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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
EDIVANILDO FLAUBERTE CORREIA DE AFONSO
SESSÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA MUNICIPAL COMO EVENTO
COMUNICATIVO DE HETEROGENEIDADE LINGUÍSTICO-CULTURAL
Salvador - BA
2014
EDIVANILDO FLAUBERTE CORREIA DE AFONSO
SESSÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA MUNICIPAL COMO EVENTO
COMUNICATIVO DE HETEROGENEIDADE LINGUÍSTICO-CULTURAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudo de Linguagens. Linha de Pesquisa: Linguagens, Discurso e Sociedade. Área de Concentração: Estudos Sociolinguísticos Orientadora: Profa. Dra. Lúcia Maria de Jesus Parcero
Salvador - BA
2014
FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes- CRB: 5/592
Afonso, Edivanildo Flauberte Correia de. Sessão ordinária da Câmara Municipal como evento comunicativo de heterogeneidade linguístico-cultural / Edivanildo Flauberte Correia de Afonso. - Salvador, 2014. 145f.
Orientador: Lúcia Maria de Jesus Parcero. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens. Campus I. Contém referências e apêndice.
1. Linguística. 2. Sociolinguística. I. Bahia. Câmara Municipal - Discursos Parlamentares. II. Parcero, Lúcia Maria de Jesus. III. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD: 410.285
EDIVANILDO FLAUBERTE CORREIA DE AFONSO
SESSÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA MUNICIPAL COMO EVENTO
COMUNICATIVO DE HETEROGENEIDADE LINGUÍSTICO-CULTURAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudo de Linguagens.
Banca Examinadora
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Lúcia Maria de Jesus Parcero – Orientadora
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
_________________________________________________________________________________
Profª. Drª. Marcela Moura Torres Paim
Universidade Federal da Bahia – UFBA
___________________________________________________________________
Profª. Drª Lígia Pellon de Lima Bulhões
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Aos meus tios/pais, Maria de Lourdes e Angelino da Conceição; à minha mãe, Edite Correia, e à minha avó Maria Balbina (in memoriam), que me ensinaram os valores mais importantes da vida e que sempre me apoiam em tudo, de modo incondicional. Aos meus irmãos, Fabrício e Fabíola, e aos meus primos/irmãos Ângelo Márcio, Pedro Paulo, Jacilene e Ana Paula, que tanto acreditam em meu potencial e que tanto me incentivam em cada passo que dou. A todos os meus amigos, cuja companhia e apoio são tão importantes para minha vida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida e por todas as oportunidades e conquistas. À Professora Lúcia Parcero, pela segurança e tranquilidade com que conduziu a orientação desta Dissertação. Aos professores do PPGEL/UNEB, pelas valiosas contribuições para minha formação como pesquisador. Ao Professor César Vitorino, por todo apoio e incentivo. Aos vereadores da Câmara Municipal de São Domingos, pela grandiosa colaboração durante toda a pesquisa. Aos colegas do PPGEL/UNEB, pelo compartilhamento de saberes, alegrias e inquietações.
A estrutura da relação de produção linguística depende da relação de força simbólica entre dois locutores, isto é, da importância de seu capital de autoridade (que não é redutível ao capital propriamente linguístico): a competência é também portanto capacidade de se fazer escutar. A língua não é somente um instrumento de comunicação ou mesmo de conhecimento, mas um instrumento de poder. Não procuramos somente ser compreendidos mas também obedecidos, acreditados, respeitados, reconhecidos.
(Pierre Bourdieu, 1994)
RESUMO
Cada vez mais, domínios sociais tradicionalmente reservados a apenas uma parcela da população têm estado abertos à participação de uma diversidade de sujeitos. O domínio político é exemplar nesse sentido. Por uma série de razões, cargos tanto do Poder Legislativo quanto do Executivo têm sido ocupados não somente por indivíduos oriundos de culturas urbanas, onde há um predomínio de práticas e eventos de letramento, mas também de culturas rurais, onde essas práticas e eventos não são tão frequentes – ou mesmo desse entremeio. Utilizando-se de pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística, especificamente da abordagem denominada Etnografia da Comunicação, analisa-se, nesta dissertação, o evento comunicativo Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Vereadores e a competência comunicativa do seu heterogêneo conjunto de participantes. Fruto de uma pesquisa etnográfica realizada na Câmara Municipal de São Domingos, uma pequena cidade do interior da Bahia, este trabalho visa à descrição dos componentes do evento Sessão Ordinária da Câmara, com ênfase no que contribui para a constituição de suas regras culturais, interacionais e, sobretudo, linguísticas; visa também à análise da competência comunicativa dos vereadores de diferentes origens socioculturais, com foco em suas habilidades de variação estilística.
Palavras-chave: Sessão Ordinária. Câmara Municipal. Etnografia. Competência Comunicativa. Variação Estilística.
ABSTRACT
Increasingly, social domains traditionally reserved for only a portion of the population have been open to the participation of a diversity of subjects. The political domain is exemplary in this sense. For a variety of reasons, both positions of the legislative branch as the executive have been occupied not only by individuals from urban cultures where there is a predominance of literacy practices and events, but also of rural cultures where these practices and events are not so frequent - or even that inset. Using theoretical and methodological assumptions of Sociolinguistics, specifically the approach called Ethnography of Communication, is analyzed in this dissertation, the communicative event Ordinary Session of the City Council Chamber and the communicative competence of its heterogeneous set of participants. Result of an ethnographic research conduct in the City Council Chamber of São Domingos, a small town in the interior of Bahia, this work aims at the description of the components of the Ordinary Session of the Chamber event, with an emphasis on contributing to the establishment of its cultural, interactional, and especially linguistic rules; it also aims to analyze the communicative competence of the councilors from different social-cultural backgrounds, focusing on their ability to stylistic variation.
Keywords: City Council Chamber. Ordinary Session. Ethnography. Communicative Competence. Stylistic Variation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1. SOCIOLINGUÍSTICA: UMA ABORDAGEM ETNOGRÁFICA .............................. 17
1.1 A Etnografia da Comunicação: o que é ....................................................... 20
1.1.1 Comunidade de Fala ............................................................................ 23
1.1.2 Competência Comunicativa ................................................................ 27
1.2 A Etnografia da Comunicação: como se faz ............................................ 31
2. A HETEROGENEIDADE LINGUÍSTICO-CULTURAL BRASILEIRA................. 39
2.1 As Culturas Rural e Urbana e o Contínuo de Urbanização .................... 41
2.2 As Práticas Sociais de Uso da Língua e o Contínuo de Oralidade-
Letramento.............................................................................................................50
2.3 A Variação Estilística e o Contínuo de Monitoração Estilística ............. 56
3. METODOLOGIA ................................................................................................. 69
4. O EVENTO DE COMUNICAÇÃO SESSÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA ........... 82
5. A LINGUAGEM DA SESSÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA: O ESTILO DOS
LÍDERES POLÍTICOS .............................................................................................. 99
5.1 Insegurança Linguística, Adequação e Viabilidade .............................. 106
5.1.1 O uso de regras linguísticas de variedades do português popular .. 107
5.1.2 O uso de hipercorreção ......................................................................... 114
5.1.3 Perfil sociocultural e insegurança linguística ..................................... 118
5.2 Segurança Linguística, Adequação e Viabilidade ................................. 121
5.2.1 O uso de regras linguísticas da variedade urbana culta ................ 121
5.2.2 Perfil sociocultural e segurança linguística .................................... 125
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 129
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 136
APÊNDICE .............................................................................................................. 141
11
INTRODUÇÃO
É considerável a quantidade de mudanças pelas quais a sociedade brasileira
tem passado nos últimos tempos. Um número expressivo da população tem
experimentado um processo migratório, ainda em andamento, das áreas rurais para
as áreas urbanas. Uma grande parcela da população tem tido acesso à
escolarização – mesmo que ainda não de modo satisfatório. Uma gama de
indivíduos com perfis sociais os mais diversos têm ocupado papéis sociais há certo
tempo restritos a determinados estratos da sociedade. Desse modo, devido a, entre
outros fatores, uma notável mobilidade social ascendente de parte de sua
população, o Brasil tem caminhado de uma configuração tradicional de demarcações
sociais relativamente rígidas para uma configuração cada vez mais maleável e, por
extensão, complexa.
Essa mudança de configuração da sociedade brasileira tem sido revelada em
muitas pesquisas não apenas das Ciências Sociais, mas também de outras áreas
como a Educação, os Estudos sobre o Letramento, a Sociolinguística, enfim. Não é
por acaso que assuntos como estes têm sido objetos de estudos os mais diversos: a
transformação de dialetos rurais em variedades urbanas não padrão, o ensino da
língua culta à grande parcela da população que tem como língua materna
variedades populares da língua, as práticas de letramento de determinadas
comunidades, entre outros.
Há sem dúvida nesse contexto uma questão que também é de grande
relevância: a participação de sujeitos de origens e perfis os mais heterogêneos em
domínios sociais tradicionalmente reservados a sujeitos que combinassem atributos
como pertencer às classes sociais privilegiadas, pertencer à cultura urbana e possuir
determinado grau de escolaridade. O domínio político é hoje um notável exemplo de
ambiente social marcado pela heterogeneidade. Presidência de sindicatos, de
associações, direção de organizações sociais e comunitárias, cargos e funções
políticas tanto do Poder Legislativo quanto do Poder Executivo são exemplos de
papéis sociais que deixaram de ser ocupados somente por determinada parcela da
sociedade.
Sendo um caso notadamente paradigmático, o domínio político do Poder
Legislativo e do Poder Executivo tem uma relativamente recente abertura à
12
heterogeneidade de seus integrantes. O processo de democratização política do
país tem possibilitado que tanto indivíduos com apenas o Ensino Fundamental
completo quanto aqueles com os mais altos títulos de Nível Superior ocupem, por
exemplo, o cargo de Presidente da República, ou de Governador ou de Prefeito; tem
possibilitado também que tantos indivíduos de origem rural quanto de origem urbana
ocupem, por exemplo, o cargo de Senador, de Deputado ou de Vereador.
É preciso destacar, no entanto, que essa ampla possibilidade de participação
política é acompanhada, por outro lado, de uma série de limitações de diversas
ordens, que em sua grande maioria não são inscritas legalmente, mas, sobretudo,
socialmente. Exige-se normalmente do líder político uma acomodação às exigências
de seu cargo, o que significa muito mais do que assumir uma postura formal, saber
ouvir e representar os interesses da população, conhecer a realidade de seu país,
de seu estado, de sua cidade. Espera-se que ele tenha habilidades mínimas de
leitura e escrita que lhe permitam lidar com as leis e documentos concernentes ao
seu cargo; que ele tenha a habilidade de falar em público e de articular um discurso
apropriado, enfim, que ele apresente a competência comunicativa que sua função
política exige.
O conjunto de conhecimentos e habilidades linguísticas, interacionais e
culturais que o líder político precisa dispor, ou seja, a competência comunicativa que
ele precisa exibir será definida pelas situações e eventos comunicativos de que
precise participar. Assim, de líderes políticos de diferentes esferas serão exigidas
diferentes competências comunicativas, embora parte considerável das habilidades
e conhecimentos necessários seja comum a todas elas, como é o caso, por
exemplo, do domínio dos estilos monitorados da variedade culta da língua.
No caso específico de líderes políticos da esfera municipal, mais
precisamente do Poder Legislativo, a competência comunicativa que se lhe exige é
advinda da própria Câmara Municipal, como uma situação de comunicação, e dos
eventos comunicativos que nela se desenvolvem. Impondo tanto regras explícitas,
formalmente constituídas, quanto regras tácitas, a Câmara Municipal pode acolher
indivíduos que exibam diferentes competências comunicativas, uma vez que eles
podem ter origens socioculturais as mais diversas.
Nesse sentido, os integrantes da situação comunicativa Câmara Municipal,
considerando sua potencial heterogeneidade, podem ter origens geográficas
distintas, possuindo assim antecedentes rurais ou urbanos. Eles podem também ser
13
provenientes de uma cultura onde haja uma quantidade considerável de práticas e
eventos de letramento ou de uma cultura onde a quantidade de práticas e eventos
de letramento não seja tão expressiva. Sua origem sociocultural, bem como outros
relevantes aspectos, podem ter uma influência decisiva no modo como eles
desempenham seu papel de líder político.
Levando em conta o nível de formalidade que normalmente envolve o domínio
político de modo geral e o da Câmara Municipal, especificamente, pode-se afirmar
que entre as habilidades mais importantes a compor a competência comunicativa de
um vereador deva figurar a de variar seu estilo conforme o evento comunicativo de
que participe nessa situação. Assim, uma vez que há uma identificação entre
formalidade e estilos monitorados da variedade culta da língua, tem-se que, quanto
mais inserido estiver o indivíduo em práticas urbanas letradas, maior a tendência de
lidar sem dificuldades com esse tipo de variação estilística.
O paradoxo que se observa nesse cenário é o de que possibilidades de
participação política estão supostamente disponíveis a uma grande parcela da
população, no entanto, apenas bem poucos têm acesso de fato aos conhecimentos
e habilidades exigidos pelas situações e eventos comunicativos próprios dos
domínios políticos. O conhecimento linguístico pode ser apontado, nesse caso,
como um dos conhecimentos restritos a poucos, uma vez que, para os grandes
segmentos da população, a variedade culta (uma das mais requisitadas nesse
contexto) ainda é de acesso bem restrito.
Em verdade, pode-se dizer que no Brasil, tem-se uma situação linguística
bem peculiar, visto que a variedade culta e as variedades populares de modo geral
possuem funções bem definidas, mas grande parte da população não tem acesso a
esse espectro de variedades, sobretudo a variedade culta. Ademais, se verifica
ainda que as próprias variedades não são consideradas como entidades
necessariamente distintas, cujo uso pode ser alternado conforme a situação. Sem
fronteiras muito bem definidas, as variedades acabam se distinguindo pelo aumento
ou diminuição da presença de determinados traços linguísticos.
No contexto da participação política é possível, desse modo, observar a
presença de indivíduos que exibem uma habilidade notória de variação estilística tal
como exigida por esse domínio, e de outros indivíduos que, por uma série de razões,
têm sérias dificuldades de operar com diferentes estilos da língua. Habilidades
14
contrastantes que resultam em uma possibilidade maior ou menor de viabilização
das tarefas comunicativas impostas por seu cargo ou função política.
Levando em conta a expressiva heterogeneidade de sujeitos que compõem o
Poder Legislativo Municipal por todo o país, das pequenas às grandes cidades,
considera-se que a Câmara Municipal de Vereadores pode mesmo ser um ambiente
representativo da combinação e interação de sujeitos com diferentes origens
socioculturais submetidos a um conjunto único e peculiar de regras culturais,
interacionais e linguísticas. Partindo dessa premissa, a pesquisa que resultou neste
trabalho teve como objetivo a descrição de um evento comunicativo específico de
uma Câmara Municipal, a Sessão Ordinária, de modo a verificar quais são suas
regras culturais, interacionais e, sobretudo, linguísticas e como elas são seguidas
por indivíduos de diferentes origens socioculturais.
Realizada na Câmara Municipal de São Domingos, uma pequena cidade do
interior da Bahia com pouco mais de nove mil habitantes, a pesquisa visava
descrever os elementos constitutivos da mais importante entre as Sessões da
Câmara, a Sessão Ordinária (dos seus participantes às suas regras propriamente
ditas); analisar a competência comunicativa de sujeitos de diferentes origens
socioculturais quando do desempenho do papel de líderes políticos no Poder
Legislativo Municipal, com foco na habilidade de variação estilística; bem como
verificar a relação existente entre as diferentes origens socioculturais dos
participantes da Sessão Ordinária da Câmara e seu desempenho linguístico.
Baseando-se nos pressupostos teórico-metodológicos da Etnografia da
Comunicação, considerada aqui como uma das abordagens da Sociolinguística,
empreendeu-se uma pesquisa etnográfica dentro da própria Câmara Municipal de
São Domingos, escolhida como a comunidade de fala foco da pesquisa. Valeu-se,
para tanto, de uma combinação de métodos que permitissem o acesso a dados
precisos e suficientes acerca da Sessão Ordinária como um evento comunicativo,
dos seus participantes e da competência comunicativa deles. Assim, foram utilizados
não apenas um dos mais importantes métodos dos estudos etnográficos, a
observação-participante, mas também a entrevista e o método filológico.
Ao longo deste trabalho são apresentados e discutidos noções e conceitos de
grande importância dentro da Sociolinguística, de modo geral, e da Etnografia da
Comunicação, em particular. Pode-se mesmo dizer que o trabalho se divide em duas
partes, sendo uma delas composta do primeiro e segundo capítulos, e a outra, do
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restante do trabalho. No primeiro capítulo, por exemplo, além de situar a Etnografia
da Comunicação dentro dos Estudos Sociolinguísticos, apresenta-se sua gênese e
suas peculiaridades em relação a áreas de pesquisa como a Sociolinguística
Quantitativa e a Sociologia da Linguagem. São apresentados ainda, nesse capítulo,
conceitos e questões básicos para o trabalho do etnógrafo da comunicação, como
colocados por autores como Hymes (1972a, 1972b, 1974) e Saville-Troike (2003):
comunidade de fala, competência comunicativa, as unidades de análise comumente
adotadas pela área (situação de comunicação, evento de comunicação e ato de fala)
e os elementos que constituem um evento de comunicação (situação, participantes,
propósitos, sequência dos atos de fala, tom emocional, instrumentos, normas,
gêneros, entre outros).
No segundo capítulo, discute-se a heterogeneidade linguístico-cultural do
Brasil, tendo como base a metodologia dos contínuos de urbanização, oralidade-
letramento e monitoração estilística, proposta por Bortoni-Ricardo (2006, 2009).
Partindo de interessantes considerações acerca das características da sociedade
brasileira atual, apresenta-se cada um dos contínuos usados para a análise da
complexa realidade linguístico-cultural do país. Desse modo, são discutidas
questões como a relação entre a cultura rural e urbana, destacando as
peculiaridades linguísticas de cada uma dessas culturas; a relação entre oralidade e
letramento enquanto práticas sociais de uso da língua; bem como a noção de
variação estilística, analisando como se dá o processo de monitoração do estilo
linguístico colocado em prática pelos falantes em geral.
A segunda parte da dissertação se inicia com uma apresentação detalhada da
metodologia adotada para a pesquisa empreendida. São tecidas importantes
considerações acerca das peculiaridades da pesquisa etnográfica, de modo geral, e
dos métodos adotados para essa pesquisa, especificamente. Apresenta-se também
as comunidades de fala pesquisadas, a cidade de São Domingos e a Câmara
Municipal (duas comunidades imbricadas, sendo a primeira mais ampla e a
segunda, mais específica, para a pesquisa), a situação de comunicação em foco e
os eventos de comunicação que coocorrem com o evento foco da pesquisa.
O quarto capítulo é destinado a uma análise minuciosa da Sessão Ordinária
da Câmara, o evento comunicativo de interesse principal da pesquisa. São
analisados seus elementos mais relevantes, do modo como propõe Hymes (1972b),
do ambiente no qual ele acontece, passando por seus participantes até às normas
16
de interação e interpretação. A linguagem da Sessão Ordinária tal como ela é usada
pelos seus diferentes participantes é o assunto do quinto capítulo. Nesse ponto, dá-
se ênfase à questão da variação estilística, analisando como vereadores com
diferentes características socioculturais adaptam seu estilo às exigências do evento
comunicativo. Assim são analisados alguns dos recursos e fenômenos linguísticos
de que os participantes lançam mão para levar a cabo sua tarefa comunicativa.
É preciso destacar que todo o processo de produção dessa dissertação, da
pesquisa à escrita propriamente dita, foi permeado pelo esforço de entender, a partir
de um contexto cultural específico, o complexo e fabuloso processo de comunicação
humana. Tendo recorrido a noções, conceitos e ideias de grande importância,
buscou-se, enfim, lançar mais uma luz sobre a intrigante relação entre língua, cultura
e sociedade.
17
1. SOCIOLINGUÍSTICA: UMA ABORDAGEM ETNOGRÁFICA
Entre linguagem e sociedade há, inegavelmente, uma intrínseca relação. Uma
não pode existir sem a outra, constatação essa que deriva de duas observações que
podem parecer óbvias: a de que o outro é condição indispensável para haver a
linguagem e que é exatamente através desse contato com o outro, por meio de
signos de comunicação comuns, que uma sociedade se sustenta. Apesar da força
dessas observações, durante muito tempo, elas parecem não ter sido devidamente
consideradas nos estudos linguísticos.
A Linguística do século XX testemunhou diferentes maneiras de se conceber
a relação entre linguagem e sociedade. De modo geral, pode-se afirmar que ao
longo de vários anos houve o predomínio de um ponto de vista que considerava bem
pouco, precisamente para seus estudos, a influência do social sobre a língua; visão
essa que pode ser atribuída com destaque à corrente estruturalista. Pode-se afirmar
que esse ponto de vista viu-se, no entanto, questionado quando do surgimento de
uma abordagem que levava em conta, veementemente, o funcionamento social
como parte mesmo do funcionamento da língua, ou seja, quando do surgimento da
Sociolinguística.
Precursor do Estruturalismo, Saussure (2006) definia a língua por oposição à
fala. Para ele, a língua, como sistema subjacente a toda manifestação, toda
variação, seria o verdadeiro objeto da Linguística; a fala, por sua vez, justamente por
seu caráter variável, seria objeto de outras disciplinas - que viriam, mais tarde, ser
denominadas de Linguística Externa. Assim, o interesse de Saussure era
essencialmente o espectro formal e estrutural do fenômeno linguístico, visto que a
variação, em seu ponto de vista, seria resultado do uso arbitrário e irregular que os
falantes fazem da língua. Numa visão estruturalista, do uso linguístico adviriam as
chamadas variantes livres, que não teriam tanta relevância para o estudo formal da
língua, uma premissa que demonstra bem que nessa abordagem opta-se por não
levar em consideração a influência da sociedade sobre a língua.
Contrapondo a corrente estruturalista em diversos aspectos, a
Sociolinguística, que vem a ser uma subárea da Linguística, sustenta que é
determinante o papel da sociedade sobre a língua, e mais ainda sobre a variação.
Essa outra corrente dos estudos linguísticos, como argumenta Mollica (2004, p. 12),
18
vem provar, por exemplo, “como é equivocado o conceito estruturalista de variantes
livres, ao ser demonstrado que a variação é estruturada de acordo com as
propriedades sistêmicas das línguas e se implementa porque é contextualizada com
regularidade”. Nesse sentido, como bem observa Camacho (2001), a
Sociolinguística vem trabalhar com a ideia de que seria mesmo estranho que a
variação não fosse uma das mais significativas propriedades das línguas naturais,
uma vez que elas de fato consistem em sistemas organizados de forma e conteúdo.
Como área mesmo de estudo e pesquisa, a Sociolinguística surgiu na década
de 60 do século XX, com uma origem marcadamente interdisciplinar. Segundo
Alkmim (2001), o termo sociolinguística aparece pela primeira vez em um congresso
organizado por William Bright na Universidade da Califórnia, EUA, do qual
participaram estudiosos de diferentes áreas que se interessavam pela questão da
relação entre linguagem e sociedade. A definição e caracterização da nova área de
estudo foram feitas por William Bright em um texto intitulado “As Dimensões da
Sociolinguística”, que introduzia a obra que reuniu os trabalhos apresentados no
referido congresso. Ele apresentava como proposta da área a demonstração da
correlação sistêmica entre variação linguística e social.
De acordo com Pagotto (2006), as abordagens sob o rótulo de sociolinguística
possuem em comum, entre outros, um traço fundamental: todas elas pressupõem a
autonomia do sistema linguístico, para, somente em seguida, proporem a inter-
relação com o mundo social. Segundo ele, a Sociolinguística, de modo geral,
trabalha com a ideia de que o sistema linguístico tem um funcionamento próprio que
independe do mundo social, embora a ele se submeta. Apesar de parecer uma ideia
contraditória a visão de língua que a própria Sociolinguística sustenta, o autor
esclarece que a pressuposição da existência e da autonomia do sistema linguístico é
uma condição essencial para se compreender, por exemplo, como a estrutura
linguística se engendra na estrutura social, o que é sem dúvida uma das grandes
missões dessa corrente linguística.
Em termos metodológicos, a Sociolinguística busca lugares de intersecção
entre o mundo social e a dimensão linguística, podendo essas intersecções ser
definidas ou a partir do funcionamento social ou a partir do funcionamento
linguístico. As diferentes abordagens que são rotuladas como sociolinguística são
estabelecidas normalmente a partir do lugar que privilegiam para as intersecções
entre língua e sociedade, de modo que se pode distinguir três áreas, a saber: a
19
Sociologia da Linguagem, a Teoria da Variação e Mudança e a Etnografia da Fala
(também chamada de Etnografia da Comunicação); cada uma delas focando em
determinados aspectos da relação entre língua e sociedade (Pagotto, 2006).
Denominada também de macrossociolinguística, a Sociologia da Linguagem,
segundo Wardhaugh (2006), tem como objetivo descobrir de que maneira a
estrutura social pode ser mais bem entendida por meio do estudo da língua, isto é,
entender a maneira como certos aspectos linguísticos servem para caracterizar
arranjos sociais específicos. O autor destaca, nesse sentido, que os estudos dessa
abordagem procuram entender o que as sociedades fazem com suas línguas,
abrangendo assim questões como atitudes linguísticas, a distribuição funcional das
formas de fala na sociedade, manutenção e mudança linguísticas, a delimitação e
interação entre comunidades linguísticas, entre outras. Pesquisadores como John
Fishman e Pierre Bourdieu são considerados grandes pilares dessa abordagem que
estuda a sociedade em relação à língua.
Às outras duas abordagens da Sociolinguística – A Teoria da Variação e
Mudança e a Etnografia da Fala – atribui-se a denominação de
microssociolinguística. A identidade de ambas, conforme Pagotto (2006, p. 52),
reside no fato de que elas “estão mais interessadas no funcionamento linguístico,
propriamente, isto é, interessam-se primordialmente pelo funcionamento da língua e
como este é afetado pela sua relação com a sociedade”. A distinção entre uma
abordagem e outra, no entanto, está no fenômeno que cada uma elege para
investigação e no tipo de questão feita ao se empreender a pesquisa.
Um dos objetivos primordiais da Teoria da Variação e Mudança – ou
Sociolinguística Quantitativa, como também é conhecida – é descrever e explicar
como o sistema linguístico, em seus aspectos gramaticais, é afetado pelas relações
com a sociedade. Para tanto, os estudos dessa abordagem normalmente se valem
de tópicos da estrutura e da evolução da língua, se ocupando assim, de acordo com
Elia (1987, p. 40), “do estudo de possível incidência das forças sociais sobre os
estratos fonológico, morfológico, sintático e semântico das línguas”.
Dentro da Sociolinguística Quantitativa, a variação das línguas humanas pode
ser explicada por parâmetros linguísticos e extralinguísticos. No que diz respeito aos
parâmetros extralinguísticos, Labov (1963) defende que fatores como idade, sexo,
ocupação, origem étnica e atitude podem ser relacionados à variação linguística, o
que ele comprova ao estudar o comportamento linguístico de moradores da ilha de
20
Martha’s Vineyard, no litoral de Massachusetts, EUA. Em relação aos parâmetros
linguísticos, Mollica (2004) aponta que a variação linguística também pode ser
explicada a partir de fatores relacionados à própria língua, em suas dimensões
fonológica, morfológica, sintática, semântica, lexical e até discursiva.
A Etnografia da Comunicação, por sua vez, é a abordagem da
microssociolinguística na qual, segundo Fasold (1990), o uso da língua em geral é
relacionado a valores de ordem sociocultural. Pagotto (2006) defende que dentro
dessa abordagem, hoje, pode-se incluir também a chamada Sociolinguística
Interacional. Segundo ele, os estudos desenvolvidos nessa área buscam chegar a
uma competência comunicativa dos falantes por meio da descrição de cenas
enunciativas capazes de revelar a maneira como uma comunidade se organiza.
Nesse caso, um dos principais objetivos é o conhecimento das regras sociais que
determinam o emprego das formas linguísticas dentro do funcionamento social da
comunidade.
Tanto as abordagens micro quanto a macro da Sociolinguística defendem
uma ideia que é chave para a área, de modo específico, e para a Linguística, de
modo mais amplo: a diversidade linguística é uma qualidade constitutiva das línguas
humanas. Assim, os estudos sociolinguísticos têm primado, sobretudo, por uma
ruptura com uma visão monolítica da língua e, consequentemente, têm destacado o
papel decisivo da sociedade sobre a língua.
1.1 A Etnografia da Comunicação: o que é
Até os anos 60 do século XX, aspectos verdadeiramente importantes da
relação entre língua, cultura e sociedade eram apenas perifericamente enfocados
por áreas como a Antropologia e a Linguística. Havia, de um lado, os estudos
etnográficos da Antropologia, que se concentravam em diferentes aspectos das
culturas (sobretudo, das chamadas culturas exóticas), tais como o sistema de
parentesco ou a visão de medicina e cura dos indígenas, estudando, assim, a língua
apenas subsidiariamente. De outro lado, havia os estudos linguísticos que, por sua
vez, concentravam sua atenção na língua como um sistema abstrato, descrevendo e
explicando, por exemplo, as estruturas de sentenças que os falantes de determinada
língua aceitavam como gramaticais, como bem formadas. Em um cenário como esse
21
em que os etnógrafos se interessam essencialmente pelos padrões e estruturas da
vida sociocultural e os linguistas, pela estrutura das línguas como códigos abstratos,
perdia-se de vista importantes questões relacionadas à comunicação humana.
Atentando para os aspectos da comunicação que escapavam aos trabalhos
dos linguistas e dos antropólogos, Dell Hymes, a partir dos anos 60, começa a
destacar o fato de que os usos da língua em diferentes sociedades possuem seus
próprios padrões, que podem, inclusive, ser comparados com padrões da
organização social e com outros domínios da cultura. Estavam, portanto, lançadas
as bases de uma nova disciplina, a Etnografia da Comunicação, cuja gênese é
assim descrita por Saville-Troike (2003, p. 1, tradução nossa):
Com a publicação de seu ensaio “A Etnografia da Fala”, em 1962, Hymes lança uma nova disciplina síntese que focaliza no padrão de comportamento comunicativo, em como ele constitui um dos sistemas da cultura, em como ele funciona dentro do contexto holístico da cultura, e em como ele se relaciona como outros componentes dos sistemas da cultura. A etnografia da comunicação, como a área veio a ser conhecida desde a publicação do volume da revista American Anthropologist com esse título (Gumperz e Hymes, 1964), mobilizou (e influenciou mutuamente) preocupações sociológicas com a análise interacional e a identidade de papéis sociais; o estudo de performance por folcloristas antropologicamente orientados, e o trabalho de filósofos da linguagem. Combinando linhas de interesse e orientações teóricas variadas, a etnografia da comunicação emergiu como disciplina, considerando um conjunto grande de informações para explicar a estruturação do comportamento comunicativo e seu papel na condução da vida social.
1
Nesse sentido, como destaca Fasold (1990), a Etnografia da Comunicação
surge para preencher uma lacuna, de modo a adicionar a fala ou, de modo mais
abrangente, a comunicação à lista de possíveis tópicos de descrição etnográfica dos
antropólogos, bem como a expandir os estudos da Linguística, uma vez que o foco
de interesse deixa de ser apenas a estrutura abstrata da sintaxe, da fonologia e da
1 “With the publication of his essay “The ethnography of speaking” in 1962, Hymes launched a
synthesizing discipline which focuses on the patterning of communicative behavior as it constitutes one of the systems of culture, as it functions within the holistic context of culture, and as it relates to patterns in other component systems. The ethnography of communication, as the field has come to be known since the publication of a volume of the American Anthropologist with this title (Gumperz and Hymes 1964), has in its development drawn heavily upon (and mutually influenced) sociological concern with interactional analysis and role identity, the study of performance by anthropologically oriented folklorists, and the work of natural-language philosophers. In combining these various threads of interest and theoretical orientation, the ethnography of communication has become an emergent discipline, addressing a largely new order of information in the structuring of communicative behavior and its role in the conduct of social life.”
22
semântica. Desse modo, a Etnografia da Comunicação vem a contribuir para um
alargamento do escopo da Linguística, visto que o interesse passa a estar também
na maneira como os falantes de fato usam as chamadas estruturas abstratas.
Sendo de ordem etnográfica, os estudos desenvolvidos nessa abordagem da
Sociolinguística são baseados, portanto, essencialmente na observação do
comportamento de um grupo de pessoas em seu ambiente natural. Os
pesquisadores dessa área normalmente descrevem o que consideram relevante
entre os fatos e fenômenos que se desenvolvem ao seu redor. Uma descrição que
leva em conta fatores como a organização social, o conjunto das atividades sociais,
os recursos materiais e simbólicos, as práticas interpretativas e as características de
um grupo específico de pessoas (Wardhaugh, 2006). Em se tratando
especificamente da Etnografia da Comunicação, o foco é ainda mais direcionado
para o uso da língua e para o próprio processo comunicativo, como práticas culturais
mesmo.
Como o que a língua é não pode ser separado de como e por que ela é
usada, a pesquisa etnográfica tem a vantagem de possibilitar um entendimento
holístico da língua e da comunicação em uma dada comunidade. Isso é possível,
sobretudo, porque essa abordagem toma a língua como uma manifestação cultural
socialmente situada e como um dos aspectos constitutivos da própria cultura.
Justamente por operar a pesquisa considerando tais pressupostos é que a
Etnografia da Comunicação pode, como defende Hymes (1974), oferecer um quadro
de referência dentro do qual o lugar da língua na cultura e na sociedade podem ser
acessados, permitindo vislumbrar questões como: os limites da comunidade em que
uma comunicação é possível, os limites das situações em que a comunicação
ocorre, os meios, propósitos e padrões de seleção, sua estrutura e hierarquia, entre
outros.
Nessa direção, pode-se afirmar que o principal assunto da Etnografia da
comunicação é a competência comunicativa, ou seja, o conjunto de conhecimentos
e habilidades que um falante precisa dispor para se comunicar apropriadamente
dentro de uma comunidade de fala. Desse modo, o foco dessa abordagem está nas
comunidades organizadas como sistemas de eventos comunicativos, relacionados
com todos os outros sistemas da cultura, ou seja, o foco está nas comunidades de
fala existentes numa dada sociedade.
23
O trabalho do etnógrafo da comunicação é, portanto, principalmente coletar e
analisar dados descritivos relacionados aos modos pelos quais o significado social é
transmitido. Através da descrição de como a fala e outros canais de comunicação
são usados pelas diversas comunidades, intenta-se descobrir quais informações do
sistema social e mesmo cultural estão contidas nas mais variadas formas de
comunicação que os falantes lançam mão. É um trabalho, então, que parte de
modos e funções de linguagem específicos, a fim de entender a linguagem humana
de um modo geral.
1.1.1 Comunidade de Fala
Para a pesquisa em Etnografia da Comunicação uma questão de grande
importância é a unidade social ou o local de descrição da fala, da comunicação. Em
linhas gerais, para os etnógrafos dificilmente essa não é uma questão problemática,
uma vez que eles costumam conduzir seus trabalhos de pesquisa e análise
considerando as chamadas unidades sociais, o que corresponde em geral ao local
de descrição etnográfica (uma tribo, um grupo étnico, uma área geográfica
ecologicamente delimitada, uma vila, etc.).
Alguns aspectos da problemática que envolve o local ou unidade de descrição
etnográfica da fala, da comunicação são fundamentais para o quadro conceitual
dessa abordagem. Um dos aspectos mais importantes, segundo Bauman e Sherzer
(1975), é que, independente de qual seja, o locus da pesquisa deve ser concebido
fundamentalmente como uma organização de diversidade, na medida em que o
acesso aos recursos linguísticos, bem como os conhecimentos e habilidades para a
produção verbal são distribuídos de modos distintos entre os membros de uma
unidade social. De acordo com os autores, essa é a única perspectiva consistente
com uma linha de pesquisa que tem parte substancial de seu foco na etnografia de
eventos e que toma como um de seus pontos de partida fundamentais a diversidade
de recursos para a fala em qualquer unidade social.
Na Etnografia da comunicação, desse modo, não se concebe uma
comunidade de fala como uma unidade homogênea, o que contraria a visão
tradicional e idealizada que tende a associar de modo estrito uma língua a uma
sociedade. Apesar de não haver dentro dessa abordagem uma única definição para
comunidade de fala, pode-se afirmar que todas as existentes consideram seu
24
caráter heterogêneo e, de modo geral, seguem o critério usado comumente pelas
Ciências Sociais para definir comunidade, qual seja, o compartilhamento de
conhecimentos, de posses ou de comportamentos. Nesse sentido, a depender do
que exatamente se considere que seja compartilhado pelos membros de um grupo,
chegar-se-á a diferentes definições de comunidade de fala.
Focando no compartilhamento de um determinado uso da língua, Gumperz
(1968) define comunidade de fala como sendo qualquer agregado humano
caracterizado pela interação regular e frequente através de um conjunto de signos
verbais. Assim, destacando a frequência das interações sociais e dos padrões
comunicativos que um determinado grupo social apresenta, a definição dada pelo
autor é construída em termos dos recursos e regras que se sobrepõem e se
complementam mutuamente para a produção e interpretação de uma fala
socialmente apropriada.
O foco para a definição de comunidade de fala pode também estar no
compartilhamento de princípios e regras básicas de interação, no compartilhamento
de valores e atitudes em relação às formas e usos linguísticos, no compartilhamento
de entendimentos e pressuposições em relação à fala, entre outros. É preciso dizer,
no entanto, que em meio à diversidade de critérios usados pelos etnógrafos da
comunicação, o compartilhamento, entre os membros de um determinado grupo, dos
modos de usar, avaliar e interpretar a língua é tido como um dos critérios mais
importantes para a delimitação de uma comunidade de fala.
A negação do critério homogeneidade para a caracterização de comunidade
de fala, no quadro da Etnografia da Comunicação, diz respeito também ao fato de
que muitos dos grupos sociais não são entidades estáticas, que contém sempre os
mesmos membros, sobretudo em sociedades complexas, nas quais há uma maior
permeabilidade de papéis sociais. Saville-Troike (2003) discute essa questão,
apontando para o fato de que os indivíduos podem participar do que ela nomeia de
comunidades de fala sobrepostas (overlapping communities), do mesmo modo que
eles participam de uma variedade de ambientes sociais.
Por esse viés, uma pessoa pode ser um vereador na Câmara Municipal, um
estudante numa universidade, um professor numa escola e um secretário em uma
associação, tudo ao mesmo tempo. Cada uma dessas “comunidades de fala” pode
ter pelo menos algumas regras de comunicação distintas. Alguma dessas
comunidades de fala pode inclusive ser diferente pela adição de uma regra especial
25
de fala. Pode haver uma série de termos e expressões verbais próprias da Câmara
Municipal, cujo uso não seria adequado, por exemplo, na escola ou na universidade.
Em outro caso, pode ainda haver regras de uma comunidade que podem ser
conflitantes com as de outras. O nível de monitoração estilística empregado em um
discurso na Câmara Municipal de Vereadores, por exemplo, dificilmente será
empregado numa interação entre os colegas de classe na universidade ou entre os
membros da associação.
A noção de comunidades de fala sobrepostas (overlapping communities) traz
em seu cerne a ideia de que não é necessário que cada falante pertença a apenas
uma comunidade de fala ou ainda a duas ou mais comunidades de fala que sejam
completamente diferentes. Em verdade, um indivíduo pode normalmente ser
membro de várias comunidades de fala ao mesmo tempo. A esse respeito é
interessante a seguinte observação feita por Saville-Troike (2003, p. 17, tradução
nossa):
(…) Para entender esse fenômeno, é necessário reconhecer que cada membro de uma comunidade tem um repertório de identidades, e cada identidade em um dado contexto é associada com um número de formas apropriadas de expressão verbal e não verbal. É portanto essencial identificar as categorias sociais reconhecidas em uma comunidade, de modo a determinar como elas são refletidas linguisticamente, e como elas definem e reprimem a interação interpessoal nas situações comunicativas.
2
Uma interessante variante da noção de comunidade de fala como unidade
social básica para as pesquisas em Etnografia da Comunicação é a de comunidade
de prática. Esse construto é definido por Eckert e McConnel-Ginet (1998) como
sendo um agregado de pessoas que se reúnem em torno de um engajamento mútuo
em algum esforço comum. Da atividade conjunta em torno desse esforço, segundo
as autoras, emergem maneiras de realizar tarefas, modos de falar, crenças, valores,
relações de poder, em suma, práticas. Eckert e McConnel-Ginet (1998) explicam que
o que diferencia a comunidade de prática, como sendo um construto social, da
noção tradicional de comunidade é o fato de que a primeira é definida ao mesmo
tempo pelos seus membros e pelas práticas nas quais eles se engajam e, também, 2 “To understand this phenomenon, it is necessary to recognize that each member of a community
has a repertoire of social identities, and each identity in a given context is associated with a number of appropriate verbal and nonverbal forms of expression. It is therefore essential to identify the social categories recognized in a community in order to determine how these are reflected linguistically, and how they define and constrain interpersonal interaction in communicative situations.”
26
o fato de que são as práticas da comunidade e a participação diferenciada dos
membros nessas práticas que determinam sua estrutura social.
De acordo com Eckert e McConnel-Ginet (1998), uma comunidade pode ser
pessoas trabalhando juntas numa fábrica, um grupo de brincadeiras da vizinhança,
uma família, etc.. Essas comunidades, elas dizem, podem ser grandes ou pequenas,
intensas ou difusas; podem nascer e morrer; podem continuar existindo mesmo com
a mudança de membros; elas podem também ser intimamente articuladas com
outras comunidades. As autoras argumentam que os indivíduos normalmente
participam de múltiplas comunidades de prática e que a identidade individual é
baseada na multiplicidade de participação.
Levando em consideração tanto a noção de comunidades de fala sobrepostas
(overlapping communities) quanto a de comunidade de prática, o importante é notar
o interesse e o esforço que as pessoas comumente fazem para poderem se
identificar, em uma ocasião, como membros de um grupo e, em outra, como
membros de um outro grupo. A variação intraindividual, nesse sentido, pode ser
apontada como uma das consequências desse processo de identificação com as
diferentes comunidades de que o indivíduo participa. Assim, em certo sentido, a
variação no uso linguístico pode ser explicada pela necessidade que as pessoas têm
de identificarem com ou de se diferenciarem de um dado grupo de referência.
O processo de identificação linguística de um indivíduo com uma dada
comunidade tem relação em boa medida com um conceito também importante em
se tratando de comunidade de fala: o repertório de fala. Como explica Wardhaugh
(2006), cada indivíduo possui seu próprio repertório de fala, ou seja, controla um
número de variedades de uma língua ou de duas ou mais línguas. Muitos indivíduos
podem inclusive ter repertórios virtualmente idênticos. Nesse caso, pode-se afirmar
que é o repertório de fala que o falante tem à sua disposição um dos mais
importantes aspectos de sua inserção numa comunidade de fala como um de seus
efetivos membros.
Repertório de fala é um conceito que, segundo Wardhaugh (2006), pode ser
aplicado tanto a indivíduos quanto a grupos. Quando relacionado a indivíduos, diz
respeito à competência linguística de determinado falante, ou seja, ao conjunto de
variedades linguísticas que um falante específico tem à sua disposição. Quando
relacionado a grupos, diz respeito ao conjunto de variedades linguísticas utilizadas
por uma comunidade de fala. Nessa perspectiva, conforme o autor, cada indivíduo
27
possui seu próprio repertório verbal distinto, e cada comunidade de fala em que ele
participe tem também seu repertório de fala distinto.
Ao passar por cada um desses conceitos que estão relacionados à noção de
comunidade de fala, pode-se perceber o quanto ainda é complicado chegar a uma
definição precisa. Talvez a própria dificuldade que os estudos sociolinguísticos têm
de caracterizar a fala num nível individual acarrete também a dificuldade de se
precisar o que vem a ser a língua de indivíduos em conjunto, ou seja, de se
caracterizar uma comunidade de fala. O que se pode apontar, com base nos
estudos desenvolvidos pela Etnografia da Comunicação, é que o que de fato há é
uma diversidade de tipos de comunidades de fala espalhadas por todo o mundo, e
que sua definição e a delimitação de suas fronteiras são mesmo desafios
constantes, que exigem, inclusive, um estudo empírico bem cuidadoso.
1.1.2 Competência Comunicativa
Como uma matéria de grande importância para a Etnografia da Comunicação,
a competência comunicativa envolve não apenas o conhecimento de como usar o
código linguístico, mas, sobretudo, o conhecimento de como usá-lo em situações
específicas. Abarcando também um conhecimento social e cultural, o conceito de
competência comunicativa é, na verdade, uma ampliação proposta por Hymes
(1972a) da noção de competência linguística de Chomsky, de modo a incluir na
análise da língua (e de outras formas de comunicação) a consideração do que é
formalmente possível, do que é viável, do que é apropriado e do que é realmente
realizado.
Na teoria gerativo-transformacional, Chomsky (1965) propõe uma dicotomia
entre competência e desempenho (performance). A competência linguística, nessa
teoria, consiste no conhecimento tácito que os falantes têm da estrutura da língua e
que lhe permite produzir e compreender um número infinito de sentenças e,
inclusive, reconhecer as sentenças gramaticalmente bem formadas. O desempenho
linguístico (performance), por sua vez, consiste no uso real da língua em situações
concretas.
Em sua crítica à teoria ckomskiana, Hymes (1972a) argumenta que o conceito
de competência linguística, em sua relação com o de desempenho, deixa de
considerar questões importantes como a variação da língua e, por conseguinte, seu
28
significado sociocultural, sob a alegação de que para uma teoria mentalista da língua
esses aspectos não seriam relevantes. Desse modo, ele propõe o conceito de
competência comunicativa, que, em seu ponto de vista, abrange, além do
conhecimento gramatical, outros conhecimentos que na teoria de Chomsky eram
agrupados no conceito de desempenho, como é o caso da viabilidade e da
adequação, entre outros. Assim, como bem resume Gumperz (1972), enquanto a
competência linguística cobre a habilidade dos falantes de produzir sentenças
gramaticalmente corretas, a competência comunicativa descreve sua habilidade
para selecionar, de uma totalidade de expressões gramaticalmente corretas
disponíveis para ele, formas que reflitam apropriadamente as normas sociais que
governam o comportamento em encontros específicos.
Quando se afirma que no conceito de competência comunicativa os
componentes social e cultural estão presentes é porque se considera que, sempre
que um falante se insere numa situação de comunicação, ele mobiliza consigo um
conjunto de conhecimentos e habilidades sociais e culturais, em sentido simbólico.
Sendo a língua um dos sistemas simbólicos constitutivos do sistema cultural de uma
sociedade, é, portanto, inegável que o uso linguístico influencie e seja influenciado
pelos diversos elementos culturais.
Nesse sentido, pode-se afirmar que todos os aspectos da cultura são
relevantes para a comunicação, com um especial destaque para a estrutura social,
os valores e atitudes em relação à língua e seus usos, a rede de categorias
conceituais resultantes da experiência acumulada, entre outros. Não é por acaso
que uma parcela considerável dos usos linguísticos e dos modos de interpretação
considerados contextualmente apropriados tem sua explicação no conhecimento
cultural compartilhado. Um exemplo disso é o fato de que muitos dos elementos do
código linguístico somente podem emergir do próprio processo interativo, o que
exige dos interlocutores um constante esforço no sentido de integrar as
características do código linguístico em uso a outros conhecimentos e habilidades
culturais, de modo a poder levar a cabo satisfatoriamente o processo comunicativo.
Considerando a natureza da competência comunicativa, Saville-Troike (2003)
propõe uma distinção entre as dimensões produtiva e receptiva dessa competência
e defende que apenas a competência receptiva compartilhada é necessária para
uma comunicação bem sucedida. Segundo ela, o conhecimento das regras para um
comportamento comunicativo apropriado engloba o entendimento de uma ampla
29
gama de formas linguísticas, porém não necessariamente a habilidade de produzi-
las. Os membros de uma mesma comunidade, explica a autora, podem entender
variedades de uma língua que diferem entre si sob aspectos como classe social,
região, sexo, idade e ocupação do falante, mas bem poucos serão capazes de falar
todas elas.
Para esclarecer quais conhecimentos compartilhados estão envolvidos em
uma comunicação apropriada, Saville-Troike (2003) apresenta uma lista que inclui
habilidades linguísticas, interacionais e culturais, e que pode, inclusive, ser levada
em conta ao se descrever e explicar adequadamente a competência comunicativa
de determinado falante:
1. Conhecimento linguístico:
a) Elementos verbais;
b) Elementos não verbais;
c) Padrões dos elementos em eventos de fala específicos;
d) Conjunto de possíveis variantes (em todos os seus elementos e sua
organização);
e) Significado das variantes em situações específicas.
2. Habilidades interacionais:
a) Percepção das características relevantes das situações comunicativas;
b) Seleção e interpretação das formas apropriadas a situações
específicas, a papéis sociais específicos e a relações específicas
(regras para o uso da fala);
c) Organização discursiva e processos discursivos;
d) Normas de interação e interpretação;
e) Estratégias para se alcançar objetivos.
3. Conhecimento cultural:
a) Estrutura social (status, poder, direitos de fala);
b) Valores e atitudes;
30
c) Esquemas cognitivos;
d) Processos de enculturação (transmissão de conhecimentos e
habilidades).
É preciso destacar que na perspectiva da Etnografia da Comunicação todos
os itens listados acima como componentes da competência comunicativa referem-se
em geral a conhecimentos e habilidades compartilhados por uma comunidade de
fala. Cada membro de determinada comunidade normalmente exibe níveis variáveis
de cada um desses itens e isso é um definidor de sua competência comunicativa
individual. Assim, uma vez que um indivíduo geralmente não é membro de apenas
uma comunidade e que cada comunidade estabelece seu próprio conjunto de regras
sociais e comunicativas, essa competência comunicativa em nível individual se
apresentará em graus diferentes a depender da comunidade de fala na qual ele
esteja inserido em dado momento. Isso estará refletido, portanto, no conhecimento
linguístico que o falante será capaz de selecionar e satisfatoriamente utilizar, nas
habilidades de interação que ele estará apto a empregar, bem como nos aspectos
do conhecimento cultural que ele será capaz de ativar. Assim, como afirma Saville-
Troike (2003), o que um indivíduo precisa realmente saber e quais habilidades ele
necessitará dependerá sempre do contexto social dentro do qual ele esteja usando a
língua e para quais propósitos estejam direcionados esses usos.
Nessa direção, é interessante pontuar os quatro questionamentos propostos
por Hymes (1972a) quando da elaboração de sua teoria da competência
comunicativa. O primeiro questionamento colocado pelo autor para se descrever e
explicar o comportamento cultural de modo geral, e linguístico-comunicativo, de
modo específico, é se esse comportamento é formalmente possível, o que em
matéria de língua, por exemplo, diz respeito à gramaticalidade, à possibilidade
formal de existência. O segundo questionamento é se o comportamento é viável, ou
seja, se fatores como limitação da memória, recursos perceptuais, ou mesmo, como
acrescenta Bortoni-Ricardo (2006), o conjunto dos recursos linguísticos à disposição
dos falantes permitem a viabilização de determinado comportamento verbal, por
exemplo. O terceiro questionamento proposto por Hymes (1972a) é se um dado
comportamento é adequado, o que implica a consideração das características do
contexto, ou seja, a consideração da esfera social na qual se dá determinada ação,
inclusive a verbal. O quarto questionamento sugerido para se analisar a
31
competência comunicativa é se um dado comportamento é de fato realizado, isto é,
a avaliação de sua ocorrência efetiva.
Quando propõe a ampliação da noção de competência linguística de
Chomsky para a noção de competência comunicativa, Hymes (1972a) nega
prontamente a ideia de um falante-ouvinte ideal em uma comunidade de fala
homogênea, defendendo que a heterogeneidade deve ser sempre considerada no
estudo da língua. Por esse ponto de vista, sendo a heterogeneidade umas das
características das comunidades de fala, têm-se que a competência comunicativa é
mesmo uma competência plural do indivíduo, que envolve, sobretudo, a consciência
das diferenças de uso e a habilidade de adaptar suas estratégias comunicativas à
gama variável de situações socioculturais nas quais ele possa se encontrar.
1.2 A Etnografia da Comunicação: como se faz
Para a análise e descrição do comportamento linguístico dentro de uma
comunidade de fala é preciso lidar com unidades de interação, ou seja, com
atividades comunicativas que possuem limites identificáveis. Hymes (1972b) sugere
que três unidades são úteis para a pesquisa sociolinguística: a situação de fala, o
evento de fala e o ato de fala. Três unidades que, como bem observa Fasold (1990),
são hierarquicamente imbricadas, no sentido de que os atos de fala são partes de
eventos de fala, que, por sua vez, são partes de situações de fala.
Situação de fala é definida por Hymes (1972b) como a situação associada
com (ou marcada pela ausência de) fala. Cerimônias, refeições, caças, entre outros,
são exemplos dados pelo autor. Ele destaca que as situações de fala, de modo
geral, não são puramente comunicativas; podem ser compostas tanto por eventos
comunicativos como por outros tipos de evento. As situações de fala, nesse caso,
não são necessariamente sujeitas às regras de fala, mas podem ser tomadas como
o contexto dentro do qual tais regras são estabelecidas. Saville-Troike (2003) chama
a atenção para o fato de que a situação pode permanecer a mesma, ainda que a
locação seja alterada, como quando uma reunião de comitê acontece em contextos
diferentes; ou pode ser mudada, se atividades muito diferentes acontecem na
mesma locação, em momentos diferentes. A mesma sala de uma universidade, por
exemplo, pode servir sucessivamente como o local de uma conferência, de uma
reunião de comitê ou de uma aula prática.
32
Evento de fala, de acordo com Hymes (1972b), é um termo que se refere
restritamente a atividades ou aspectos de atividades governadas diretamente por
regras ou normas de uso da fala. Como a unidade básica para propósitos
descritivos, um evento de fala pode ser definido por um conjunto unificado de
componentes, do começo ao fim, começando com o mesmo propósito de
comunicação geral, com o mesmo tópico, evolvendo os mesmos participantes,
geralmente usando a mesma variedade linguística, o mesmo tom emocional, as
mesmas regras de interação, no mesmo ambiente. Uma mudança na maioria dos
participantes, na relação entre os papéis ou no foco de atenção, ou mesmo em
outros aspectos, geralmente indica o término de um evento. A fronteira entre os
eventos de fala frequentemente são marcados por um período de silêncio e talvez
uma mudança na posição do corpo (Saville-Troike, 2003).
É parte fundamental da pesquisa em Etnografia da Comunicação o
reconhecimento e a classificação dos eventos de fala existentes numa dada
comunidade. Alguns desses eventos já são designados por diferentes rótulos na
linguagem e podem ser identificados como categorias de interação; outros, porém,
não são nitidamente diferenciados. Inventariar tanto um tipo quanto outro de evento
de fala é, portanto, uma das principais tarefas do etnógrafo.
Ato de fala, a terceira unidade de interação considerada, é, segundo Fasold
(1990), ao mesmo tempo, o nível mais simples e mais problemático. Ele argumenta
que é o mais simples, porque é a unidade mínima; e que é o mais problemático,
porque nos estudos da Etnografia da Comunicação tem um significado ligeiramente
diferente do que tem na Pragmática e na Filosofia, e também porque, em última
análise, ele não parece ser assim tão mínimo. Como Hymes (1972b) explica, um ato
de fala se distingue de uma sentença e não pode ser identificada com nenhuma
outra unidade ou nível da gramática. Um ato de fala pode assumir formas diversas,
que vão desde uma única palavra até longas sentenças, e se caracteriza como tal a
partir do contexto social, da forma gramatical e da entonação. Nesse sentido, todas
as expressões a seguir (com diferentes formas gramaticais, diferentes entonações e
inseridas em diferentes contextos) podem todas elas ser consideradas como o ato
de fala comando: “Eu ordeno que você saia dessa casa”, “Você se importaria de se
retirar?” e “Fora!”.
Geralmente um ato de fala corresponde a uma função interacional específica
como uma afirmação referencial, uma ordem, um pedido, etc., e pode variar
33
consideravelmente de forma. Saville-Troike (2003) afirma que no contexto de um
evento de comunicação até o silêncio pode ser um ato de comunicação
convencional e intencional e assim ser usado como uma pergunta, uma promessa,
uma negação, um insulto, entre outros. Ela afirma ainda que um mesmo
comportamento pode ou não constituir um ato comunicativo em diferentes
comunidades de fala.
É ilustrativo um dos exemplos apresentados por Saville-Troike (2003) para as
três unidades de interação. Ela classifica o serviço religioso cristão como uma
situação de comunicação, que inclui os seguintes eventos comunicativos, seguindo
uma ordem:
1. Chamada para a adoração
2. Leitura das escrituras
3. Oração
4. Proclamação
5. Sermão
6. Benção
Especificamente dentro do evento classificado como “oração”, a sequência de
atos comunicativos, segundo a etnógrafa, inclui: o chamamento, o louvor, a súplica,
o agradecimento e a fórmula final.
Além de sugerir que o estudo etnográfico leve em conta unidades como
situação de fala, evento de fala e ato de fala, Hymes (1972b) também sugere que,
ao se debruçar especificamente sobre um evento de fala, levem-se em conta todos
os seus fatores relevantes. Apesar de existir mais de oito fatores, ele reúne-os em
oito grupos, cada um deles representando uma das letras da palavra SPEAKING,
um acrônimo que, apesar de ser declaradamente apenas uma conveniência
mnemônica, mostra-se de grande utilidade para a descrição etnográfica. Assim têm-
se destaque fatores como a situação, os participantes, os propósitos do evento de
fala, a sequência dos atos de fala, o tom emocional dos atos de fala, os
instrumentos, as normas e os gêneros (situation, participants, ends, act sequence,
key, instrumentalities, norms, genres)
A situação (S) é composta dos fatores setting e scene. O setting se refere ao
tempo e lugar em que o evento acontece, ou seja, refere-se às circunstâncias físicas
34
concretas do evento comunicativo. O scene, por sua vez, refere-se ao ambiente
psicológico ou à definição cultural da ocasião. Uma fala pode se mostrar exemplar
para definir o scene, enquanto uma outra pode se mostrar completamente
inapropriada para determinadas circunstâncias. Dentro de um setting específico, os
participantes são de fato livres para alterar o scene, o que acontece quando se
muda o estilo linguístico ou mesmo quando se muda o tipo de atividade na qual
estão envolvidos.
O fator participante (P) inclui não apenas o falante e o ouvinte, mas também
outras combinações possíveis como remetente e destinatário, codificadores e
intérpretes, orador e auditório e mesmo escritor e leitores. As diferentes
combinações entre os participantes são geralmente definidas a partir dos papéis
sociais que cada um assume em determinada situação comunicativa. Nesse sentido,
é interessante atentar para o que destaca Saville-Troike (2003, p. 114, tradução
nossa):
Uma descrição adequada dos participantes inclui não apenas traços observáveis, mas também informação acerca da composição e da relação entre os papeis dentro da família e de outras instituições sociais, distinguindo características do ciclo de vida, e a distinção existente no grupo de acordo com sexo e status social. Uma análise de como os participantes são organizados em um evento é essencial para entender quais papeis eles estão assumindo um em relação ao outro, e como eles estão ativamente envolvidos na construção e performance de comunicação.
3
O ends (E) se refere aos propósitos de um evento comunicativo tanto em um
nível individual, já que cada participante numa ocasião específica tem seu objetivo
pessoal, quanto em um nível coletivo, já que os eventos em geral possuem objetivos
culturalmente definidos. Para distinguir esses dois tipos de propósitos de um evento
comunicativo, Wardhaugh (2006) cita o exemplo de um julgamento em um tribunal, o
qual, como ele explica, tem um reconhecido propósito social em vista, e, ao mesmo
tempo, objetivos pessoais diferentes para cada um dos participantes – o juiz, o
promotor, o júri, a defesa, o acusado e as testemunhas. 3 “An adequate description of the participants includes not only observable traits, but background
information on the composition and role-relationships within the family and other social institutions, distinguishing features in the life cycle, and differentiation within the group according to sex and social status. An analysis of how participants are organized in an event is essential to understanding what roles they are taking in the relation to one another, and how they are actively involved in the construction and performance of communication.”
35
O act sequence (A) se refere tanto à forma quanto ao conteúdo da mensagem
veiculada em um evento de comunicação. Esse fator diz respeito às palavras
precisamente usadas, a como elas são usadas e à relação entre o que é dito e o
tópico em questão. Diz respeito ainda à ordenação dos atos de fala dentro de um
evento. Como coloca Fasold (1990), a forma e o conteúdo da mensagem envolvem
habilidades comunicativas que variam de uma cultura para outra. Segundo esse
autor, os falantes precisam saber como formular eventos de fala e atos de fala da
maneira que sua cultura valoriza e saber também reconhecer o que está sendo
falado, quando um tópico muda e como gerenciar mudanças de tópico.
O key (K) refere-se ao tom emocional, ao espírito com que uma mensagem é
transmitida, se de modo sério, preciso, despreocupado, pedante, sarcástico,
pomposo e assim por diante. Geralmente associa-se determinado tom emocional a
determinado gênero (a uma piada, por exemplo, associa-se um tom alegre, jocoso),
porém essa não é uma relação necessariamente rígida (uma piada pode ter, em
alguns casos, um espírito sarcástico). Pode-se afirmar, também, que certos tons
emocionais são intimamente associados a outros fatores do evento comunicativo,
como o ambiente ou os participantes. Assim, por exemplo, há uma expectativa de
um tom solene em uma missa, por um lado, e de um tom alegre numa comédia
teatral, por outro. O Key de um evento de comunicação, na verdade, pode ser
sinalizado pela escolha da língua ou variedade, por sinais não verbais como o piscar
de olhos ou a postura, por características paralinguísticas, ou mesmo pela
combinação de todos esses elementos.
Os instrumentos dos eventos de comunicação (I) incluem os canais de
comunicação e as formas de fala. Os canais dizem respeito aos meios através dos
quais uma mensagem é transmitida, ou seja, se oral, escrito, telegráfico, etc.. As
formas de fala, por sua vez, dizem respeito aos recursos verbais de uma
comunidade de fala, isto é, às línguas e suas subdivisões – códigos, dialetos,
variedades e registros ou estilos.
As normas de interação e interpretação (N) referem-se ao sistema de regras
próprio de uma comunidade de fala, que permeia comportamentos específicos e
aspectos relacionados à fala. As normas de interação especificamente regulam, por
exemplo, as ações verbais que podem ou não ser interrompidas, a altura de voz
adequada a determinado evento, o arranjo dos turnos de fala, etc.. Elas implicam
uma análise da estrutura social e das relações sociais da comunidade de fala. As
36
normas de interpretação também são culturalmente estabelecidas e são
determinantes da competência comunicativa de um falante numa dada cultura.
Como Fasold (1990) diz, interpretar, no sentido colocado por Hymes, significa “ler
nas entrelinhas”, envolve o entendimento do que está além das palavras de fato
usadas. Apesar de erros de interpretação dos atos de fala entre membros de uma
mesma cultura ser possíveis de acontecer, é muito mais comum entre membros de
culturas diferentes.
Gênero (G), o último fator listado por Hymes (1972b), refere-se aos tipos de
enunciados claramente demarcados, como poemas, mitos, provérbios, oração,
editorial, dentre outros. De certo ponto de vista, analisar a fala em atos de
comunicação significa analisá-la em instâncias de gêneros. A noção de gênero
implica a possibilidade de identificar características formais tradicionalmente
reconhecidas. Hymes (1972b) argumenta que é heuristicamente importante proceder
como se toda fala fosse de certo modo composta por manifestações de gêneros.
Como argumenta o autor, a fala casual não deve ser tida como a ausência de
qualquer gênero, mas si como um gênero em sim mesma.
Hymes (1972b) defende que, apesar de gêneros frequentemente se
identificarem com eventos de fala, eles devem ser tratados como entidades
analiticamente diferentes, uma vez que um gênero de fala pode ocorrer em mais de
um tipo de evento de fala. O exemplo dado por ele é o de um sermão, que pode
mesmo ocorrer fora do contexto religioso, visando efeitos sérios ou humorísticos.
O fato de todos esses componentes – sumarizados por Hymes no acrônimo
SPEAKING – coocorrerem na execução de um evento de fala é uma demonstração
do quanto a interação é uma atividade complexa. Para que seja bem sucedido, um
evento de fala requer de seus participantes a sensibilidade e a consciência de todos
os seus componentes. Em verdade, normalmente os participantes se envolvem num
esforço conjunto para que nada dê errado nesse processo, o que nem sempre é
feito de modo consciente. É exatamente nesse cenário que o trabalho etnográfico se
desenvolve, exigindo, desse modo, do etnógrafo um cuidado e engajamento
compatíveis com a referida complexidade.
Ao longo dos últimos anos, um número considerável de trabalhos em
Etnografia da Comunicação foi realizado e muitos deles podem ser considerados
como excelentes modelos de como proceder diante da complexidade envolvida em
questões tão caras à área como comunidade de fala, competência comunicativa e
37
evento de comunicação. São pesquisas que têm como base uma observação
intensa e atenta a tudo que acontece numa dada situação (sobretudo pelo ponto de
vista de seus participantes); pesquisas que possuem os mais diversos focos e
objetivos, considerando sempre a linguagem e a comunicação como práticas
culturais.
Entre as notáveis pesquisas nessa abordagem da Sociolinguística, pode-se
citar os trabalhos de pesquisadores como Philips (2002) e Blom e Gumperz (2002),
cujos méritos se devem a, entre outras características, seu caráter holístico. No
trabalho de Philips, tem-se a descrição da comunidade de fala da reserva indígena
Warm Springs, no estado norte-americano de Oregon, com foco nas fontes e na
natureza da variabilidade cultural envolvida na ordenação da fala. Nesse estudo, a
pesquisadora compara a organização da conversa dos índios de Warm Springs com
a de anglo-americanos de classe média, concluindo pela existência de um conjunto
diferenciado de regras básicas que regulam a participação em cada uma dessas
comunidades. No trabalho de Blom e Gumperz, tem-se a descrição dos padrões de
fala de uma pequena cidade da Noruega, Hemnesberget. Os pesquisadores
apresentam uma cuidadosa análise dos traços específicos da fala e das relações
sociais subjacentes entre os falantes. Eles retratam a diversidade linguística de uma
comunidade bidialetal, estabelecendo uma distinção entre alternância situacional e
alternância metafórica. No primeiro caso, uma alternância em que a troca de códigos
é resultado de uma redefinição da situação social em curso, da mudança de papéis
sociais, por exemplo. No segundo caso, uma alternância em que a troca de códigos
não altera a situação social, mas a enriquece, permitindo, por exemplo, a alusão às
diferentes relações sociais que podem estar em curso num momento específico.
Tanto o trabalho de Philips quanto o de Blom e Gumperz são considerados pioneiros
e representativos dentro da Etnografia da Comunicação e mesmo da
Sociolinguística de modo geral.
Muitas outras pesquisas, desenvolvidas em diferentes comunidades de fala
pelo mundo, focam em aspectos os mais diversos, como o uso da linguagem em
culturas específicas, definidas a partir de aspectos como religião, idade, etnicidade e
outros; o uso da linguagem em determinados ambientes ou em determinadas
funções sociais; ou mesmo a descrição e análise de certos gêneros ou eventos
comunicativos.
38
A Etnografia da comunicação, como uma área que busca possibilitar a
compreensão da relação entre língua, cultura e sociedade, tem um escopo de fato
bem abrangente, que, inclusive, ultrapassa a descrição da composição sintática das
sentenças ou a determinação de seu conteúdo proposicional. O trabalho do
etnógrafo nesse campo é, por exemplo, descrever, como o faz Frake (1972), o que,
além da gramática, é preciso saber para ser um falante de subanun, ou mesmo,
especificamente, para pedir apropriadamente uma bebida entre os subanuns das
Filipinas. É, portanto, trabalho do etnógrafo da comunicação buscar especificar o
que significa ser um falante competente de uma língua específica, o que significa ser
um membro efetivo de uma dada comunidade de fala, o que caracteriza um falante
que transita com excelência entre as várias situações de comunicação, que participa
dos mais variados eventos comunicativos, que realiza os mais diversos atos de fala.
39
2. A HETEROGENEIDADE LINGUÍSTICO-CULTURAL BRASILEIRA
Qualquer tentativa de descrição da comunidade de fala brasileira terá como
constatação inicial e certa a sua intrínseca complexidade, uma característica
advinda, naturalmente, da própria estrutura social do país, sem dúvida, igualmente
complexa. É impossível, por exemplo, classificar a sociedade brasileira como sendo
unicamente tradicional ou como sendo unicamente moderna, uma vez que ela
apresenta características de uma e de outra, o que implica, por consequência, a
impossibilidade de uma classificação rígida de sua comunidade de fala.
A distinção entre um tipo e outro de sociedade é normalmente feita levando
em consideração, entre outros critérios, a rigidez das relações sociais. As
sociedades tradicionais são fortemente estratificadas, apresentando uma gama de
papéis sociais bem definidos e pouco ou nada permeáveis. Como consequência da
rígida estratificação social, tem-se, nessas sociedades, uma também rígida
estratificação linguística, sendo os limites entre uma variedade e outra bem precisos.
A pouca permeabilidade dos papéis sociais traz como consequência, por sua vez,
uma restrição considerável de acesso às variedades prestigiadas.
No caso das sociedades modernas, é característica marcante uma maior
alternância de papéis sociais e, por extensão, uma heterogeneidade menor no
repertório verbal de seus falantes, com limites, portanto, pouco precisos entre uma
variedade e outra. Nesse tipo de sociedade, é comum uma maior variação social e
estilística. Assim, maiores chances de mobilidade social significam também maiores
chances de acesso às variedades de prestígio.
O Brasil, nesse quadro, apresenta-se como um caso específico. Em sua
comunidade de fala observa-se, por um lado, grande variação no repertório verbal
de seus falantes e acesso limitado à norma culta, o que é característico das
sociedades tradicionais; por outro lado, uma notável permeabilidade de papéis
sociais e fluidez entre as variedades linguísticas, o que é característico das
sociedades modernas.
Nesse sentido, se há um atributo que não pode ser utilizado para caracterizar
a comunidade de fala brasileira é a homogeneidade. Na verdade, do mesmo modo
que se tem no país uma grande heterogeneidade sociocultural, tem-se também uma
grande heterogeneidade linguística. A própria língua portuguesa falada em terras
40
brasileiras apresenta-se, deveras, heterogênea em diversas ordens, da geográfica à
social, perpassando muitas outras.
Apesar de não chegar ao ponto de impedir a total ininteligibilidade entre seus
falantes, a heterogeneidade da língua portuguesa no Brasil deve ser considerada
como um aspecto relevante, uma vez que entre dialetos sociais e/ou geográficos,
por exemplo, podem existir diferenças profundas capazes de, no mínimo,
oferecerem dificuldades de comunicação entre falantes de dialetos distintos e de
origens socioculturais distintas.
Considerando a discutida complexidade da comunidade de fala brasileira,
pode-se afirmar que sua heterogeneidade é tal que chega a ser impossível
compartimentar precisamente as variedades linguísticas que a compõem. É mesmo
uma simplificação pouco justa com a realidade linguística acomodar o amplo e
diversificado repertório verbal da comunidade de fala brasileira em dicotomias como
língua padrão x língua não padrão. Essa e outras denominações, segundo Bortoni-
Ricardo (2006), padecem por não reconhecer as características comuns às diversas
variedades; por misturar critérios analíticos de tal modo a impossibilitar uma
distinção clara entre variedades regionais, sociais ou mesmo funcionais; e por não
considerar as distintas características das modalidades oral e escrita da língua, bem
como dos diferentes gêneros discursivos.
Com vistas a apreender, de modo sistemático, a situação sociolinguística do
português brasileiro, Bortoni-Ricardo (2006, 2009) elabora um modelo de análise
que relaciona a heterogeneidade linguística brasileira com fatores estruturais e com
fatores funcionais. Para tanto, a autora adota um instrumental que acomoda a
variação linguística em três contínuos, a saber: um de urbanização, por meio do qual
se analisa os atributos socioecológicos dos falantes; outro de oralidade-letramento,
por meio do qual se analisa as práticas sociais em que o falante se insere; e outro
de monitoração estilística, por meio do qual se analisa, entre outras questões, os
processos cognitivos de atenção e planejamento quando da enunciação.
A seguir, passa-se a analisar cada um dos contínuos propostos por Bortoni-
Ricardo, bem como seus respectivos componentes.
41
2.1 As Culturas Rural e Urbana e o Contínuo de Urbanização
Entre o Brasil rural e o Brasil urbano existem diferenças consideráveis, a
começar pelo contingente populacional. O censo do IBGE de 2010 revelou que há
uma disparidade muito grande entre o número de habitantes da zona urbana
(100.925.792) e da zona rural brasileira (29.830.007). Na verdade, a diferença
populacional é apenas um indício do conjunto de outros aspectos que diferem um
ambiente do outro. São mesmo vários aspectos, que vão desde os socioeconômicos
até os culturais, incluindo neste último, com especial destaque, a linguagem.
Na metodologia de análise do português brasileiro, proposta por Bortoni-
Ricardo (2006, 2009), o contínuo de urbanização é aquele que comporta em suas
extremidades, de um lado, as variedades rurais mais isoladas e, de outro, a
variedade urbana culta, a qual historicamente foi alvo de um estrito processo de
padronização. Entre os dois polos do contínuo, a autora diz estar uma área
denominada rurbana. Nesse ponto do contínuo, segundo ela, está situado o conjunto
de falantes formado pelos migrantes de origem rural que preservam muito de seus
antecedentes culturais, principalmente no seu repertório linguístico, e as
comunidades interioranas residentes em distritos ou núcleos semirrurais, que estão
submetidas à influência urbana.
É preciso destacar que as variedades rurais, rurbanas e urbanas, que estão
dispostas ao longo do contínuo de urbanização não são separadas por rígidas
fronteiras. Há, em verdade, uma grande fluidez e sobreposição entre as variedades,
razão pela qual elas estarem dispostas em um contínuo. Assim, o que se pode
apontar são características mais salientes em uma e outra dessas variedades e não
necessariamente propriedades estanques que as distingam.
Estando nos extremos do contínuo de urbanização, as variedades rurais
geograficamente isoladas e as urbanas padronizadas possuem uma série de
características peculiares que se expressam, entre outras formas, na fonética, na
morfossintaxe e no léxico, tendo ambas as variedades sido alvo de estudos
linguísticos, mesmo que em proporções diferentes, com número consideravelmente
bem maior para as variedades urbanas padronizadas.
No caso das variedades regionais rurais, especificamente, Bortoni-Ricardo
(2006) afirma ser possível que boa parte de suas características seja resultado da
influência que sofreram da língua tupi de intercurso, usada como língua franca no
42
litoral do Brasil até meados do século XVII, e do pidgin usado nas comunidades de
escravos como meio de comunicação de emergência. A autora pondera ainda que
algumas outras características se devam à manutenção de traços do português
arcaico, como fruto do sistema de colonização intermitente cuja precariedade teve
como agravante a grande extensão territorial do país e sua topografia adversa.
Dentre os traços que podem ser considerados peculiares das variedades
rurais – que em alguns estudos têm sido denominadas de caipiras – destacam-se,
inicialmente, alguns aspectos fonológicos, apresentados por Bortoni-Ricardo (2011) -
os primeiros elementos dos pares a seguir correspondem às formas do português
brasileiro padrão e os segundos às formas próprias de variedades rurais:
Neutralização de /r/ e /l/ em encontros consonantais de uma oclusiva ou fricativa
plana mais uma lateral:
/ĩklu’zivi/ : /ĩkru’zivi/ “inclusive”
/kõ’plɛtu/ : /kõ’prɛtu/ “completo”
/plã’tar/ : /prã’ta:/ “plantar”
Supressão da consoante líquida em encontros consonantais:
/’padri/ : /’padʒi/ “padre”
/’owtru/ : /’otu/ “outro”
Vocalização da lateral palatal /λ/:
/’miλo/ : /’miju/ “milho”
/mu’λer/ : /mujje:/ “mulher”
/’veλu/ : /’vejju/ “velho”
Neutralização de /r/ e /l/ em final de sílaba:
/’palma/ : /’parma/ “palma”
/’volta/ : /’vorta/ “volta”
/al’gũ/ : /ar’gũ/ “algum”
43
/al’mosu/ : /ar’mosu/ “almoço”
/avẽ’tal/ : /avẽ’tar/ “avental
Prótese de um /a/ em palavras iniciadas em consoante:
/lẽ’brar/ : /alẽ’bra:/ “lembrar”
/prepa’rar/ : /aprepa’ra:/ “preparar”
/xeu’nir/ : /axeu’ni:/ “reunir”
Nasalização de vogais orais em início de sílabas:
/ku’ziña/ : /kũ’ziña/ “cozinha”
/e’zẽplu/ : / ĩ’zẽpru/ “exemplo”
/i’gwal/ : / ĩ’gwal/ “igual”
Metátese do /r/ e, mais raramente do /s/:
/fer’vẽndu/ : /fre’vẽnu/ “fervendo”
/tor’ser/ : /tro’se:/ “torcer”
/presi’zar/ : /persi’sa:/ “precisar”
/satʃis’fejtu/ : /sastis’fejtu/ “satisfeito”
No que se refere à morfossintaxe das variedades rurais, pode-se afirmar que
também apresentam várias peculiaridades. Bortoni-Ricardo (2006, p.33) cita alguns
traços linguísticos que são característicos – apesar de não exclusivos - dessas
variedades:
Repare-se que, nos vernáculos rurais, muitas dessas oposições, como a de número, a de gênero e a de pessoa, para citar algumas, que no sistema da língua portuguesa são implementadas de maneira redundante, passaram a ser realizadas com recursos analíticos, em decorrência do reducionismo flexional. Assim, a oposição número-pessoa, nas formas verbais, que se consubstancia redundantemente por meio dos pronomes pessoais e das flexões, dispensou estas e manteve apenas aquelas. Na oposição de número, nos sintagmas nominais, a marca de plural desapareceu dos determinados, mas se conservou no primeiro determinante. O sistema temporal se simplificou, mas a dicotomia presente-passado foi mantida.
44
Em relação ao léxico das variedades rurais, é preciso destacar, inicialmente, o
fato de ele ser infimamente documentado e de ele ser escrito somente em ocasiões
específicas. Isso, no entanto, não significa que ele seja restrito ou pobre, como pode
se supor. O léxico dessas variedades, como argumentam Antunes e Viana (2006), é
de fato suficiente e adequado à expressão do pensamento; e seus falantes, dele se
utilizando, podem, de modo claro e preciso, manifestarem-se em seu mundo, bem
com assimilar conceitos, refletir, escolher, julgar, do mesmo modo que o pode fazer
aquele que se utiliza de outras variedades.
No seu pioneiro trabalho de levantamento e descrição do dialeto caipira –
portanto, de uma variedade rural – Amaral (1920/1976) afirma que o vocabulário
desse dialeto é formado por elementos oriundos do português usado pelos
colonizadores, portanto, do português do século XVI; de termos provenientes das
línguas indígenas; de vocábulos importados de outras línguas; e de vocábulos
formados no próprio dialeto.
Entre todos os elementos apontados por Amaral (1920/1976) como
constituintes do léxico caipira, destacam-se os elementos do português do século
XVI, muitos dos quais se tornaram arcaicos em outras variedades da língua,
notadamente nas variedades urbanas. Ele enfatiza o grande número de formas de
vocábulos do português arcaico que permanecem vivos no dialeto caipira. Como
ilustração, ele cita alguns vocábulos típicos da variedade rural que já aparecem na
Carta de Pero Vaz de Caminha, tais como: mêa (adj. meia), despois, reinar (brincar),
prepósito e alevantar.
Os elementos arcaicos da língua são classificados por Amaral (1920/1976)
em arcaísmos de forma, de significação, e de forma e significação. São alguns dos
exemplos dados:
Arcaísmos de forma:
acupá(r), inorá(r), agardecê(r), avaluá(r), malino, manteúdo, premêro, dereito,
repuná(r), reposta, saluço, escuitá(r), somana, fermoso.
Arcaísmos de sentido:
Dona – Senhora
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Função – Baile, folguedo
Reiná(r) – Fazer Travessuras
Aério – Perplexo
Praça – Povoado
Salvar – Saudar
Arcaísmos de forma e significação:
Arreminado – Indócil
Contia – Quantidade qualquer
Cuca – Ente fantástico
Escotêro – O que viaja sem bagagem
Modinha – Cançoneta
Ainda tratando do léxico do dialeto caipira, Amaral (1920/1976) lista algumas
locuções que, segundo ele, também são advindas do português arcaico:
A par de – Justo, ao lado
De verdade – De vera
De primeiro – Outrora
Neste meio - Entrementes
Acerca do léxico de variedades rurais, é interessante destacar ainda o
trabalho de pesquisa que tem sido realizado pelas universidades mineiras UFVJM,
UFMG e UNI-BH. Do corpus “O vocabulário do dialeto rural no Vale do
Jequitinhonha” foram elaborados, entre muitos outros, os verbetes a seguir,
apresentados por Antunes e Viana (2006, p. 26):
dá fé Exp. Verbal [ação-processo] – Captar algo por meio dos sentidos – Pois é! Agora eu vô quebra os dois ovo e soldá. E você novamente sobe lá e coloca os dois ovo sem o buriti dá fé./Ele foi lá, subiu no pé de laranjeira, furto esses dois ovo do juriti. Juriti nem fé num deu. – (MSL) – Perceber, notar. imbruiá V. [ação-processo/compl. Nome animado] – Bras. Coloq. – Ato de envolver, habilmente, alguém de forma a obter vantagens. – Essa onça é toda besta! Todos bicho imbruiô ela e sumiro. – (O.B) – Enganar.
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Invi Var. envinha, evinha – V. [ação]. Inform. – Encaminhar-se de um lugar para outro próximo de quem fala. – Quando ele invia lá, foro tudo lá pra dentro e chegô só ua na janela. – (CA) – Vir. neca Pron. [indefinido] – Coloq. Pop. – Usado quando se quer negar enfaticamente. – Foi no quarto do menino. Nada! Tudo desarrumado. O tocin? Neca! Já tinha furtado, né? – (MSL) – Nada, coisa nenhuma. zelá V. [ação/compl.: de + nome] – (Séc. XV) – Arc. – Tomar conta de algo ou alguém com toda a atenção, cuidado e interesse. – Num era caçadô, mas era um home que tinha uns cachorro muito bão e era vei’ assim que zelava muito das coisa dele... – (A) – Cuidar.
No espectro de variedades do português brasileiro, como o contínuo de
urbanização sugere, além das variedades rurais, pressupõe-se a existência de
variedades rurbanas e variedades urbanas. As variedades rurbanas correspondem,
de acordo com Bortoni-Ricardo (2009), aos falares dos migrantes de origem rural
que preservam muitos dos elementos da sua cultura de origem, notadamente o
repertório linguístico, e aos falares de comunidades interioranas como distritos e
núcleos semirrurais. Sendo assim, pressupõe-se que muitos dos traços linguísticos
dessas variedades sejam comuns com os das variedades rurais, como os
anteriormente exemplificados.
As variedades urbanas, por sua vez, como apresenta Bortoni-Ricardo (2006),
são aquelas utilizadas pelos falantes urbanos; são as que, de modo geral, sofreram,
ao longo do tempo, a influência da codificação linguística, de modo que muitas de
suas características são devidas à força normativa da ortografia e da ortoépia, dos
dicionários e gramáticas, além das agências padronizadoras da língua, típicas do
ambiente urbano, tais como a escola, a imprensa e a literatura.
Na verdade, sob o rótulo de variedades urbanas encontra-se uma série de
variedades estratificadas da língua, uma vez que se considerem fatores como classe
social, profissão, zona de residência e, sobretudo, grau de escolaridade. Numa
classificação proposta por Faraco (2008) – a qual, inclusive, tem para sua
construção a influência do modelo dos contínuos ora apresentado – as variedades
urbanas podem ser inseridas em três diferentes grupos: o português popular
brasileiro, a linguagem urbana comum e a norma culta.
Português popular brasileiro é o nome que Faraco (2008) adota para se
referir às variedades utilizadas pelas classes populares, o que inclui as populações
que possuem pouco tempo de urbanização, devido ao grande êxodo rural ocorrido
47
no Brasil nas últimas décadas. Nesse caso, é preciso destacar que essa é uma
classificação que abarca também parte dos falares que Bortoni-Ricardo denomina
de rurbanos.
Às variedades faladas pelas populações tradicionalmente urbanas, Faraco
(2008) reserva o nome de linguagem urbana comum. Esse seria o português dos
falantes situados na escala de renda média para alta e que, por consequência, têm
normalmente altos níveis de escolaridade e amplo acesso aos bens culturais da
cultura escrita. Essas variedades, segundo o autor, são mais bem delimitadas
quando considerada a inserção dos seus falantes nos contínuos de letramento e de
monitoração estilística.
A denominação de norma culta é utilizada por Faraco (2008) para se referir,
no espectro das variedades urbanas, àquela de uso corrente entre falantes com
escolaridade superior completa, especificamente em situações de monitoração
estilística. Tendo como referência os critérios adotados pelo Projeto NURC (Norma
Linguística Urbana Culta), Faraco defende que os contínuos de monitoração
estilística e de oralidade-letramento também devam ser levados em conta ao
classificar ou não uma variedade como norma culta.
Uma outra forma de caracterizar o conjunto de variedades que compõem o
espectro do contínuo de urbanização é apresentada por Lucchesi (2002). Levando
em consideração aspectos socioculturais dos falantes, bem como a formação sócio-
histórica do português brasileiro, ele defende que a realidade linguística brasileira
seja vista como um sistema bipolarizado, formado por dois subsistemas distintos: a
norma culta e a norma popular, por ele assim caracterizadas (LUCCHESI, 2002, p.
87):
A NORMA CULTA seria, então, constituída pelos padrões de comportamento linguístico dos cidadãos brasileiros que têm formação escolar, atendimento médico-hospitalar e acesso a todos os espaços da cidadania, e é tributária, enquanto norma linguística, dos modelos transmitidos ao longo dos séculos nos meios da elite colonial e do Império e inspirados na língua da Metrópole portuguesa. A NORMA POPULAR, por sua vez, se define pelos padrões de comportamento linguístico da grande maioria da população alijada de seus direitos elementares e mantida na exclusão e na bastardia social (...). Portanto, se é uma variedade do colonizador a que se impõe na fala dos segmentos sociais aí formados, não se pode deixar de perceber as marcas de sua aquisição precária e de sua nativização mestiça.
48
Dessa maneira, ao contrário do que se possa pensar e se disseminar no
senso comum, a língua portuguesa do Brasil não é apenas a norma padrão. Sob o
rótulo de língua, cientificamente, o que se tem é o conjunto de todas as variedades
utilizadas pelos brasileiros, desde as variedades rurais geograficamente mais
isoladas até as variedades urbanas padronizadas.
É preciso dizer, nesse ponto, que a coexistência de todos esses falares que
compõem a língua portuguesa não é tão simples e pacífica como possa aparentar.
De fato, cada falar situado ao longo do contínuo de urbanização é socialmente
submetido a uma escala de valores que vai desde os mais positivos aos mais
negativos – uma avaliação centrada muito mais em questões sociais e políticas do
que em questões estritamente linguísticas. A esse respeito são emblemáticas as
seguintes considerações de Gnerre (1998, pp. 6-7):
Uma variedade linguística “vale” o que “valem” na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. Essa afirmação é válida, evidentemente, em termos internos quando confrontamos variedades de uma mesma língua, e em termos externos pelo prestígio das línguas no plano internacional.
Por esse viés, pode-se afirmar que na comunidade de fala brasileira existem
tanto variedades linguísticas prestigiadas quanto variedades estigmatizadas. Nesse
caso, observa-se que quanto maior a proximidade do polo urbano, no contínuo de
urbanização, maior prestígio terá a variedade.
Como consequência do prestígio que goza, a variedade urbana culta acaba
sendo socialmente alçada à condição de ser a própria língua e não apenas uma de
suas variedades. É bem provável que seja graças a essa condição que seja tão
espraiada a ideia de que existe uma língua que é adquirida de modos distintos pelos
falantes, em função das distintas condições de acesso a ela. É preciso dizer, no
entanto, que na realidade objetiva o falante não aprende a “língua” de maneira
imperfeita, como se tende a acreditar; o falante simplesmente aprende a variedade a
que está exposto. Pode-se mesmo dizer que chega a ser anticientífico sustentar
afirmações como a de que existem línguas imperfeitas, simples, inferiores, ou
mesmo que há línguas pobres em vocabulário. A Linguística, de fato, tem
sustentado que toda língua é adequada à comunidade que a utiliza. Assim,
49
gramaticalmente, todas as variedades de uma língua se apresentam sempre como
sistemas organizados e coerentes de regras (ALKMIM, 2001)
Na contramão das afirmações da ciência, as variedades rurais, as rurbanas e
as urbanas populares têm sido alvo constante de estigma. Bagno (2003, p. 67) diz
que o estigma a que essas variedades são submetidas pode ser definido como “um
julgamento extremamente negativo lançado pelos grupos sociais dominantes sobre
os grupos subalternos e oprimidos e, por extensão, sobretudo o que caracteriza seu
modo de ser, sua cultura e, obviamente, sua língua”. O autor até defende que,
levando em conta essa questão, se pode designar de variedades estigmatizadas as
variedades linguísticas que caracterizam os grupos sociais desprestigiados do
Brasil.
Ao tratar das características das variedades estigmatizadas e das
prestigiadas, Bortoni-Ricardo (2009) defende que há formas e usos linguísticos que
se circunscrevem a algumas dessas variedades e outras formas e usos linguísticos
que são comuns a todas elas. Para esclarecer, ela identifica os chamados traços
descontínuos e os chamados traços graduais. No primeiro caso, têm-se os itens
linguísticos típicos dos falares situados no polo rural do contínuo de urbanização e
que, por sua vez, vão desaparecendo à medida que se aproxima do polo urbano.
Segundo a autora, esses traços têm uma distribuição descontínua, pois,
naturalmente, seu uso não continua nas áreas urbanas. São exemplos desses
traços: a vocalização da lateral /λ/ (“cuié”) e a redução do ditongo crescente final
(nutiça) – para ficar somente no campo fonológico. No segundo caso, estão os itens
linguísticos que se fazem presentes na fala de todos os brasileiros e que, assim,
estão distribuídos ao longo de todo o contínuo, sendo, portanto, traços que possuem
uma distribuição gradual. De acordo com a autora, exemplos de variáveis dessa
categoria são, entre outros, a redução dos ditongos ei e ai seguidos dos fonemas /r/,
/n/, /j/ e /x/ para /e/ e /a/ - “cadera”, “caxa”, “bejo” etc; e a perda do /r/ final nos
infinitivos verbais e nas formas do futuro do subjuntivo – “comê” e “pudé”.
Identificadas as duas categorias nas quais podem ser inseridas as variáveis
linguísticas do português brasileiro, faz-se necessária uma observação. São
exatamente os traços descontínuos os que recebem uma carga maior de avaliação
negativa nas comunidades urbanas, o que se constitui em um ponto definidor do
estigma ou do prestígio a que as variedades estão submetidas.
50
A ecologia do português brasileiro, indo das variedades rurais
geograficamente mais isoladas até a variedade urbana culta, é mesmo numerosa e
diversa. Apesar da nefasta carga de avaliações injustas que algumas delas sofrem
socialmente, é inegável que elas, em todo o seu conjunto, são uma representação
da heterogeneidade que marca o Brasil; afinal, um país que possui uma sociedade e
uma cultura multifacetadas só poderia abrigar uma língua igualmente multifacetada.
2.2 As Práticas Sociais de Uso da Língua e o Contínuo de Oralidade-Letramento
O segundo contínuo proposto por Bortoni-Ricardo (2006, 2009) para a
apreensão e análise da heterogeneidade do português brasileiro é o de oralidade-
letramento. Esse é um continuo ao longo do qual estão situadas as práticas sociais
de uso da língua. Assim, em um de seus polos situam-se as práticas de oralidade;
no outro, as práticas de letramento. A construção e aplicação desse contínuo
pressupõem o entendimento das noções de fala e escrita e, principalmente, as de
oralidade e letramento, do modo como são concebidas na sociedade atual em suas
semelhanças, diferenças e possíveis relações.
Marcuschi (2007) explica que os termos fala e escrita são usados para se
referir às duas modalidades de manifestação da língua sob o aspecto das formas
linguísticas e das atividades de formulação textual. Com o termo fala, designam-se
as formas orais do ponto de vista do material linguístico e de sua realização textual-
discursiva. Com o termo escrita, por outro lado, designa-se o material linguístico da
escrita, ou seja, as formas de textualização na escrita. Assim, quando se usa os
termos fala e escrita, é preciso ter bem claro que se trata de aspectos relacionados à
organização linguística.
As pesquisas mais recentes na área, no entanto, têm mostrado que a relação
entre fala e escrita não é tão simples quanto possa parecer. Tem-se constatado que
essas são duas atividades interativas e complementares no contexto das práticas
sociais e culturais e, desse modo, não devem ser tratadas de maneira dicotômica.
Elas estabelecem, na verdade, uma relação complementar em que suas diferenças
se dão dentro de um contínuo, e não numa relação entre dois polos opostos;
configuração similar, como se verá, para as noções de oralidade e letramento.
51
Em relação aos termos oralidade e letramento, Marcuschi (2007) esclarece
que se referem às práticas sociais ou práticas discursivas nas duas modalidades de
manifestação da língua. Segundo ele, de modo geral, o termo oralidade diz respeito
ao conjunto de práticas sociais que se apresentam na modalidade oral da língua,
sob diversas formas ou gêneros textuais, variando conforme critérios como nível de
formalidade e contextos de uso. O termo letramento, por sua vez, diz respeito ao
conjunto de práticas sociais que fazem uso da escrita em maior ou menor grau,
apresentando-se também em formas as mais diversas.
O desenvolvimento desses dois conjuntos de práticas, de acordo com
Marcuschi (2007, p. 39) se dá, em geral, de modos bem específicos:
A oralidade como prática social se desenvolve naturalmente em contextos informais do dia a dia. O letramento pode desenvolver-se no cotidiano de forma espontânea, mas em geral, ele se caracteriza como a apropriação da escrita que se desenvolve em contextos formais, isto é, no processo de escolarização. Daí também seu caráter mais prestigioso como bem cultural desejável. Daí também a identificação entre alfabetização e escolarização. Em suma, há uma avaliação da alfabetização como sinônimo de valor e educação. Isso determinará, em boa medida, o uso da escrita em nossa sociedade, e dá ao letramento mais aprimorado um status mais alto.
É preciso, entretanto, não confundir alfabetização com letramento. A
alfabetização deve ser entendida como a prática formal e institucional de aquisição
da escrita, visando a interação e o domínio da cultura, uma prática levada a efeito
pelo sistema escolar (Tfouni, 1988). O letramento, por seu turno, deve ser entendido
como o estado ou condição que um grupo social ou um indivíduo adquire como
consequência de ter-se apropriado da escrita, ou seja, como a condição daqueles
que cultivaram e exercem as práticas sociais que se utilizam da escrita (Soares,
2012).
Nesse sentido, diferentemente da noção de alfabetizado, que implica a
existência ou não de um saber (o sistema alfabético da escrita), a noção de
letramento não pode ser tomada de modo estanque. Na verdade, não há uma linha
divisória que separa o sujeito letrado do iletrado, como se pode verificar entre o
alfabetizado e o analfabeto. Como o processo é, de certo modo, sem final, ele não
pode ser descrito de forma dicotômica. Assim, é mais adequado afirmar que as
competências que constituem o letramento sejam distribuídas de maneira contínua,
contendo pontos indicadores de tipos e níveis diferentes de conhecimento,
52
capacidades, habilidades em relação aos diversos tipos de material escrito. Por esse
ponto de vista, o letramento seria, como define Soares (2003, p. 95):
(...) um contínuo não linear, multidimensional, ilimitado, englobando múltiplas práticas e múltiplas funções, com múltiplos objetivos, condicionadas por e dependentes de múltiplas situações e múltiplos contextos, em que, consequentemente, são múltiplas e muito variadas as habilidades, conhecimentos, atitudes de leitura e de escrita demandadas, não havendo gradação nem progressão que permita fixar um critério objetivo para que se determine que ponto, no contínuo, separa letrados de iletrados.
Uma vez que se caracterize assim letramento como um contínuo, fica mesmo
complicado estabelecer uma relação precisa entre níveis diferentes de letramento e
determinados atributos sociais. O grau de escolaridade, por exemplo, não chega a
ser um critério exato na definição do nível de letramento de um indivíduo, ou, em
outras palavras, só é mesmo possível inferir, supor que quando se atinge certo grau
de instrução, o indivíduo possa estar situado em determinado ponto do contínuo que
o letramento é. Desse modo, é comum a expectativa de que quanto mais anos de
escolaridade tiver alcançado um indivíduo, maior será o seu nível de letramento.
Contrariando esse tipo de expectativa, a relação entre o atributo grau de
escolaridade e o nível de letramento pode se revelar algumas vezes, inesperada. É
possível encontrar, por exemplo, sujeitos com baixa escolaridade e alto grau de
letramento, bem como sujeitos com alta escolaridade e baixo grau de letramento.
Situações extremas que se relacionam mais com o primeiro caso são apresentados
por Soares (2012). Ela diz, por exemplo, que um indivíduo poder ser, de certo modo,
letrado, mesmo sendo analfabeto. Devido à sua condição socioeconômica, um
adulto pode ser analfabeto, mas viver em um meio em que a leitura e a escrita têm
forte presença e, desse modo, participar de atividades como ouvir a leitura de jornais
feita por um alfabetizado, receber cartas que os outros leem para ele, ditar cartas
para que um alfabetizado as escreva, pedir que alguém leia avisos ou indicações
afixados em algum lugar, práticas que o fazem ser considerado de certo modo
letrado, pelo fato de ele estar envolvido em práticas sociais de leitura e escrita.
Outra situação representativa da relação inesperada entre grau de
escolaridade e nível de letramento, porém relacionada ao segundo caso, é
apresentada por Oliveira e Vóvio (2003). Analisando dados do INAF 2001 (Indicador
Nacional de Alfabetismo Funcional), com foco no problema da homogeneidade e da
53
heterogeneidade entre sujeitos pertencentes a grupos com diferentes níveis de
alfabetismo, as pesquisadoras discutem o caso de sujeitos que possuem curso
superior completo ou incompleto que apresentaram baixo desempenho em um teste
de alfabetismo (letramento). Elas destacam até o fato de esses mesmos sujeitos
também possuírem características, condições e comportamentos comuns com
outros que, na pesquisa, foram classificados em um alto nível de alfabetismo. As
razões para essa relação inesperada, de acordo com as autoras, só poderiam ser
explicitadas por meio de um aprofundamento qualitativo da situação particular de
cada indivíduo, no entanto elas sugerem algumas hipóteses que podem estar no
cerne da questão: os sujeitos podem ter obtido um grau de instrução formalmente
elevado sem ter necessariamente adquirido competências letradas; podem ter tido
uma má relação com a escola e com o conhecimento escolar; podem ter tido poucas
oportunidades de efetivamente envolver-se em atividades que exijam o uso
constante das habilidades letradas, entre outras.
Nessa perspectiva, o uso das habilidades de leitura e escrita, num
dado contexto, e a relação dessas habilidades com as necessidades, valores e
práticas sociais estão mesmo na base da definição de letramento. Analisando o
fenômeno do letramento, Street (1984) apresenta os dois modelos que
predominaram a partir dos anos 50 do século XX, o autônomo e o ideológico. No
modelo autônomo de letramento, prevalente entre os anos 50 e 80, defende-se que
a escrita teria sido a grande responsável por introduzir na sociedade novas formas
de conhecimento e por favorecer a ampliação da capacidade cognitiva das pessoas.
Nesse modelo, defende-se ainda a tese de que a escrita seria superior à fala e
autônoma, na sua condição de tecnologia, representando assim, a fala e a escrita,
ordens diferentes de comunicação, com funções e processos de interpretação
também diferentes. Rojo e Schneuwly (2006) argumentam que essa polarização
defendida pelo modelo autônomo de letramento traria consequências para as
culturas e os contextos de uso da linguagem oral e escrita e, logo, para os
letramentos, como, por exemplo, a sustentação da ideia de que a escrita, por si só,
levaria os sujeitos a estágios mais complexos e desenvolvidos de cultura e de
organização cognitiva, dando acesso, inclusive, por si mesma, ao poder e à
mobilidade social, ideia que com certeza não se sustenta.
A partir dos anos 80, em contraponto ao modelo autônomo, desenvolve-se o
modelo ideológico de letramento, sugerindo que a oralidade e o letramento sejam
54
concebidos numa relação contínua e que se evite a noção de autonomia e
supremacia da escrita. Nesse modelo, entende-se que as práticas de letramento são
determinadas social e culturalmente, de modo que, a depender dos contextos e
instituições nos quais a escrita tenha sido adquirida, ela assumirá significados
específicos. Assim, letramento deixa de ser considerado como um instrumental de
participação social e passa a ser todo o conjunto de práticas socialmente
construídas envolvendo a leitura e a escrita, práticas essas representativas,
inclusive, das estruturas de poder de uma sociedade.
De modo geral, um e outro modelo de letramento é sustentado ou está na
base das ações das diferentes agências de letramento que existem na sociedade.
Nessa direção, são elucidativas as seguintes considerações de Kleiman (2012, p.
20):
O fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita. Pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se não com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de letramento, qual seja, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras agências de letramento, como a família, a igreja, a rua – como lugar de trabalho – mostram orientações de letramento muito diferentes.
Essas diferentes orientações que a escola e outras agências de letramento
possuem, como apontadas por Kleiman (2012), só reforçam a hipótese de que há
mesmo um contraste considerável entre o letramento que se dá na escola e o
letramento que se dá fora dela. Isso se deve em boa medida ao fato de a escola
basear seu trabalho no quadro de referência do modelo autônomo, considerando as
atividades de leitura e escrita como neutras e universais e, por conseguinte,
independentes dos determinantes culturais e das estruturas de poder, ou seja,
trabalhando exatamente com as premissas negadas pelo modelo ideológico.
Frente aos diferentes posicionamentos dos dois modelos de letramento e às
discussões deles suscitadas, Marcuschi (2007) defende que a maneira mais
adequada para se tratar das questões do letramento é a que parte das relações
entre oralidade e letramento na perspectiva de um contínuo de práticas sociais e
atividades comunicativas, de modo a envolver parcialmente o modelo ideológico –
55
com destaque para o aspecto da inserção da fala e da escrita no contexto da cultura
e da vida social – e a observar a organização das formas linguísticas no contínuo
dos gêneros textuais.
Nessa perspectiva, dois componentes devem ser tomados como básicos para
o entendimento do próprio fenômeno do letramento na sociedade: os eventos e as
práticas de letramento. Proposto por Heath (1983), o termo evento de letramento é
usado para designar as situações em que a escrita compõe ou ajuda a compor a
interação entre os participantes e os processos e estratégias de interpretação. Essas
situações de interação tanto podem ser face a face, com as pessoas interagindo
oralmente com a mediação da leitura ou da escrita; quanto podem ser à distância,
como é o caso da interação autor-leitor. O termo práticas de letramento, por sua vez,
proposto por Street (1984), é usado para designar os comportamentos, as ações dos
participantes de um evento de letramento, bem como as concepções sociais e
culturais que ajudam a configurar o evento em si e a determinar os modos de
interpretação válidos.
Nesse ponto, considerando toda a discussão em torno das noções de
oralidade e letramento enquanto práticas sociais, são interessantes e bem
esclarecedoras as seguintes observações feitas por Marcuschi (2007, p. 54):
a) não há uma dicotomia real entre oralidade e letramento, seja do ponto de vista das práticas sociais, dos fenômenos linguísticos produzidos e dos eventos nos quais ambas as práticas se acham presentes; b) oralidade e letramento são realizações enunciativas da mesma língua
em situações e condições de produção específicas e situadas que exigem mais do que uma simples habilidade linguística, mas um domínio da vida social; c) letramento é uma prática social estreitamente relacionada à situação
de poder social situada nos domínios discursivos e muitas vezes se acha fortemente imbricado com as práticas orais.
O contínuo de oralidade-letramento deve ser tomado como um instrumento de
apreensão da heterogeneidade linguística do português brasileiro, justamente
levando em conta cada uma dessas noções. Assim, os eventos de comunicação são
dispostos ao longo desse contínuo, conforme a natureza das práticas sociais de uso
da língua que são neles desenvolvidas.
Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2009) chama a atenção para o fato de que,
assim como o contínuo de urbanização, o de oralidade-letramento não é marcado
por fronteiras rígidas entre os pontos correspondentes aos eventos de oralidade e de
56
letramento. Segundo a autora, as fronteiras são fluidas e há muitas sobreposições, o
que não deixa de ser uma consequência da própria natureza das práticas
discursivas, sejam elas orais ou letradas.
2.3 A Variação Estilística e o Contínuo de Monitoração Estilística
Diferentemente de outras dimensões da variação linguística, a dimensão
estilística tem sido alvo de interesse dos estudos sobre a língua e seus usos há bem
menos tempo. Somente a partir dos anos 60 é que especialistas de diferentes áreas
- da sociolinguística à psicologia social - passaram a tomar a variação estilística
como objeto mesmo de estudo.
Entre os pesquisadores cujo interesse foi, entre outras questões, a noção de
variação estilística dentro de um contexto monolíngue, pode-se apontar o
sociolinguista Labov como um dos mais importantes, tendo sido ele um dos
primeiros a elaborar uma teoria e técnicas capazes de isolar e caracterizar diferentes
estilos dentro de uma comunidade linguística complexa. Labov (1972) sugere, em
um de seus estudos, que a ordenação dos estilos seja feita tendo como critério o
grau de atenção conferida à linguagem, o que, segundo ele, é feito pelo falante
normalmente através da audiomonitoração da própria fala. Partindo dessa
concepção, Labov (1972) estabelece cinco estilos, organizados em um eixo, de
acordo com o grau de atenção conferido pelo falante à linguagem: 1 – estilo
informal; 2 – estilo cuidado; 3 – estilo de leitura de texto; 4 – estilo de leitura de
palavras; 5 – estilo de leitura de pares mínimos. Segundo esse modelo, a escolha de
determinada variante pelo falante teria como base o contexto, de modo que nos
contextos onde se exige uma maior atenção à linguagem a variante utilizada seria
diferente da que seria usada em contextos onde se exige menor atenção.
Um dos mais importantes estudos realizados por Labov, nesse sentido, foi o
da estratificação estilística e social da variável th em início de palavra (como em
thing, por exemplo), em Nova Iorque. Valendo-se de uma amostra populacional que
incluía falantes da classe baixa, da classe trabalhadora, da classe média baixa e da
classe média alta, Labov (1972) pretendia verificar como a variável th, que pode ser
pronunciada [θ] ou [t], era realizada pelos falantes das diferentes classes nos estilos
informal, cuidado, leitura de texto e leitura de palavras. Como um dos resultados
mais relevantes apurados está o seguinte: para todos os grupos socioeconômicos,
57
do estilo informal ao de leitura de palavras, há um decréscimo na pronúncia [t], a
variante estigmatizada. Assim, o que esse e outros estudos de Labov mostram é que
todos os grupos sociais operam mudanças de código que vão na mesma direção,
muito embora os grupos sociais se distingam entre si pela frequência de utilização
das variantes apropriadas a cada um dos estilos.
Em seu modelo, Labov (1972) considera, portanto, que os diferentes estilos
que um indivíduo apresenta sejam desvios do seu estilo vernacular, isto é, que
sejam uma modificação de uma variedade linguística de base. Desse modo, o
vernáculo de um falante seria adaptado às diferentes situações, sendo o grau de
atenção conferida à linguagem o filtro dessa adaptação. Esse enfoque dado por
Labov ao critério sociocognitivo para a definição de estilo faz pressupor, portanto,
que seu modelo não concebe a existência per si de variedades estilísticas distintas,
mas sim de contextos distintos, aos quais o falante deve adaptar o seu vernáculo.
Avaliando o modelo laboviano para a apreensão da variação estilística,
Lefebvre (2001), apesar de reconhecer a grande importância do modelo, argumenta
que ele não consegue dar conta de todos os problemas ligados à noção de estilo.
Ela pondera que reduzir a definição de estilo apenas à dimensão do grau de atenção
que se confere à linguagem suscita, no mínimo, três problemas.
O primeiro problema, segundo Lefebvre (2001), é que o critério sociocognitivo
adotado por Labov para a definição de estilo peca por não ser capaz de tratar os
fatos de variação estilística que não podem ser classificados por esse critério. Como
exemplo, ela cita, entre outros, o caso do sistema de uso de códigos linguísticos em
Java, em que a seleção de uma variedade ou outra é determinada não pelo grau de
atenção conferida à linguagem, mas sim pela relação social existente entre o falante
e seu interlocutor.
O segundo problema apontado por Lefebvre em sua crítica ao modelo
laboviano é o fato de que nem sempre há um vínculo necessário entre fala formal e
monitoração, visto que existem pessoas que se mostram mais atentas quando estão
tentando ser coloquiais. O terceiro problema, por sua vez, reside, segundo ela, no
fato de que no modelo laboviano somente são consideradas as variáveis
socialmente pertinentes, deixando de fora, assim, aquelas variedades estilísticas
que não participam necessariamente da diferenciação social entre os grupos.
Ao também avaliar o modelo de Labov, Bell (1984) argumenta que a questão
da variação estilística intraindividual não pode ser explicada somente pelo grau de
58
atenção que o falante confere à sua fala, razão pela qual ele diz ser incompleto o
modelo laboviano. O autor sustenta que existe um outro fator bem mais
determinante para a variação estilística de um falante, qual seja, os participantes da
situação de comunicação. Segundo ele, a escolha de um estilo é resultado de um
processo que ele denomina audience design, que seria a acomodação do falante às
características de seu interlocutor.
De acordo com Bell (1984), o audience design é capaz de explicar todos os
níveis de escolhas linguísticas de um falante, como é o caso da alternância de uma
língua para outra (em situações bilíngues), a forma dos atos de fala, a escolha
pronominal, o uso de honoríficos, entre outros. Ele diz que a audience é, de certo
modo, simplesmente a pessoa que ouve as declarações do falante, o que não
significa de modo algum que seu papel seja de passividade. O autor diz que, assim
como o público de uma peça de teatro, a audience é o foro sensível e crítico diante
do qual as falas são proferidas. Os falantes, na verdade, segundo o autor, estão
sujeitos à sua audience, são dependentes de sua boa vontade, são responsivos à
sua reação, sendo exatamente essa responsividade o que determina o estilo do
falante.
Em sua teoria, Bell (1984) faz uma distinção entre diferentes tipos de
interlocutores, considerando aspectos como os papéis e a hierarquia constituídos
numa situação comunicativa. Para tanto, ele leva em conta se o interlocutor em
questão é conhecido, ratificado ou visado pelo falante. Desse modo, ele distingue
quatro tipos de interlocutores: o addressee, que é conhecido, ratificado e visado,
sendo assim considerado o principal; o auditor, que é conhecido, ratificado na
situação de comunicação, porém não visado pelo falante; o overhearer, quem o
falante sabe que se encontra na situação de comunicação, mas que não é nem
ratificado nem visado por ele; e o eavesdropper, cuja própria presença na situação
de comunicação é desconhecida do falante.
Dada a hierarquia dos papéis dos participantes de uma situação de
comunicação e sua saliência para o falante, pode-se esperar que a influência de
cada interlocutor no estilo adotado será tanto maior quanto mais visado ele for.
Assim, enquanto na dimensão social da variação linguística as características
sociais do falante (classe, idade etc.) são consideradas fatores determinantes, na
dimensão estilística, dentro da teoria de Bell, são as características dos ouvintes que
são as determinantes.
59
Numa análise de sua própria teoria para a explicação da variação estilística,
Bell (2001) afirma que a essência do audience design pode ser sumarizada em 10
pontos, que, segundo ele, podem mesmo ser tomados como princípios de análise da
variação estilística:
1- Estilo é o que um indivíduo faz com uma língua ao considerar o outro.
2- O significado do estilo é proveniente da associação entre aspectos
linguísticos e grupos sociais específicos.
3- Os falantes projetam seu estilo principalmente para e em resposta aos seus
interlocutores.
4- O audience design se aplica a todos os códigos e todos os níveis de um
repertório linguístico, tanto nos casos de monolinguismo quanto de
multilinguismo.
5- A variação na dimensão estilística na produção verbal de determinado falante
é proveniente de e ecoa a variação que existe entre os falantes na dimensão
social.
6- Os falantes têm uma grande habilidade de adaptar seu estilo a uma gama de
diferentes interlocutores.
7- O significado e o modo de alteração de estilo de acordo com o tema e o
ambiente têm sua explicação na relação subjacente entre o tema ou ambiente
e seus típicos interlocutores.
8- Assim como há a dimensão “responsiva” do estilo, há também a dimensão
“iniciativa”, onde a própria mudança de estilo implica uma mudança na
situação de comunicação.
9- As mudanças de estilo por iniciativa do falante são, em essência, “adaptação
arbitrária”, por meio da qual os aspectos linguísticos associados a um grupo
de referência podem ser usados para expressar identificação com esse
grupo.
10- A pesquisa acerca do estilo requer um desenho e metodologia próprios.
Tanto o modelo de Labov quanto o de Bell são considerados por Bortoni-Ricardo
(2006) para a elaboração do contínuo de monitoração estilística. Para a autora, na
análise da heterogeneidade do português brasileiro, observar o processo de
monitoração do estilo do falante é essencial. Ela defende que as posições de Labov
60
e de Allan Bell acerca do que determina a monitoração estilística podem ser
tomadas como complementares.
Com vistas à operacionalização do contínuo de monitoração estilística, Bortoni-
Ricardo (2006) assenta a questão definindo, com Labov, que monitoração é um
processo que demanda atenção e planejamento, cujo grau – maior ou menor – é
determinado, em grande parte, pelo tipo de interlocutor, como argumenta Allan Bell.
Desse modo, de acordo com a autora, um falante prestará mais atenção à sua
produção verbal, quando ele estiver, por exemplo, diante de um interlocutor
desconhecido de maior poder na hierarquia social ou ainda diante de um interlocutor
a quem ele deseje impressionar.
O contínuo de monitoração estilística, portanto, é usado para situar as interações
conforme elas sejam mais monitoradas ou menos monitoradas. A localização das
interações em dado ponto desse contínuo – se mais próximas do pólo de mais
monitoração ou do pólo de menos monitoração – deve considerar, segundo Bortoni-
Ricardo (2006), o grau de pressão comunicativa incidente sobre o falante. De acordo
com a autora, são vários os fatores que podem determinar o grau de pressão
comunicativa e, por conseguinte, o grau de atenção e planejamento conferidos pelo
falante à sua produção verbal. A acomodação do falante a seu interlocutor é tida
com um dos fatores mais importantes, dividindo espaço também com mais outros
três, a saber: o apoio contextual na produção dos enunciados, a complexidade
cognitiva envolvida na produção linguística e a familiaridade do falante com a tarefa
comunicativa que está sendo desenvolvida.
O contexto, como um fator que influencia o processo de monitoração estilística,
não diz respeito a um único aspecto. Na verdade, como afirma Macedo (2004, p.
59), “Inúmeros aspectos, tanto internos ao discurso, como relativos à situação social
em que este se realiza, podem ser rotulados como contexto”. A própria interação
verbal, desse modo, é que vai definir o que pode ser tomado como contexto. Duranti
e Goodwin (1992) defendem que para um evento de comunicação ser
apropriadamente interpretado ou descrito de modo relevante é preciso se atentar
para fenômenos que estão além do próprio evento (tais como, o ambiente cultural, a
situação de fala e os conhecimentos compartilhados entre os interlocutores), ou
mesmo para aspectos da própria fala que evoquem pressuposições específicas,
relevantes para a organização da interação subsequente. Assim, para os autores, o
61
contexto seria um frame que envolve o evento em análise e que fornece recursos
para a sua adequada interpretação.
Por esse viés, podem-se destacar duas categorias de contexto importantes para
o processo de monitoração estilística: o contexto sociocultural e o contexto
sociocognitivo. Para entender o primeiro tipo de contexto, pode-se recorrer
inicialmente à consensual afirmação de que existem comportamentos verbais e não
verbais considerados adequados para cada tipo de situação social. Como Erickson e
Shultz sustentam (2002, p. 217), produzir um comportamento social apropriado a
cada novo momento exige que “saibamos, primeiramente, em que contexto nos
encontramos e quando esses contextos mudam. Exige que se saiba também qual
comportamento é considerado apropriado em cada um desses contextos”.
De modo geral, esses diferentes contextos correspondem ao que a tradição
sociológica denomina domínios sociais, ou seja, os ambientes físicos onde a
interação entre as pessoas é baseada nos papéis sociais que elas assumem. Uma
vez que os papéis sociais são definidos por normas socioculturais, os
comportamentos verbais adequados a cada papel social é também
socioculturalmente definido. Dessa forma, pode-se dizer que há uma relação social e
historicamente estabelecida entre determinados domínios e papéis sociais e
determinadas variedades da língua, marcadamente variedades estilísticas.
Normalmente no domínio do lar, no desempenho de papéis sociais de pai,
mãe, filho etc., as pessoas tendem a adotar um estilo menos monitorado,
caracterizado, inclusive, pela informalidade. Por outro lado, em domínios políticos,
como a câmara de vereadores, por exemplo, o sujeito que desempenha o papel
social de líder político, de vereador tende a adotar um estilo mais monitorado,
caracterizado, nesse caso, pela formalidade. Desse modo, pode-se dizer que dentre
os elementos do contexto social, os domínios e os papéis sociais são também
grandes determinantes do grau de monitoração estilística de uma interação.
Por uma perspectiva sociocognitiva, por outro lado, muito mais do que a
consequência do ambiente físico ou da combinação de participantes de uma
interação, o contexto seria o resultado do que as pessoas fazem a cada instante da
interação e como elas o fazem. Nas palavras de Erickson e Shultz (2002, p. 217), o
contexto “consiste na definição, mutuamente compartilhada e ratificada, que os
participantes constroem quanto à natureza da situação em que se encontram, e, a
seguir, nas ações sociais que as pessoas executam baseadas em tais definições”.
62
Essa dinamicidade do contexto faz como que ele se altere de momento a momento,
resultando, inclusive, numa constante modificação nos papéis que os participantes
assumem ao longo interação. Para sinalizar essas constantes alterações contextuais
e como elas devem refletir na produção e interpretação das interações verbais, os
falantes recorrem normalmente às chamadas pistas de contextualização, que são
assim definidas por Gumperz (2002, p. 152):
as pistas de contextualização são todos os traços linguísticos que contribuem para a sinalização de pressuposições contextuais. Tais pistas podem aparecer sob várias manifestações linguísticas, dependendo do repertório linguístico historicamente determinado, de cada participante. (...) Embora tais pistas sejam portadoras de informação, os significados são expressos como parte do processo interativo.
Lançar mão de pistas de contextualização ou mesmo de outros recursos
relacionados à variação contextual – o que inclui a própria variação estilística – pode
ser uma estratégia exigida pelo próprio evento de comunicação e pelo nível de
conhecimento compartilhado entre os interlocutores. Sendo assim, se os
interlocutores tiverem um alto nível de conhecimento compartilhado, a tendência é
que sua interação seja mais contextualmente dependente, ou seja, eles não
precisarão ser tão explícitos nem tão precisos verbalmente. Se, no entanto, o nível
de conhecimento compartilhado entre os interlocutores for baixo, a tendência é que
a interação seja menos contextualmente dependente, necessitando assim de uma
maior explicitude e precisão vocabular. Assim, uma vez conscientes dessas
diferenças no processo interpretativo, os falantes deverão saber como e quando
monitorar mais ou menos sua produção verbal (Bortoni-Ricardo, 2006)
O grau de complexidade cognitiva é outro fator apontado por Bortoni-Ricardo
(2006) como responsável pela pressão comunicativa que o falante pode sofrer
quando de sua produção verbal. A monitoração estilística, como resultado da
pressão comunicativa, seria maior quanto mais cognitivamente complexa for a
execução de uma tarefa comunicativa. A explicação estaria na ideia de que tarefas
comunicativas que se realizam com instrumentos linguísticos já conhecidos pelo
falante exigem menos esforço cognitivo; enquanto que as que se realizam com
recursos linguísticos que o falante não domina completamente exigem bem mais
esforço cognitivo.
63
Tarefas comunicativas que poderiam figurar no quadro das que exigem um
grau de complexidade cognitiva maior seriam as voltadas para a solução de
problemas, ou seja, aquelas que são marcadas por terem um tema definido que se
estende por longos períodos, por serem usadas para transmitir conhecimentos ou
ideias factuais e por serem predominantes em domínios sociais públicos. As tarefas
comunicativas que poderiam figurar no quadro das que exigem um menor grau de
complexidade cognitiva, por sua vez, seriam as do tipo associacional, caracterizadas
por não possuírem um objetivo específico, por possuírem uma estrutura tópica de
relação mais frouxa, por serem determinadas pelos interesses imediatos dos
interlocutores e por serem mais predominantes nos domínios sociais íntimos e
privados. (McGuire & Lorch, 1968, apud Bortoni-Ricardo, 2006)
É possível, desse modo, associar os dois tipos de tarefas comunicativas (as
cognitivamente mais complexas e as menos complexas) com as duas categorias de
gêneros discursivos propostas por Bakhtin (1997): os gêneros discursivos primários
e os secundários. Por esse ponto de vista, os gêneros primários, relacionados mais
diretamente com a modalidade oral da língua e com as esferas do cotidiano e
constituídos em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea, exigiriam
menos esforço cognitivo para sua produção. A produção dos gêneros secundários,
por seu turno, exigiria bem mais esforço cognitivo, uma vez que são constituídos em
circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa, sendo normalmente
associados à modalidade escrita da língua e às esferas dos sistemas ideológicos
constituídos.
Um outro fator de grande influência, segundo Bortoni-Ricardo (2006), no grau
de pressão comunicativa incidente sobre o falante é sua familiaridade com rotinas
linguísticas específicas. Aspecto muito importante dentro da Etnografia da
Comunicação, rotinas linguísticas, de acordo com Saville-Troike (2003), são
enunciados ou sequência de enunciados fixos ou relativamente fixos que devem ser
considerados como unidades, visto que seu significado não advém da consideração
de cada um de seus segmentos, mas do seu conjunto. Exercendo uma função
primordialmente performativa, as rotinas linguísticas podem variar muito em
extensão, indo de uma única palavra (oi!) a frases (Como vai você?/ Tenha um ótimo
dia!) ou mesmo uma sequência complexa de sentenças. As rotinas linguísticas
também se caracterizam por poder ser enunciadas por uma única pessoa ou
64
requerer a cooperação entre duas ou mais pessoas, como é o caso de uma
sequência de saudações.
Tanto a produção quanto a interpretação de rotinas linguísticas requerem um
conhecimento cultural compartilhado entre os interlocutores, visto que geralmente
elas são culturalmente situadas, variando, portanto, de uma cultura para outra,
apesar de possíveis traços em comum.
Em sociedades complexas, como é o caso da brasileira, o número e a
variedade de rotinas linguísticas são muito grandes. No entanto, é também muito
grande a variação no conhecimento que os falantes possuem dessas rotinas,
sobretudo as ligadas à cultura de letramento, que normalmente são implementadas
na variedade culta da língua. Nesse caso, observa-se que quanto menor a
familiaridade do falante com determinada rotina linguística, maior será a pressão
comunicativa incidente sobre ele.
Em se tratando da sociedade brasileira, em que um número considerável de
indivíduos tem pouca familiaridade com rotinas linguísticas próprias da cultura de
letramento, é flagrante o desempenho desses falantes ser marcado por uma notável
insegurança linguística. Isso porque essas são tarefas que exigem um alto grau de
monitoração estilística e consequentemente a mobilização de recursos linguísticos e
comunicativos que muitas vezes esses falantes não têm à sua disposição.
De modo geral, pode-se dizer que são os eventos comunicativos que estão
situados mais próximos do polo de letramento no contínuo de oralidade-letramento
os que exigem, por parte dos falantes, uma maior monitoração estilística. Essa
exigência advém, em boa medida, do fato de grande parte dos eventos de
letramento caracterizar-se por ser menos dependentes contextualmente; por
exigirem mais esforço cognitivo; e por se constituírem de rotinas linguísticas cujo
conhecimento é de modo geral associado à escolarização e a um alto nível de
letramento.
Normalmente há uma identificação entre os estilos mais monitorados e um
maior grau de formalidade, o que não significa apenas o aumento na demanda de
mais atenção à forma linguística, mas também à demanda de uma maior
aproximação das convenções da variedade culta, sobretudo quando a monitoração
se dá no quadro de eventos comunicativos letrados. Sendo assim, indivíduos que
manejam com segurança estilos mais monitorados da língua são aqueles que
possuem um alto grau de letramento, ou seja, são aqueles que se encontram
65
inseridos numa cultura de leitura e escrita. Nesse sentido, é oportuna a observação
que Bagno (2007, p. 46) faz:
Uma pessoa que foi alfabetizada, mas não ultrapassou os primeiros anos da escola formal nem criou o hábito de ler e escrever com frequência, certamente não vai dispor dos mesmos recursos de monitoramento estilístico de alguém que cursou a universidade, tem bom desempenho no domínio da escrita, conhece as convenções dos diferentes gêneros textuais, maneja um vocabulário mais amplo e diversificado etc. O grau de letramento elevado também favorece, é claro, a produção de textos falados mais monitorados, em que uma pessoa tenta reproduzir na oralidade mais formal traços característicos dos gêneros textuais escritos mais monitorados.
Nesse panorama, em situações de comunicação onde a pressão
comunicativa esteja presente e, portanto, haja a exigência do uso de estilos mais
monitorados da língua, será o conhecimento da norma e não apenas o seu
reconhecimento o que garantirá ao falante um desempenho linguístico marcado pela
eficiência e segurança. A questão, no entanto, é que, dependendo dos atributos
socioculturais do indivíduo, bem como de seu grau de inserção na cultura de
letramento, o que lhe resta é somente o reconhecimento da norma, ou seja, o
conhecimento da sua existência, mas não necessariamente o seu domínio. Em tais
condições, a produção verbal do indivíduo pode mesmo ser marcada por uma
considerável insegurança linguística.
Esses dois estados aos quais um falante pode estar submetido quando em
situação de pressão comunicativa - a segurança e a insegurança linguísticas - são
assim explicados por Calvet (2002, p. 72):
Fala-se de segurança linguística quando, por razões sociais variadas, os falantes não se sentem questionados em seu modo de falar, quando consideram sua norma a norma. Ao contrário, há insegurança linguística quando os falantes consideram seu modo de falar pouco valorizador e têm em mente outro modelo, mais prestigioso, mas que não praticam.
Casos específicos de insegurança linguística são mais comuns em situações
em que há multilinguismo ou multidialetalismo e que pelo menos uma das línguas ou
um dos dialetos que convivem entre si goza de prestígio social. A comunidade de
fala brasileira, como vem sendo descrita, é exemplar nesse sentido, uma vez que
nela é possível identificar a existência de diferentes variedades que são avaliadas
socialmente de maneiras diferentes: uma delas é considerada de prestígio, enquanto
66
as outras, em diferentes graus e em diferentes contextos, são consideradas
estigmatizadas. Nesse cenário, o que se nota é que os falantes das variedades
estigmatizadas se sentem inseguros quando interagem em situações comunicativas
que exigem certo grau de monitoração estilística e, por conseguinte, o uso da
variedade de prestígio.
Para os falantes das variedades estigmatizadas, a manifestação objetiva da
insegurança linguística será tanto maior quanto maior for a distância entre o
reconhecimento da variedade de prestígio e o conhecimento que se tenha dela, ou
seja, entre o reconhecimento da norma e a capacidade de usá-la. Assim, havendo o
reconhecimento mas não necessariamente o conhecimento da norma, poderá ser
observada na produção verbal do falante uma considerável manifestação de
vigilância linguística, evidenciada por fenômenos como autocorreções e
hipercorreções. Ao discutir essa questão, Bourdieu (1994, p. 177) argumenta:
(...) é nas camadas superiores das classes populares e na pequena burguesia que a insegurança e, correlativamente, o alto grau de vigilância e censura atingem seu máximo. Com efeito, enquanto as classes populares estão colocadas diante da alternativa livre-falar (negativamente sancionada) ou silêncio, os membros da classe dominante, cujo habitus linguístico é a realização da norma ou a norma realizada, podem manifestar o desembaraço que lhes dá a segurança (estritamente oposta à insegurança) e a competência real a ela frequentemente associada. Já os pequenos-burgueses dedicam-se a uma busca ansiosa de correção que podem levá-los a ultrapassar os burgueses na tendência a utilizar as formas mais corretas e as mais rebuscadas.
Como resultado de uma grande flutuação estilística, de uma
hipersensibilidade às formas estigmatizadas usadas por eles mesmos, falantes
como os citados por Bourdieu acabam por recorrer ao fenômeno denominado
hipercorreção linguística. Bagno (2012, p. 954) assim descreve esse fenômeno:
Reconhecendo em seus próprios hábitos linguísticos formas que sofrem estigmatização por parte dos mais letrados e, para reagir a essa estigmatização, se apoderando de formas linguísticas que não pertencem à sua variedade específica, os falantes das camadas médias baixas passam a empregar essas formas “importadas” com maior frequência até que os falantes das camadas médias altas e altas. E, nesse aumento de frequência de uso, aplicam a regra recém-adquirida em contextos onde ela não se aplicaria, segundo a gramática normativa e/ou a gramática da variedade de maior prestígio.
67
Dois princípios cognitivos são apresentados por Bagno (2012) como
motivadores para que um falante recorra à hipercorreção linguística. Segundo o
autor, o primeiro princípio - usado mais por falantes de camadas médias baixas ou
com letramento insuficiente - consiste no seguinte: em contextos em que a exigência
seja por um estilo mais monitorado, entre uma forma A, habitual e espontânea, e
uma forma B, estranha à variedade linguística da pessoa, ela irá optar pela forma B.
O segundo princípio, por sua vez, presente também na atividade linguística de
falantes mais letrados, seria, segundo Bagno (2012), assim expresso: visando não
sofrer estigma de seus pares e, assim, preservar sua imagem, entre uma forma X, já
incorporada à gramática do português brasileiro, e uma forma Y, presente no padrão
normativo, a pessoa opta pela forma Y. Decorrente, portanto, de uma hipótese
errada que o falante realiza na tentativa de ajustar-se à norma-padrão, a
hipercorreção linguística, como assevera Calvet (2002), ocorre em duas situações:
quando o falante quer fazer crer que domina a língua legítima ou quando ele quer
fazer apagar a própria origem.
Muito comum em contextos de monitoração estilística, esse fenômeno pode
se dar nos vários níveis da língua, do fonológico ao sintático, entre outros. Couto
(2007) apresenta alguns exemplos de hipercorreção linguística que podem ser
considerados bem representativos, como os listados a seguir para os níveis
fonológico e sintático – em que as formas aspeadas correspondem à norma de
prestígio:
(a) púdico –“pudico”/ metropólita – “metropolita”
(b) ourelha – “orelha”/ feichar – “fechar”/ bandeija – “bandeja”/ carangueijo –
“caranguejo”
(c) malmita – “marmita”/ galfo – “garfo”/ melha – “meia”/ telha –“teia” (de
aranha)/ pilhor – “pior”
(d) O homem que se chama-se José. – “O homem que se chama José.”
(e) Não pode-se maltratar os animais. – “Não se pode maltratar os animais.”
(f) Darei-te um presente. – “Dar-te-ei um presente./Te darei um presente.”
(g) Ele não supunha, nem mesmo com todas as evidências, de que estava
sendo enganado. – “Ele não supunha, nem mesmo com todas as
evidências, que estava sendo enganado.”
(h) Haviam muitas pessoas na sala. – “Havia muitas pessoas na sala.”
68
O tipo de comportamento linguístico que um falante apresenta numa interação
verbal, se marcado pela segurança ou pela insegurança linguística, pode mesmo ser
relacionado a uma grande diversidade de fatores, tanto sociais quanto individuais.
Em se tratando da variação estilística, especificamente, a mobilidade e a liberdade
que um indivíduo tem para transitar entre estilos menos ou mais monitorados, são
determinadas, sem dúvida, pelo domínio que ele tem dos recursos comunicativos.
Assim, como afirma Bourdieu (1994), é a estrutura da relação objetiva entre as
posições que emissor e receptor ocupam na estrutura de distribuição do capital
linguístico e das outras espécies de capital que determina o que pode ser dito e a
maneira de dizê-lo numa dada circunstância.
69
3. METODOLOGIA
A Etnografia da Comunicação, como uma abordagem que estuda a linguagem
e a comunicação em seu contexto social, destaca-se por ser uma área cujas
pesquisas são marcadamente de caráter qualitativo. Tendo como escopo a
descrição da linguagem e da comunicação como aspectos constitutivos de uma
dada cultura, a Etnografia da Comunicação vale-se de contribuições teórico-
metodológicas tanto das Ciências Sociais – com destaque para a Antropologia –
quanto da Linguística.
Diferentemente de alguns dos estudos desenvolvidos em áreas como a
Sociologia e a Psicologia, os estudos etnográficos não visam o controle de variáveis
e a produção de resultados estatísticos. Como destaca Fasold (1990), o trabalho em
Etnografia da Comunicação, justamente devido à sua natureza etnográfica, visa
obter um entendimento global dos pontos de vista e valores de uma comunidade
como uma forma de explicar as atitudes e comportamentos de seus membros.
Informações desse tipo, como argumenta o autor, somente são alcançadas por meio
de uma compreensão profunda da comunidade pelo pesquisador.
Para alcançar os dados de que precisa em sua pesquisa, o etnógrafo da
comunicação tem à sua disposição não apenas um método, mas diversos.
Introspecção, observação-participante, observação, entrevista, etnosemântica,
etnometodologia e filologia são os sete métodos apresentados por Saville-Troike
(2003) para a coleta de dados em Etnografia da Comunicação. A escolha do método
adequado, segundo a autora, depende da relação do etnógrafo com a comunidade
de fala, do tipo de dado a ser coletado e da situação particular na qual o trabalho de
campo será desenvolvido. O que o pesquisador precisa ter em mente é que a
escolha do(s) método(s) deve ter como critério principal o potencial que o método
tem de colaborar na reunião de informações suficientes acerca da comunidade de
fala e dos fenômenos a serem enfocados.
A observação-participante e a introspecção são tidas como os dois métodos
mais importantes dentro dessa abordagem. Como o método usado desde longa data
pelos etnógrafos em geral, a observação-participante é o preferencial quando a
análise etnográfica recai sobre uma cultura a que o pesquisador não pertence. O
método de introspecção, por sua vez, é o recomendado quando o etnógrafo
70
pesquisa a sua própria comunidade, ou seja, quando ele visa analisar seus próprios
valores e comportamentos e de sua própria comunidade. Os métodos observação,
entrevista e filologia são considerados auxiliares em relação à observação-
participante e à introspecção, uma vez que com eles chega-se a informações
adicionais e relevantes para se explicar a comunidade de fala em estudo.
Os dois outros métodos listados, a etnosemântica e a etnometodologia, são
normalmente usados em estudos etnográficos bem específicos. Segundo Saville-
Troike (2003), o etnógrafo se utiliza da etnosemântica principalmente para descobrir
como a experiência é categorizada. Recolhe-se, para tanto, termos dos vários níveis
de abstração da língua dos informantes e se analisa sua organização semântica,
geralmente por meio de uma taxonomia ou análise componencial. Estudos acerca
da visão de medicina e cura de comunidades de fala indígenas, por exemplo, se
valem da etnosemântica. A etnometodologia, por seu turno, é geralmente usada
para estudos da interação conversacional, ou seja, estudos que, como afirma
Duranti (1988), focam, por exemplo, no papel da fala na criação do contexto, na
perspectiva dos participantes numa interação ou na natureza cooperativa da
comunicação verbal.
Como o objetivo dessa pesquisa foi descrever um evento de comunicação
específico, a Sessão Ordinária da Câmara, em suas regras culturais, interacionais e,
sobretudo, linguísticas, e analisar como essas regras são seguidas por seus
participantes, os métodos adotados foram, de certo modo, uma exigência do próprio
objetivo. Partindo da premissa metodológica de que o objeto da pesquisa impõe a
maneira de abordá-lo, julgou-se que a melhor maneira de se alcançar informações
suficientes para uma adequada descrição da Sessão Ordinária da Câmara e da
competência comunicativa por ela exigida seria através da combinação de três dos
métodos mais comuns em Etnografia da Comunicação: a observação-participante, a
entrevista e a filologia. Uma escolha que se justificou na medida em que cada um
desses métodos mostrava-se capaz de auxiliar na elucidação de importantes
aspectos do objeto em estudo.
O processo de investigação etnográfica formal teve início com a utilização do
método filológico, ou seja, recorreu-se inicialmente a fontes escritas que pudessem
fornecer informações relevantes acerca da estrutura e organização das
comunidades de fala de interesse para a pesquisa (as quais são, de certo modo,
imbricadas), assim como da situação comunicativa e dos eventos comunicativos.
71
Para levantar informações sociais, geográficas e econômicas de São Domingos –
BA (a comunidade de fala, nesse caso, mais abrangente), recorreu-se à base de
dados oferecida pelo IBGE, com ênfase nos dados provenientes de suas últimas
pesquisas, como o Censo 2010, por exemplo; recorreu-se também à Lei Orgânica
do Município de São Domingos – BA, de 27 de novembro de 2012, na qual se
encontra, entre outras questões, a regulamentação da organização da administração
municipal e da ordem econômica e social do município.
Importantes informações acerca da Câmara Municipal de São Domingos (a
comunidade, nesse caso, mais específica para a pesquisa) foram levantadas
também pelo método filológico, recorrendo-se tanto à Lei Orgânica do Município de
São Domingos quanto ao Regimento Interno da Câmara Municipal, de 18 de
dezembro de 2012. Especificamente no Regimento Interno encontram-se
regulamentadas questões como as atribuições da Câmara, sua composição, o papel
de seus participantes e as finalidades, estrutura e organização dos eventos que nela
se desenvolvem, como é o caso das Sessões em suas diversas categorias.
As características sociodemográficas dos sujeitos da pesquisa, ou seja, dos
membros da Câmara Municipal, foram levantadas por meio de entrevista.
Considerando critérios como controle do informante e uniformidade de estímulos
apresentados, o modelo adotado foi o de entrevista estruturada, visto que foram
feitas as mesmas perguntas para todos os informantes, perguntas previamente
definidas. Apesar de as entrevistas semiestruturadas e as não-estruturadas serem
mais comuns em estudos etnográficos, a opção pela entrevista estruturada se
justificou por ela, nesse caso, ter sido usada como um método auxiliar e pelo fato de
que o foco estava mais em dados objetivos dos participantes do que
necessariamente em atitudes e valores de cada um deles.
A entrevista aplicada com os nove (9) membros da Câmara Municipal era
composta de 30 questões, cujos temas abarcavam diferentes aspectos da inserção
social deles e das práticas socioculturais de que eles e suas famílias participam ou
tenham participado (cf. Apêndice A). Nesse sentido, foram feitas perguntas
relacionadas à escolaridade, origem geográfica, status social, bem como
relacionadas à participação deles em práticas sociais de oralidade e de letramento,
cujas respostas permitiram, por exemplo, a confirmação de que ali se encontravam
tanto sujeitos de origem urbana quanto de origem rurbana.
72
As Informações adquiridas por meio das entrevistas, como se verá, foram
ainda de grande utilidade para a explicação de aspectos ligados à participação de
cada um dos líderes políticos no evento comunicativo analisado (Sessão Ordinária
da Câmara), ao repertório linguístico-comunicativo deles e, de modo mais amplo, à
sua competência comunicativa.
Em relação à escolha do método predominante na pesquisa empreendida, é
preciso esclarecer porque a observação-participante se impôs. Se o foco da
pesquisa estivesse especificamente na comunidade de fala mais ampla, ou seja, na
cidade de São Domingos, o método mais adequado a ser adotado seria a
introspecção, visto ser o pesquisador um membro dessa comunidade de fala. No
entanto, como se está considerando a noção de comunidades de fala sobrepostas
(Saville-Troike, 2003), e, desse modo, focou-se numa comunidade de fala específica
entre as muitas possíveis (a Câmara Municipal), da qual o pesquisador não é
necessariamente um membro, o método mais adequado a ser adotado passou
mesmo a ser a observação-participante. A opção por observação-participante e não
apenas observação tem sua justificativa no fato de que, quando da pesquisa, o
pesquisador compunha um dos elementos da situação comunicativa e, por
conseguinte, do evento comunicativo, a saber, o auditório, que, de acordo com Bell
(1984), em sua teoria do audience design, é um elemento ratificado (na situação ou
no evento), exercendo, portanto, certa influência em seu desenvolvimento, mesmo
que de modo indireto.
Nesse sentido, como um membro do auditório, o pesquisador procedeu a uma
observação-participante de Sessões Ordinárias da Câmara. Com vistas a descobrir,
na prática, os elementos desse evento de comunicação, bem como a relação entre
esses elementos e as regras em jogo (linguísticas, interacionais e culturais), foram
acompanhadas e registradas em áudio 5 (cinco) Sessões Ordinárias, em datas
alternadas, ao longo de quatro meses da Sessão Legislativa Anual. Totalizando 10
horas de gravação, os dados foram transcritos na modalidade grafemática, de modo
a demonstrar da maneira mais fiel possível as formas linguísticas utilizadas pelos
participantes.
Como já apontado, o evento comunicativo alvo dessa pesquisa se insere em
duas comunidades de fala de tamanhos e características diferentes, porém
sobrepostas, imbricadas. Considerando conceituações de comunidade de fala como
as propostas por Gumperz (1968) e Saville-Troike (2003) – resumidamente,
73
agregado humano cuja interação se baseia numa série de conhecimentos
compartilhados, entre os quais o uso da língua – para essa pesquisa pôde-se fazer
um recorte de uma comunidade de fala maior, a cidade de São Domingos – BA, e
uma menor, a Câmara Municipal.
A cidade de São Domingos pode ser considerada como uma comunidade de
fala, visto que seus habitantes integram um grupo social cujos membros interagem
regularmente – ou potencialmente – através de uma mesma língua – a língua
portuguesa – e compartilha, de certo modo, princípios e regras básicas de interação,
valores e atitudes em relação à língua etc.
Como uma unidade social, São Domingos é uma pequena cidade localizada
no nordeste baiano, na região do semiárido. A 234 km da capital do estado,
Salvador, a cidade possui, segundo dados do Censo 2010 do IBGE, uma população
de 9.226 habitantes, dos quais 35,9% têm residência rural e 64,1% residência
urbana. A cidade, que se emancipou politicamente em 1989, possui, além da sede,
um distrito e cinco povoados.
Com um IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) medido em
0,640, em 2010, São Domingos tem um PIB per capita estimado em 5.355,27 reais.
A renda dos moradores provém basicamente do funcionalismo público (municipal e
estadual, principalmente), do comércio, da pecuária (bovinos, caprinos e ovinos), da
agricultura (feijão, milho, mandioca e, em maior proporção, o sisal) e de benefícios
previdenciários.
De acordo com o Censo realizado pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais) em 2012, o município possui 13 escolas de Ensino
Fundamental, sendo 10 municipais, 2 privadas e 1 estadual; 2 escolas de Ensino
Médio, ambas estaduais; e 7 pré-escolas, sendo 2 privadas e 5 municipais. A taxa
de analfabetismo da população de 15 anos ou mais, segundo dados do Censo 2010
do IBGE, é de 22,1%.
Pode-se dizer que São Domingos, como comunidade de fala, do mesmo
modo que outras tantas cidades pelo país, não tem uma população dividida em
apenas dois grupos, urbana e rural. Na verdade, se forem adotados os critérios
usados pela Antropologia Urbana, tais como definidos em Southall (1973), boa parte
da população poderá ser considerada rurbana, uma vez que residem em distritos ou
núcleos semirrurais. Essa parcela de falantes rurbanos tem como característica o
74
fato de terem, por exemplo, antecedentes rurais, de modo a preservar muito de sua
cultura rural, sobretudo no seu repertório linguístico.
Numa perspectiva micro, a comunidade de fala alvo dessa pesquisa foi a
Câmara Municipal de São Domingos, que, se ajustando bem ao conceito de
comunidade de fala proposto por Saville-Troike (1982) e ao de comunidade de
prática, proposto por Eckert e McConnel-Ginet (1998), é uma unidade social
produtiva para a pesquisa. Na Câmara Municipal, tem-se um grupo de pessoas que
interagem por meio de signos verbais e que até certo ponto compartilham regras
linguísticas, interacionais e culturais; um grupo que, como se verificará, é marcado,
inclusive, por sua heterogeneidade.
A Câmara de Vereadores de São Domingos, conforme seu Regimento Interno
(2012), é o órgão legislativo do município. Ela é composta pelos vereadores eleitos
de acordo com a legislação vigente e tem como funções: realizar fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial; realizar controle
político-administrativo; e realizar ações de assessoria e administração interna. A
composição desse órgão tem duração de quatro anos, sendo alterada ou renovada
quando das eleições municipais. Seu funcionamento se dá em quatro Sessões
Legislativas Anuais, que se dividem em dois períodos: um, de 15 de fevereiro a 30
de junho, e outro, de 01 de agosto a 15 de dezembro.
No contexto dessa pesquisa, o termo Câmara Municipal pode designar tanto a
comunidade de fala quanto a situação de comunicação. Como comunidade de fala,
ele tem, entre outras, as características listadas acima. Como situação de
comunicação – tomada como unidade de interação que abriga eventos de
comunicação e também de outros tipos – a Câmara Municipal tem suas próprias
regras e características. Como situação comunicativa, ela é constituída pelo
Plenário, que são os vereadores em exercício reunidos em local, forma e número
legal para deliberar. O Plenário da Câmara Municipal é, por sua vez, composto de
uma série de papéis sociais que podem ser desempenhados pelos seus membros,
tanto papéis permanentes, quanto temporários.
Além do papel de vereador, o essencial e anterior a qualquer outro, os
participantes da situação de comunicação Câmara Municipal podem se enquadrar
em algum dos papéis da Mesa Diretora, integrarem uma ou mais das comissões
existentes, além de poder ser líder ou representante partidário. Especificamente no
papel de vereador, o participante é tido como um agente político de mandato
75
legislativo municipal inviolável por suas opiniões, palavras e votos em seu exercício
e na circunscrição do município. Nesse papel, ele possui alguns direitos, entre os
quais se destacam:
oferecer proposições em geral, discutir e deliberar sobre qualquer
matéria em apreciação na Câmara e integrar o Plenário;
fazer uso da palavra;
integrar as comissões e representações externas e desempenhar
missão autorizada;
promover, perante quaisquer autoridades, entidades ou órgãos
federais, estaduais ou municipais os interesses públicos ou as
reivindicações coletivas da comunidade representada;
examinar processos, durante o expediente da Secretaria da Câmara
Municipal, solicitando, por escrito, a autorização do Presidente da
Mesa Diretora para a retirada daqueles;
solicitar autorização para utilizar a sala das sessões com a finalidade
de ouvir a comunidade sobre assuntos de interesse desta.
Ainda no papel de vereador, o membro dessa situação de comunicação tem,
entre outros, os seguintes deveres:
participar de todos os trabalhos relativos ao desempenho de seu
mandato;
dar, nos prazos regimentais, pareceres e votos, comparecendo às
reuniões das comissões a que pertencer e delas participe;
propor ou levar ao conhecimento da Câmara Municipal medidas que
julgar convenientes aos interesses do município e de sua população;
participar das Comissões Permanentes e Temporárias.
Como vereador, o membro dessa situação de comunicação está submetido
ainda a uma série de regras, o que inclui, por exemplo, a vedação de participação
em determinadas comunidades, como é caso das consideradas legalmente
incompatíveis com seu cargo. A sua destituição desse papel se dá por sua morte,
76
por renúncia ou por perda do mandato; no caso deste último, observando as
condições previstas em legislação, com destaque para o que prevê a Lei Orgânica
Municipal (2012), em seu art. 26, a saber: o não comparecimento, em cada período
legislativo anual, à terça parte das Sessões Ordinárias da Câmara Municipal,
efetivamente realizadas, ou ainda, o não comparecimento às Sessões
Extraordinárias para as quais seja devidamente convocado, salvo pelos motivos
previstos em lei.
Além do papel de vereador, o membro da Câmara Municipal pode compor a
Mesa diretora, desempenhando o papel de Presidente, de Vice-Presidente, de 1º
Secretário ou de 2º Secretário. A escolha de quais vereadores assumirão cada um
desses papéis se dá por meio de uma eleição interna. Com um mandato de dois
anos, conforme Lei Orgânica do Município (2012), a Mesa Diretora tem a função de
dirigir os trabalhos legislativos e os serviços administrativos. O Presidente da Mesa
Diretora é o representante da Câmara Municipal, quando esta se pronuncia
coletivamente, o supervisor de seus trabalhos e de sua ordem, e possui como
atribuições, entre outras:
dar cumprimento a todas as atribuições inerentes ao ato de dirigir,
disciplinar e orientar os trabalhos durante as Sessões, de acordo com o
Regimento Interno;
anotar, em cada documento ou Processo Legislativo, sua decisão ou a
do Plenário;
assinar e encaminhar correspondências referentes às deliberações de
proposições;
promulgar e publicar resoluções, decretos legislativos e leis;
manter controle da correspondência oficial da Câmara Municipal;
exercer outras atribuições ligadas ao funcionamento da própria Câmara
como instituição e à relação entre Poder Legislativo Municipal e Poder
Executivo.
Quanto ao Vice-Presidente da Mesa Diretora, é de sua competência substituir
o Presidente em suas ausências, impedimentos e licenças, assumindo as funções
legislativas do Presidente, na forma prevista pelo Regimento Interno.
77
No papel de 1º Secretário, o membro da Câmara tem, entre outras
atribuições, as seguintes:
proceder à chamada nominal para votações, quando determinado pelo
Presidente da Mesa Diretora;
assinar, com o Presidente da Mesa Diretora, as correspondências
referentes às deliberações de proposições;
ler os expedientes das Sessões;
efetivar a leitura da ata da Sessão anterior.
Ao 2º Secretário, por sua vez, cabe as mesmas atribuições listadas
anteriormente, porém sendo necessário exercê-las apenas quando em substituição
do 1º Secretário.
Os Vereadores também podem assumir o papel de membro de pelo menos
uma das comissões existentes na Câmara. Com o objetivo de estudar proposições,
emitir pareceres, realizar investigações ou representar a Câmara Municipal quando
for o caso, as comissões podem ser permanentes ou temporárias. No caso das
permanentes, são compostas por três membros (sendo um deles o Presidente) e, de
acordo com o Regimento Interno da Câmara Municipal (SÃO DOMINGOS–BA, 2012,
p. 41), têm as denominações:
I – Justiça, Legislação e Redação Final; II – Finanças e Orçamento; III – Desenvolvimento Urbano, Obras, Viação e Transporte; IV – Educação, Cultura e Desporto; V – Saúde; VI – Economia, Indústria, Comércio e Agricultura; VII – Defesa ao Consumidor e Segurança Pública; VIII – Água, Trabalho, Administração e Serviços Públicos; IX – Meio Ambiente; X – Direitos Humanos e de Defesa da Cidadania do Menor e do Idoso; XI – Comissão de Ética; XII – Comissão Permanente de Fiscalização.
As Comissões Temporárias são constituídas com finalidade especial ou de
representação e se extinguem com o término da Legislatura ou, antes dela, quando
atingidos os objetivos para os quais foram constituídas. Essas comissões podem ser
de três tipos: Especiais, de Inquérito e de Representação. Compostas de três
membros, as Comissões Especiais são constituídas por deliberação do Plenário por
78
meio de requerimento escrito de qualquer vereador e tem suas finalidades
especificadas no próprio texto do pedido. Compostas de cinco membros, as
Comissões de Inquérito são criadas com vistas a apurar determinado fato, mediante
a aprovação de requerimento subscrito por um terço dos membros da Câmara.
Compostas de número variável de membros, de acordo com o ato a ser realizado,
as Comissões de Representação são constituídas para representar a Câmara
Municipal em atos externos, por meio de designação pelo Presidente da Mesa
Diretora, advinda de sua própria iniciativa ou de requerimento escrito de qualquer
vereador, com aprovação do Plenário.
Na Câmara Municipal, os Vereadores também podem desempenhar os
papéis de Líder, Vice-Líder ou Representante de Partido. Os Vereadores cuja
representação partidária na Câmara seja igual ou superior a dois Vereadores são
agrupados por bancada partidária, para a qual são indicados um Líder e um Vice-
Líder. O partido representado na Câmara por um único Vereador possui, ao invés de
liderança, um Representante Partidário. São atribuições comuns tanto aos líderes
quanto aos representantes partidários, entre outras: fazer uso da palavra em defesa
da respectiva linha política e encaminhar a votação de qualquer proposição sujeita à
deliberação do Plenário.
Sendo uma situação de comunicação, a Câmara Municipal abriga
determinados eventos de comunicação, que possuem cada qual suas próprias
regras. Podem-se enumerar as Sessões da Câmara Municipal em suas seis
categorias: as Sessões Ordinárias, as Extraordinárias, as Solenes, as Preparatórias,
as Secretas e as Especiais; e ainda as Reuniões e as Audiências Públicas das
Comissões. Cada um desses eventos comunicativos, apesar de terem em comum
uma série de características, tem suas peculiaridades em seus fatores constitutivos
– a situação, os participantes, os propósitos, a sequência dos atos de fala, o tom
emocional, os instrumentos, as normas, os gêneros, entre outros apontados por
Hymes (1972b).
As Audiências Públicas podem ser realizadas pelas Comissões da Câmara
para instruir matéria legislativa em trâmite, bem como para tratar de assuntos de
interesse público relevante e relacionados à área de atuação da Comissão. Com a
participação de entidades da sociedade civil ou de populares, esse evento
comunicativo somente acontece mediante proposta de algum membro de
determinada comissão ou a pedido de interessados. As Reuniões das Comissões,
79
por sua vez, normalmente envolvem apenas os seus membros, e podem ser de
natureza ordinária, sendo realizadas semanalmente, em dia e horário determinados;
e de natureza extraordinária, mediante a convocação do seu presidente ou a
requerimento da maioria de seus membros. Essas reuniões acontecem no prédio
mesmo da Câmara Municipal e tem sua duração e caráter público ou secreto
determinados pelas comissões. O propósito essencial desses eventos é a
deliberação de proposições e discussão de assuntos pertinentes à comissão em
questão.
Cada um dos seis tipos de Sessões da Câmara possui suas regras
específicas, apesar de terem em comum determinadas características. O Regimento
Interno da Câmara (2012) estabelece que, para participar desses eventos, os
vereadores devem comparecer devidamente trajados, exigindo-se o uso de paletó e
gravata para os homens e traje similar para as mulheres. É estabelecido também
que, em regra, as sessões sejam públicas e sejam realizadas na Sala de Sessões
da Câmara Municipal, com exceção das Secretas e, se for o caso, das Solenes e
das Especiais. As Sessões da Câmara, conforme Regimento Interno (2012),
acontecem ao longo da Sessão Legislativa Anual. As únicas que podem acontecer
no período correspondente ao recesso parlamentar são as Sessões Extraordinárias.
Com exceção das Solenes e das Especiais, durante a realização das
Sessões, apenas se permite a permanência dos vereadores, dos funcionários
convocados pelo Presidente da Mesa Diretora, dos assessores de vereadores, de
autoridades e dos representantes credenciados dos meios de comunicação. A
participação dos cidadãos de modo geral é legalmente permitida, mas via de regra
apenas na condição de audiência, ou seja, é permitido que qualquer cidadão assista
às Sessões da Câmara Municipal, salvo se a natureza da sessão assim não permitir
(as Secretas, por exemplo) ou em situação regimentada. Nesse caso, pode-se dizer,
considerando os diferentes tipos de interlocutores classificados por Bell (1984), que
os cidadãos, nas Sessões da Câmara, classificam-se como auditors, uma vez que
eles são conhecidos dos membros das Sessões, são por eles ratificados, porém não
são necessariamente visados.
As Sessões Especiais, especificamente, de acordo com o Regimento Interno
da Câmara (2012), são realizadas com a finalidade de se ouvirem os problemas de
determinada comunidade. Elas podem acontecer com a presença de qualquer
número de vereadores, não têm uma duração definida e podem ser realizadas tanto
80
na Sala das Sessões da Câmara Municipal quanto em outro local, desde que assim
delibere o Plenário.
As Sessões Secretas são realizadas para apreciação de projetos de lei ou
outra proposição de honrarias. Sua realização é condicionada pelo reconhecimento,
por maioria do Plenário, da relevância do motivo para determinar o caráter secreto
da sessão. Essas sessões somente podem ser iniciadas com a presença da maioria
absoluta dos vereadores. Em regra, elas não têm duração determinada e acontecem
dentro de uma Sessão Ordinária, cujo andamento é suspenso, na forma regimental,
pelo Presidente da Mesa Diretora.
Com propósitos bem específicos, as Sessões Preparatórias são realizadas,
quando da instalação da Legislatura, para se eleger os componentes da Mesa
Diretora e para se indicar ou eleger os membros das Comissões Permanentes e
representantes da Câmara perante os órgãos criados por leis especiais. Essas
sessões, de acordo com o Regimento Interno, somente poderão ter início com a
presença da maioria absoluta dos vereadores e também não possuem uma duração
determinada, sendo sua suspensão condicionada à aprovação da maioria absoluta
dos seus membros.
As Sessões Solenes são realizadas para a instalação da Legislatura e posse
da Mesa Diretora ou para comemorações ou homenagens especiais. Para esse
último propósito especificamente, a realização de uma dessas sessões precisa ser
convocada pelo Presidente da Mesa Diretora ou por requerimento de algum
vereador, aprovado pelo Plenário. Podendo ser realizadas com qualquer número de
membros e com duração indeterminada, podem mesmo acontecer durante a
realização de uma Sessão Ordinária, com a devida aprovação dos vereadores. É
estabelecido em Regimento Interno que nesses eventos sejam executados o Hino
Nacional Brasileiro, o Hino do Estado da Bahia e o Hino Municipal.
Tendo a possibilidade de acontecer em qualquer hora ou dia da semana, as
Sessões Extraordinárias são convocadas em caso de urgência e interesse público.
Com duração determinada de uma hora, nela somente se pode deliberar sobre
matéria determinada em convocação. A sequência dessas sessões é a de,
primeiramente, o despacho das matérias objeto da convocação, e, em seguida, a
apreciação das matérias constantes da pauta da ordem do dia. Essas sessões
podem ser suspensas ou prorrogadas, em consonância com o Regimento Interno.
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Como o foco de interesse dessa pesquisa, as Sessões Ordinárias, entre as
outras cinco categorias, são as que acontecem em maior número ao longo da
Sessão Legislativa Anual. Esses eventos comunicativos são realizados em dia e
hora prefixados em Regimento Interno e possuem interessantes características.
Pode-se apontar como uma de suas características, comum também às outras
categorias de sessão, a heterogeneidade de seus participantes. Alguns deles
possuem antecedentes rurais e são provenientes de comunidades em que práticas e
eventos de letramento não são necessariamente predominantes; outros possuem
antecedentes urbanos e são provenientes de comunidades onde o número de
eventos e práticas de letramento é considerável.
Pode-se dizer que o trabalho etnográfico empreendido com a combinação da
filologia, da entrevista e da observação-participante teve como finalidade um
entendimento holístico do evento comunicativo Sessão Ordinária da Câmara,
considerando os aspectos relevantes da linguagem utilizada pelos seus
participantes, bem como a sua inserção nesse evento, como se verá nas análises
constantes das sessões seguintes. Um trabalho de descrição e interpretação
etnográfica que precisou percorrer instâncias de dimensões diversas, indo das
comunidades de fala foco da pesquisa, passando pela situação de comunicação até
chegar ao evento propriamente dito, com todas as suas peculiaridades. Um trabalho
que, considerando que a linguagem e a comunicação integram o sistema cultural de
uma comunidade, tenta contribuir para o entendimento da tão importante relação
entre linguagem, cultura e sociedade.
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4. O EVENTO DE COMUNICAÇÃO SESSÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA
A Sessão Ordinária da Câmara de Vereadores é o evento comunicativo mais
frequente entre todos os que acontecem na Câmara Municipal de São Domingos –
BA. É um evento que apresenta uma série de peculiaridades que o distinguem das
Sessões Extraordinárias, das Sessões Solenes, das Sessões Secretas e das
Sessões Especiais, muito embora compartilhe com essas outras alguns de seus
elementos constitutivos. Os participantes e parte da situação, por exemplo, são
comuns aos outros eventos, porém, os propósitos, a sequência dos atos de fala, o
tom emocional, os instrumentos, as normas e os gêneros, tais como definidos por
Hymes (1972b), são bem específicos.
Como um evento de comunicação orientado por regras codificadas em
Regimento Interno, a Sessão Ordinária possui fronteiras claramente definidas e uma
configuração de seus elementos relativamente previsível. Mesmo que nem todos os
detalhes nem todas as regras envolvidas estejam expressos em documentos, a
interação que acontece nesse evento segue um padrão específico, o que inclui, por
exemplo, o uso da linguagem verbal e não verbal, o uso de rotinas linguísticas, de
padrões rítmicos, entonativos etc. O conhecimento da natureza e configuração do
evento comunicativo, bem como a habilidade de operar com as regras e padrões
formal ou tacitamente estabelecidos são determinantes do desempenho de cada um
dos membros da Câmara Municipal.
Um dos elementos rigidamente estabelecidos para o evento Sessão Ordinária
é a sua situação (setting/scene). O Regimento Interno prefixa o local, o dia e a hora
em que esse tipo de sessão deve acontecer. O prédio da Câmara Municipal, que fica
na sede da cidade de São Domingos, é o local determinado para a realização das
Sessões Ordinárias, mais especificamente na sala de sessões. Essa sala é
organizada de modo a acomodar tanto os vereadores quanto a audiência. Assim, os
trabalhos legislativos nessa sessão ocorrem em um espaço delimitado, composto
basicamente de uma grande mesa na qual se acomodam os membros da mesa
diretora (o presidente e o 1º secretário, normalmente); duas bancadas, onde se
dispõem os outros sete vereadores, de acordo com o partido ou coligações de que
fazem parte; e um púlpito, onde são proferidos os discursos, pronunciamentos,
votações, entre outras atividades verbais orais. Em um espaço distinto, também
83
claramente delimitado, ficam dispostos assentos, nos quais podem se acomodar o
público em geral para assistir as atividades da Sessão Ordinária.
Ao longo do ano, há dois períodos dentro dos quais as Sessões Ordinárias
podem ser realizadas, de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 01 de agosto a 15 de
dezembro, ou seja, dentro do período denominado Sessão Legislativa Anual.
Diferentemente das outras sessões, para as Sessões Ordinárias, o dia e a hora já
são previamente fixados, o que torna desnecessária a convocação dos vereadores a
cada reunião. O Regimento Interno determina que as Sessões Ordinárias sejam
realizadas semanalmente às terças-feiras, em regra, podendo, porém, ser também
realizadas em qualquer outro dia entre segunda e sexta-feira, em horário de
expediente da Câmara Municipal, desde que seja feita convocação prévia por Edital
de que tenha conhecimento todos os vereadores, servidores e cidadãos em geral. À
época em que foram acompanhadas as Sessões Ordinárias, elas de fato
aconteceram às terças-feiras, sempre com início previsto para as 19 h e término às
21 h. Dependendo das circunstâncias e das ações em desenvolvimento, como se
verificou, as sessões podiam ter duração superior ou inferior às duas horas
previstas.
Considerando os papéis sociais que cada um dos membros da Câmara
Municipal desempenha nas Sessões Ordinárias, pode-se chegar, como propõe
Saville-Troike (2003), a uma adequada descrição de seus participantes
(participants). Antes de tudo, é preciso destacar que esse é exatamente o elemento
principal que permite caracterizar o evento Sessão Ordinária como tipicamente
heterogêneo. Uma heterogeneidade advinda, nesse caso, das diferentes
características socioculturais exibidas por cada um dos vereadores que compõe a
câmara. Provenientes de diferentes áreas da cidade – povoados, distritos e da
própria sede – e com diferentes graus de inserção na cultura urbana e de
letramento, os participantes do evento em foco têm em seus perfis parte
considerável da explicação de seu desempenho linguístico-comunicativo.
São vários os papéis que os integrantes da Câmara Municipal podem
desempenhar: vereador, membro da mesa diretora, membro de uma ou mais das
comissões existentes e de líder ou representante partidário. No desenvolvimento do
evento Sessão Ordinária, especificamente, pode-se destacar como relevantes os
papéis de presidente e 1º secretário da Mesa Diretora e o de vereador propriamente
dito. Desse modo, entre os nove membros, os papéis são assim distribuídos: sete
84
vereadores (essencialmente com esse papel), um presidente e um 1º secretário,
ambos da mesa diretora (sendo esses últimos papéis sobrepostos ao de vereadores,
naturalmente). Nesses papéis, como já se destacou, os participantes têm uma série
de atribuições que vão desde atividades relacionadas ao exercício mesmo de
legislar até tarefas precisamente comunicativas, com destaque para as atividades
realizadas no púlpito, como proferir discursos.
Se se considerar as combinações possíveis dos participantes do evento
Sessão Ordinária, observa-se que, além dos membros legalmente constituídos (em
seus papéis específicos), tem-se ainda, e também com grande relevância, o
auditório. Uma vez que, em regra, essas sessões são públicas, qualquer pessoa,
desde que convenientemente trajada, pode integrar o auditório e, assim, assistir o
trabalho dos membros da Câmara de Vereadores e, por conseguinte, influenciar,
mesmo que indiretamente, em seu desenvolvimento, da maneira como defende Bell
(1984), em sua teoria do Audience Design. Ainda na condição de audiência, podem-
se apontar os ouvintes de uma das rádios comunitárias da cidade, que fazia a
transmissão das Sessões Ordinárias. Tanto o auditório presente na sala de sessões
da câmara quanto os ouvintes da rádio são – além dos próprios colegas vereadores
– constantemente referenciados nos atos de fala que acontecem ao longo de todo o
evento, como se pode verificar nos trechos a seguir:
(1) ACF: G, presidente desta casa, colegas vereadores, vereadora GV, estudantes, professores, aqui nos honramos com as suas presenças. Gostaria de agradecer (...)
(2) GVSA: (...) Eu quero é:: seu presidente, colegas vereadores, aqui... agradecer de coração por essa oportunidade que a vossa excelência tem me concedido aqui e quero... é:: dizer a vocês que venha sempre nesse auditório, venha a essa casa da cidadania, venha nos ajudar, quero dizer a vocês que fico feliz e volte sempre a essa casa e que Deus dê uma boa noite a todos vocês.
No papel de presidente da mesa diretora, quando da pesquisa, estava o
vereador GAC, que à época tinha 51 anos e o Ensino Médio completo. Apesar de
estar morando na sede do município, ele nasceu e morou durante muitos anos na
zona rural, em uma fazenda chamada Novo Amparo, e no povoado São Pedro. De
acordo com o vereador, além de atividades legislativas, ele também é produtor rural.
Ele diz que ao longo da vida trabalhou como balconista e como fiscal de segurança.
GAC relata que durante a infância tinha em casa alguns materiais de leitura, como
85
cartilhas e livros de histórias. Conta que tanto ele quanto sua família utilizam a
leitura principalmente para se informar e para adquirir conhecimentos. Segundo ele,
atualmente tem em casa diversos materiais de leitura, sobretudo relacionados à sua
atividade profissional, tais como livros de leis. O vereador GAC revela que o tipo de
material que lê com mais frequência no seu dia a dia são jornais; e que o que
costuma escrever são atas, projetos de lei e correspondências. Ele avalia que
normalmente não tem dificuldades nessas tarefas de leitura e escrita. O vereador
conta ainda que se mantém informado sobre assuntos da atualidade através da
imprensa, ou seja, pela TV, rádio e internet. Ele enfatiza que tem bastante interesse
por atividades como palestras e cursos das mais diversas áreas e que sua
participação política já se deu também em outras esferas além do poder legislativo,
tendo, inclusive, integrado a diretoria de uma associação comunitária.
No papel de 1º secretário da mesa diretora estava o vereador AJRN, 54 anos,
Ensino Médio completo. Segundo ele, ao longo da vida teve apenas residência
urbana, tendo morado, além de São Domingos, nas cidades de Retirolândia e de
Serrinha (ambas na mesma região). Por ocasião da pesquisa, AJRN disse que sua
única ocupação era a de membro da Câmara Municipal, mas que ao longo de sua
vida já desenvolveu outras atividades profissionais, entre as quais ele destaca a de
professor e a de secretário municipal de educação. O vereador conta que desde a
infância tem tido contato com livros, tendo começado a ler gibis e literatura infanto-
juvenil, em especial livros de Monteiro Lobato. Ele diz que atualmente costuma ler
romances e jornais, tanto para se informar quanto para se distrair. Ele avalia que
não tem dificuldades com atividades de leitura e escrita, pelo menos para as tarefas
que precisa realizar no dia a dia, como as relacionadas à sua atividade profissional.
AJRN diz que se utiliza da TV, da internet e de jornais impressos para se manter
informado e que tem grande interesse em participar de atividades sociais como
eventos religiosos e eventos políticos. O vereador destaca que sua atividade política
ultrapassa a sua inserção na Câmara Municipal. Ele revela já ter sido membro e
colaborador de diversas associações comunitárias da cidade, chegando, inclusive, a
exercer papéis como o de presidente e também de vice-presidente.
De origem urbana, o vereador WFRC, 36 anos, além de São Domingos, já
morou na capital do estado, Salvador. Antes de se tornar um dos membros da
Câmara Municipal, ele diz ter desenvolvido uma série de atividades profissionais,
entre as quais as de auxiliar de escritório, auxiliar administrativo e de gerente
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administrativo-financeiro. Por ocasião da pesquisa, ele disse que, juntamente com a
função de vereador, desempenha as funções de microempresário e de produtor
rural. Filho de um político e empresário que foi muito influente na região, ele relata
ter tido desde a infância contato com livros diversos, principalmente literatura. Ele diz
que nos últimos tempos tem recorrido à leitura essencialmente para se informar,
sobretudo por meio de jornais. Considera que não possui dificuldades com leitura e
escrita e que lança mão dessas atividades no dia a dia para tarefas do seu trabalho
e quando do uso da internet, em redes sociais, por exemplo. Quanto à sua
participação em atividades sociais e políticas, o vereador destaca que muito o
interessa eventos cujo assunto seja o mundo rural; que já foi presidente de uma
associação e que no momento estava desempenhando a função de vice-presidente
do Clube de Campo São Domingos, um clube recreativo da cidade.
Sendo a única mulher a integrar a Câmara Municipal, a vereadora GVSA
tinha, à época, 46 anos e Ensino Superior completo. Tendo ao longo de toda a vida
apenas residência urbana, além de São Domingos, ela diz já ter morado em outras
cidades da região (Conceição do Coité, Valente e Nordestina). Quando da pesquisa,
ela disse estar exercendo apenas a função de vereadora, estando afastada da sua
última atividade profissional, a de técnica de enfermagem. GVSA conta que seus
pais estudaram somente até a 1ª série do Ensino Fundamental. Ela recorda que
durante a infância os materiais de leitura que tinha em casa eram um dicionário e
alguns livros infantis. A vereadora admitiu que costuma ler bem pouco, se
restringindo, os seus materiais de leitura, a documentos referentes ao seu trabalho
na câmara e a alguns livros da área de saúde. Avalia que não tem dificuldades com
leitura e escrita, mas que normalmente recorre a essas atividades estritamente para
fins profissionais. Ela conta ainda que raramente frequenta bibliotecas e que o meio
pelo qual se mantém informada dos assuntos da atualidade é através de telejornais.
A vereadora diz que costuma participar de cursos na área de saúde, mas que nunca
fez parte de entidades como associações, cooperativas e outras.
Outro participante do evento Sessão Ordinária da Câmara é o vereador ACF,
60 anos, Ensino Fundamental completo. Além de membro do Poder Legislativo
Municipal, ACF disse ser comerciante e já ter sido motorista. Sua origem pode ser
considerada rurbana, visto que morou, como ele mesmo conta, boa parte da vida, no
distrito de Santo Antônio. O vereador diz não recordar de ter tido à sua disposição
materiais de leitura durante a infância. Ele avalia, no entanto, que hoje não tem
87
problemas com atividades de leitura e escrita e que lê jornais e revistas sempre que
pode e que normalmente usa a escrita para fazer registros relacionados ao seu
comércio. O vereador admite que não tem o hábito de frequentar nem bibliotecas
nem livrarias. Ele diz ter muito interesse por noticiários da TV, do rádio e da internet.
Quanto à sua participação política, conta que é membro de uma das associações de
sua comunidade.
Também do distrito de Santo Antônio, EOC é mais um participante de origem
rurbana. Quando da pesquisa, ele tinha 59 anos e Ensino Fundamental completo.
Além de vereador, EOC diz que é pecuarista, tendo sido essa sua principal atividade
profissional ao longo da vida. Ele recorda que durante a infância tinha em casa à sua
disposição livros e revistas. Hoje em dia ele diz ter dificuldades em tarefas que
envolvem a leitura e a escrita, mas que normalmente lê revistas e jornais e que usa
a escrita para fazer registro de compromissos. Ele afirma que raramente frequenta
bibliotecas e livrarias e que não usa internet. Ainda afirma que tem interesse por
atividades como cursos e palestras, principalmente quando o assunto é política; e
que já foi membro de uma das associações comunitárias de seu povoado.
FLSF é outro membro da Câmara Municipal proveniente do distrito de Santo
Antônio, sendo, portanto, de origem rurbana. O vereador, à época, tinha 44 anos e
Ensino Médio completo. Concomitante à sua atividade de legislador municipal, ele
diz ser comerciante. Ele lembra que durante a infância tinha em casa à sua
disposição livros e revistas. Hoje em dia, segundo ele, seus materiais de leitura são
a bíblia e jornais e revistas. O vereador avalia que não tem dificuldades com tarefas
que envolvem a leitura e a escrita. Esta última, especificamente, ele diz se utilizar
principalmente para fins burocráticos do dia a dia, como preencher fichas e
cadastros pessoais. A bibliotecas e livrarias ele afirma ir raramente. Em relação à
sua participação em eventos e entidades sociais e políticas, o vereador diz que tem
bastante interesse por atividades nas quais o assunto seja política e que já exerceu
a função de secretário de uma associação do distrito de Santo Antônio.
Proveniente de um povoado chamado Ouro Verde, o participante EMD tinha
49 anos e Ensino Fundamental incompleto. Além de vereador, EMD disse ser
trabalhador rural e já ter sido motorista e comerciante. Com pais com o mesmo nível
de escolaridade, ele recorda que em sua infância tinha em casa à sua disposição
livros de histórias infantis. O vereador afirma ter dificuldades em tarefas que
envolvem a leitura e a escrita. Apesar disso, ele diz que lê jornais e revistas para se
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informar e que faz registros escritos de assuntos pessoais como listas e contas a
pagar. O vereador afirma ainda que nunca frequentou bibliotecas nem livrarias e que
raramente ouve rádio ou acessa a internet. Sua principal fonte de informação ele diz
ser mesmo a TV. Ele conta ainda que participa de uma associação comunitária
apenas na condição de sócio e que dificilmente participa de atividades como
palestras, oficinas, cursos. Segundo o vereador, somente participa desses tipos de
evento quando acontecem na própria Câmara Municipal, ou seja, no exercício de
sua função legislativa.
O vereador EFL completa o conjunto dos membros da Câmara Municipal.
Com 56 anos e Ensino Fundamental completo, EFL tem também origem rurbana,
sendo proveniente de um povoado chamado Morro Branco. No momento da
pesquisa, ele estava morando na sede do município. Ele diz que, além de vereador,
trabalha também como produtor rural. EFL diz que seus pais foram alfabetizados
havia pouco tempo e que lembra que na sua infância o único material de leitura que
tinha em casa eram cartilhas. O vereador avalia que às vezes tem dificuldade com a
leitura, mas que isso não o impede de ler jornais para se informar. Ele avalia
também que não tem dificuldades com a escrita, afirmando que recorre a essa
atividade normalmente para fazer registro de informações relacionadas às suas
funções profissionais. O vereador conta que não frequenta bibliotecas nem livrarias
e que não usa a internet. Diz que na TV costuma assistir a telejornais
principalmente. Conta ainda que sempre que tem oportunidade participa de eventos
ligados à agricultura e à mecânica de automóveis, que são, segundo ele, áreas que
despertam muito o seu interesse. O vereador informa também que é membro de
uma cooperativa rural, no papel de vice-presidente.
Apesar de terem em comum o fato de serem todos são-dominguenses, cada
um dos participantes do evento comunicativo Sessão Ordinária da Câmara Municipal
possui características socioculturais peculiares, o que, aliás, só atesta o caráter
heterogêneo desse evento. Utilizando-se das informações mais objetivas, pode-se
chegar, em relação aos vereadores, ao seguinte quadro:
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A reunião dos vereadores em Sessão Ordinária tem, de modo geral, o
propósito (end) de desenvolver atividades legislativas da competência municipal.
Sendo assim, alguns de seus objetivos são: encaminhar, analisar e, quando for o
caso, deliberar acerca de proposições de natureza diversa; apresentar e discutir
assuntos julgados como de interesse da coletividade. Objetivos esses alcançados
por meio das ações que se desenvolvem ao longo das duas horas de duração
previstas para a sessão.
A sequência dos atos de comunicação (act sequence) que acontece na
Sessão Ordinária da Câmara Municipal é dividida em quatro períodos distintos,
assim denominados: Pequeno Expediente, Grande Expediente, Ordem do Dia e
Explicações Pessoais. A reunião propriamente dita, de acordo com o Regimento
Interno, somente pode ser iniciada quando e se estiver presente 1/3 (um terço) dos
membros da Câmara Municipal, ou seja, quando estiver constituído o quórum. Uma
vez verificado o quórum, é estabelecido regimentalmente que a sessão seja aberta
pelo presidente da mesa diretora com a expressão “Em nome de Deus, declaro
abertos os trabalhos da presente sessão”, o que de fato acontece, somente com
pequenas variações. Logo após as Explicações Pessoais (último período de atos
comunicativos), a sessão é normalmente encerrada, também pelo presidente, com a
frase “Nada mais havendo a tratar, declaro encerrados os trabalhos da presente
sessão”.
Vereador Escolaridade Origem Geográfica
ACF Ensino Fundamental Completo Rurbano
EFL Ensino Fundamental Completo Rurbano
EMD Ensino Fundamental Incompleto Rurbano
EOC Ensino Fundamental Incompleto Rurbano
GAC Ensino Médio Completo Rurbano
FLSF Ensino Médio Completo Rurbano
AJRN Ensino Médio Completo Urbano
GVSA Ensino Superior Completo Urbano
WFRC Ensino Superior Incompleto Urbano
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Com duração prevista de vinte minutos, o período denominado Pequeno
Expediente abriga uma sequência de atos de comunicação realizados pelo
presidente da mesa diretora, pelo 1º secretário e pelos demais vereadores.
Inicialmente, com o objetivo de abrir os trabalhos, é facultada a algum dos presentes
à sessão a realização da leitura de algum trecho bíblico. Em seguida, tem-se uma
série de leituras feitas pelo 1º secretário. Primeiro ele lê em voz alta a ata da sessão
ordinária anterior, que é submetida à discussão e aprovação pelos vereadores. O 1º
secretário ainda faz a leitura das matérias e correspondências recebidas pela mesa
diretora e que são consideradas do interesse do Plenário, e a leitura das
proposições, que são encaminhadas e despachadas. Nesse primeiro momento, os
demais vereadores podem participar através de um breve pronunciamento com
duração média de 5 minutos, encerrando desse modo os atos comunicativos desse
primeiro período da Sessão Ordinária.
O Grande Expediente é o segundo e maior período destinado aos atos de
comunicação na Sessão Ordinária. Sua duração máxima é de 40 minutos. Esse é o
espaço reservado para que os vereadores possam exercer seu papel de oradores.
Esse é o momento em que eles podem se dirigir à tribuna para proferir um discurso
com assunto de sua livre escolha ou de interesse da coletividade, ou ainda, para
encaminhar e justificar proposições de alguma das naturezas previstas em
legislação interna.
Com exceção do presidente da mesa diretora, os 8 (oito) vereadores podem
se inscrever com a antecedência exigida, para fazer uso da palavra no Grande
Expediente. Como são 40 minutos destinados a esse período, em regra cada
vereador tem o tempo de 5 minutos para discursar, podendo ser prolongado para até
mais, se porventura nem todos os vereadores tiverem se inscrito.
Dentro do Grande Expediente, precisamente em sua parte final, é previsto, no
Regimento Interno da Câmara, que se pode destinar o tempo para dois fins
específicos: para comemorações de alta significação nacional, estadual ou
municipal, ou para recepcionar autoridades ou pessoas convidadas. Essa situação,
no entanto, por ser excepcional, é sempre condicionada à disponibilidade de tempo
e à deliberação do Plenário.
O período seguinte de atos comunicativos da Sessão Ordinária é denominado
Ordem do Dia. Com duração prevista de 20 minutos, é nesse período que se dão as
ações mais burocráticas e mais intimamente relacionadas ao processo legislativo.
91
Tendo uma sequência de atos variável, na Ordem do Dia, os vereadores,
observando os papéis que eles desempenham na Câmara, podem: solicitar o
destaque de requerimentos constantes da pauta; realizar despachos de
requerimentos; apreciar matérias constantes da pauta e requerimentos com pedido
de urgência; e encaminhar e despachar proposições e pareceres.
Nesse sentido, é exatamente no período da Ordem do Dia em que as
proposições são discutidas e votadas, de acordo com sua natureza, como previsto
em Regimento Interno. As discussões sempre se iniciam após o presidente da mesa
diretora fazer a leitura da súmula constante da pauta e se encerra quando não há
mais oradores ou mesmo quando findo o tempo destinado à Ordem do Dia. Sendo a
ação naturalmente seguinte à discussão, a votação é a manifestação da vontade
deliberativa de cada um dos vereadores. Uma vez que as exigências legais sejam
atendidas, entre as quais o quórum, a votação acontece em alguma de suas
modalidades possíveis: simbólica, nominal ou secreta.
Na votação pelo processo simbólico, o presidente da mesa diretora solicita
que os vereadores favoráveis à matéria em apreciação permaneçam sentados,
procedendo, em seguida, à contagem dos votos e à enunciação do resultado. Na
votação pelo processo nominal, o presidente convoca os vereadores um a um, os
quais devem responder com um “sim” ou um “não”, conforme sejam a favor ou
contra a proposição em votação. Os votos são anotados pelo 1º secretário e o
resultado é enunciado pelo presidente. Na votação secreta, por sua vez, os
vereadores assinalam seu voto em uma cédula rubricada pelo presidente da sessão
e a depositam em uma urna. Apurados os votos pelo 1º secretário, o presidente
enuncia então o resultado.
Quando a votação se dá pelo processo simbólico ou nominal, o vereador que
assim o desejar pode justificar o seu voto. Nesse caso, finda a votação de
determinada proposição, ele pode apresentar verbalmente os motivos que o levaram
a manifestar-se contrário ou favoravelmente à proposição votada.
Os atos comunicativos que acontecem na Ordem do Dia e o modo como eles
se organizam são determinados pela pauta da ordem do dia, seguindo a ordem de
preferência das proposições estabelecida em Regimento Interno. Desse modo, a
cada nova sessão, um novo arranjo na Ordem do Dia, permanecendo fixos apenas o
tempo de duração (20 minutos) e os passos deliberativos.
92
O quarto e último grupo de atos comunicativos a compor a Sessão Ordinária
da Câmara Municipal é denominado de Explicações Pessoais. Possuindo duração
máxima e improrrogável de 40 minutos, esse período é também reservado para que
os vereadores façam uso da palavra. Com tempo de 5 minutos, o vereador inscrito,
do mesmo modo que no Grande Expediente, se dirige à tribuna para proferir
discurso sobre assuntos pertinentes ao interesse e conhecimento dos cidadãos do
município. A particularidade das Explicações Pessoais é que nela, diferentemente do
Grande Expediente, os vereadores já não podem encaminhar e justificar
proposições. Ao final do período das Explicações Pessoais, o presidente da mesa
diretora tem à sua disposição 10 minutos para fazer o uso da palavra, após o que
ele dá a sessão como encerrada, fechando, assim, a sequência dos atos
comunicativos constitutivos do evento Sessão Ordinária.
Em grande medida, por ser um evento permeado por rígidas regras, a Sessão
Ordinária é marcada pelo tom emocional (key) da seriedade. Fasold (1991) afirma
que certos tons emocionais dos eventos comunicativos podem ser intimamente
associados a outros aspectos da comunicação. No caso específico da Sessão
Ordinária, o tom sério pode ser justificado, por exemplo, pela rígida sequência dos
atos de fala e pelas normas de interação e interpretação previstas, as quais, como
se verá, visam à objetividade, à formalidade e à solenidade. Quando o regimento
interno determina que durante os debates os vereadores devam evitar as conversas
em tom que dificultem os trabalhos; quando determina a ordem e a duração dos
discursos dos vereadores; quando determina, inclusive, o que pode e o que não
pode ser dito durante a sessão, tem então estabelecido o caráter sério, formal do
evento.
Na parte do Regimento Interno que trata do decoro parlamentar, tem-se
também, de certo modo, a indicação do key da Sessão Ordinária. Reforça-se a
natureza formal do evento quando, por exemplo, preveem-se medidas disciplinares
como a censura para os vereadores que praticarem atos tais como: perturbar a
ordem das sessões; usar, em discurso ou proposição, de expressões que atentem
ao decoro parlamentar, como as que configurem crimes contra a honra ou
contenham incitamento à prática de crimes; e praticar ofensas físicas ou morais no
edifício da Câmara Municipal ou desacatar, por atos ou palavras, outro vereador, a
mesa diretora ou comissão ou respectivos membros.
93
Outro fator que também indica o tom de seriedade, formalidade das Sessões
Ordinárias são os trajes recomendados para o uso dos vereadores durante o evento.
É regimentado que os homens usem paletó e gravata e que as mulheres usem traje
similar. Hymes (1972b) explica que a sinalização do tom emocional de um evento
pode ser feita por aspectos verbais como, por exemplo, um piscar de olhos, um
gesto, a postura, acompanhamento musical e, inclusive, pelo estilo de roupa usado
pelos participantes. Sendo assim, uma vez que é formal o traje recomendado, é de
se esperar que o próprio tom emocional do evento também seja de igual modo
formal, sendo a presença de outros tons emocionais, como os de brincadeira e
alegria, incomuns e/ou condicionados ao tratamento de determinados assuntos, ou
seja, sempre como desvios do tom predominante.
Assim como outros eventos de comunicação, a Sessão Ordinária tem suas
próprias normas de interação e interpretação (norms). As normas regimentais
estabelecem explicitamente regras relacionadas ao funcionamento dos debates, das
deliberações de proposições, ou de modo geral, as regras de uso da linguagem
verbal. Especificamente no que tange aos debates durante a sessão, o Regimento
Interno coloca que devem ocorrer em ordem e solenidade próprias da dignidade do
legislativo, de modo a indicar qual comportamento deve ser adotado pelos
vereadores: “Durante os debates, os vereadores deverão permanecer em seus
lugares, vedadas as conversas em tom que dificulte os trabalhos” (SÃO
DOMINGOS, 2012, p. 128).
Em relação à inscrição e uso da palavra durante a Sessão Ordinária, é
estabelecido quando e como devem ser feitos. O uso da palavra pode ser feito, de
acordo com o Regimento Interno, no Grande Expediente, no espaço destinado às
Explicações Pessoais e na discussão de cada proposição, uma única vez em cada
um desses períodos. Para tanto, o vereador, ao chegar ao plenário, precisa realizar
sua inscrição, para o Grande Expediente ou para as Explicações Pessoais, perante
o 1º secretário da mesa diretora. A concessão da palavra, por sua vez, se dá
seguindo rigorosamente a ordem cronológica e numérica de inscrição.
Quando convocado para fazer uso da palavra é dado ao vereador o direito de
declinar da oportunidade ou ainda de ceder o uso da palavra a outro, de modo a não
haver necessidade de alterar a ordem cronológica e numérica da inscrição. Quando
da discussão de proposição constante da pauta da ordem do dia, a preferência para
94
o uso da fala é dada em regra ao autor da proposição, ou quando esta tiver mais de
um autor, é dada a preferência ao primeiro signatário.
O Regimento Interno da Câmara Municipal apresenta uma lista de finalidades
para as quais os vereadores podem fazer o uso da palavra durante as sessões,
entre as quais se destacam:
I – para retificar ou impugnar ata;
II – para discutir proposição em debate;
III – para justificar e encaminhar proposições;
IV – para solicitar ou prestar esclarecimentos;
V – para fazer comunicações importantes;
VI – para tratar de assuntos urgentes e de relevante interesse público;
VII – para justificar seu voto;
VIII - para encaminhar votação.
Há ainda um controle do tempo de uso da palavra durante as sessões. Em
regra, o vereador pode falar durante 5 ou 3 minutos, a depender do gênero
discursivo em questão. Sendo assim, ele tem 5 minutos para discutir projetos,
pareceres contrários da Comissão de Justiça, Legislação e Redação Final,
recebimento de denúncias, discutir pedidos de informações, requerimentos
constantes da pauta ou de seu anexo, ou relativos a outras proposições principais.
Ele tem até 3 minutos nos outros casos previstos em Regimento Interno.
Quando estiver no uso da palavra é regimentalmente proibido ao vereador:
desviar-se da matéria em debate; falar sobre matéria vencida; usar de linguagem
imprópria; ultrapassar o prazo que lhe competir; deixar de atender as advertências
do presidente da mesa diretora; e pedir a contagem do tempo que lhe competir,
permanecendo em silêncio.
O orador, nesse sentido, pode ter seu discurso interrompido tanto pelo
presidente da mesa diretora quanto por algum de seus colegas vereadores. O
presidente, especificamente, pode interrompê-lo para votação de requerimento de
prorrogação da Ordem do Dia, para emitir advertência por infringência de
dispositivos regimentais e ainda para atender a Questão de Ordem. Essa última
circunstância é a única em que o vereador orador pode ter seu discurso interrompido
também por seus colegas. A Questão de Ordem, na verdade, é toda dúvida
95
levantada em plenário quanto à preterição ou aplicação do Regimento Interno,
podendo ser aplicada em qualquer fase da sessão. Para ter efeito, esta deve ser
objetiva, claramente formulada e indicar com precisão as disposições regimentais
que se pretenda elucidar, e ainda deve referir-se a matéria tratada na ocasião.
Outra norma explícita de interação que se aplica às Sessões Ordinárias é o
aparte. Esse é um recurso de intervenção breve e oportuna para colaboração,
indagação, esclarecimento ou contestação ao pronunciamento do vereador que
estiver com a palavra. O aparte somente pode ser realizado com solicitação de
algum vereador e permissão do orador. Ele não é permitido quando direcionado à
palavra do presidente da mesa diretora na direção dos trabalhos, bem como quando
o orador não o permitir tácita ou expressamente. Não é permitido também aparte em
paralelo ou cruzado e ainda por ocasião de encaminhamento de votação ou
justificativa de voto, ou quando o orador estiver suscitando Questão de Ordem.
Entre orais e escritos, a Sessão Ordinária da Câmara abriga vários gêneros
(genres). Eles aparecem ao longo do evento como gêneros autônomos ou
integrando os discursos que os vereadores proferem em algum dos quatro períodos
de atos comunicativos da sessão. Assim, tanto podem ser lidos, em se tratando de
gêneros previamente escritos, como podem ser elaborados no momento mesmo da
fala, com ou sem o apoio de um texto escrito. Entre os gêneros escritos e que são,
portanto, lidos durante a sessão estão, por exemplo, a ata da sessão anterior, as
correspondências recebidas pela mesa diretora e algumas proposições. Entre os
gêneros orais, por sua vez, estão, por exemplo, o discurso proferido pelos
vereadores em tribuna, no Pequeno Expediente, no Grande Expediente e nas
Explicações Pessoais (discurso, aliás, que não possui um rótulo específico); os
debates e algumas das proposições.
Na verdade, sob o rótulo de proposições tem-se uma série de gêneros. O
Regimento Interno define proposição como toda matéria sujeita à deliberação do
plenário ou da mesa diretora. Os gêneros listados como sendo proposições são:
projetos, requerimentos, pedidos de informação, recursos das decisões do
presidente da mesa diretora, substitutivos e emendas, vetos, pareceres e outros atos
de natureza análoga ou semelhante. Os substitutivos e emenda e os pareceres,
especificamente, são considerados espécies de proposições acessórias, em relação
às outras.
96
Como gêneros de grande importância dentro da Sessão Ordinária, os projetos
são objetos de leitura, análise, discussão e votação, podendo ser de quatro
diferentes tipos. O primeiro tipo de projeto é o de Emenda à Lei Orgânica do
Município e é destinado a regular as suas matérias, podendo inclusive alterar o seu
texto. O segundo tipo é o de Lei Ordinária, cuja finalidade deve ser a de regular as
matérias de competência do município. O terceiro tipo é o Decreto Legislativo, que
se destina a regular as matérias de exclusiva competência da Câmara Municipal, as
quais tenham efeito externo. O quarto tipo é o de Resolução, cujo objetivo é regular
matérias de competência privativa da Câmara Municipal, as quais tenham efeitos
internos.
Sendo um gênero que pode ser tanto oral quanto escrito, o requerimento é
definido como todo pedido feito ao presidente da mesa diretora, por vereador ou por
comissão, sobre assunto de expediente ou questões gerais acerca dos trabalhos
das sessões. Esse gênero discursivo pode aparecer no discurso dos vereadores na
tribuna e são, em regra, decididos e/ou atendidos pelo presidente da mesa diretora
ou pelo plenário ou pela mesa diretora (o presidente juntamente com o 1º
secretário), sempre dependendo do tipo de solicitação feita. Os objetos de
requerimento, por seu turno, podem ser de diversos tipos, como, por exemplo,
solicitação do uso da palavra ou desistência dela, solicitação de prorrogação da
Ordem do Dia, solicitação de manifestação de pesar, solicitação de convocação de
urgência para tramitação de proposição, entre outras.
O parecer é outro gênero também presente na Sessão Ordinária, sobretudo
em momentos de deliberação. Ele é um pronunciamento por escrito de alguma das
comissões permanentes acerca de matéria submetida a seu exame. O parecer é
normalmente lido pelo 1º secretário da mesa diretora. Em regra, é um documento
que contém duas partes distintas: a primeira, um relatório, no qual consta uma breve
exposição da matéria em exame; a segunda, o voto do relator, devidamente
fundamentado, sobre a conveniência da aprovação ou rejeição total ou parcial da
matéria examinada.
Levando em conta o fato de que o evento Sessão Ordinária da Câmara reuni
atos comunicativos que envolvem textos escritos, alguns mais outros menos, pode-
se afirmar que ele é um evento bem representativo da cultura de letramento.
Observa-se que em determinados momentos, o vereador precisa realizar, em voz
alta especificamente, a leitura de documentos ou redigidos por ele mesmo ou por
97
outrem. Essa, aliás, é uma tarefa atribuída principalmente aos membros da mesa
diretora. O 1º secretário, por exemplo, é o responsável por ler para os seus colegas
a ata da sessão anterior, as correspondências recebidas pela câmara e
consideradas relevantes para o plenário, e as proposições.
De modo geral, os vereadores precisam lançar mão também da escrita
constantemente, mesmo que seja previamente à realização do próprio evento. Uma
vez que boa parte das proposições deve ser escrita, os vereadores precisam
elaborar com antecedência os requerimentos, os projetos e alguns dos pedidos de
informação e, assim, não apenas encaminhá-los à mesa diretora, mas também fazer
uso deles, mesmo que indiretamente, em seus discursos proferidos no Pequeno
Expediente, no Grande Expediente ou em outros momentos. Além das proposições,
outro texto escrito que normalmente permeia o discurso proferido pelos vereadores
na tribuna é o que eles mesmos denominam de esboço legislativo, anotações que
eles costumam fazer para orientar suas falas. Assim, ora mais ora menos, os atos
comunicativos desenvolvidos ao longo da Sessão Ordinária são mesmo, de algum
modo, permeados por um texto escrito.
Nessa perspectiva, considerando a noção de letramento em nível individual,
tal como definida por Soares (2003, 2012), para que o vereador desempenhe a
contento suas funções, ele precisa dispor de um conjunto mínimo de habilidades de
leitura e escrita. Uma vez que ele lida geralmente com a elaboração, análise e
votação de leis e também com outros documentos, é de se esperar que quanto mais
próximo estiver situado o membro da câmara do polo letrado, no contínuo que é o
letramento em nível individual, maior tende a ser sua desenvoltura nas atividades
que ele precisa realizar no e para o evento em questão.
A Sessão Ordinária da Câmara, desse modo, pode ser classificada como um
evento de letramento, nos moldes como proposto por Heath (1983), uma vez que
nele a escrita compõe ou ajuda a compor a interação entre os participantes e os
processos e estratégias de interpretação. Sendo assim, em sua configuração, tem-
se um conjunto de ações, comportamentos que podem ser denominados, seguindo
Street (1984), de práticas de letramento.
Tomando a metodologia dos contínuos elaborada por Bortoni-Ricardo (2006,
2009) para a análise do português brasileiro, é possível situar o evento Sessão
Ordinária da Câmara no contínuo de oralidade-letramento em um ponto próximo ao
polo de letramento, visto que os atos comunicativos que nele se desenvolvem em
98
sua maioria podem ser considerados como práticas de letramento. É preciso
destacar, no entanto, que “não existem fronteiras bem marcadas entre os eventos de
oralidade e de letramento. As fronteiras são fluidas e há muitas sobreposições”
(BORTONI-RICARDO, 2009, p. 62). Sendo assim, o fato de a Sessão Ordinária ser
considerada um evento de letramento não significa que nele não haja atos
comunicativos estritamente de oralidade. A classificação que se faz de um evento
como de oralidade ou como de letramento tem como critério, antes de tudo, o
predomínio de um tipo ou de outro de prática de uso da língua.
99
5. A LINGUAGEM DA SESSÃO ORDINÁRIA DA CÂMARA: O ESTILO DOS LÍDERES POLÍTICOS
Dos elementos que, de acordo com Hymes (1972b), constituem um evento de
comunicação, os instrumentos (instrumentalities) são os que estão mais
estritamente relacionados à lingua. Tanto os canais quanto as formas de fala são
considerados os instrumentos de um evento. Assim, no processo de análise de um
evento comunicativo, deve-se levar em conta se a mensagem é transmitida na
modalidade oral, escrita ou em alguma outra; deve-se levar em conta também em
qual língua, em qual variedade, em qual estilo se desenvolve o evento.
No caso específico da Sessão Ordinária da Câmara Municipal, nota-se que as
mensagens são transmitidas predominantemente na modalidade oral. Do Pequeno
Expediente, passando pelo Grande Expediente e pela Ordem do Dia até chegar às
Explicações Pessoais, observa-se que praticamente todos os atos comunicativos se
realizam de modo oral, muito embora a escrita esteja o tempo inteiro presente. Os
participantes se utilizam de atas, projetos, requerimentos, pareceres, etc. ao longo
da sessão, porém o fazem de modo a permear a interação entre eles, ou seja, os
textos escritos normalmente são lidos em voz alta ou utilizados como pauta de suas
elocuções. Desse modo, a interação propriamente dita entre os vereadores se dá
oralmente, numa oralidade letrada, é preciso destacar.
O fato de predominar uma oralidade letrada na Sessão Ordinária – o que é,
em grande medida, uma influência dos gêneros que ali circulam – já dá grandes
sinais de qual seja a variedade e o estilo da língua a serem considerados nesse
evento como adequados. Além disso, a análise de outros elementos como o tom
emocional e as normas de interação e interpretação também ajudam a construir uma
ideia do que se configura como adequação linguística para o evento.
Como já apontado, pode-se considerar a Sessão Ordinária como um evento
de letramento, haja vista a considerável presença da escrita no decorrer das
interações. Os textos escritos, nos variados gêneros, que os vereadores elaboram
com antecedência e que eles leem em voz alta ou que usam apenas para orientar
suas falas, são construídos recorrendo-se às regras linguístico-textuais da variedade
padrão da língua. Por natural influência, os textos orais que os vereadores precisam
100
construir ao longo da sessão, em geral, se caracterizam justamente por reproduzir
traços próprios dos gêneros textuais escritos mais monitorados e mais formais.
É bem provável que a formalidade característica dos gêneros orais e dos
gêneros escritos que circulam na Câmara advenha, em grande parte, do próprio tom
emocional da sessão. Como observado, o tom formal, solene já começa no próprio
traje dos vereadores – que é, inclusive, estabelecido regimentalmente. É de se
esperar, desse modo, que a linguagem a ser adotada pelos vereadores siga
igualmente esse padrão. Além disso, as próprias normas de interação e
interpretação – e não apenas as regimentalmente expressas – orientam os
participantes a conduzirem seu comportamento verbal de modo formal, de modo
objetivo. A determinação dos fins para os quais a palavra pode ser usada durante as
sessões é bem representativa nesse sentido, uma vez que nem todos os assuntos,
nem mesmo todas as formas de abordagem são permitidas. É também um indicativo
do caráter formal do evento, e, por conseguinte, da própria linguagem a ser nele
adotada, o fato de a duração e a ordem das elocuções dos vereadores serem
estritamente delimitadas, controladas, exigindo deles, portanto, o mínimo de
planejamento de suas falas, tanto na forma quanto no conteúdo.
Nesse sentido, considerando que a Sessão Ordinária agrega gêneros escritos
e orais monitorados e marcadamente formais, pode-se afirmar que a variedade da
língua tida como adequada para o evento é mesmo a urbana culta, em seu estilo
mais monitorado, especificamente. A justificativa para tanto se encontra no fato de
que convencionalmente os chamados eventos de letramento são, em geral,
conduzidos na variedade culta da língua, bem como no fato de que as práticas
sociais mais formais exigem de seus participantes o uso de estilos mais
monitorados.
A formalidade do evento e a grande presença de gêneros escritos são, de
fato, fortes motivos para a determinação de uso da variedade urbana culta da língua
portuguesa, no entanto, é preciso destacar que a exigência de essa variedade ser
mais monitorada se justifica ainda em fatores que vão além do tom emocional do
evento, de suas normas de interação e interpretação e mesmo de sua inserção
numa cultura urbana e de letramento. O alto grau de pressão comunicativa a que os
participantes da Sessão Ordinária estão submetidos é um fator determinante para
que eles, em sua produção verbal, redobrem seu grau de atenção e planejamento,
isto é, para que eles monitorem seu estilo linguístico com mais intensidade.
101
Bortoni-Ricardo (2006) argumenta que o falante monitora mais ou menos o
seu estilo considerando vários fatores, entre os quais ela destaca: a acomodação do
falante a seu interlocutor (audience design); o apoio contextual na produção dos
enunciados; a complexidade cognitiva envolvida na produção linguística; e a
familiaridade do falante com a tarefa comunicativa que está sendo desenvolvida. No
caso específico das Sessões Ordinárias da Câmara, observando cada um desses
quatro fatores, percebe-se que estão configurados de modo a exigir que os
participantes empreendam uma maior monitoração do seu estilo.
Estar diante de um interlocutor desconhecido, de maior poder na hierarquia
social ou mesmo diante de um interlocutor a quem se queira impressionar é uma
situação que inegavelmente se configura como de grande pressão comunicativa
para um falante, uma vez que ele precisará monitorar mais o seu estilo. Nesse
processo, que Allan Bell (1984, 2001) denomina de Audience Design, são as
características dos ouvintes que determinam o comportamento verbal dos falantes,
com destaque para o seu estilo. Assim, escolhas como a da variedade da língua (se
uma variedade rural, rurbana ou urbana), bem como de um estilo mais monitorado
ou menos monitorado terão suas explicações, em grande medida, no tipo de
interlocutor que se tenha diante de si.
Os vereadores da Câmara Municipal de São Domingos têm como audiência
para os seus discursos diferentes interlocutores, com diferentes papéis e ocupantes
de diferentes posições na hierarquia da situação comunicativa, no entanto, todos
eles têm em comum o fato de terem o poder de exercer influência no processo de
monitoração estilística. Considerando apenas um dos quatro tipos de interlocutores
descritos por Bell (1984), o addressee – que se caracteriza por ser conhecido,
ratificado e visado pelo falante – tem-se no evento em questão pelo menos quatro
representantes: o presidente da mesa diretora, os vereadores, o público presente no
auditório da câmara e os ouvintes da rádio que transmitia as sessões. Como
hierarquicamente o presidente da mesa diretora é a figura de maior poder na
situação comunicativa, sempre que a fala é para ele direcionada, nota-se um certo
cuidado na escolha do tom empregado, geralmente cerimonioso, e do tratamento
dispensado, usando por exemplo, expressões como “excelentíssimo senhor
presidente”, “senhor presidente” e “seu presidente”.
Mesmo que em menor grau – se comparado ao presidente da mesa diretora –
os outros vereadores também são tratados cerimoniosamente, chegando, em alguns
102
momentos, a se saudarem com expressões como “excelentíssimos senhores
vereadores” ou “nobres colegas vereadores”. Desse modo, tanto o presidente
quanto os vereadores entre si, são considerados interlocutores de igual ou de maior
poder na hierarquia de papéis ali possíveis de desempenhar, o que, de certo modo,
resulta em considerável pressão comunicativa.
Sendo também addressees dos discursos dos vereadores, o público presente
no auditório da Câmara e os ouvintes da rádio exercem sobre o vereador/locutor
influência direta. Compondo esses dois grupos de interlocutores estão os cidadãos
de modo geral, os cidadãos do município, ou seja, os sujeitos que estão ali sendo
representados por cada um dos vereadores. Desse modo, por uma questão de
respeito ou mesmo para delimitar perante essa audiência o seu papel de membro do
Poder Legislativo Municipal ou ainda para tentar impressionar esses interlocutores,
fazendo-os crer que conseguem se investir bem no papel a eles delegado, os
vereadores podem optar por imprimir o traço de mais monitorado ao seu estilo.
Como um fator que exerce grande influência no processo de monitoração
estilística, o apoio do contexto na produção verbal pode ser muito variável, a
depender da natureza da interação em questão. O contexto, nesse caso, pode ser
tomado tanto em sentido sociocultural quanto em sentido sociocognitivo. No primeiro
sentido, a Sessão Ordinária encaixa-se no domínio social político, tendo como
característica marcante o fato de ser público e formal. Sendo um dos eventos que
toma lugar na Câmara Municipal de Vereadores, ela é bem representativa da cultura
urbana e de letramento.
O contexto, no sentido sociocognitivo, consiste, segundo Erickson e Shultz
(2002), na definição que os participantes constroem ao longo de uma interação
quanto à natureza da situação em que se encontram e nas ações que eles realizam
baseando-se em tais definições. Esse tipo de contexto normalmente é expresso, no
processo interativo, pelo que Gumperz (2002) chama de pistas de contextualização.
Quando, por exemplo, um falante altera o seu estilo, quando usa de determinados
traços prosódicos, quando opta por certas expressões pré-formuladas ou mesmo
quando adota algumas palavras e estruturas sintáticas, ele está construindo ou
modificando um contexto.
Ao longo de todo o evento, os vereadores lançam mão de pistas que afirmem
que o contexto no qual eles estão inseridos é o político e que delimitem o papel
social por eles desempenhado. Sendo assim, seja no Pequeno Expediente, no
103
Grande Expediente, na Ordem do Dia ou nas Explicações Pessoais, os participantes
– mesmo com desempenhos notadamente diferentes – mostram-se empenhados em
empregar a morfossintaxe da variedade de prestígio, em empregar um léxico que se
relacione ao exercício político e em usar determinadas rotinas linguísticas para
construir os discursos que proferem.
Esses contextos sociocultural e sociocognitivo identificados para a Sessão
Ordinária da Câmara caracterizam-se por ser resultantes da relação entre o
ambiente político propriamente dito e as ações verbais e não verbais que cada um
dos vereadores realiza. Considerando que os membros da Câmara têm origens e
características relativamente distintas entre si, bem como o fato de que essa
heterogeneidade se estende também para a audiência deles (o auditório da Câmara
e os ouvintes da rádio), pressupõe-se que o conhecimento que eles compartilham
entre si esteja em um nível que não dispense que em suas elocuções eles sejam
verbalmente explícitos e precisos. O fato de ser esse um evento público endossa
ainda mais essa observação, uma vez que os vereadores não podem esperar, como
alerta Bortoni-Ricardo (2006), que suas convenções comunicativas não
verbalizadas, próprias do seu grupo primário de relações, sejam compreendidas por
outros. Assim, pode-se afirmar que a Sessão Ordinária é, de fato, um evento pouco
dependente contextualmente, o que significa que seus participantes precisam
demonstrar flexibilidade no seu repertório estilístico, ou seja, que precisam recorrer a
uma maior monitoração de seu estilo.
Grande pressão comunicativa e, por consequência, maior demanda de
monitoração estilística, também podem ser verificados quando as tarefas
comunicativas do evento envolvem um alto grau de complexidade cognitiva. No caso
da Sessão da Câmara, pode-se afirmar que a tarefa comunicativa mais
cognitivamente complexa são os discursos que os vereadores proferem no Pequeno
Expediente, no Grande Expediente e nas Explicações Pessoais. Durando
normalmente de 3 a 5 minutos cada um, esses discursos, além de serem o momento
em que o turno de fala disponível aos vereadores é maior, se caracterizam por terem
assuntos definidos, em geral assuntos de interesse e conhecimento dos cidadãos do
município.
Utilizando-se da definição dada por McGuire & Lorch (1968, apud Bortoni-
Ricardo, 2006, p. 65), pode-se dizer que os discursos que os vereadores proferem
na tribuna da Câmara enquadram-se no modo interacional de solução de problemas,
104
típico de quadros de interação mais formais. As outras tarefas comunicativas que se
realizam durante a sessão, por sua vez, são menos complexas cognitivamente. Atos
como ler em voz alta a ata da sessão anterior e as correspondências recebidas,
votar e alguns outros certamente não demandam o mesmo grau de atenção e
planejamento que os discursos de tribuna, por exemplo.
Uma vez que a pressão comunicativa é maior quando dos discursos de
tribuna – numa comparação com os demais atos – será, portanto, em sua execução
que se tornará mais flagrante a possível diferença de desempenho no que tange à
monitoração estilística. Como para executar atos comunicativos de maior esforço
cognitivo é preciso recorrer a um estoque de conhecimento linguístico-interacional
específico, será o domínio desses conhecimentos um ponto determinante – para a
Sessão Ordinária significa, por exemplo, o domínio da variedade urbana culta.
Bem relacionado com esse último fator está a familiaridade com rotinas
linguísticas específicas, como igualmente determinante do grau de pressão
comunicativa e do nível de monitoração do estilo. As rotinas linguísticas da Sessão
Ordinária são notadamente próprias da cultura de letramento e estão estritamente
ligadas ao seu conjunto de atos comunicativos. Algumas dessas rotinas são de
algum modo previstas regimentalmente – ou em forma ou em conteúdo – como é o
caso das expressões que devem ser usadas para iniciar e encerrar o evento. Outras
tantas – a maioria – apesar de não serem expressas em regimento, são
convencionadas pelo uso dos participantes. O discurso proferido em tribuna, por
exemplo, tem rotinas como: uma saudação cerimoniosa aos membros da mesa
diretora (presidente e 1º secretário), aos vereadores, ao auditório presente e aos
ouvintes da rádio; a recorrência ao longo do discurso ao vocativo, de modo a deixar
claro a quem as afirmações, indagações são direcionadas, se para o presidente da
Câmara ou para outros membros do evento; um fechamento igualmente
cerimonioso.
Como grande parte das rotinas a que os vereadores precisam recorrer ao
longo da sessão é implementada na variedade culta da língua, pode-se dizer que
quanto maior o conhecimento dos recursos dessa variedade, maior tenderá a ser a
familiaridade com as rotinas linguísticas necessárias. Por esse viés, numa situação
comunicativa que tem como característica marcante a heterogeneidade de seus
integrantes, é de se esperar uma considerável variação no conhecimento das rotinas
linguísticas. Assim, a pressão comunicativa sobre os falantes, com base nesse fator,
105
pode ser maior ou menor – e, portanto, ele precisará monitorar seu estilo mais ou
menos – de acordo, por exemplo, como seu grau de inserção na cultura de
letramento.
Os quatro fatores sugeridos por Bortoni-Ricardo (2006) como relevantes para
se aferir o grau de pressão ou estresse comunicativo sobre o falante foram
identificados no evento Sessão Ordinária numa configuração capaz de influenciar
fortemente o processo de monitoração estilística. Para se acomodar ao seu tipo de
audiência, os vereadores precisam monitorar o seu estilo. Para se adequar ao
contexto sociocultural e sociocognitivo da Câmara Municipal, as produções verbais
dos vereadores têm pequeno apoio contextual, razão pela qual precisam ser mais
monitoradas. Alguns atos comunicativos que os vereadores precisam realizar, em
especial os discursos em tribuna, envolvem grande complexidade cognitiva, o que
faz surgir a necessidade de eles se monitorarem estilisticamente. Em razão da
pequena ou grande familiaridade que tenham com as rotinas linguísticas
necessárias ao longo da sessão, os vereadores também terão que monitorar o seu
estilo. Sendo assim, não resta dúvida de que, sendo a Sessão Ordinária um evento
de alto grau de pressão comunicativa, seja uma de suas características
proeminentes a grande demanda por monitoração estilística.
O modo como cada um dos participantes da Sessão Ordinária da Câmara
atenderá a essa demanda que o evento faz por monitoração estilística tem relação
direta com a competência comunicativa de cada um, a qual, de acordo com
Gumperz (1972), envolve a habilidade de selecionar, num conjunto de expressões
gramaticalmente corretas, as formas apropriadas, segundo as normas sociais de
dado encontro. Para o caso específico do evento em análise, as formas
consideradas apropriadas seriam, como já observado, as da variedade de prestígio,
cujo acesso para a maioria da população ainda é limitado, por uma série de razões.
A precisão de qual comportamento linguístico-comunicativo é tido como
apropriado para determinado evento de comunicação é essencial na análise da
competência comunicativa de um indivíduo. Além do que é apropriado, Hymes
(1972a) propõe ainda a observação do que é formalmente possível, do que é viável
e do que é de fato realizado. Nesse trabalho, o interesse recai sobre as noções de
adequação e de viabilidade. Na aplicação desse último conceito, observa-se, além
de fatores como recursos perceptuais e limitação da memória, um outro, proposto
por Bortoni-Ricardo (2006): o conjunto de recursos linguísticos à disposição dos
106
falantes. Nesse sentido, segundo a autora, “se um falante não tiver acesso a
recursos linguísticos necessários para a implementação de um certo ato de fala,
como, por exemplo, vocabulário ou padrões retóricos específicos, seu ato de fala se
torna inviável” (BORTONI-RICARDO, 2006, p. 62).
Interessa aqui, portanto, verificar como um grupo heterogêneo de líderes
políticos viabilizam atos comunicativos num evento que exige o uso da variedade
urbana culta e, ao mesmo tempo, alto grau de monitoração estilística. Uma vez
conscientes do comportamento linguístico-comunicativo considerado apropriado
para a Sessão Ordinária, os vereadores têm como tarefa essencial viabilizar o seu
discurso. Observando o comportamento linguístico-comunicativo de fato realizado,
foi possível categorizar os participantes do evento em dois grupos: um no qual a
equação adequação-viabilidade se mostra incompleta, como consequência da
insegurança linguística exibida pelos seus integrantes; e outro, no qual essa
equação pode ser considerada completa, graças à segurança linguística que seus
integrantes exibem. Dados representativos de ambos são a seguir analisados.
5.1 Insegurança Linguística, Adequação e Viabilidade
Para parte dos vereadores da Câmara Municipal de São Domingos (ACF,
EFL, EMD, EOC, FLSF e GVSA), viabilizar os atos comunicativos ao longo da
Sessão Ordinária parece não ser uma tarefa tão simples. Por um lado eles
conseguem se moldar às certas exigências linguístico-comunicativas do seu papel
social, como no emprego de traços prosódicos e para-linguísticos próprios do
domínio político; por outro lado, no entanto, como falantes de variedades populares
do português e aparentemente com acesso limitado às regras da norma culta, esses
seis líderes demonstram ser afetados por uma considerável dose de insegurança
linguística. Assim, na tentativa de viabilização de uma produção verbal oral
adequada ao evento comunicativo, eles lançam mão de dois notórios recursos: a
combinação de estilos, de modo a usar recursos linguísticos de sua variedade
vernacular no lugar de recursos da norma culta sobre os quais não têm domínio; e o
uso de hipercorreções, de modo a tentar se aproximar ao máximo das regras da
norma de prestígio, usando regras imperfeitamente aprendidas.
No quadro do recurso à combinação de estilos, os falantes, ao lado de regras
da norma culta, usam de modo recorrente regras próprias de sua variedade, a
107
rurbana. Os dados revelam que, nesse processo, algumas regras fonológicas e
morfossintáticas se destacam, como se pode conferir no item seguinte. São traços
linguísticos, conforme Bortoni-Ricardo (2006, 2009), ou descontínuos ou, mesmo
sendo graduais, não são produtivos em estilos formais da norma urbana culta, a
considerada adequada para a Sessão Ordinária.
5.1.1 O uso de regras linguísticas de variedades do português popular
Algumas regras linguísticas características de variedades do português
popular brasileiro (entre as quais se incluem as variedades rurais e rurbanas) são
recorrentes no estilo monitorado dos seis vereadores que integram esse grupo
marcado pela insegurança linguística e pelo acesso limitado às regras da variedade
culta em seu estilo monitorado. Destaca-se entre todo o conjunto de regras
utilizadas com frequência considerável por esses líderes políticos duas regras
fonológicas e duas morfossintáticas: a vocalização do /λ/, o apagamento do ditongo
resultante de inserção de glide, a concordância nominal de número e a concordância
verbo-nominal.
O primeiro traço linguístico a ser considerado, nessa direção, é a vocalização
de /λ/, tida como uma das características mais marcantes das variedades rurais e
rurbanas do português brasileiro contemporâneo. Nos trechos de elocuções a
seguir, dá-se destaque a esse aspecto fonológico:
(4) EFL: (...) quero, senhor presidente, dizer, que tive com o prefeito no sábado oiano as estrada... ele também preocupado porque viu que o mandato dele tá precisano ajeitar as estrada...pedi a ele que visse o mais rápido possível essa situação e até ele dizia que tá com um projeto pra comprar duas caçamba pra gente fazer um meioramento nas estrada (...)
(5) ACF: (...) Eu gostaria, senhor presidente, de solicitar do seu prefeito também essa saída, seu presidente... de:: a saída da rua até chegar em... na... cooperativa... que ele faça uma passage moiada que tá o perigo maior do mundo (...)
(6) EOC: (...) quero também... já falei aqui também por diversas vez... que coloque um aparei de raio-x no hospital da sede e também uma ultrassonografia, um aparei de ultrassonografia para a nossa... para o nosso povo humilde não precisar ir pra Valente, pagar uma passage, perder uma até mei dia pra poder ir em busca de um inzame desse (...)
A regra de vocalização da lateral /λ/ é aplicada às quatro palavras
destacadas: oiano, meioramento, moiada e aparei, cujos usos correspondentes na
norma culta são, respectivamente: olhando, melhoramento, molhada e aparelho. A
108
regra, como se vê, é amplamente utilizada por esses vereadores, apesar do grande
estima a que está sujeita, principalmente em contextos mais formais. À cerca desse
fenômeno linguístico, é interessante a observação que faz Bortoni-Ricardo (2011, p.
195):
A vocalização do fonema lateral alvéolo-palatal é um claro estereótipo caipira na cultura dominante no Brasil. Em comunidades rurbanas de fala, provavelmente tem o status de “marcador estereotipado”, i. e., é uma variável diagnóstica do substrato rural dos falantes, possível de alternância estilística e ainda, dependendo do grau de influência da cultura dominante na comunidade, é um tópico de comentário.
Especificamente na palavra aparei, além da vocalização da lateral alvéolo-
palatal, coocorre uma outra regra também produtiva nas variedades rurais e
rurbanas: o apagamento do ditongo resultante de inserção de glide. Bortoni-Ricardo
(2011) explica que os ditongos formados por / j /, seguidos por uma vogal - como na
palavra “ideia” – representam um caso peculiar de redução. Segundo a autora, na
pronúncia padrão, um glide é inserido antes da vogal que segue ao ditongo, o que
resulta numa sequência de dois ditongos: /i’dɛja/ : /i’dɛjja/ “ideia”. Ela diz que, em seu
conjunto de dados do português rural e rurbano, esse ditongo segue dois padrões de
redução. Em alguns casos ele é monotongado, o que bloqueia a inserção de glide,
resultando para a palavra “ideia”, por exemplo, a realização /i’dɛa/. Em outros, o que,
segundo ela, é mais frequente, o ditongo crescente obtido com a inserção do glide é
apagado, desse modo: /’ʃejju/ : /’ʃej/ “cheio”.
De acordo com Bortoni-Ricardo (2011), essa regra de redução do ditongo é
produtiva nas variedades rurais e rurbanas, justamente como consequência da regra
de vocalização da consoante lateral palatal /λ/ e também da consoante nasal palatal
/ñ/. Assim para o caso de palavras como aparei (aparelho) e rebain (rebanho), o
processo é assim explicado:
Vocalização Inserção de glide apagamento do ditongo
/apa’ɾeλu/ : /apa’ɾeju/ : /apa’ɾejju/ : /apa’ɾej/
Vocalização Inserção de glide apagamento do ditongo
/xɛ’bãñu/ : /xɛ’bã u/ : / xɛ’bã u/ : / xɛ’bã /
109
Representando diferentes níveis de estratificação, o apagamento do ditongo
resultante de inserção de glide é mesmo uma regra muito usada por alguns dos
vereadores. Assim como em “aparelho” – como visto acima – a aplicação dessa
regra a outras palavras também pode ser verificada, como é o caso de “rebanho” e
“meio”, destacadas nos trechos de fala seguintes:
(7) EFL: (...) quero dizer às vossas excelências... que hoje está se criano em São Domingos um novo programa, um programa da Cidadania Rural, onde nós vamos ter técnicos para levar até as fazenda meioramento genético, vamo ter um acompanhamento de veterinário, onde vai acompanhar os seus rebain... é:: que a gente veja... é:: o desenvolvimento nas região rurais com os animais sadio, onde a gente hoje enfrentamos grandes problema do rebain bovino (...)
(8) ACF: (...) senhor presidente... tem ota coisa mínima... as aula começou e o ônibus tá vino de lá pra cá pegano os aluno naqueles ponto e o ônibus para no mei da pista (...)
Ainda na seara do uso de regras características de variedades rurais e
rurbanas no discurso monitorado dos vereadores, merece destaque casos de
concordância nominal e de concordância verbal. São essas duas regras da língua
bem representativas da variação linguística, inclusive da variação estilística.
A concordância nominal é uma das regras variáveis do português brasileiro
que se pode usar para distinguir diferentes variedades, entre elas as estilísticas.
Souza Campos e Rodrigues (2002) afirmam que a concordância nominal é um fato
gramatical que implica harmonia formal em pelo menos dois elementos flexionáveis
de um sintagma nominal. Em se tratando de concordância nominal de número,
especificamente, as autoras dizem preferir falar em indicação formal de pluralidade e
não em concordância nominal, visto que, em tese, a dita harmonia pode mesmo não
acontecer.
A indicação formal de pluralidade em todos os elementos flexionáveis do
sintagma nominal é uma das marcas características dos estilos mais monitorados
das variedades urbanas de prestígio. Analisando esse fenômeno nos dados do
NURC, Souza Campos e Rodrigues (2002) concluem que os falantes cultos tendem
a aplicar as regras de pluralização preconizadas pela gramática normativa,
sobretudo em elocuções formais. Desse modo, a tendência é a marcação
redundante do plural no sintagma nominal, assim: “Todas as câmaras do estado”.
Em oposição aos estilos monitorados da variedade urbana de prestígio, nas
outras variedades da língua, a tendência é que a indicação formal de pluralidade em
um sintagma nominal se dê apenas no seu primeiro elemento, evitando, assim, a
110
chamada redundância. Bortoni-Ricardo (2009) defende que essa regra se
caracteriza por ser um traço gradual, visto que ela aparece no polo rural do contínuo,
mas também nas comunidades rurbanas e urbanas. Apesar de ser uma regra
espraiada entre os falantes, ela, no entanto, não goza de prestígio em eventos
comunicativos letrados, em que a variedade urbana culta em seu estilo monitorado é
a considerada adequada, como é o caso das Sessões Ordinárias.
Os seis vereadores desse grupo, na realização dos atos comunicativos
marcadamente monitorados na Sessão Ordinária, fazem largamente uso da regra de
concordância nominal em que apenas o primeiro elemento do sintagma nominal
recebe a marca formal de pluralidade, como se vê abaixo:
(9) EOC: (...) Em Santo Antoin realmente tá faltano água esses três dia e o pessoal tá se bateno pela água, que a água é vida, portanto falo ao prefeito... veja o que faz aí pelo pessoal... que volte a ter água os oito dia da semana (...)
(10) GVSA: (...) Eu acredito que tudo tem que ter reeleição, mesmo porque acredito... aqui tem só três novato, vereadores a primeira vez... me perdoe os demais mas a maioria já tem três, quatro mandato (...)
(11) FLSF: (...) Senhor presidente... é:: nesse momento eu quero parabenizar e agradecer a presença do tenente L, onde tive a oportunidade de está com ele ontem aqui na cidade de São Domingos, onde ele está se preocupano muito com esses evento que vai acontecer aqui neste mês, esses evento que são as festa junina (...)
(12) EMD: (...) Quero pedir a ele que ele mande confeccionar as farda do pessoal que trabalha na área da limpeza pública o mais rápido possível... tá chegano os festejo junino, pessoal vai trabalhar... que ele veja isso (...)
(13) EFL: (...) Senhor presidente... eu fico feliz quando vejo os colega vereador cobrano, reivindicando os direito, fiscalizano e fazeno nova legislação... que é o nosso dever... é fiscalizar e legislar... e isso sim é o dever do vereador (...)
(14) ACF: (...) a gente se incomoda, senhor presidente, de vim uma quantia de seis mil reais todo mês, pa asfaltar as estrada, cascalhar as estrada... e não é pa passar a máquina não, tapear com uma maquinazinha... é pa encascaiamento (...)
No que diz respeito à concordância verbal, é preciso, antes de tudo, destacar
que essa é uma regra variável reveladora da heterogeneidade do português
brasileiro. De modo geral, o português brasileiro é caracterizado pela simplificação
dos paradigmas flexionais verbais, fenômeno morfofonêmico e morfossintático que,
de acordo com Mattos e Silva (2002), tem relação sintática e semântica com a
seleção do pronome sujeito. Segundo a autora, convivem no Brasil, em um extremo,
111
o paradigma histórico pleno, referente a seis pessoas (três do singular e três do
plural), ou seja, o encontrado em textos literários e nas gramáticas escolares; e, no
outro extremo, o paradigma em que a oposição se reduz entre a primeira pessoa e
as outras, sem distinção número-pessoal. Entre um extremo e outro do contínuo,
conforme Mattos e Silva (2002), estão os paradigmas de quatro pessoas e o de três
pessoas. O verbo votar no presente do indicativo, por exemplo, seria, nesses quatro
paradigmas, assim representados:
1º Paradigma – Eu voto; Tu votas; Ele/Ela vota; Nós votamos; Vós votais;
Eles/Elas votam;
2º Paradigma – Eu voto; Você/Ele/Ela vota; Nós votamos; Vocês/Eles/Elas
votam;
3º Paradigma - Eu voto; Você/Ele/Ela/A gente vota; Vocês/Eles/Elas votam
4º Paradigma – Eu voto; Você/Ele/Ela/Vocês/Eles/Elas/A gente/Nós vota.
O segundo paradigma (o de quatro pessoas) caracteriza-se pela perda das
marcas de 2ª pessoa na morfologia verbal. Essa configuração, segundo Lucchesi
(2006), é decorrente de mudanças de pauta dos pronomes pessoais do português
brasileiro, a saber, a substituição do pronome vós pelo pronome vocês –
praticamente consolidada em todo o território brasileiro – e a substituição do tu pelo
você, que também é majoritária no Brasil.
No terceiro paradigma (o de três pessoas), além da perda das marcas de 2ª
pessoa, tem-se também como característica a perda da marca de 1ª pessoa do
plural. A explicação para esse fenômeno, de acordo com Lucchesi (2006), está no
processo de substituição do pronome nós pelo a gente, motivado pelo processo de
gramaticalização que esta expressão nominal sofreu, adquirindo a função de
pronome pessoal sujeito, processo que ganhou força, segundo Lucchesi (2006), ao
longo do século XX. O autor assevera que essa configuração do terceiro paradigma
de conjugação foi responsável por praticamente eliminar todas as distinções de
pessoa do português brasileiro, visto que os morfemas verbais de primeira pessoa
só ocorrem no presente, pretérito perfeito e futuro do presente do indicativo, e que a
marca de número, feita por meio do morfema plural – m, se enfraquece, já que não
figura mais na primeira pessoa do plural.
112
O quarto paradigma, em que se verifica somente a oposição entre a primeira
pessoa e as outras, é característico das variedades populares do português
brasileiro, entre as quais se podem incluir as rurais e as rurbanas. Segundo Lucchesi
(2006), especificamente no quadro dessas variedades, podem-se encontrar ainda
outros paradigmas de conjugação, quais sejam: Eu voto; Você/Tu/Ele/Ela vota;
Nós/A gente vota, votamo(s); Vocês/Eles/Elas vota(m).
Nesse caso, constituem-se como regras variáveis entre essas variedades a
concordância com a 1ª, a 2ª e a 3ª pessoas do plural. Para a primeira pessoa, a
desinência número-pessoal pode ser realizada como /mu/ ou ser simplesmente
suprimida, realizando-se, portanto, como uma forma não marcada; em se tratando
da variedade rural, a variante /mu/ geralmente coocorre com a mudança da vogal
temática (/a/ >/e/) nos pretéritos da primeira conjugação, resultando em formas
como: nós falemu; nós andemu; nós paremu Observa-se ainda que quando o sujeito
de 1ª pessoa do plural usado é o a gente, ele pode também ocorrer com a forma
verbal marcada de 1ª pessoa do plural, resultando em formas como: a gente
falamos; a gente andamos; a gente paramos (Bortoni-Ricardo, 2011).
Especificamente para a 2ª e a 3ª pessoas do plural, a variação que se verifica se dá
entre a presença ou ausência do morfema de plural – m.
O processo de redução da morfologia verbal de pessoa e número na
formação das normas populares do português brasileiro, como argumenta Lucchesi
(2006), não pode ser explicado pelos mesmos processos atribuídos aos 2º e 3º
paradigmas apresentados acima, ou seja, pelo processo de substituição dos
pronomes pessoais, haja vista que a redução na flexão verbal, entre as variedades
populares, ocorre mesmo quando se mantém em uso os pronomes tu e nós. Para o
autor, a explicação encontra-se no processo de transmissão irregular desencadeado
pelo contato entre línguas, ou seja, no processo de aquisição precária do português
por índios aculturados e escravos africanos e no processo de socialização e
nativização desse modelo defectivo de segunda língua entre seus descendentes
endógamos e mestiços.
Na condição de falantes de uma variedade do português popular brasileiro, os
vereadores desse grupo empregam com considerável frequência no seu discurso
monitorado durante a Sessão Ordinária formas verbais próprias dos últimos
paradigmas apresentados. No caso das 1ª, 2ª e 3ª pessoas do plural, nota-se a
preferência pela aplicação de determinadas regras de concordância verbal. Quando
113
o sujeito de 1ª pessoa do plural é expresso, por exemplo, por a gente, verifica-se
que eles alternam entre a forma não marcada do verbo – que é também comum em
outros paradigmas – e a forma com a marca desinencial de número-pessoal, que,
por sua vez, também ocorre com a supressão do /s/ da desinência (/mus/>/mu/):
(15) ACF: (...) tamos preocupado é com essas obra inacabada, que dinheiro vem, dinheiro vem e ninguém vê terminar as obra... então a gente vamos se incomodar a vida toda... num vamos deixar de bater na tecla... nessa tecla nunca na vida, enquanto num terminar as obra a gente temos que bater. Um boa noite a todos.
(16) EFL: (...) Já pedi aqui nessa tribuna que:: o secretário de transporte fizesse umas visita nos distrito, nos povoado e que priorizasse aquelas localidade onde se pega os aluno e traz pras nossa cidade, e precisa sim ser feita, que a gente estamo aqui é pra cobrar, mas a gente tamo sim pra fiscalizar, porque a gente tem que saber que a nossa função aqui é fiscalizar e legislar e é por isso que eu quero pedir ao secretário que reveja essa situação (...)
Com a 2ª pessoa do plural, a concordância adotada com frequência por esse
grupo de líderes políticos mostrou-se também variando entre as opções dos
paradigmas de conjugação verbal próprios das variedades populares, mesmo o
evento comunicativo sendo, conforme analisado, formal e exigindo, portanto, o uso
de formas dos paradigmas das variedades cultas mais monitoradas. Desse modo,
tem-se a combinação do pronome vocês ou com uma forma verbal sem desinência
número-pessoal ou com uma realização específica dessa desinência, em se
tratando de determinados verbos, em determinados tempos verbais, como se vê nos
trechos de fala abaixo, do vereador EFL, quando ele se dirige à população do
munícipio:
(17) EFL: (...) tenho certeza que vocês merece, que vocês precisa, porque eu tenho certeza que vocês merece sim um emprego digno... que venha a dar sustento à família de vocês... porque eu tenho certeza que essa preocupação dos vereadores aqui quer sim ver todos vocês trabalhando (...)
(18) EFL: (...) me recordo muito bem onde existe uma lei que aquele que vota merece se votado e qualquer um de vocês pode assumir aqui essa cadeira... então por que vocês não pode fazer uma prova do Reda com um nível onde vocês estudaro? (...)
Em (17) os verbos precisar e merecer têm como sujeito o pronome de
segunda pessoa do plural vocês e são conjugados seguindo um dos paradigmas das
variedades populares, ou seja, sem os ditongos nasais /ãũ/ e /ẽ /, que
corresponderiam, nesse caso, às desinências número-pessoais para cada um dos
verbos, respectivamente. Em (18), por sua vez, verifica-se que o verbo estudar é
utilizado com a marca desinencial, no entanto a ela é aplicada a regra fonológica de
desnazalização e monotongação do ditongo /ãũ/, de modo que ele é realizado como
114
/u/; regras que, apesar de se constituírem como traços graduais no português
brasileiro, possuem uma estigmatização média, segundo Head (1981, apud
BORTONI-RICARDO, 2011, p. 68), sobretudo em contextos formais e de alta
monitoração estilística, como é o caso da Sessão Ordinária.
No que se refere à concordância verbal com a 3ª pessoa do plural, há casos
semelhantes ao que se observa para a 2ª pessoa do plural. Ora os verbos usados
pelos vereadores não apresentam marcas desinenciais de pessoa e de número ora
são aplicadas as regras de desnazalização e de monotongação aos ditongos que
constituem as desinências número-pessoais de alguns verbos, o que se verifica
independente de ser expresso pronominalmente (eles/elas) ou por meio de um
sintagma nominal equivalente. Nesse sentido, os excertos a seguir, de elocuções de
alguns dos vereadores, são bem representativos:
(19) EMD: (...) Quero dizer que toda administração sempre tem algum problema e quero pedir a Deus que nos dê força a nós, dê força aos nosso adversário pra que eles veja de perto a nossa grande vitória e meu boa noite.
(20) ACF: (...) Senhor prefei/... Senhor presidente, eu gostaria também, senhor presidente... eu gostaria de dizer... foi falado aqui há pouco nessa tribuna que os vereadores se incomoda, muitas vezes, de ver obra... Os colegas do PMDB não incomoda de ver obra não... Eu quero ver obra e mais obra em São Domingos (...)
(21) EMD: (...) Quero dizer que:: todos os prefeito que passaro por a administração dessa cidade dero sua parcela de contribuição, mas também não poderia deixar de dizer e agradecer a Deus por ter dado força e saúde à população são-dominguense e ao prefeito por o trabalho que tem feito nos último cinco ano (...)
(22) ACF: (...) Isso é um absurdo... A pobrezinha ficou com tanta vergonha que voltou sem a feira dela. Eles dero às duas pessoa que tava com ela e num dero a ela, porque simplesmente ela num votou no prefeito... Isso é ABSURDO (...)
5.1.2 O uso de hipercorreção
A tentativa de se mostrar ao mínimo os traços característicos de suas
variedades (rurais ou rurbanas, por exemplo), quando em situação de alto grau de
monitoração estilística, faz parte do esforço de falantes de variedades menos
prestigiadas de “fazer crer que se domina a língua legítima ou fazer apagar a própria
origem” (CALVET, 2002, p. 77-78). Desse processo, motivado por uma forte
insegurança linguística, pode resultar, como afirma Calvet (2002), uma restituição
115
exagerada das formas prestigiosas, ou seja, pode resultar no fenômeno da
hipercorreção.
A produção verbal dos líderes políticos ora analisada, cuja característica
marcante é ser estilisticamente monitorada, revela flagrantes fenômenos de
hipercorreção. Entre as hipercorreções identificadas como mais frequentes,
destacam-se duas: o uso indiscriminado de onde e o emprego do relativo o qual.
São usos que, como se poderá verificar, não correspondem aos da variedade
urbana de prestígio, que se configura, nesse caso, como o modelo de referência.
Nos estilos mais monitorados da variedade de prestígio, a palavra onde tem
uma função normalmente bem definida: a de pronome/advérbio de lugar. Outras
funções, no entanto, são alocadas à palavra onde por alguns dos vereadores, no
esforço de viabilização de um discurso monitorado:
(23) EFL: (...) Senhor presidente, eu quero parabenizar nosso amigo V por ter feito um ofício e passado aqui p’esta casa, entregando ao senhor presidente... e tenho certeza que essa situação, V, vai ser resolvida, onde eu vi o presidente lendo, onde pediu o uniforme para o jovem, onde tá tendo uma escolinha e precisa sim ser resolvido essa questão... eu também, seu presidente, quero aqui neste momento parabenizar o professor JC, onde fez uma reunião conosco, onde tratou de um projeto, o Reda, onde foi muito polêmico (...)
(24) EFL: (...) quero pedir, senhor presidente, ao prefeito, onde ele venha resolver a situação de Morro Branco... eu tenho certeza que o prefeito vai resolver aquela situação (...)
À primeira vista, o que mais se destaca em relação à palavra onde nos
trechos de fala apresentados é a quantidade de vezes que ele aparece; só no
primeiro trecho são seis vezes. Acrescido a isso está ainda a generalização de
funções que o onde desempenha. Ora é empregado como uma conjunção
explicativa (“... onde vi o presidente lendo...”), ora como uma conjunção integrante
(“... onde ele venha resolver a situação do Morro Branco...”). No entanto, no mais
das vezes, a generalização se dá entre os relativos, uma vez que ele é usado tanto
para retomar pessoas (“... onde fez uma reunião conosco...”,“ ... onde tá tendo uma
escolinha...”) quanto situações (“... onde tratou de um projeto...”, “... onde foi muito
polêmico...”).
O uso generalizado do onde, como recurso de coesão sequencial, de
marcador discursivo, também pode ser verificado nos trechos de discurso de tribuna
do vereador FLSF reproduzidos abaixo:
116
(25) FLSF: (...) Quero aproveitar aqui a oportunidade também e parabenizar nossa amiga R pelo evento que tive o prazer de participar na sua escola, a décima sétima consecutiva, onde ganhou o nome de Arraiá da I F, onde tive o prazer de ver todos os alunos, seus pais, professores e todo aquele povo que estava presente naquela festa (...)
(26) FLSF: (...) quero te parabenizar, prefeito, pelas obras que está trazendo para esse município, principalmente para o meu distrito de Santo Antônio, onde estou muito alegre hoje por ter visto a planta da praça de Santo Antônio, onde foi pedida pelo vereador F (...)
Do modo como é empregado, esse recurso, além de ser um fenômeno
evidente de hipercorreção, é também a indicação de um domínio incompleto das
convenções dos estilos orais mais monitorados.
O emprego do pronome relativo o qual (e suas flexões) também foi
identificado entre as elocuções monitoradas dos vereadores como um relevante
fenômeno de hipercorreção. Como um nítido índice de insegurança linguística, esse
pronome é amplamente utilizado em uma grande variedade de funções, que
geralmente diferem dos seus usos mais comuns na variedade de prestígio, qual
sejam: “quando o verbo da oração adjetiva é transitivo indireto e seu complemento é
recuperado pelo pronome relativo, combinado com preposição regida pelo verbo”
(BAGNO, 2012, 969) e “para evitar ambiguidade quando existem dois antecedentes
para um mesmo pronome relativo, caso em que se emprega o qual para indicar que
o pronome se refere ao antecedente mais próximo” (BAGNO, 2009, 49-50). O
primeiro caso pode ser assim exemplificado: “O projeto no qual votamos é muito
importante para a cidade”. O segundo uso, assim: “Na mesa diretora, temos o
presidente e o secretário, o qual faz a leitura da ata e das correspondências.”.
É preciso destacar, nesse ponto, que, mesmo nas variedades urbanas cultas,
esses empregos de o qual são raros, estando reservados a interações mais formais
e letradas. Na verdade, em muitas situações em que se usa o qual, também se
poderia usar o relativo que, sem prejuízo nem sintático nem semântico nem de
qualquer outro nível. Assim, o exemplo dado acima também poderia ser assim
construído: “O projeto em que votamos é muito importante para a cidade.”.
Entre os variados usos de o qual nas elocuções monitoradas desse grupo de
vereadores, encontra-se ele sendo usado em funções sintáticas as mais diversas,
menos na de objeto indireto.
117
Nestes três trechos de fala, o relativo o qual aparece sendo empregado
equivocadamente na função de sujeito, mesmo não havendo nenhuma possibilidade
de ambiguidade no contexto:
(27) GVSA: (...) quero brevemente encerrar as minhas palavras dizendo que nesta casa tramita um projeto, senhor presidente, o qual propõe uma mudança no regimento de reeleição para presidente da Câmara (...)
(28) GVSA: (...) gostaria de em nome do Partido Democratas solicitar e pedir do:: Poder Executivo que esse mês saia atualizado o salário mínimo (...) pela manhã fui abordada por alguns profissionais, alguns servidores públicos, os quais estão pedindo que o Poder Executivo pague o retroativo (...) (29) GVSA: (...) Boa noite a todos... serei breve hoje... acredito que não há sessão melhor, pois estamos recebendo a graça conjunta, o qual estava fazendo muita falta (...)
Do mesmo modo, nestes outros trechos, o qual desempenha
desnecessariamente a função sintática de complemento nominal e de adjunto
adverbial, respectivamente:
(30) EFL: (...) Senhor presidente, eu quero, neste momento, pedir... é:: ao secretário de obras, o qual já fiz uma indicação aqui... que revesse... é:: aquela... aquele... riacho que liga a rua Santo Antônio à Alcides Carneiro (...)
(31) GVSA: (...) Quero aproveitar e dizer, vereador VF... que nunca esquecerei de que você simplesmente interpretou a lei como eu interpretei e assim nessa casa me defendeu de alguma situação, o qual vocês sabem que eu estava correta (...)
Em algumas ocorrências, o uso de o qual, além de se configurar em um
emprego sintaticamente equivocado, ainda aparece com o gênero e o número
diferentes do nome que retomam, sendo empregado na forma masculina e singular,
indiscriminadamente. Em (29), por exemplo, apesar de referir-se ao sintagma
nominal a graça conjunta - feminino, portanto - o relativo aparece sem a flexão de
gênero; o mesmo que se observa em (31), em que o relativo é usado no masculino,
mesmo retomando o nome feminino situação.
Opções alternativas ao relativo o qual, que, inclusive, poderiam ser usadas
com adequação nas situações acima - como é o caso de quem ou de que – parecem
mesmo não ser empregadas. Bagno (2009) argumenta que uma das razões para se
ter tantas produções verbais onde o relativo o qual é usado a todo momento e
indiscriminadamente está na obsessiva prescrição que o ensino tradicional faz de
que se deve evitar a repetição de que. Segundo ele, em vez de oferecer opções de
estruturas sintáticas que possam reduzir o uso do que – que exerce múltiplas
118
funções e é de uso inevitável – tudo o que se sugere é a substituição do que por o
qual, resultando, assim, em numerosos usos equivocados desse relativo.
Do mesmo modo que o onde, o relativo o qual também é usado por alguns
dos vereadores com outras funções, tais como a de reorganizador do discurso. Nos
dois trechos de fala seguintes, os vereadores GVSA e EMD empregam o pronome o
qual na função de mero conectivo, numa tentativa de organização do discurso que
vai sendo elaborado:
(32) EMD: (...) O ônibus da saúde que roda levano o pessoal pra Salvador, Feira de Santana... pa fazer exame... tá acontecendo um problema, o qual fui abordado nessa segunda-feira por duas pessoas...deixaro de levar um rapaz pa fazer exame ni Feira de Santana (...)
(33) GVSA: (...) Queria neste momento dizer o meu muito obrigada a secretária de Ação Social, S T... o secretário de Educação, J M... o secretário de Saúde, I N por o apoio que deu ao curso que teve esse fim de semana com o corpo de bombeiros, a brigada voluntária de Camaçari... em nome também do diretor do CEEP – Semiárido, nosso C, nos quais passamos o final de semana, sábado e domingo, o dia todo, fazendo um trabalho educativo de como se prevenir e dar socorro no caso de acidente (...)
5.1.3 Perfil sociocultural e insegurança linguística
Desempenhar papéis em domínios sociais cujo funcionamento se dá por meio
da variedade urbana de prestígio, pode mesmo ser uma tarefa nada fácil para quem
o acesso a essa variedade, por uma série de razões, foi e é restrito. Em meio a um
sentimento de insegurança, esse tipo de falante precisa então recorrer a estratégias
que o ajudem a viabilizar suas tarefas comunicativas. No caso dos seis vereadores
desse grupo, a combinação de variedades estilísticas e o recurso à hipercorreção
foram estratégias que se destacaram, no esforço de adequação à linguagem do
evento.
Certamente, a demonstração de insegurança linguística nesse que é
predominantemente um evento de letramento, está associada ao perfil sociocultural
do falante e à sua relação com a cultura letrada. No contínuo rural-urbano, dos seis
vereadores, cinco estão situados numa zona intermediária, ou seja, tem origem
rurbana; e um está situado no polo urbano. A partir da metodologia proposta por
Bortoni-Ricardo (2006, 2009), a maioria dos vereadores desse grupo é classificada
como rurbana, já que eles ou residem em distritos e núcleos semirrurais, que estão
submetidos à influência urbana, ou então, mesmo residindo em ambiente urbano,
tem origem rural, de modo a preservar muitos de seus antecedentes culturais,
119
notadamente o repertório linguístico. ACF, EOC e FLSF, por exemplo, são
residentes do distrito de Santo Antônio. EMD é morador do povoado rural de Ouro
Verde. EFL, por sua vez, apesar de morar na sede do município, é proveniente de
uma de suas comunidades rurais, Morro Branco. Sendo o único membro desse
grupo que não é classificado como rurbano, a vereadora GVSA é considerada
urbana porque ao longo de toda a vida ela teve apenas residência urbana,
chegando, inclusive a morar na sede de outros municípios da região.
Para esse grupo de vereadores cujo discurso monitorado é marcado pela
insegurança linguística, a escolaridade se mostra um fator importante, porém não
uniforme entre eles, visto que, de modo geral, se encontravam em pontos distintos
do processo de escolarização. EMD e EOC não haviam completado o Ensino
Fundamental. EFL e ACF, por sua vez, tinham essa etapa da Educação Básica
concluída. Os outros dois vereadores, FLSF e GVSA, são os que possuíam maior
escolarização no grupo: o primeiro com Ensino Médio completo e a segunda, Ensino
Superior completo, sendo esta última, portanto, a mais escolarizada entre todos os
vereadores.
A partir de pesquisas sobre letramento, Soares (2003, p, 111) chega à
conclusão de que “quanto mais longo o processo de escolarização, quanto mais os
indivíduos participam de eventos e práticas escolares de letramento, mais bem
sucedidos são nos eventos e práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita”.
Desse modo, é de se esperar que o processo de escolarização exerça uma
influência efetiva no domínio de variedades urbanas de prestígio. Para os
vereadores em questão, no entanto, que apresentam níveis de escolaridade
diferentes e habilidades de monitoração estilística até certo ponto semelhantes, a
influência da escolarização pode ser observada de modos diferentes. Para os que
não completaram a Educação Básica, a razão da insegurança linguística pode estar
exatamente no relativamente pequeno tempo de contato com o letramento escolar.
Para os que tiveram mais anos de escolarização, por sua vez, pode-se apontar
como razão da insegurança linguística, entre outras, a incipiente qualidade desse
letramento, o que pode ser resultado, por exemplo, da ainda comum educação
linguística tradicional oferecida pelas escolas.
Ao lado dos fatores origem geográfica e nível de escolaridade, o fator
envolvimento com práticas letradas na vida cotidiana se mostrou também relevante
para explicar a inserção dos seis vereadores nesse grupo. A partir de aspectos
120
como atividades profissionais desempenhadas ao longo da vida, uso da leitura e da
escrita no dia a dia e participação sociopolítica, observou-se o quanto esses líderes
políticos estão inseridos na cultura de letramento, e, por conseguinte, o quão eles
são impelidos a monitorar seu estilo, a recorrer à variedade de prestígio da língua.
Considerando que no âmbito do trabalho algumas atividades lidam mais
outras menos com práticas letradas, foram observadas quais profissões os
vereadores já haviam exercido e/ou estavam exercendo, a fim de verificar se nesse
âmbito havia demandas, por exemplo, de habilidades de monitoração estilística. O
que se notou foi que, quanto a esse aspecto, havia certa uniformidade entre todos
eles, incluindo os dois mais escolarizados. Atividades profissionais ligadas ao meio
rural, como a agricultura e a pecuária foram as que os vereadores EFL, EOC e EMD
disseram desempenhar, atividades, portanto, cujo desenvolvimento não envolve
necessariamente práticas letradas. Profissionalmente, os vereadores FLSF e ACF
tinham em comum o fato de serem ambos pequenos comerciantes. No caso de
GVSA, por ocasião da pesquisa estava exercendo apenas a função de vereadora,
mas até então tinha como principal atividade profissional a de técnica de
enfermagem. Em relação às ocupações desses três últimos vereadores, pode-se
dizer que, apesar de demandarem determinadas competências letradas, não exigem
deles precisamente, por exemplo, o uso de estilos linguísticos mais monitorados,
mais formais.
Os hábitos de leitura e de escrita que os seis líderes políticos revelaram ter
em seu cotidiano também se mostraram esclarecedores do grau de inserção em
práticas letradas. A bibliotecas e livrarias, por exemplo, eles disseram que raramente
ou nunca vão. Eles são unânimes em dizer que se utilizam da escrita ou para fins
profissionais (o que inclui, com destaque, as demandas do próprio papel de
vereadores) ou burocráticos (a exemplo de preenchimento de cadastros e registro
de compromissos). Jornais e revistas foram os materiais de leitura que eles disseram
utilizar. Os vereadores EFL, EMD e EOC admitiram ter certa dificuldade com
atividades que envolvem leitura e escrita. GVSA, especificamente, admitiu que lê
muito pouco e que o pouco que lê se restringe a documentos ligados a seu trabalho
na Câmara ou seu trabalho de técnica de enfermagem.
No que diz respeito à participação sociopolítica desse grupo de vereadores há
que se observarem algumas questões interessantes. A vereadora GVSA conta que
nunca fez parte de entidades como associações, cooperativas, etc., mas que
121
costuma participar, como ouvinte, de palestras e cursos, principalmente na área de
saúde. Os vereadores ACF, FLSF, EOC EMD disseram já terem participado de
associações comunitárias na condição de sócios, chegando FLSF a exercer a
função de secretário. EFL, por seu turno, disse que na ocasião estava exercendo,
concomitante à função de vereador, a de vice-presidente de uma cooperativa rural.
5.2 Segurança Linguística, Adequação e Viabilidade
O estilo monitorado dos outros três vereadores (AJRN, GAC e WFRC)
apresenta traços que revelam que os aspectos de adequação e viabilidade de suas
competências comunicativas correspondem bem às exigências do evento
comunicativo Sessão Ordinária da Câmara. Exibindo segurança linguística em suas
elocuções nos diferentes atos comunicativos que desenvolvem, esse grupo de
vereadores demonstrou dominar suficientemente não apenas os aspectos
prosódicos e para-linguísticos próprios do papel de líder político, mas também regras
do estilo monitorado da variedade urbana culta, que é notadamente o estilo de
referência no evento.
Nesse sentido, a adequação e a viabilidade para esse caso, podem ser
avaliadas pelo uso das mais diversas estratégias comunicativas e regras
linguísticas. Assim, opta-se aqui por analisar mais detidamente o uso que esse
grupo de vereadores faz de duas regras variáveis: a concordância nominal de
número e a concordância verbo-nominal. Uma seleção que se justifica na medida
em que são fenômenos morfossintáticos que exibem considerável variação na
comunidade de fala brasileira como um todo, sendo suas diferentes variantes
representativas de diferentes variedades, sobretudo estilísticas.
5.2.1 O uso de regras linguísticas da variedade urbana culta
No que tange à concordância verbal, como já discutido, sabe-se que é regra
geral e produtiva da variedade urbana culta do português brasileiro, a concordância
do verbo com o sujeito. É preciso destacar, no entanto, que, assim como de outras,
é característica dessa variedade a simplificação do sistema flexional dos verbos.
Desse modo, pode-se afirmar que dois dos quatro paradigmas de conjugação verbal
apresentados por Mattos e Silva (2002) dizem respeito à variedade urbana culta
122
monitorada: o paradigma de 4 pessoas e o paradigma de 3 pessoas, ambos
provenientes, segundo Lucchesi (2006) do processo de substituição de pronomes
pessoais no português brasileiro. Assim, devido à substituição do pronome vós pelo
pronome vocês e do tu por você, tem-se o seguinte paradigma: Eu trabalho;
Você/Ele/Ela trabalha; Nós trabalhamos; Eles/Elas trabalham. E devido à
substituição do pronome nós por a gente, tem-se o paradigma: Eu trabalho;
Você/Ele/Ela/A gente trabalha; Vocês/Eles/Elas trabalham.
Nessa direção, em um dos paradigmas das variedades urbanas de prestígio,
o sujeito de 1ª pessoa do plural é expresso por a gente e o verbo que com ele
concorda não apresenta a marca desinencial de plural; e no outro paradigma, o
sujeito de 1ª pessoa é expresso pelo pronome nós e, assim, o verbo que com ele
concorda exibe a desinência plural – /mus/. Com a 2ª e a 3ª pessoas do plural, tanto
em um paradigma quanto em outro, os verbos apresentam normalmente a
desinência número-pessoal, expressa ou por vogal nasal ou por ditongos nasais.
Nas elocuções dos três vereadores desse grupo, observa-se que há
preferência pela utilização das regras de concordância verbo-nominal do paradigma
de quatro pessoas pronominais. Desse modo, sendo o sujeito de 1ª pessoa plural
preferencial o pronome nós, tem-se que os verbos empregados concordam com o
pronome, de modo a apresentar a desinência número-pessoal, como se pode vê nos
exemplos a seguir:
(34) WFRC: (...) nós nos preocupamos, senhor presidente, nesse momento, com a situação de algumas ruas da nossa cidade, senhor presidente... porque, senhor presidente, é:: nós observamos no final do ano... do fim para o início do ano... nós nos surpreendemos com algumas placas, senhor presidente... algumas placas na cidade.... é:: fazendo propaganda de muitas obras, elas do governo federal, senhor presidente, como calçamento, que nós sabemos que é uma obra do governo federal (...)
(35) GAC: (...) É só entrar no saite da empresa e ver que ela está trabalhando com inúmeras câmaras e prefeituras, essa empresa... então, nós esperamos que faça o processo com a maior lisura possível, com transparência, é isso que nós esperamos. A intenção nossa é fazer jus àquele que se dedique, àquele que se esforce... Nós não temos aqui como satisfazer a vontade de todos, já que nós sabemos que só possui quatro vagas (...)
(36) AJRN: (...) Nós... vereadores da bancada pepista... tanto eu quanto NF quanto F... acompanhamos o prefeito pra tentar de já, de imediato, ainda esse ano... implantar essa indústria que possa ir valorizano essa atividade que é importante e que se associa também com o sisal. Eu queria dizer que nessa mesma data nós estivemos lá na SEINFRA... lá onde tá o nosso líder maior, nosso amigo JL, secretário de infraestrutura (...)
123
Em (34), (35) e (36), nota-se que todos os verbos que se relacionam com o
sujeito de 1ª pessoa do plural (preocupar-se, observar, surpreender-se esperar, ter,
saber, acompanhar e estar) estão concordando em número e pessoa com seus
sujeitos, apresentando, portanto, a forma marcada. Assim, seguindo a regra da
variedade de prestígio, os vereadores WFRC, GAC e AJRN demonstram segurança
ao usar essa variante da concordância verbo-nominal.
No que diz respeito à concordância verbo-nominal com a 2ª pessoa do plural,
é preciso destacar que entre esses três vereadores há uma peculiaridade: o
pronome vocês normalmente não é utilizado como índice de 2ª pessoa.
Provavelmente como resultado de um esforço de adequação a um estilo mais
monitorado, os interlocutores são tratados de modo cerimonioso, não importando se
sejam eles os colegas vereadores ou os membros do auditório. Assim são
empregados no lugar de vocês, os pronomes de tratamento os senhores/ as
senhoras, como se pode verificar nestes trechos:
(37) WFRC: (...) os moradores daquela rua enfrentaram muitas dificuldades, senhor presidente, tiveram que sair de suas casas, senhor presidente, porque a água invadiu suas casas, senhor presidente... tá lá... eu estive lá agora de tardezinha.. espero que os senhores também passem... vão ver com seus próprios olhos a população é:: se atormentando com medo da chuva, senhor presidente (...)
(38) AJRN: Inicialmente, volto à tribuna desta casa cidadã, dessa casa legislativa... Quero agradecer a Deus pela saúde e por estar vivendo esse momento de chuvas em nosso município. Quero aqui saudar o excelentíssimo senhor presidente, os colegas vereadores, colega vereadora G, os ouvintes da emissora de rádio, às senhoras e os senhores que nos assistem no auditório dessa casa, aos servidores dessa casa (...)
Pode-se perceber em (37) e (38) que os verbos cujos sujeitos são exatamente
os índices de 2ª pessoa do plural senhores e senhoras apresentam todos eles as
marcas de pessoa, conformando-se, assim, à concordância própria da variedade
urbana de prestígio.
No caso da concordância verbo-nominal com a 3ª pessoa do plural, verifica-se
também uma grande preferência pelas formas correspondentes à variedade de
prestígio, quais sejam: as que apresentam a desinência –m ou ditongo nasal. Os
três vereadores mostram em suas elocuções na Sessão Ordinária uma preocupação
constante em usar formas verbais plurais de 3ª pessoa quando o sujeito é eles/elas
ou sintagmas nominais equivalentes, como revelam os seguintes dados – que são
exemplos de uma constante:
124
(39) WFRC: (...) A Cecília Carneiro... essa rua é a que está no fundo da Agrotan, da Bahia Mantas...
esse assunto que nós já questionamos, que já teve indicação nossa, que se desse uma prioridade, no ano passado, a essas ruas... mas eu não sei se isso é perseguição política, porque lá é:: está estabelecida uma indústria... indústria essa que pertence a meu tio JVC... não sei se é por isso que as pessoas que construíram suas casas ao redor dessa indústria estão sendo prejudicadas por mera perseguição política, senhor presidente, e nós não podemos aceitar isso, não podemos... lá se carrega caminhão, se carrega pra... de mantas, gera emprego, senhor presidente, traz renda pro município... e os caminhões chegam nas ruas e quebram as redes de esgoto (...)
(40) GAC: (...) Infelizmente essa emenda constitucional que os nossos parlamentares federais aprovaram em Brasília afetou sobretudo as câmaras do porte de São Domingos... mas temos que nos adequar, trabalhar com os pés no chão, dentro da realidade daquilo que temos como receita (...)
(41) AJRN: (...) Acredito que é possível fortalecer mais ainda as atividades rurais que existem em nosso município, não somente o sisal nem somente o leite, mas também tem a apicultura... tem a psicultura... tem a avicultura e muitas outras atividades que podem ser assistidas pelo município, acompanhadas (...)
Em se tratando da concordância nominal de número, têm-se então um outro
fenômeno morfossintático que se configura como grande diferenciador de
variedades, sobretudo estilísticas. Como já discutido na sessão anterior, a indicação
formal de pluralidade em todos os elementos flexionáveis de um sintagma nominal
representa, nessa seara, uma regra produtiva dos estilos mais monitorados da
variedade urbana culta (Souza Campos & Rodrigues, 2002). Uma vez que a
alternativa dessa regra (a indicação formal de pluralidade de um sintagma apenas
no seu primeiro elemento flexionável) é considerada como um traço gradual da
língua, seu uso demanda mesmo não apenas conhecimento, mas também
consciência de seu valor estilístico.
Sendo a Sessão Ordinária um evento que exige de seus participantes grande
monitoração estilística, o uso da opção mais monitorada dessa regra variável pode
ser tomado como relevante índice de adequação e viabilidade. Nesse quesito,
observa-se que os três vereadores desse grupo fazem uso desse recurso estilístico
de modo seguro.
O vereador WFRC, por exemplo, tenta dar a todo momento às suas
produções verbais nos variados atos comunicativos da Sessão Ordinária um tom
formal. Para tanto, ele lança mão de regras como a de concordância nominal
redundante, própria da variedade de prestígio:
(42) WFRC: (...) Isso não pode ser uma promessa, senhor presidente, isso não pode ser uma promessa... até porque nós sabemos que muitas vezes é:: a justiça muitas vezes deixa a desejar em algumas situações e esperamos que nessa os servidores públicos estejam com a razão e que eles possam se ressarcidos do seu prejuízo, senhor presidente (...)
125
Todos os elementos flexionáveis dos sintagmas nominais plurais, nesse
trecho, apresentam a marca de pluralidade. Assim, o vereador pluraliza tanto os
determinantes quanto os núcleos dos sintagmas, o que demonstra que ele não
apenas conhece a regra como também reconhece o seu valor sóciossimbólico no
contexto em que está inserido.
Os outros dois vereadores, GAC e AJRN, também exibem um domínio dessa
regra altamente representativa dos discursos mais monitorados. Os sintagmas
nominais plurais usados nos trechos de fala seguintes apresentam uma harmonia
formal em todos os seus elementos flexionáveis:
(43) GAC: (...) Antes de passarmos aqui para os oradores dessa noite, as inscrições dos nossos nobres vereadores, registrar a presença do bispo J e do bispo S, que muito nos honram com vossas presenças aqui em nossa casa... eles são representantes da:: da:: Associação Evangélica, né... e mais uma vez nos honram com suas valiosas presenças. (...)
(44) AJRN: (...) Quanto à questão que é muito debatida nessa casa, muito discutida... eu tive a oportunidade de conversar hoje com o chefe do poder executivo sobre o plano de desenvolvimento de recuperação das estradas vicinais. Nós temos conhecimento que São Domingos tem... entre as estradas principais e trechos de estradas vicinais a quantidade de aproximadamente trezentos e vinte e cinco quilômetros. É preciso que exista um planejamento estratégico que possa contemplar todas as estradas do nosso município e eu acredito que esse governo tem capacidade, tem compromisso e que vai conseguir realmente recuperar todas as estradas do município (...)
5.2.2 Perfil sociocultural e segurança linguística
A análise do estilo monitorado desse grupo de vereadores revela que eles se
mostram familiarizados com as rotinas linguísticas que são demandadas pelo
evento. A postura, os gestos, a entoação assertiva, o uso de léxico e construções
próprias do discurso político, bem como a acomodação às regras de interação e
interpretação são algumas das diversas pistas que mostram o quão integrados
esses líderes políticos estão à Sessão da Câmara. É preciso destacar, no entanto,
que além de demonstrar domínio de estratégias e recursos interacionais, AJRN,
GAC e WFRC também exibiram domínio satisfatório de regras linguísticas típicas da
variedade urbana letrada, o que os permitiu a viabilização de produções verbais
marcadas, sobretudo, pela adequação. A segurança linguística demonstrada em
todos os atos de comunicação de que participaram pode ser associada às peculiares
características socioculturais de cada um desses vereadores.
126
Dos três líderes políticos desse grupo, dois têm origem urbana e um origem
rurbana. WFRC, ao longo da vida, além da sede de São Domingos, chegou a morar
na capital do estado. AJRN morou em São Domingos e em outras cidades da região.
GAC, apesar de, por ocasião da pesquisa, estar morando na sede do município, é
proveniente de um dos povoados da cidade, São Pedro.
O nível de escolaridade dos vereadores desse grupo pode ser apontado como
um fator determinante da competência comunicativa exibida, apesar de não
isoladamente. Todos eles têm em comum o fato de terem completado a Educação
Básica. Indo um pouco mais além, WFRC chegou a começar um curso superior, mas
não o concluiu. Os anos de escolarização que esses falantes tiveram a oportunidade
de ter parecem ter influenciado no processo de aquisição de conhecimentos e
habilidades interacionais, culturais e, sobretudo, linguísticas. O observado domínio
de variantes de prestígio de regras variáveis, de estratégias retóricas e pragmáticas
e de vocabulário diversificado, próprio de produções verbais de menor apoio
contextual, podem ser devidos ao contato que tiveram com o letramento escolar ao
longo de toda a Educação Básica.
Apesar de aparentemente o fator escolaridade ter uma forte influência na
aquisição de competências letradas por parte desses vereadores, um outro fator se
mostrou ainda mais relevante: o envolvimento com práticas letradas na vida
cotidiana. Um fator considerado a partir dos parâmetros: atividades profissionais
desempenhadas ao longo da vida, uso das atividades de leitura e escrita no dia a dia
e participação sociopolítica. Por esses parâmetros, percebe-se que os três
vereadores têm um forte envolvimento com práticas letradas na vida cotidiana.
As experiências de trabalho que cada um dos três líderes políticos teve até
então têm em comum o fato de serem, de algum modo, relacionadas à cultura
urbana e de letramento. WFRC, até chegar a desempenhar a função de vereador,
passou por uma série de atividades profissionais, entre as quais se destacam a de
auxiliar de escritório, a de auxiliar administrativo e a de gerente administrativo-
financeiro. AJRN, antes de ser vereador, foi professor e até secretário municipal de
educação de São Domingos. No caso de GAC, a experiência de trabalho dentro da
cultura urbana e de letramento que mais se destaca é exatamente a de vereador,
uma vez que, por ocasião da pesquisa ele acumulava a experiência de quatro
mandatos consecutivos no Poder Legislativo Municipal. Em todas essas funções
desempenhadas pelos vereadores, pode-se afirmar que estão presentes tarefas
127
burocráticas e rotinas que envolvem não apenas o uso da leitura e da escrita, mas
também do próprio estilo linguístico monitorado.
Autoavaliando-se, GAC, WFRC e AJRN dizem não terem dificuldades em
tarefas que envolvem a leitura e a escrita. Segundo eles, lançam mão dessas duas
atividades no seu dia a dia com bastante frequência. À leitura dizem recorrer para se
informar, adquirir conhecimentos e se distrair; à escrita, para realizar tarefas
relacionadas ao trabalho, principalmente. Os relatos deles apontam que ler e
escrever são mesmo práticas frequentes no cotidiano de cada um deles.
A participação sociopolítica desses três vereadores também contribui para o
seu grau de envolvimento em práticas letradas. Com grande experiência em
organizações como associações comunitárias, os três afirmaram já ter
desempenhado alguma função como a de diretor, vice-diretor ou secretário. Nesse
âmbito, eles têm em comum ainda o declarado interesse e a frequente participação
em eventos como reuniões, cursos, palestras, de temas os mais variados.
Nesse sentido, percebem-se como relevantes para a explicação do
desempenho linguístico-comunicativo dos vereadores desse grupo os fatores, além
da origem urbana, o nível de escolaridade e o envolvimento em práticas letradas na
vida cotidiana. Assim, pode-se afirmar que a competência comunicativa por esses
vereadores exibida é mesmo fruto de, entre outros fatores, a combinação entre
letramento escolar e letramento social, que, como bem assinala Soares (2003, p.
111):
[...] embora situados em diferentes espaços e em diferentes tempos, são parte dos mesmos processos sociais mais amplos, o que explicaria por que experiências sociais e culturais de uso da leitura e da escrita proporcionadas pelo processo de escolarização acabam por habilitar os indivíduos à participação em experiências sociais e culturais de uso da leitura e da escrita no contexto social extraescolar.
É possível afirmar, pois, que o lugar que o sujeito ocupa na sociedade bem
como a relação que ele tem com as práticas de linguagem são determinantes da sua
competência comunicativa e, portanto, do seu desempenho linguístico-comunicativo
nas variadas situações e eventos de comunicação de que participa. Assim, em
eventos de letramento, um desempenho marcado pela segurança é, sem dúvida,
128
tributário de um intenso convívio com os padrões típicos da cultura urbana e letrada,
seja no ambiente escolar, seja nas práticas do cotidiano.
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na notável cadeia de mudanças sociais que o Brasil tem experimentado nos
últimos anos, destacam-se as alterações ocorridas no sistema de estratificação
social. A mobilidade ascendente entre alguns estratos sociais tem sido cada vez
mais uma realidade. Um dos interessantes efeitos desse processo é que um amplo e
diverso conjunto de papéis sociais tem passado a estar à disposição de um número
cada vez maior de sujeitos.
Os papéis sociais do domínio político podem ser considerados bem
representativos no que diz respeito ao acesso de diferentes estratos da sociedade.
Graças ao processo – ainda em andamento – de democratização política que se
observa no país, cargos do Poder Executivo e do Poder Legislativo, nas diferentes
esferas, têm sido ocupados por sujeitos com perfis sociais os mais diversos. A
homogeneidade de outrora em relação aos ocupantes desses cargos (membros da
classe dominante, provenientes da cultura urbana e letrada) tem cedido lugar a uma
heterogeneidade digna de nota.
Na esfera municipal, por exemplo, o Poder Legislativo abriga em geral um
heterogêneo conjunto de membros. Homens e mulheres, tanto de origem rural
quanto de origem urbana, com níveis de escolaridade e com background
sociocultural o mais diverso, normalmente desempenham juntos o papel de
vereadores, ou seja, de representantes de sua comunidade, de seu bairro, enfim, de
sua cidade. Um cenário, portanto, onde se tem a combinação e interação de sujeitos
de diferentes perfis submetidos a um conjunto único e peculiar de regras culturais,
interacionais e linguísticas.
Foi considerando esse fértil e interessante cenário que se empreendeu uma
pesquisa etnográfica na Câmara Municipal de Vereadores de São Domingos, com
vistas a descortinar como de fato se constitui essa heterogeneidade e quais os seus
efeitos. Assim, a descrição de um dos eventos comunicativos da Câmara Municipal,
a Sessão Ordinária, era o objetivo desse empreendimento, de modo a verificar, entre
outros aspectos, a linguagem ali em uso. Para tanto, procedeu-se aos seguintes
passos: descreveram-se os elementos constitutivos mais importantes da Sessão
Ordinária, analisou-se a competência comunicativa do heterogêneo conjunto de
vereadores, focalizando na habilidade de variação estilística e verificou-se a relação
130
entre os diferentes perfis socioculturais dos participantes do evento e seu
desempenho linguístico.
A Sessão Ordinária, como o evento de comunicação de interesse para a
pesquisa, foi reconhecida como o mais frequente e mais importante entre os eventos
que acontecem na situação comunicativa Câmara Municipal. A descrição dos
elementos da Sessão Ordinária foi feita a partir do acrônimo proposto por Hymes
(1972b) SPEAKING, em que cada letra corresponde a um elemento do evento: S –
situação, P – participantes, E - (ends) objetivos, A – (act sequence) sequência dos
atos de fala, I – instrumentos, N – normas de interação e interpretação e G –
gêneros discursivos.
De fato, entre todos os elementos que constituem a Sessão Ordinária, dois se
apresentaram como as principais razões para se considerar esse como um evento
marcado pela heterogeneidade: os participantes e os instrumentos. No primeiro,
encontra-se a origem do caráter heterogêneo da Sessão, uma vez que se considere
a variedade dos perfis dos seus membros. No segundo, encontram-se os efeitos da
heterogeneidade, considerando o diverso desempenho linguístico-comunicativo dos
participantes.
Naturalmente, os efeitos da heterogeneidade da Sessão Ordinária poderiam
também ser verificados em outros elementos, além dos instrumentos. O
acompanhamento da sequência de atos de fala, a obediência às normas de
interação e interpretação e a desenvoltura nos gêneros utilizados durante o evento
poderiam igualmente ser alvo de análise e, assim, revelarem-se como instâncias
onde a diversidade dos participantes pudesse ter efeito. No entanto, considerando o
escopo da pesquisa, julgou-se que os instrumentos seriam o elemento em que a
heterogeneidade fosse mais claramente expressa, o que não se mostrou um
equívoco.
Levando em conta os atributos socioecológicos dos vereadores, eles foram
situados em dois pontos do contínuo de urbanização: no rurbano (ACF, EFL, EMD,
EOC, FLSF e GAC) e no urbano (AJRN, GVSA e WFRC). Reunidos sob a
denominação de rurbanos estavam os líderes políticos provenientes de distritos e
povoados da cidade. Sob a denominação de urbanos estavam os nascidos e
residentes na sede do município.
O atributo escolaridade também se mostrou como fonte de diversidade entre
os falantes, variando entre Ensino Fundamental incompleto (EMD e EOC), Ensino
131
Fundamental completo (ACF e EFL), Ensino Médio completo (AJRN, GAC e FLSF),
Ensino Superior incompleto (WFRC) e Ensino Superior completo (GVSA). O
posicionamento em distintos pontos do processo de escolarização mostrou-se um
intrigante aspecto na apreciação da competência comunicativa exibida por cada um
deles.
Outro fator que se revelou relevante para a pesquisa e, assim, determinante
do caráter diverso do grupo de vereadores foi o envolvimento em práticas letradas
no cotidiano. A fim de averiguar o quanto esse fator resulta em diversidade,
analisaram-se as atividades profissionais desempenhadas por cada um deles ao
longo da vida, o uso da leitura e da escrita no dia a dia e participação sociopolítica
deles. Da análise de cada um desses itens restou evidente que, de modo geral, os
líderes políticos possuem, de fato, graus distintos de inserção na cultura letrada.
Como suposto, o lugar onde toda essa heterogeneidade identificada entre os
participantes do evento pôde reverberar com expressividade foi exatamente na
linguagem. Partindo do pressuposto de que, mesmo possuindo perfis os mais
distintos, os líderes políticos se veem submetidos a um conjunto único de regras,
dos elementos que compõem a competência comunicativa da comunidade de fala
Câmara Municipal de Vereadores, o conhecimento linguístico mostrou-se um
aspecto interessante, em especial a habilidade de operar com a variação estilística
da língua.
Da análise do elemento instrumentos do evento comunicativo pôde-se
constatar a modalidade de língua predominante, bem como a variedade linguística
não só predominante mas também apropriada. Levando em consideração que boa
parte dos atos comunicativos é realizada oralmente, mas com maior ou menor apoio
em textos escritos (atas, projetos, requerimentos, entre outros), verificou-se que no
evento predomina uma oralidade letrada.
Para se apreender qual variedade linguística seria a considerada apropriada à
Sessão Ordinária, levou-se em conta o grau de formalidade do evento, a presença
de gêneros escritos e o grau de monitoração estilística demandado. A variedade
urbana culta em seu estilo mais monitorado foi identificada como a mais adequada
ao evento, visto que nele predomina um tom rigidamente formal; visto que circulam,
em grande quantidade, gêneros discursivos escritos mais formais; e que ele agrega
um conjunto de fatores que incitam a uma maior monitoração estilística.
132
É exatamente no processo de acomodação do heterogêneo grupo de
vereadores à linguagem considerada apropriada que se encontra um dos pontos
mais intrigantes observados. Visto que no Brasil a variedade urbana letrada, em seu
estilo mais monitorado, é um bem simbólico cuja distribuição entre os cidadãos é tão
desigual quanto a dos bens materiais, não é de se estranhar que desigual seja a
acomodação dos diferentes líderes à linguagem considerada apropriada à Sessão
Ordinária.
Com base na tensão existente entre o reconhecimento e o conhecimento da
variedade linguística tida como adequada ao evento, bem como nos efeitos que
dessa tensão resultam, os vereadores foram categorizados em dois grupos: o dos
linguisticamente inseguros e o dos linguisticamente seguros. Conforme o grupo ao
qual estiveram integrados, eles lançavam mão de determinadas estratégias, visando
viabilizar uma produção verbal pautada pela adequação, objetivo esse alcançado em
maior ou menor grau, dependendo das estratégias utilizadas. Como falantes de
variedades rurbanas ou urbanas, mas não necessariamente a letrada, os
participantes da Sessão Ordinária apresentaram-se seguros ou inseguros
linguisticamente, em função do domínio que tinham de regras características da
variedade urbana letrada mais monitorada.
Nesse sentido, pode-se apontar que a insegurança linguística exibida por seis
(ACF, EFL, EMD, EOC, FLSF e GVSA) dos nove vereadores é motivada, em grande
medida, pelo fato de seu repertório linguístico não dispor suficientemente dos
recursos comunicativos usados na viabilização de estilos monitorados da variedade
urbana letrada. Assim, nas produções verbais desse grupo de vereadores duas
tendências até certo ponto opostas foram verificadas, em se tratando da aplicação
de regras variáveis da língua. De um lado, como resultado provável do
desconhecimento das variantes de prestígio, os falantes valem-se de variantes de
seu próprio vernáculo, ou seja, utilizam-se do que Bortoni-Ricardo (2006, 2009)
denomina de traços descontínuos – o que aqui se consideram as variantes que não
caracterizam a variedade apropriada ao evento e, por conseguinte, podem ser alvo
de estigma no contexto em questão. Do outro lado, como resultado provável de uma
aprendizagem não efetiva das variantes de prestígio, os falantes valem-se de regras
que eles julgam pertencer à variedade culta da língua, porém numa frequência
exagerada e em contextos inadequados, ou seja, eles acabam recorrendo ao
fenômeno da hipercorreção linguística.
133
A identificada segurança linguística do grupo formado pelos outros três
(AJRN, GAC e WFRC) dos nove vereadores pode, por sua vez, ser atribuída à
disponibilidade em seus repertórios linguísticos dos recursos comunicativos de que
eles necessitavam para viabilizar suas produções verbais na Sessão Ordinária.
Desse modo, em suas elocuções, foi possível observar a aplicação segura e
adequada das variantes de prestígio de relevantes regras variáveis, uma evidência
de que a habilidade de variação estilística para eles não se configura como um
entrave no que diz respeito ao desempenho do papel de líder político.
Quando se analisa a relação entre os perfis socioculturais dos nove
participantes da Sessão Ordinária e suas habilidades de variação estilística – que
integra a competência comunicativa de cada um deles – percebe-se que são os
fatores origem geográfica, nível de escolaridade e envolvimento em práticas letradas
no cotidiano os mais determinantes para a inclusão de cada um deles no grupo dos
linguisticamente seguros ou dos linguisticamente inseguros. Em relação à origem
geográfica, a questão mais relevante que se pode apontar é que cada uma das
categorias construídas para os vereadores foi ocupada praticamente por completo
por falantes com posicionamento comum no contínuo de urbanização. Na categoria
da insegurança linguística, cinco dos seis membros têm origem rurbana. Na
categoria da segurança linguística, dois dos três membros têm origem urbana. Os
vereadores que em cada uma das categorias não compartilham da mesma origem
geográfica dos demais – GVSA (urbana) e GAC (rurbano) - têm nos outros dois
fatores a explicação para integrarem o grupo de que fazem parte.
Partindo do princípio de que o acesso e a incorporação da variedade urbana
letrada têm grande influência do processo de escolarização, ou seja, do letramento
escolar, pôde-se perceber que, em linhas gerais, mais anos de escolarização pode
significar um domínio mais eficiente da variedade de prestígio, muito embora isso
dependa da qualidade e efetividade desse letramento. Sendo assim, para a maioria
dos vereadores que foram categorizados no grupo dos linguisticamente inseguros
(ACF, EFL, EMD e EOC), o fato de não terem concluído a Educação Básica e,
portanto, de terem tido um tempo menor de envolvimento com o letramento escolar,
pode ser mais uma das explicações para seu desempenho linguístico. Para os dois
vereadores desse grupo que divergem dos demais nesse aspecto (FLSF tinha
Ensino Médio Completo e GVSA, Ensino Superior Completo), o fator nível de
escolaridade só pode ser considerado como explicação, na medida em que o
134
letramento escolar a que tiveram acesso tenha sido para eles pouco eficiente. Em se
tratando do grupo marcado pela segurança linguística, o eficiente desempenho na
acomodação do seu estilo ao considerado apropriado no evento pode, por exemplo,
ser explicado, a partir do fator escolarização, pela combinação de mais anos de
escolaridade (Ensino Médio completo e Ensino Superior incompleto) e grande
eficiência do letramento escolar.
O fator envolvimento em práticas letradas no cotidiano foi, por sua vez, o mais
determinante para se explicar a inserção de cada um dos vereadores em um grupo
ou outro. De modo geral, foi possível perceber que todos os líderes políticos que
apresentaram dificuldades para viabilizar elocuções monitoradas na variedade
urbana letrada foram aqueles cuja participação em práticas letradas no dia a dia era
menor. Os que revelaram um maior engajamento nesse tipo de atividade em seu
cotidiano, por seu turno, foram exatamente os que se mostraram seguros na
implementação da variedade estilística considerada apropriada ao evento. Assim,
pode-se dizer que as atividades de letramento social em que o participante se
envolve, embora não isoladamente, têm considerável influência no desempenho de
determinados papeis sociais típicos da cultura urbana e de letramento, como é o
caso do de líder político.
Nessa direção, deve-se concluir que a explicação para inserção dos
vereadores no grupo dos linguisticamente seguros ou linguisticamente inseguros
somente pode ser encontrada na combinação dos três fatores apresentados. Desse
modo, a insegurança linguística observada pode ser explicada por uma das
seguintes combinações: 1 - origem rurbana + baixa escolaridade + pouca eficiência
do letramento escolar + pequena inserção em práticas da cultura letrada; 2 - origem
urbana + alta escolaridade + pouca eficiência do letramento escolar + pequena
inserção em práticas da cultura letrada. Da segurança linguística, por sua vez,
pode-se apontar como explicação as seguintes combinações: 1 - origem urbana +
alta escolaridade + grande eficiência do letramento escolar + grande inserção na
cultura letrada; 2 - origem rurbana + alta escolaridade + grande eficiência do
letramento escolar + grande inserção na cultura letrada.
Dessas combinações, depreende-se que há uma hierarquia entre os fatores
para se explicar o desempenho linguístico dos líderes políticos da Câmara Municipal
de São Domingos. Observa-se que o fator envolvimento em práticas letradas no
cotidiano mostrou-se como o mais importante, seguido do fator origem geográfica e
135
do fator escolaridade. Nesse sentido, pode-se afirmar que o tipo de relação entre o
letramento escolar e o letramento social é determinante para a efetividade do
domínio da variedade urbana de prestígio, ou seja, é da combinação efetiva desses
dois tipos de letramento que se constrói a competência comunicativa necessária
para desempenhar o variado conjunto de papéis sociais à disposição dos mais
variados sujeitos.
De todo esse cenário, o que se pode concluir é que a Sessão Ordinária da
Câmara Municipal de Vereadores de São Domingos, em sua heterogeneidade
linguístico-cultural, é mesmo um evento de comunicação representativo da
contemporânea configuração da sociedade brasileira. Reunindo participantes com
distintas origens socioculturais e que, portanto, possuem distintas competências
comunicativas, o evento os submete a um conjunto rígido e único de regras, entre as
quais se destaca a exigência de adaptação às convenções da variedade urbana
letrada e monitorada, a que um número ainda reduzido de cidadãos tem acesso. O
que a análise de um evento como esse é capaz de revelar de mais contundente é
que não basta democratizar o acesso a domínios sociais outrora impenetráveis, a
situações e eventos comunicativos nunca antes abertos à heterogeneidade, é
preciso que ao mesmo tempo se democratizem também o acesso aos bens
simbólicos – com destaque para a variedade de prestígio - que permitam a
participação efetiva desses novos integrantes na cultura urbana e de letramento.
136
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142
APÊNDICE A – Roteiro para entrevista com os membros da Câmara Municipal de
Vereadores de São Domingos – BA.
1. Qual o seu nome completo?
____________________________________________________________________
2. Qual a sua idade?
____________________________________________________________________
3. Qual o seu grau de instrução?
____________________________________________________________________
4. Em qual localidade do município você mora atualmente?
____________________________________________________________________
5. Em qual(is) localidade(s) você já morou ao longo da vida?
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
6. Além de vereador, você exerce alguma outra atividade profissional atualmente?
Qual?
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
7. Quais atividades profissionais você exerceu ao longo da vida?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
_________________________________________________________________
8. Em qual classe social você se enquadra?
( ) A – Renda familiar acima de 20 salários mínimos (14.500 ou mais)
( ) B – Renda familiar entre 10 e 20 salários mínimos ( de 7.250,00 a 14.499,99)
( ) C – Renda familiar entre 4 e 10 salários mínimos (de 2.900,00 a 7.249,99)
( ) D – Renda familiar entre 2 e 4 salários mínimos (de 1.450,00 a 2.899,99)
( ) E – Renda familiar de até 2 salários mínimos (até 1.449,00)
143
9. Qual o grau de instrução de seus pais?
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
10. Que tipo de material você costuma ler no dia a dia?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
11. Quais tipos de material de leitura você tinha em casa durante a infância?
____________________________________________________________________
_________________________________________________________________
12. Normalmente você usa a leitura para qual finalidade (estudar, se distrair, se informar
etc.)?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
13. Sua família normalmente usa a leitura para qual finalidade?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
14. Com que frequência você lê jornais e/ou revistas?
____________________________________________________________________
15. Que tipo de material escrito você tem em casa?
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
16. Você tem livros em casa? Aproximadamente quantos?
____________________________________________________________________
17. Você costuma escrever algo no seu dia a dia? O que exatamente?
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
144
18. Você costuma fazer leitura em voz alta? De que tipo de material?
____________________________________________________________________
_________________________________________________________________
19. Você tem alguma dificuldade em tarefas que envolvem a leitura?
____________________________________________________________________
_________________________________________________________________
20. Você tem alguma dificuldade em tarefas que envolvem a escrita?
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
21. Você costuma ajudar os familiares ou amigos em tarefas escolares?
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
22. Com que frequência você frequenta bibliotecas?
___________________________________________________________________
23. Com que frequência você vai a livrarias?
____________________________________________________________________
24. Com que frequência você assiste TV? Qual seu tipo de programa preferido?
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
25. Com que frequência você ouve rádio? Qual seu tipo de programa preferido?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
26. Com que frequência você usa a internet? Que tipo de site você mais acessa?
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
27. Quais equipamentos eletrônicos você costuma usar no seu dia a dia?
145
____________________________________________________________________
__________________________________________________________________
28. Como você se mantém informado sobre os assuntos da atualidade?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
_________________________________________________________________
29. Você costuma participar de atividades como cursos, oficinas, palestras etc.? Quais
assuntos ou quais áreas mais lhe interessam?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
_________________________________________________________________
30. Você participa ou já participou de alguma entidade como associação, cooperativa,
sindicato etc.? Desempenha ou já desemprenhou alguma função nessa(s)
entidade(s)? Qual(is)?
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
_________________________________________________________________
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