos estabelecer.
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*
A fim de melhor fundamentar o que dizia, Grillot de Givry o conhecido
ocultista citado por Jean Reyor em Le Muse des Sorciers, apresentou, sem
referncia, como vimos, uma prova fotogrfica cuja estereotipagem revela a
confeco recente. Qual ser, no fundo, o valor exato deste documento que ele
utilizou para reforar o seu texto e rejeitar, com toda a aparncia de irrefutabilidade,
o julgamento imparcial de Fulcanelli a propsito de Franois Cambriel? Julgamento
talvez severo mas seguramente fundamentado, que Grillot de Givry, sabemo-lo
tambm, evitou assinalar. Ocultista em sentido absoluto, mostrou-se no menos
discreto quanto provenincia da sua sensacional fotografia...
No ser, muito simplesmente, que essa imagem, que representaria a
esttua retirada no ltimo sculo, durante os trabalhos de Viollet-le-Duc, foi
realmente levada de outro lugar que no a Notre-Dame de Paris, se que ela no
oferece o simulacro de outro personagem que no o bispo Marcellus da antiga
Lutcia?...
Na iconografia crist, numerosos santos tm junto deles o drago
agressivo ou submisso, entre os quais podemos nomear: Joo Evangelista, Tiago
Maior, Filipe, Miguel, Jorge e Patrcio. No entanto, S. Marcelo o nico que toca
com o bculo a cabea do monstro, de acordo com o respeito que pintores e
escultores do passado tiveram sempre pela sua lenda. Esta rica e entre os ltimos
feitos do bispo conta-se o seguinte (inter novssima ejus opera hoc annumeratur)
que relatado pelo padre Grard Dubois d'Orlans (Gerardo Dubois Aurelianensi)
na sua Histoire de lglise de Paris (in Historia Ecclesiae Parisiensis) e que ns
resumimos, traduzindo e aproveitando o texto latino:
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Certa dama, mais ilustre pela nobreza de raa do
que pelos costumes e pelos rumores de boa reputao,
completou o seu destino e ento, com pomposos funerais foi
colocada conveniente e solenemente no tmulo. A fim de puni-
la pela violao da sua cova, uma horrvel serpente avana
para a sepultura da mulher e alimenta-se dos seus membros e
do seu cadver, cuja alma tinha corrompido com os seus
funestos silvos. No lugar de repouso no a deixou repousar.
Mas, prevenidos pelo rudo, os antigos servidores da mulher
ficaram extremamente aterrorizados e a multido da cidade
comeou a acorrer ao espetculo e a alarmar-se com a viso
do enorme animal...
O bem-aventurado prelado, prevenido, sai com o
povo e ordena que os cidados sejam apenas espectadores.
Ele prprio, sem receio, coloca-se diante do drago... que,
como se suplicasse, se prostra junto dos joelhos do santo
bispo, parece adul-lo e pedir-lhe perdo. Ento Marcelo,
batendo-lhe na cabea com o seu bculo, lana sobre ele a
sua estola (Tum Marcellus cuput ejus baculo percutiens, in eum
orarium1 injecit); conduzindo-o em crculo por duas ou trs
milhas, seguido pelo povo, ele extraa (extrahebat) a sua
marcha solene diante dos olhos dos cidados. Em seguida,
apstrofa o animal e ordena-lhe que, para o futuro, se
Orarium, quod vulgo stola dicitur. (Glossarium Cangii) Orarium, o que vulgarmente se chama estola.(Glossaire de Du Cange.)
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mantenha perpetuamente nos desertos ou que v precipitar-te
no mar...
Seja dito de passagem que quase no h necessidade de sublinhar aqui
a alegoria hermtica na qual se distinguem as duas vias, seca e mida. Corresponde
exatamente ao 50 emblema de Michel Maier no seu Atalanta Fugiens, no qual o
drago enlaa uma mulher no apogeu da idade, vestida e jazendo inerte no buraco
da sua cova, violada de modo semelhante.
*
Mas voltemos pretensa esttua de S. Marcelo, discpulo e sucessor de
Prudncio, que Grillot de Givry pretende que tenha sido colocada, cerca dos meados
do sculo XVI, no tremo do portal sul em Notre-Dame, ou seja, no lugar do admirvel
vestgio conservado na margem esquerda, no Museu de Cluny. Acentuemos que a
efgie hermtica est atualmente guardada na torre setentrional da sua primeira
morada.
Para contestarmos solidamente essa afirmao destituda de qualquer
fundamento, possumos o testemunho irrecusvel do senhor Esprit Gobineau de
Montluisant, gentil-homem de Chartres, na sua Explication trs curieuse des
Enigmes et Figures hierogliphiques,physiques, qui sont au Grand Portail de l'glise
Cathedrale et Metropolitaine de Notre Dame de Paris. A nossa testemunha ocular
considerando atentamente as esculturas, fornece-nos a prova de que o alto relevo
transportado para a Rue du Sommerard por Viollet-le-Duc se encontrava no pilar
mdio do prtico da direita na quarta-feira 20 de Maio de 1640, vspera da gloriosa
ascenso do Nosso Salvador Jesus-Cristo:
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No pilar que fica ao meio e que separa as duas
portas deste Portal, existe ainda a figura de um Bispo cravando
o seu Bculo na goela de um drago que est a seus ps e
que parece sair de um banho ondulante, em cujas ondas
aparece a cabea de um Rei, com tripla coroa, que parece
afogar-se nas ondas e depois emergir de novo.
O relato histrico patente e decisivo no perturbou Mareei Clavelle (cujo
pseudnimo Jean Reyor) que foi ento obrigado, a fim de se desenvencilhar, a
remeter para o reinado de Lus XIV o nascimento da esttua, completamente
desconhecida at que Grillot bruscamente a inventou, de boa ou de m-f.
Igualmente incomodado pela mesma evidncia, Bernard Husson no arranjou
melhor soluo do que propor, sem cerimnia, que o sculo XVI, na pgina 407 do
Muse des Sorciers, seja apenas uma gralha tipogrfica felizmente retificada na
legenda por sculo XVII, o que, realmente, no se descobre l, como se pde
verificar mais atrs.
*
E ainda mais, com desprezo de toda a exatido, no ser inconcebvel
irreflexo admitir que um restaurador do perodo dos Valois, prosseguindo a sua
iniciativa simultaneamente culpvel e singular, tivesse levado para um museu
inexistente na poca a magnfica esttua que s se encontra a guardada, sem
dvida, h um bom sculo, numa sala das Termas desenterradas junto do
encantador palcio reconstrudo por Jacques d'Amboise? Como seria extravagante
que, seguidamente, esse arquiteto do sculo XVI tivesse tido, em relao figura
gtica e imberbe que teria substitudo, o zelo de conservao que o cuidadoso
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Viollet-le-Duc no devia mostrar, trezentos anos mais tarde, pelo bispo barbudo,
obra do seu longnquo e annimo confrade!
Que Mareei Clavelle e Bernard Husson, um aps outro, se tenham
mostrado tolamente cegos pelo intenso prazer de apanhar em erro o grande
Fulcanelli, ainda passa; mas que Grillot de Givry, logo partida, no tenha visto o
monumental ilogismo da sua inconseqente refutao, eis o que se mostra difcil de
toda a possvel digesto.
De resto, temos de convir, sem dvida, que importava, a propsito desta
terceira edio do Mistrio das Catedrais, que fosse nitidamente estabelecido o
fundamento da censura de Fulcanelli dirigida contra Cambrel e que,
conseqentemente, fosse dissipado de modo radical o aflitivo equvoco criado por
Grillot de Givry; e, se se quiser, que fosse realmente resolvida e definitivamente
encerrada uma controvrsia que sabamos tendenciosa e sem verdadeiro objeto.
Savignies, Julho de 1964. Eugne CANSELIET.
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O MISTRIO DASCATEDRAIS
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I
A mais forte impresso da nossa primeira juventude tnhamos ento
sete anos , de que guardamos ainda uma viva recordao, foi emoo que
provocou na nossa alma de criana a viso de uma catedral gtica. Sentimo-nosimediatamente transportado, extasiado, preso de admirao, incapaz de nos
furtarmos atrao do maravilhoso, magia do esplndido, do imenso, do
vertiginoso que se desprendia dessa obra mais divina que humana.
Desde ento, a viso transformou-se mas a impresso permanece. E se o
hbito modificou o carter impulsivo e pattico do primeiro contacto, nunca nos
pudemos defender de uma espcie de arrebatamento perante esses belos livros de
imagens erguidos sobre os nossos adros e que estendem at ao cu as suas folhas
de pedra esculpida.
Com que linguagem, por que meios poderamos exprimir-lhes a nossa
admirao, testemunhar-lhes o nosso reconhecimento, todos os sentimentos de
gratido de que o nosso corao est cheio por tudo o que nos ensinaram a
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apreciar, a reconhecer, a descobrir, at essas obras-primas mudas, esses mestres
sem palavras e sem voz?
Sem palavras e sem voz? que dizemos! Se estes livros lapidares tm
as suas letras esculpidas frases em baixos-relevos e pensamentos em ogivas,
no falam menos pelo esprito imorredouro que se exala das suas pginas. Mais
claros do que os seus irmos mais novos manuscritos e impressos possuem
sobre eles a vantagem de traduzir apenas um sentido nico, absoluto, de expresso
simples, de interpretao ingnua e pitoresca, um sentido purificado das subtilezas,
das aluses, dos equvocos literrios.
A lngua de pedras que esta arte nova fala, diz com
muita verdade J. F. Colfs1, simultaneamente clara e sublime.
E tanto fala alma dos mais humildes como dos mais cultos.
Que lngua pattica, o gtico das pedras! Uma lngua to
pattica, com efeito, que os cnticos de um Orlande de Lassus
ou de um Palestrina, as obras para rgo de um Haendel ou de
um Frescobaldi, a orquestrao de um Beethoven ou de um
Cherubini e, maior do que tudo isso, o simples e severo canto
gregoriano, talvez o nico canto verdadeiro, s por acrscimo
dizem algo mais do que as emoes causadas pela catedral
em si prpria. Ai daqueles que no amam a arquitetura gtica
ou, pelo menos, lamentemo-los como deserdados do corao.
Santurio da Tradio, da Cincia e da Arte , a catedral gtica no deve
ser olhada como uma obra unicamente dedicada glria do cristianismo, mas antes
como uma vasta condenao de idias, de tendncias, de f populares, um todo
J. F. Colfs,La Filiation gnalogique de toutes les coles gothiques. Paris, Baudry, 1884.
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perfeito ao qual nos podemos referir sem receio desde que se trate de penetrar o
pensamento dos ancestrais, seja qual for o domnio: religioso, laico, filosfico ou
social.
As abbadas ousadas, a nobreza das naves, a amplido das propores
e a beleza da execuo fazem da catedral uma obra original, de harmonia
incomparvel, mas que o exerccio do culto no parece dever ocupar por inteiro.
Se o recolhimento sob a luz espectral e policroma dos altos vitrais, se o
silncio convidam orao, predispem para a meditao, em compensao o
aparelho, a estrutura, a ornamentao, desprendem e refletem, no seu
extraordinrio poder, sensaes menos edificantes, um esprito mais laico e,
digamos a palavra, quase pago. Podem a descobrir-se, alm da inspirao ardente
nascida de uma f robusta, as mil preocupaes da grande alma popular, a
afirmao da sua conscincia, ia sua vontade prpria, a imagem do seu pensamento
no que ela tem de complexo, de abstrato, de essencial, de soberano.
Se h quem entre no edifcio para assistir aos ofcios divinos, se h quem
penetre nele acompanhando cortejos fnebres ou os alegres cortejos das festas
anunciadas pelo repicar de sinos, tambm h quem se rena dentro delas noutras
circunstncias. Realizam-se assemblias polticas sob a presidncia do bispo;
discute-se o preo do trigo ou do gado; os mercadores de panos fixam a a cotaodos seus produtos; acorre-se a esse lugar para pedir reconforto, solicitar conselho,
implorar perdo. E no h corporao que no faa benzer l a obra-prima do seu
novo companheiro e que no se rena uma vez por ano sob a proteo do santo
padroeiro.
Outras cerimnias, especialmente atrativas para o povo, se mantiveram a
durante todo o belo perodo medieval. Foi a Festa dos Loucos ou dos Sbios
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quermesse hermtica processional, que partia da igreja com o seu papa, os seus
dignitrios, os seus entusiastas, o seu povo o povo da Idade Mdia, ruidoso,
travesso, chistoso, transbordante de vitalidade, de entusiasmo e de ardor e se
espalhava pela cidade... Stira hilariante de um clero ignorante, submetido
autoridade da Cincia disfarada, esmagado sob o peso de uma indiscutvel
superioridade. Ah! A Festa dos Loucos, com o seu carro do Triunfo de Baco
conduzido por um centauro e uma mulher-centauro, nus como o prprio deus,
acompanhado pelo grande Pan; carnaval obsceno tomando posse das naves
ogivais! Ninfas e niades saindo do banho; divindades do Olimpo sem nuvens e sem
enfeites: Juno, Diana, Vnus, La tona, reunindo-se na catedral para a ouvirem
missa! E que missa! Composta pelo iniciado Pierre de Corbeil, arcebispo de Sens,
segundo um ritual pago e em que as paroquianas do ano 1220 soltavam o grito de
alegria das bacanais: Evoh! Evoh! E os homens do coro, em delrio,
respondiam:
Haec est clara dies clararum clara dierum!
Haec est festa dies festarum festa dierum1!
Foi ainda a Festa do Burro, quase to faustosa como a precedente, com a
entrada triunfal, sob os arcos sagrados, de mestre Aliboron, cujos cascos pisavam
outrora a calada judia de Jerusalm. O nosso glorioso Christophore era a
celebrado num ofcio especial em que se exaltava, aps a epstola, esse poder
asinino que valeu Igreja o ouro da Arbia, o incenso e a mirra do pas de Sab.
Pardia grotesca que o sacerdote, incapaz de compreender, aceitava em silncio, a
cabea curvada sob o ridculo lanado s mos cheias por esses mistificadores do
Este dia clebre entre os dias clebres! Este dia dia de festa entre os dias de festal
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pas de Sab ou Caba, os cabalistas em pessoa! E o prprio cinzel dos mestres
imagistas do tempo que nos confirma estes curiosos divertimentos. Com efeito, na
nave de Notre-Dame de Estrasburgo, escreve Witkowski
, o baixo-relevo de um
dos capitis dos grandes pilares reproduz uma procisso satrica em que se
distingue um porco, portador de uma pia de gua benta, seguido de burros vestidos
com hbitos sacerdotais e de macacos munidos de diversos atributos da religio,
assim como uma raposa encerrada num relicrio. a Procisso da Raposa ou da
Festa do Burro.
Podemos acrescentar que uma cena idntica, com iluminuras, figura no
folio 40 do manuscrito n. 5055 da Biblioteca Nacional.
Foram enfim estes costumes bizarros, em que transparecia um sentido
hermtico por vezes muito puro, que se renovavam em cada ano e tinham por teatro
a igreja gtica, como a Flagelao da Aleluia, na qual os meninos de coro
expulsavam a grandes golpes de chicote os seus ruidosos sabots para fora das
naves da catedral de Langres; o Cortejo de Carnaval, a Diabrura de Chaumont; as
procisses e banquetes da Infantaria de Dijon, ltimo eco da Festa dos Loucos, com
a sua Me Louca, os seus diplomas rabelaisianos, o seu estandarte em que dois
irmos, ps com cabea e cabea com ps, se divertiam a descobrir as ndegas; o
curioso Jogo da Pelota, que se disputava na nave de Saint-Etienne, catedral deAuxerre que desapareceu cerca de 1538 etc.
II
G. J. Witkowski, LArt Profane Lglise. Etranger. Paris, Schemit, 1908, pg. 35. Pio com perfil de Tau ou Cruz. Em cabala, sabot equivale a cabot ou chabot, o chat bott (gato de botas) dashistrias da carochinha. A bolacha da Epifania contm, por vezes, um sabot em vez de uma fava.
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A catedral o refgio hospitaleiro de todos os infortnios. Os doentes que
vinham implorar a Deus o alvio dos seus sofrimentos em Notre-Dame de Paris
permaneciam nela at a sua cura completa. Destinavam-lhes uma capela situada
perto da segunda porta e iluminada por seis lamparinas. A passavam as noites. Os
mdicos davam as suas consultas na prpria entrada da baslica, volta da pia da
gua benta. Foi a que a Faculdade de Medicina, abandonando no sculo XIII a
Universidade para viver independente, veio dar as suas sesses e se fixou at 1454,
poca da sua ltima reunio, convocada por Jacques Desparts.
o asilo inviolvel das pessoas perseguidas e o sepulcro dos mortos
ilustres. a cidade dentro da cidade, o ncleo intelectual e moral do aglomerado, o
corao da atividade pblica, a apoteose do pensamento, do saber e da arte.
Pela abundante florao dos seus ornamentos, pela variedade dos temas
e das cenas que a enfeitam, a catedral aparece como uma enciclopdia muito
completa e variada, ora ingnua, ora nobre, sempre viva, de todos os
conhecimentos medievais. Estas esfinges de pedra so assim educadoras,
iniciadoras, em primeiro lugar. Este povo cheio de quimeras, de figuras grotescas,
de figurinhas, de carrancas, de ameaadoras grgulas drages, vampiros e
tarascas o guardio secular do patrimnio ancestral. A arte e a cincia, outrora
concentradas nos grandes mosteiros, escapam-se da oficina, acorrem ao edifcio,agarram-se aos campanrios, aos pinculos, aos arcobotantes, suspendem-se das
abbadas, povoam os nichos, transformam os vitrais em pedras preciosas, o bronze
em vibraes sonoras e desdobram-se pelos portais numa alegre revoada de
liberdade e de expresso. Nada mais laico do que o esoterismo deste ensinamento!
Nada mais humano do que esta profuso de imagens originais, vivas, livres,
movimentadas, pitorescas, por vezes desordenadas, sempre interessantes; nada
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mais impressionante do que estes mltiplos testemunhos da existncia quotidiana
do gosto, do ideal, dos instintos dos nossos pais; nada mais cativante, sobretudo,
que o simbolismo dos velhos alquimistas habilmente traduzido pelos modestos
estaturios medievais. A este respeito, Notre-Dame de Paris, igreja filosofal, sem
dvida um dos exemplares mais perfeitos e. como disse Victor Hugo, a sntese
mais satisfatria da cincia hermtica, de que a igreja de Saint-Jacques-la-Bou-
cherie era um completo hierglifo.
Os alquimistas do sculo XIV encontram-se ai, semanalmente, no dia de
Saturno, no grande portal ou no portal de S. Marcelo, ou ainda na pequena Porta
Vermelha, toda decorada de salamandras. Denys Zachaire informa-nos que o hbito
se mantinha ainda no ano de 1539, "nos domingos e dias de festa" e Nol du Pail diz
que "o grande encontro de tais acadmicos era em Notre-Dame de Paris1".
A, no deslumbramento das ogivas pintadas e douradas2, dos cordes das
voltas das abbadas, dos tmpanos com figuras multicores, cada um expunha o
resultado dos seus trabalhos, desenvolvia a ordem das suas pesquisas. Emitiam-se
probabilidades, discutiam-se possibilidades, estudava-se no prprio local a alegoria
do belo livro e a exegese abstrusa dos misteriosos smbolos no era a parte menos
animada destas reunies.
Aps Gobineau de Montluisant, Cambriel e tutti quanti, vamos
empreender a piedosa peregrinao, falar s pedras e interrog-las. Ai de ns! j
bem tarde. O vandalismo de Soufflot destruiu em grande parte o que, no sculo XVI,
o assoprador podia admirar. E se a arte deve algum reconhecimento aos
Nol du Fail, Props rustiques, baliverneries, contes et discours d'Eutrapele (cap. X). Paris, Gosselin, 1842. Nas catedrais tudo era dourado e pintado de cores vivas. Possumos o texto de Martyrius, bispo e viajantearmnio do sc. XV, que disso d testemunho. Este autor diz que o portal de Notre-Dame de Paris resplandecia
como a entrada do Paraso. Viam-se a a prpura, o rosa, o azul, a prata e o ouro. Podem ainda perceber-se traosdo dourado no cimo do tmpano do grande portal. O da igreja de Saint-Germain-lAuxerrois conservou as suas
pinturas, a sua abbada azulada, constelada de ouro. Souffleur, simples emprico, contrrio do Adepto, que o verdadeiro alquimista. (N. do T.)
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eminentes arquitetos Toussaint, Geffroy Dechaume, Boeswillwald, Viollet-le-Duc e
Lassus, que restauraram a baslica, odiosamente profanada pela Escola, a Cincia
nunca reencontrar o que perdeu.
Seja como for, e apesar destas lamentveis mutilaes, os motivos que
subsistem ainda so bastante numerosos para que se no tenha de lamentar o
tempo e o trabalho de uma visita. Ficaremos, portanto, mais satisfeitos e largamente
pagos pelo nosso esforo se pudermos despertar a curiosidade do leitor, reter a
ateno do observador sagaz e mostrar aos amadores do oculto que no
impossvel recuperar o sentido do arcano dissimulado sob a aparncia petrificada do
prodigioso engrimano.
III
Antes, porm, devemos dizer duas palavras acerca do termo gtico
aplicado arte francesa que imps as suas diretrizes a todas as produes da Idade
Mdia e cuja irradiao se estende dos sculos XII a XV.
Alguns pretenderam erradamente que provinha dos Godos, antigo povo
da Germnia; outros julgaram que se chamava assim a esta forma de arte, cujas
originalidade e extrema singularidade provocavam escndalo nos sculos XVII e
XVIII, por zombaria, atribuindo-lhe o sentido de brbaro: tal a opinio da Escola
clssica, imbuda dos princpios decadentes do Renascimento.
A verdade, que sai da boca do povo, no entanto, manteve e conservou a
expressoArte gtica, apesar dos esforos da Academia para substitu-la porArte
ogival. H a uma razo obscura que deveria obrigar a refletir os nossos lingistas,
sempre espreita das etimologias. Qual a razo por que to poucos lexiclogos
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acertaram? Simplesmente porque a explicao deve ser antes procurada na origem
cabalstica da palavra, mais do que na sua raiz literal.
Alguns autores perspicazes e menos superficiais, espantados pela
semelhana que existe entre gtico e gotico pensaram que devia haver uma
estreita relao entre a arte gtica e a arte gotica ou mgica.
Para ns, arte gtica apenas uma deformao ortogrfica da palavra
argtica cuja homofonia perfeita, de acordo com a lei fontica que rege, em todas
as lnguas, sem ter em conta a ortografia, a cabala tradicional. A catedral uma obra
de art goth ou de argot. Ora, os dicionrios definem o argot como sendo uma
linguagem particular a todos os indivduos que tm interesse em comunicar os seus
pensamentos sem serem compreendidos pelos que os rodeiam. , pois, uma
cabala falada. Os argotiers, os que utilizam essa linguagem, so descendentes
hermticos dos argonautas, que viajavam no navio Argo, falavam a lngua argtica
a nossa lngua verde navegando em direo s margens afortunadas de
Colcos para conquistarem o famoso Toso de Ouro. Ainda hoje se diz de um
homem inteligente mas tambm muito astuto: ele sabe tudo, entende o argot. Todos
os Iniciados se exprimiam em argot, tanto os vagabundos da Corte dos Milagres
com o poeta Villon cabea como os Frimasons ou franco-maons da Idade
Mdia, hospedeiros do bom Deus, que edificaram as obras-primas argticas quehoje admiramos. Eles prprios, estes nautas construtores, conheciam a rota do
Jardim das Hesprides...
Ainda nos nossos dias os humildes, os miserveis, os desprezados, os
insubmissos, vidos de liberdade e de independncia, os proscritos, os errantes e os
nmadas falam argot, esse dialeto maldito, banido da alta sociedade, dos nobres
que o so to pouco, dos burgueses satisfeitos e bem pensantes, espojados no
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arminho da sua ignorncia e da sua presuno. O argot permanece a linguagem
de uma minoria de indivduos vivendo margem das leis estabelecidas, das
convenes, dos hbitos, do protocolo, aos quais se aplica o epteto de vadios
(voyous), ou seja, de videntes (voyants) e, mais expressivo ainda, de Filhos ou
Descendentes do sol. A arte gtica , com efeito, a art got ou cot (Xo), a arte da Luz
ou do Esprito.
Pensar-se- que so apenas simples jogos de palavras. E ns
concordamos de boa vontade. O essencial que guiem a nossa f para uma
certeza, para a verdade positiva e cientfica, chave do mistrio religioso, e que no a
mantenham errante no labirinto caprichoso da imaginao. Aqui em baixo no existe
acaso, nem coincidncia, nem relao fortuita; tudo est previsto, ordenado,
regulado e no nos pertence modificar a nosso bel-prazer a vontade imprescutvel
do Destino. Se o sentido usual das palavras nos no permite qualquer descoberta
capaz de nos elevar, de nos instruir, de nos aproximar do Criador, o vocabulrio
toma-se intil. O verbo, que assegura ao homem a incontestvel superioridade, a
soberania que ele possui sobre tudo o que vive, perde a sua nobreza, a sua
grandeza, a sua beleza e no mais do que uma aflitiva vaidade. Ora, a lngua,
instrumento do esprito, vive por ela prpria, embora no seja mais do que o reflexo
da Idia universal. Nada inventamos, nada criamos. Tudo existe em tudo. O nossomicrocosmos apenas uma partcula nfima, animada, pensante, mais ou menos
imperfeita, do macrocosmos. O que ns julgamos descobrir apenas pelo esforo da
nossa inteligncia existe j em qualquer parte. a f que nos faz pressentir o que
existe; a revelao que nos d a prova absoluta. Muitas vezes passamos ao lado
do fenmeno, at mesmo do milagre, sem dar por ele, cegos e surdos. Quantas
maravilhas, quantas coisas insuspeitadas descobriramos se soubssemos dissecar
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as palavras, quebrar-lhes a casca e libertar o esprito, divina luz que eles encerram!
Jesus exprimia-se somente por parbolas; poderemos ns negar a verdade que elas
ensinam? E, na conversao corrente, no sero os equvocos, os pouco mais ou
menos, os trocadilhos ou assonncias que caracterizam as pessoas de esprito,
felizes por escaparem tirania da letra e mostrando-se, sua maneira, cabalistas
sem o saberem?
Acrescentemos, por fim, que o argot uma das formas derivadas da
Lngua dos Pssaros, me e decana de todas as outras, a lngua dos filsofos e dos
diplomatas. o conhecimento dela que Jesus revela aos seus apstolos, enviando-
lhes o seu esprito, o Esprito Santo.
ela que ensina o mistrio das coisas e desvenda as verdades mais
recnditas. Os antigos Incas chamavam-na Lngua da corte porque era familiar aos
diplomatas, a quem fornecia a chave de uma dupla cincia: a cincia sagrada e a
cincia profana. Na Idade Mdia, qualificavam-na de Gaia cincia ou Gaio saber,
Lngua dos deuses, Deusa-Garrafa1. A tradio assegura-nos que os homens
falavam-na antes da edificao da torre de Babel2, causa da perverso e, para a
maioria, do esquecimento total desse idioma sagrado. Hoje, fora do argot,
encontramos as suas caractersticas nalgumas lnguas locais como o picardo, o
provenal etc. e no dialeto dos ciganos.
A mitologia pretende que o clebre adivinho Tirsias3 tenha possudo
perfeito conhecimento da Lngua dos Pssaros, que Minerva lhe teria ensinado,
como deusa da Sabedoria. Ele partilhava-a, diz-se, com Tales de Mileto, Melampus
La Vie de Gargantua et de Pantagruel, por Franois Rabelais, uma obra esotrica, um romance de argot. O
bom cura de Meudon revela-se nela como um grande iniciado, alm de um cabalista de primeira ordem.2 Tour, a Tournure ba empregue por bel. Tirsias, diz-se, tinha perdido a vista por ter desvendado aos mortais os segredos do Olimpo. Viveu, noentanto, sete, oito ou nove idades de homem e teria sido sucessivamente homem e mulher!
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e Apolnio de Tiana4, personagens fictcios cujos nomes falam eloqentemente na
cincia que nos ocupa e bastante claramente para que tenhamos necessidade de os
analisar nestas pginas.
IV
Com raras excees, o plano das igrejas gticas catedrais, abadias ou
colegiadas apresenta a forma de uma cruz latina estendida no solo. Ora a cruz
o hierglifo alqumico do crisolque outrora se chamava cruzol,crucible e croiset(nabaixa latinidade, cricibulum, crisol, tem por raiz crux, crucis, cruz, segundo
Ducange).
Com efeito, no crisol que a matria-prima, como o prprio Cristo, sofre a
Paixo; no crisol que ela morre, para ressuscitar em seguida, purificada,
espiritualizada, j transformada. No exprime alis, o povo, guardio fiel das
tradies o
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