analogia e hermenÊutica: em busca de uma epistemologia analÓgica para otexto narrativo bÍblico e...

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227 Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, Ano 43, Número 120, p. 227-248, Mai/Ago 2011 ANALOGIA E HERMENÊUTICA: EM BUSCA DE UMA EPISTEMOLOGIA ANALÓGICA PARA O TEXTO NARRATIVO BÍBLICO E SUA TEOLOGIA Analogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemology Analogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemology Analogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemology Analogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemology Analogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemology for the narrative biblical text and its theology for the narrative biblical text and its theology for the narrative biblical text and its theology for the narrative biblical text and its theology for the narrative biblical text and its theology George Reyes * * Seminario Todas las Naciones (Ciudad Juárez, Chihuahua, MÉXICO). Artigo sub- metido a avaliação no dia 03/12/2010 e aprovado para publicação no dia 16/12/2010. RESUMO ESUMO ESUMO ESUMO ESUMO: A pesquisa e a aplicação do modelo analógico ao texto narrativo bíblico pode ajudar a hermenêutica bíblica não só a beneficiar-se da melhor contribuição das tendências epistemológicas modernas e pós-modernas, mas também a evitar a dura univocidade objetivista da primeira e a dura equivocidade subjetivista da segunda tendência. A principal razão é que esse modelo analógico procura colocar- se prudentemente entre essas duas tendências, sem predominância de nenhuma delas. PALAVRAS ALAVRAS ALAVRAS ALAVRAS ALAVRAS-CHAVE CHAVE CHAVE CHAVE CHAVE: Narrativa, Analogia, Hermenêutica, Epistemologia, Beuchot. ABSTRACT BSTRACT BSTRACT BSTRACT BSTRACT: The research and application of the analogical model to the biblical narrative text can help biblical hermeneutics not only to benefit from the best contribution of modern and postmodern epistemological tendencies, but also to avoid the hard objectivist univocality of the first and the hard subjectivist equivocality of the second trend. The main reason is that this analogical model seeks to place itself prudentially between these two tendencies, without predominance of any of them. KEYWORDS EYWORDS EYWORDS EYWORDS EYWORDS: Narrative, Analogy, Hermeneutics, Epistemology, Beuchot. REVISTA PESRSPECTIVA TEOLOGICA OK.pmd 18/8/2011, 16:56 227

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George Reyes** Seminario Todas las Naciones (Ciudad Juárez, Chihuahua, MÉXICO). Artigo submetido a avaliação no dia 03/12/2010 e aprovado para publicação no dia 16/12/2010.RRRRR EESSUUMMOO EESSUUMMOO ESUMO::::: A pesquisa e a aplicação do modelo analógico ao texto narrativo bíblico pode ajudar a hermenêutica bíblica não só a beneficiar-se da melhor contribuição das tendências epistemológicas modernas e pós-modernas, mas também a evitar a dura univocidade objetivista da primeira e a dura equivocidade subjetivista da segunda tendência. A principal razão é que esse modelo analógico procura colocarse prudentemente entre essas duas tendências, sem predominância de nenhuma delas.

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  • 227Perspectiva Teolgica, Belo Horizonte, Ano 43, Nmero 120, p. 227-248, Mai/Ago 2011

    ANALOGIA E HERMENUTICA: EM BUSCA DE UMA

    EPISTEMOLOGIA ANALGICA PARA O TEXTO

    NARRATIVO BBLICO E SUA TEOLOGIA

    Analogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemologyAnalogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemologyAnalogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemologyAnalogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemologyAnalogy and hermeneutics: Towards an analogical epistemologyfor the narrative biblical text and its theologyfor the narrative biblical text and its theologyfor the narrative biblical text and its theologyfor the narrative biblical text and its theologyfor the narrative biblical text and its theology

    George Reyes *

    * Seminario Todas las Naciones (Ciudad Jurez, Chihuahua, MXICO). Artigo sub-metido a avaliao no dia 03/12/2010 e aprovado para publicao no dia 16/12/2010.

    RRRRRESUMOESUMOESUMOESUMOESUMO::::: A pesquisa e a aplicao do modelo analgico ao texto narrativo bblicopode ajudar a hermenutica bblica no s a beneficiar-se da melhor contribuiodas tendncias epistemolgicas modernas e ps-modernas, mas tambm a evitara dura univocidade objetivista da primeira e a dura equivocidade subjetivista dasegunda tendncia. A principal razo que esse modelo analgico procura colocar-se prudentemente entre essas duas tendncias, sem predominncia de nenhumadelas.

    PPPPPALAVRASALAVRASALAVRASALAVRASALAVRAS-----CHAVECHAVECHAVECHAVECHAVE::::: Narrativa, Analogia, Hermenutica, Epistemologia, Beuchot.

    AAAAABSTRACTBSTRACTBSTRACTBSTRACTBSTRACT::::: The research and application of the analogical model to the biblicalnarrative text can help biblical hermeneutics not only to benefit from the bestcontribution of modern and postmodern epistemological tendencies, but also toavoid the hard objectivist univocality of the first and the hard subjectivist equivocalityof the second trend. The main reason is that this analogical model seeks to placeitself prudentially between these two tendencies, without predominance of any ofthem.

    KKKKKEYWORDSEYWORDSEYWORDSEYWORDSEYWORDS::::: Narrative, Analogy, Hermeneutics, Epistemology, Beuchot.

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  • Perspectiva Teolgica, Belo Horizonte, Ano 43, Nmero 120, p. 227-248, Mai/Ago 2011228

    IntroduoIntroduoIntroduoIntroduoIntroduo

    Como observa Chaves Tesser1, no discurso ou pensamento crtico con-temporneo possvel agora no apenas ouvir ou ler neologismos emuitos outros termos equvocos, mas tambm constatar diferentes tendnci-as, por exemplo, literrias, sociais, psicolgicas, cientficas com as quais,queiramos ou no, devemos aprender a conviver e a dialogar criticamente.O mesmo se d no campo da hermenutica. No por casualidade, ento,que, a partir de seu prprio contexto, o hermeneuta francs Paul Ricoeur2,tenha-se referido ao conflito que se pode detectar hoje entre as diversashermenuticas; que cada tendncia nesse campo articulada e praticadasegundo a mentalidade epistemolgica prevalecente at hoje para a qualcada intrprete se incline, seja esta moderna ou ps-moderna3.

    Ainda que pudssemos beneficiar-nos de ambas as epistemologias damoderna e da ps-moderna4 , elas tendem respectivamente para um durofundacionismo e antifundacionismo epistemolgico que, entre outras coisas,promove a vontade de poder e impede frequentemente o dilogo na tarefade interpretao. Como, pois, beneficiar-nos criticamente, na interpretaobblica5, das contribuies vlidas de ambas? Como evitar nessa tarefa atendncia dura univocista-objetivista totalitria e a equivocista-subjetivistactica, que caracterizam respectivamente as interpretaes moderna e ps-moderna?

    Considero que, na hermenutica bblica, a resposta no pode ser outra a noser esta: por meio da explorao do texto sagrado e da aplicao nele dessemodelo, procurar prudentemente colocar-se no ponto intermedirio entre as

    1 C. CHAVES TESSER, El debate terico actual, in J.L. GMEZ-MARTNEZ (org.),Ms all de la pos-modernidad: El discurso antrpico y su praxis en la culturaiberoamericana, Madrid: Mileto, 1999, p. 7.2 P. RICOEUR, El conflicto de las interpretaciones: Ensayos de hermenutica,Traduccin del original francs por A. Falcn, Buenos Aires: Fondo de CulturaEconmica, 2003.3 Por ser o tema de discusso principalmente neste captulo, esclarecerei de um modosimplista que por epistemologia entendo aqui a perspectiva enquanto o modo comoconhecemos ou deveramos conhecer. Em nosso caso, procuramos responder a umapergunta difcil de responder satisfatoriamente: Como se conhece ou se entende, oucomo se deveria conhecer ou entender um texto?4 Por exemplo, apesar da resistncia hodierna contra a argumentao intelectual,considero que uma contribuio vlida da epistemologia moderna, e que se deveriaresgatar, essa argumentao. Ao lado da inferncia e da suspeita, e com a ponde-rao deliberativa que faz dos prs e contras (ato prprio do que se chama prudnciana tarefa de interpretao), a argumentao limita ou depura a fase intuitiva primeirada tarefa hermenutica como a chama Ricoeur ; assim impede que se desemboqueem uma equivocidade sem controle. Mais adiante, refletiremos sobre as contribuiesda ps-modernidade que deveramos reter na tarefa de interpretao.5 Inclusive na literria, na contextual e ainda no discurso teolgico.

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    duas tendncias epistemolgicas anteriores, sem que haja predomnio denenhuma delas6. A razo fundamental que, alm de ajudar-nos a superaros dois extremos anteriores, esse modelo nos permite uma objetividadesuficiente para podermos recuperar aquilo que o autor teria tentado comu-nicar, ainda que no do modo como ns o tivssemos querido; alm disso,ajudar-nos-ia a identificar uma verdade textual que faa mais justia aotexto. Esse modelo o analgico, o qual comea a ganhar hoje um espaocada vez maior em diversos ramos do saber7. Portanto, o resultado seria umahermenutica analgica bblica que, entre outras coisas, reconhece e aceitaa ingerncia natural da subjetividade em si e oferece uma sada vivel, aqual urge em nossos tempos ps-modernos.

    Por meio de um dilogo construtivo e crtico, proponho-me, neste ensaio,explorar brevemente esse modelo epistemolgico orientado interpretaodo texto bblico narrativo. Para isso, analiso primeiramente a propostahermenutico-analgica no campo filosfico, tal como a expe MauricioBeuchot, professor da Faculdade de Filosofia e Letras da UniversidadeAutnoma do Mxico (UNAM), investigador dessa mesma casa de estudose pioneiro da proposta analgica na Amrica Latina. Em seguida, exploroo que seria uma hermenutica analgica bblica. Finalmente, com base nessemodelo, e a modo de concluso, formulo algumas implicaes gerais domodelo analgico com relao ao texto narrativo.

    I. Mauricio Beuchot: um novo modelo deI. Mauricio Beuchot: um novo modelo deI. Mauricio Beuchot: um novo modelo deI. Mauricio Beuchot: um novo modelo deI. Mauricio Beuchot: um novo modelo deepistemologia hermenuticaepistemologia hermenuticaepistemologia hermenuticaepistemologia hermenuticaepistemologia hermenutica

    Diante da crise da epistemologia univocista cientificista positivista moder-na, tudo parece indicar que o mundo ocidental atualmente marcha paraoutro extremo promovido pela cultura ps-moderna. Essa cultura equivocista responsvel pelo relativismo niilista que vai predominando cada vez mais

    6 Contudo, necessrio primeiro esclarecer que essa maneira de pensar no neces-sariamente ignora que a analogia se caracteriza pela semelhana e pela diferena com predomnio precisamente desta ltima , com suas respectivas implicaes; entreessas implicaes est a de reconhecer que pode existir mais de uma interpretaovlida de um texto bblico, ainda mais quando este no se refere a nenhuma doutrinaessencial da f crist. Mas reconhecer tal coisa diferente de identificar-sedeliberadamente com o equivocismo relativista ps-moderno, o que, de algum modo,significaria renunciar semelhana ou ao equilbrio e alinhar-se ao pensamento ou hermenutica fraca, carente de slidos fundamentos.7 Ver, na rea da hermenutica bblica, G. REYES, Verdad y racionalidad hermenuticaanalgica: Exploracin e implicaciones para la interpretacin del texto bblico, Kairs(2010/n.45) 81-108; M. BEUCHOT, Compendio de hermenutica analgica, Mxico:Torres, 2007, pp. 51-142, faz referncia a esses outros campos do saber em que estemodelo est sendo aplicado atualmente.

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    em nossa sociedade ocidental8. Diante dessa tendncia epistemolgica,Beuchot9 prope que a melhor alternativa uma epistemologia hermenuticaanalgica, ainda que, esclarece ele, esta se caracterize por ser preponderan-temente aberta10. Com base nessa epistemologia, prossegue Beuchot, pos-svel no apenas aproximar-se mais da verdade textual, mas tambm res-tringir as interpretaes infinitas que se afastam cada vez mais dessa ver-dade11.

    Para sustentar seu ponto de vista, Beuchot recorre a um princpioepistemolgico de origem grega e medieval, o qual, segundo ele, percorreua histria e se mantm vivo no presente12. Esse princpio, afirma ele, oanalgico, que enfatiza a diferena ou a diversidade, sem, contudo, renun-ciar semelhana, o que permite assim atingir certa universalizao e certoequilbrio no que se refere objetividade.

    8 Deveramos recordar que, em um sentido, o ps-modernismo hermenutico ummovimento de protesto contra o modernismo hermenutico e suas pretenses decientificidade, objetividade e sentido claro e preciso; mas o problema que se abrepara o influxo excessivo do leitor ou leitora no processo de compreenso. Para umadescrio dessa epistemologia equivocista romntica como a chama Beuchot eda univocista moderna, ver o captulo anterior dessa mesma obra; ver tambm M.BEUCHOT, Perfiles esenciales de la hermenutica, Mxico: Universidad NacionalAutnoma de Mxico, 2005, pp. 21-24; M. BEUCHOT et alii, Hermenutica analgicay hermenutica dbil, Mxico: Facultad de Filosofa y Letras, Universidad NacionalAutnoma de Mxico, 1996, pp. 15-33; H. DE WIT, En la dispersin el texto es Patria:Introduccin a la hermenutica clsica, moderna y posmoderna, San Jos: UniversidadBblica Latinoamericana, 2002, pp. 109-159.9 M. BEUCHOT, Tratado de hermenutica analgica: Hacia un nuevo modelo deinterpretacin, Mxico: Itaca, 2005; ID., Perfiles esenciales de la hermenutica; cf. ID.,Posmodernidad, hermenutica y analoga, Mxico: Universidad Intercontinental, 1996.10 Isso porque, afastando-se do totalitarismo univocista, essa hermenutica no pre-tende nem exige uma nica interpretao que se considere vlida. que paraBeuchot temos de esclarecer j de entrada a analogia equivocidade ou polissemia(pluralidade de sentido) sistemtica, ainda que controlvel, j que, por razes que seexplicaro mais adiante, ela no permite que o intrprete perca de vista os sentidoscerteiros e hierarquizados de um texto; em outros termos, como o digo em seguida,para Beuchot, a analogia no se limita ao sentido unvoco (metonmia) nem aoequvoco (metfora) do texto, ainda que tenda mais para este ltimo.11 Essa verdade adquire, por virtude da hermenutica analgica, um carter distintivo,isto , um carter no absoluto, mas relativo, porm nunca relativista-ctico. A partirdaqui, no que diz respeito proposta hermenutica de Beuchot, limitar-me-ei sfontes assinaladas acima, razo pela qual intencionalmente evito as referncias bibli-ogrficas correspondentes, exceto quando se trate de alguma citao direta ou o quefoi assinalado proceda de uma fonte diferente.12 Esse princpio, argumenta ele, est presente hoje especialmente por meio dessediscurso literrio que soube potencializ-lo. Esse discurso o potico, como o deCharles Sanders Peirce, Bachelard, Rescher e do mexicano Octavio Paz; ver umresumo dessa histria em BEUCHOT, Compendio de hermenutica analgica, espec.pp. 27-37. Deveramos ter presente que, de um modo ou de outro, atravs da histria,esse princpio esteve presente tambm na hermenutica textual, inclusive bblica.

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    Antes de ver em que consiste esse princpio e como ele alcanaria esseequilbrio, conveniente estudar resumidamente algumas propostas feitastambm por Beuchot. Refiro-me ao que ele entende tanto por hermenuticaquanto por ato hermenutico e seus passos respectivos.

    II. Hermenutica e ato hermenuticoII. Hermenutica e ato hermenuticoII. Hermenutica e ato hermenuticoII. Hermenutica e ato hermenuticoII. Hermenutica e ato hermenutico

    1. Natureza, propsito e finalidade da hermenutica1. Natureza, propsito e finalidade da hermenutica1. Natureza, propsito e finalidade da hermenutica1. Natureza, propsito e finalidade da hermenutica1. Natureza, propsito e finalidade da hermenutica

    Segundo Beuchot, a hermenutica nasceu entre os gregos13 e pode ser defi-nida como cincia (episteme) e, ao mesmo tempo, como arte (techne) deinterpretar textos. cincia, porque, assim como a lgica da qual, segundoele, a hermenutica, de algum modo, ter-se-ia desprendido tem princpiosque a ajudam a estruturar o que vai aprendendo a respeito da interpretaodos textos. Isso quer dizer, entre outras coisas, que a argumentao intelec-tual tem um papel determinante nela. Por outro lado, argumenta Beuchot,ela arte, porque, no processo de interpretao, predomina a intuio, e neleest implcito um conjunto de regras que se vai incrementando medidaque a experincia interpretativa nos ensina e instrui, e como uma aplicaobem adaptada dos princpios e leis gerais que a hermenutica vai agrupan-do enquanto cincia14; assim, pois, ainda que Beuchot parecesse dar um

    13 Plato (428-347 a.C.), por exemplo, argumenta Beuchot, falava j do hermeneutacomo intrprete e como exegeta dos poemas, sobretudo de Homero; devo acrescentarque esse hermeneuta e exegeta que no era precisamente Plato, que, segundoBeuchot, inclinava-se para a hermenutica literal tendia a usar o mtodohermenutico alegrico (altamente equivocista) em sua interpretao e exegese, oqual foi herdado pelos Padres da Igreja como Orgenes (185-255 d.C.) na Idade Antiga.Sculos depois, a hermenutica incursiona pela modernidade que teria que lev-laadiante com tintas de cientificismo e faz-la decair precisamente por esse idealextremo iluminista de cincia para posteriormente ressurgir na linha romntica edesembocar atualmente na neorromntica da poca ps-moderna, na qual sobressaemo equivocismo extremo e a universalizao dela, ou seja, sua presena na filosofia,na histria, na literatura, na cultura e em outros campos.14 BEUCHOT, Tratado de hermenutica analgica, pp. 19-20. Beuchot argumenta queo fato de ser arte deve-se a que seja cincia; por isso a hermenutica principalmentecincia e, secundariamente, arte. Em sua opinio, outro aspecto dual da hermenutica evidente em sua natureza, terica e prtica ao mesmo tempo; ainda que a naturezaprimordial dessa disciplina seja ser terica, dela obtm o que a far caracterizar-setambm como um saber prtico; que possa ser prtica [hermenutica utens], argu-menta ele, deriva-se de seu ser propriamente terica [hermenutica docens]. Porisso, eu disse antes que cincia e arte ao mesmo tempo; BEUCHOT, Tratado dehermenutica analgica, p. 23; Perfiles esenciales de la hermenutica, pp. 13-15; cf.M. FOUCAULT, Microfsica del poder, Madrid: Piqueta, 1992. Ora, seguindo Gadamer,que props como esquema da hermenutica a prudncia (phrnesis) aristotlica,BEUCHOT, em Compendio de hermenutica analgica, pp. 35-36, e em Hermenuticaanalgica, smbolo, mito y filosofa, Mxico: Universidad Nacional Autnoma de

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    amplo lugar intuio15 contrariamente a outros hermeneutas comoGadamer , privilegia o mtodo na tarefa hermenutica de interpretao.

    Seguindo os hermeneutas medievais e contemporneos, Beuchot consideraque, entre os textos aos quais a hermenutica presta muita ateno, esto osescritos, o que a proposta tradicional; ele tambm inclui os hiperfrsticos,ou seja, aqueles que no apenas so maiores que a frase, mas que tambm,pela mesma razo, vo alm da palavra e do enunciado e, alm disso,caracterizam-se por serem altamente polissmicos: os falados (Gadamer),praticados (Ricoeur) e pensados16. Ainda mais, Beuchot17 inclui o smbolo,o qual tambm um texto polissmico: pertence a vrios e diversos camposde investigao e conecta duas dimenses, uma lingustica e outra nolingustica. Entretanto, ainda que seja polissmico, argumenta Beuchot, osmbolo possui uma natureza analgica por excelncia18. que o smbolo,

    Mxico, 2007, pp. 77-89, sustenta que, alm de cincia e arte, a hermenutica prudncia porque, sendo esta uma virtude muito analgica que versa sobre o que prtico e leva em conta os detalhes, privilegiando as diferenas a despeito dassemelhanas e buscando os meios para chegar aos fins atravs da libertao tratade encontrar um ponto mdio ou moderado prudencial no processo de interpretao;e isso, argumenta ele, o que precisamente se procura na tarefa hermenutica:atravs da libertao, buscar os meios apropriados para chegar melhor interpreta-o, na qual se cotejam as interpretaes entre si e se opta pelas mais apropriadas.15 Isto , aquela espcie de perspiccia com a qual todo intrprete pareceria comearsua leitura de um texto, considerada, corretamente, por alguns hermeneutas comoa fase primeira do processo de interpretao. Sendo a primeira, o intrprete deveavanar segunda (exegese), terceira (articulao do sentido, mensagem ou refe-rncia do texto) e, finalmente, quarta (contextualizao desse sentido, mensagemou referncia). Beuchot, contudo, pareceria fazer-nos ficar nessa primeira fase, naqual, de fato, muitos intrpretes, especialmente do texto bblico, costumam ficar.16 Nessa lista, tambm deveramos incluir uma pintura artstica, uma pea de teatro,uma ao significativa, o dilogo na interao educativa, o mundo segundo osmedievais e renascentistas , e o smbolo um mito, um rito, um poema e outrosobjetos, quer religiosos quer artsticos no qual, como bem argumenta Beuchot, oque representa transmite os valores humanos e outorga identidade cultural. Ora, ostextos pensados so os que mais se prestam aplicao da transao psicanaltica, naqual, alm do dilogo entre o analista e o analisado, conta a ao deste ltimo,especialmente na relao de transferncia. No de se estranhar que, com base napsicanlise freudiana, Beuchot oferea um exemplo de como se aplica sua propostaanalgica; ver suas obras Tratado de hermenutica analgica, pp. 159-170; Compendiode hermenutica analgica, pp. 71-90.17 BEUCHOT, Hermenutica analgica, smbolo, mito y filosofa; cf. P. RICOEUR,Teora de la interpretacin: Discurso y excedente de sentido, Traduccin del originalfrancs por Siglo XXI, Mxico: UIA / Siglo XXI, 2006, pp. 58-82.18 Isso porque o smbolo bifsico, ou seja, tem dois rostos: um projetado para ametfora, e o outro, para a metonmia. O primeiro conduz ao subjetivismo, e osegundo, a certo grau de objetividade que o que lhe impede deixar-se influenciarou perverter facilmente pelo subjetivismo; por isso, quando o intrprete permaneceno sentido metafrico do smbolo, este adquire um rosto de dolo, e quando sucedeo contrrio, adquire um rosto de cone. Por isso, se deveriam explorar ambos ossentidos do smbolo, o metafrico (aquele recndito e profundo) e o metonmico(aquele direto e referencial ou o assunto a que se refere). A explorao de ambos ossentidos possvel por meio da analogia.

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    prossegue ele, tem um componente icnico, pois no apenas o signo maisrico, porque sempre tem mltiplos significados, tambm um signo quemanifesta uma semelhana com o significado, por isso era chamado signoimagem, ou seja, contm algo icnico19. Por isso, opina este autor, o cone o signo hbrido, o anlogo e o que ajuda a conhecer o texto.

    Beuchot opina que todos os textos anteriores so os que mais demandam doexerccio da interpretao e so aqueles em que a hermenutica analgica,associada sutileza20, v-se obrigada a interpretar por serem tanto seuprincipal objeto de ateno quanto por serem os mais difceis de interpretar,e de faz-lo frequentemente com base nos parmetros da cincia ou darazo. apenas com base na analogia, prossegue Beuchot, que se poderesgatar, de todos eles, sua riqueza e plenitude, j que, de outro modo, nocaso do smbolo, ficaramos a meio caminho: com o regozijo da metfora,mas sem a segurana cognoscitiva da metonmia21. Da sustentar Beuchotque a hermenutica nasce onde se d a polissemia, e que o objetivo dela no apenas a contextualizao aproximada do texto situ-lo, na medidado possvel, dentro de seu contexto de vida e produo original, aquilo queest por trs do texto , mas tambm a compreenso intelectiva, tradutiva,explicativa22 ou, acrescentando, interpretativa de seu mundo (fictcio ou

    19 BEUCHOT, Hermenutica analgica, smbolo, mito y filosofa, p. 9.20 Isto , aquela perspiccia prudencial de libertao, juzo e deciso, prevalecente nahermenutica renascentista, medieval e, acrescentaria, textual contempornea. Elaconsistia e consiste em que o bom intrprete procura, na medida do possvel e deum modo analgico , no o sentido superficial, mas o profundo, o oculto, o melhor,o autntico, vinculado com a inteno do autor e plasmado no texto que ele produziu.Assim, pareceria que Beuchot identifica a sutileza com a prudncia aristotlico-gadamerista ou com a intuio; ver sua obra Hermenutica analgica, smbolo, mitoy filosofa, p. 59. Ver outras coisas em que essa sutileza consistia, em BEUCHOT,Tratado de hermenutica analgica, p. 24, nota 13; Perfiles esenciales de lahermenutica, pp. 11-12.21 BEUCHOT, Hermenutica analgica, smbolo, mito y filosofa, p. 33. A metforae a metonmia so figuras literrias de significado. A primeira tende a ser equvoca,e a segunda, unvoca. por isso que, em concordncia com Beuchot, existe anecessidade de equilibrar uma com a outra. desse modo que a hermenuticaanalgica ultrapassa as hermenuticas metafricas como a de Ricoeur (em Teora dela interpretacin) e inclusive as intuitivistas e alegoristas de certos contextos eclesi-sticos.22 Beuchot rechaa a oposio entre compreenso e explicao estabelecida por Dilthey(finais do sculo XIX), o qual, fazendo uma diviso dos saberes em cincias danatureza e cincias do esprito, sustentava que as primeiras procuram explicar, e assegundas, compreender, e que ambas trabalham com metodologias irreconciliveis.Em lugar disso, ele prope corretamente uma relao dialtica entre esses polosdentro do mesmo processo hermenutico, tal como o fizeram Heidegger e seu disc-pulo Gadamer, com o fim de desconstruir aquela tendncia prevalecente talvez athoje: aceitar como cincia somente aquelas disciplinas que se dedicam a explicar,especialmente segundo o modelo da fsica.

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    real)23 e da mensagem ou da inteno do autor, como resultado dessacontextualizao. Segundo esse mesmo autor, essa compreenso ser me-lhor, se o leitor conhece a identidade dos destinatrios, seu momento his-trico, seu condicionamento cultural, bem como o propsito do autor. Almdisso, sustenta Beuchot, essa compreenso ser melhor, se o leitor estconsciente do que realmente ele : um leitor; mas um leitor acrescenta-ramos ns que sabe lidar da melhor maneira com sua subjetividade e como conhecimento antecipado do texto, porque reconhece seus prprios inte-resses, inclusive polticos e religiosos, na hora de interpret-lo.

    Como tarefa interpretativa, a hermenutica procura e tem como finalidadecompreender ou conhecer, traduzir ou fazer entender e normatizar o ope-rar24. Essa a razo, pensa este autor, por que ela est relacionada intima-mente com a tica comeando com a do prprio leitor que o quecaracteriza precisamente o sentido analgico. Alm disso, continua Beuchot,essa relao com a tica conecta-a com a hermenutica anaggica ou ms-tica, isto , com aquela que procura oferecer um projeto para o futuro e abrirum espao para a esperana poltica25. que, opina Beuchot26, ahermenutica no pode ignorar nem destruir a ontologia ou a metafsica queest atenta ao contexto27, situao, ao tempo, histria ou, em suma, ao

    23 Evidentemente, quando fala de mundo Beuchot no se estaria referindo aomundo literrio do texto (sua realidade total subjacente), mas ao conjunto dereferncias abertas pelos textos descritivos e ostensveis ou no descritivos, como soos poticos (cf. RICOEUR, Teora de la interpretacin, pp. 46-50). Segundo ele, comoj brevemente mencionei, a hermenutica deve ter, hoje mais que nunca quandose questionam ou se rechaam os moldes racionalistas de argumentao umaabertura analgica. Esta abertura deve ser no somente, como o foi em suas origens, argumentao, sobretudo retrica, mas tambm metafsica (conceito que, em suaperspectiva, inclui Deus); da que o mais natural que, ao falar de mundo, Beuchot,do mesmo modo que Heidegger, refira-se a essa abertura referencial dos textosdescritivos e ostensveis. Contudo, deve-se recordar que o mundo de um texto podetambm manifestar abertura referencial.24 Isso o que perseguem, por exemplo, a filolgica e historiogrfica, a teatral emusical, e a jurdica e a teolgica, respectivamente. Por isso, Beuchot prope antestrs tipos de traduo, segundo trs finalidades que lhe poderiam ser atribudas:compreensiva, reprodutiva e aplicativa. Alm disso, segundo ele (em Perfiles esencialesde la hermenutica, pp. 13-14) e como j se viu ela deve ser entendida como umatarefa, ao mesmo tempo, terica e prtica. Destarte, a hermenutica est longe deser uma cincia puramente terica ou uma cincia puramente prtica. Ela combinaanalogicamente ambos os aspectos, a teoria e a prtica.25 BEUCHOT et alii, Hermenutica analgica y hermenutica dbil, pp. 54, 57. Umahermenutica analgica, prope Beuchot, chamada a ser anaggica em suaculminao; Hermenutica analgica y hermenutica dbil, p. 54. Essa foi sua res-posta crtica que G. Vattimo lhe fizera, ainda que seja quem ele siga tambm nesseaspecto da hermenutica; ver essa crtica e uma descrio sinttica da hermenuticaanaggica e de suas implicaes nas pginas 21-41 dessa mesma obra anterior.26 BEUCHOT et alii, Hermenutica analgica y hermenutica dbil, p. 54.27 Assim como a filosofia analtica, Beuchot usa ambos os conceitos como sinnimos ou seja, entende a ontologia como metafsica, esta ltima incluindo a transcendnciadivina , e v a urgncia dessa recuperao devido ao fato de que, na hermenutica,

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    ser humano em geral e a seus direitos, que o dignificam. Ao contrrio,recuper-la- analogicamente. Em suas prprias palavras:

    [A] hermenutica deve abrir as perspectivas ontolgicas e metafsicas,como o fez Lvinas, mas com uma medida proporcional que nosimpea de ficar sem ontologia alguma, sem suficiente metafsica. Erequeremos um fundamento fraco, ou seja, analgico, para ahermenutica mesma, para que no nos afogue no relativismo queno conduz a parte alguma. Em todo caso, seria, como se disse, umaontologia analgica, a qual muito parecida com o que pretendeVattimo com sua ontologia fraca, j que est consciente de que umanegao forte da metafsica conduziria a uma postura igualmenteforte e em contradio com seu pensamento fraco.

    Assim, pois, poderamos argumentar duas coisas importantes sobre a pers-pectiva de Beuchot. A primeira que sua hermenutica desemboca final-mente no contexto, e isso faz com que ela seja contextual e solidria, aindaque ele no o sublinhe como, ao contrrio, o faz Vattimo, o qual argumentacolocando-se ao lado dos marginalizados, isto , ao lado da diferena,contra a identidade homogeneizada que procura a globalizao atual. Asegunda que, com sua defesa da metafsica na hermenutica, Beuchotsitua-se em linha com Derrida, Foucault, Tras, com os seguidores deWittgenstein e com Vattimo, os quais, a partir de muitas frentes, a seuprprio modo e atravs da hermenutica, pedem a recuperao da metafsica,ainda que esta, do mesmo modo que a hermenutica em si, seja fraca edistinta da postura univocista moderna, prepotente e violenta, que elesprocuram combater28 .

    Parece que o que foi dito anteriormente o que motiva Beuchot a lutar pelarecuperao de uma metafsica anloga, que inclusive tenha que ver com osmbolo, ou seja, uma metafsica simblica que procure recuperar a experi-ncia vivencial sentimental ou emocional e intelectiva29 . O resultadoseria uma hermenutica metafsica analgica que, no sendo duramenteracionalista, respeita as diferenas, sem cair, porm, no equivocismo e

    e a partir de Heidegger, a ontologia ou a metafsica vieram decaindo no pensamentohermenutico-filosfico dos ltimos anos por sua tendncia ateia e por ter-se tornadoirrelevante para o ser: 1) porque se sublinha na hermenutica apenas sualinguisticidade, e 2) porque se proclama tanto a ausncia de fundamentos quanto apresena de um relativismo forte. Outros opinam que isso se deva ao fato de ela tersido to violenta a ponto de ter produzido o holocausto de Auschwitz. o caso dahermenutica moderna.28 Derrida, por exemplo, enfatiza a metafsica da presena (iluso de possuir o sentidoou de permanecer no ser), a qual, segundo ele, plenifica; ao contrrio da metafsicada ausncia (desconstruo), que angustia e nos faz conscientes de que no podemospossuir nenhum sentido em plenitude. Sua defesa dessa metafsica, porm, enga-nosa, pois tem este objetivo: que a desconstruo perdure para que, em algumamedida, a desconstrua.29 BEUCHOT, Hermenutica analgica, smbolo, mito y filosofa.

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    que possa universalizar validamente, sem cair na univocidade que a filoso-fia cientfica quis, e que se mostrou irrealizvel30.

    2. Sua metodologia2. Sua metodologia2. Sua metodologia2. Sua metodologia2. Sua metodologia

    Para atingir o que foi exposto acima, argumenta Beuchot, a hermenuticarequer uma metodologia, ainda que esta seja muito geral, j que tem que vercom princpios e regras demasiadamente amplos. Ora, devido ao fato de quea hermenutica esteve tradicionalmente associada sutileza, seguindo Ortiz-Oss, ele prope que essa metodologia consista em trs passos, os quais so,ao mesmo tempo, trs modos de sutileza: 1) subtilitas implicandi, 2) subtilitasexplicandi, e 3) subtilitas applicandi. Assim como Ortiz-Oss, Beuchottranslada esses trs momentos semitica da seguinte maneira: o primeiro, sintaxe coerncia entre os signos , o segundo, semntica sentidotextual , e o terceiro, pragmtica relevncia contextual. Note-se, porm,que, contrariamente ao autor que ele segue e que translada o primeiromomento semntica, Beuchot31 translada-o sintaxe, uma vez que nesseprimeiro passo, vai-se ao significado textual ou intratextual e inclusiveintertextual. Como ele argumenta acertadamente, isso se deve ao fato deque o significado sinttico que analisado em primeiro lugar no processointerpretativo; sem ele, no pode haver semntica nem pragmtica ou, maisclaramente, sem ele, em primeira instncia, no se pode conhecer o sentidodo texto nem se pode contextualiz-lo, sem que ele seja violado ou lhe sejaimposto um sentido que seja alheio ao seu32. Em suas prprias palavras:

    De fato, a implicao eminentemente sinttica, por isso a fazemoscorresponder a essa dimenso semitica, e na verdade ocupa o primeirolugar. Depois da formao e transformao sintticas, que so implicativaspor excelncia, vir a subtilitas explicandi, correspondendo semntica.Aqui se vai ao significado do texto mesmo, no j como sentido, mas como

    30 BEUCHOT, Tratado de hermenutica analgica, p. 107.31 Ibid., p. 24.32 verdade que a tendncia geral de alguns intrpretes, inclusive ilustrados comoLeo Apostel a quem o prprio Beuchot alude , passar por alto a anlise do textono af de contextualiz-lo. Isso, porm, no quer dizer que seja o proceder interpretativocorreto, ainda mais quando se trata de hermenutica bblica, porque o sentido oua mensagem (do autor) do texto, no do intrprete, o que se contextualiza por sero que normativo; da que seja necessrio estar consciente de que, antes decontextualizar o texto, deve-se discernir, da melhor maneira possvel, seu sentido,mesmo quando as dificuldades hermenuticas que medeiam essa tarefa impeam umacompreenso exata e total desse sentido. Como Beuchot argumenta: Na ordem deanlise, estuda-se primeiro a dimenso sinttica, que a mais independente; depois,a dimenso semntica, que depende da anterior, e, no final, a pragmtica, quedepende das duas; Perfiles esenciales de la hermenutica, p. 25, nota 15. Contudo,segundo afirmamos, ainda que o argumento hermenutico terico de Beuchot sejacorreto, e apesar de argumentar o contrrio, tende a conceder mais ao leitor e, comisso, autonomia do texto e ao equivocismo.

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    referncia, ou seja, em sua relao com os objetos, e por isso onde sedescobre qual o mundo do texto, isto , se v qual seu referente, realou imaginrio. E finalmente vai-se subtilitas applicandi, correspondente pragmtica (aquilo que o mais propriamente hermenutico), na qual seleva em conta a intencionalidade do falante, escritor ou autor do texto e seacaba de inseri-lo em seu contexto histrico-cultural. Isso coincide aindacom trs tipos de verdade que se encontram no texto: uma verdade sin-ttica, como pura coerncia, que pode ser tanto intratextual (interior aotexto) como intertextual (com outros textos relacionados); uma verdadesemntica, como correspondncia com a realidade (presente ou passada) oucom algum mundo possvel (futuro ou imaginrio) ao qual o texto alude,e uma verdade pragmtica, como conveno entre os intrpretes (e inclu-sive com o autor) a respeito do que foi argumentado e persuadido nainterpretao, ainda que contenha elementos extratextuais (subjetivos oucoletivos)33.

    Assim, ainda que parecesse limitar a contextualizao ou, como ele achama, a aplicao da mensagem do texto ao contexto histrico de seuautor34, Beuchot sustenta que o mtodo da hermenutica a sutileza e apenetrao em suas trs dimenses semiticas, que se vo constituindo eampliando de maneira viva: 1) implicao ou sintaxe, 2) explicao ousemntica, e 3) aplicao ou pragmtica. Se, para Beuchot, o ato interpretativo um ato em que o intrprete um sujeito ativo diante do texto, de se

    33 BEUCHOT, Tratado de hermenutica analgica, p. 25.34 Beuchot argumenta que a aplicao a tarefa que vem depois do trabalho sinttico(exegtico) e consiste em traduzir ou transladar ao intrprete mesmo e, acrescen-taria, sua realidade histrica o que pde ser a inteno do autor do texto. Aindaque ele no o explicite, com essa definio de aplicao, sublinha, por um lado, a tarefafundamental constante de uma hermenutica latino-americana: derivar, com base emseu prprio contexto (no com base em um contexto estrangeiro) as perguntas,linguagem, critrios e metodologia para seu trabalho exegtico e teolgico; que umahermenutica bblica fiel e responsvel no fica apenas no sentido original do texto;ela uma hermenutica metafsica (contextualizada), segundo o sentido que Beuchotd a esse termo. Por outro lado, com essa definio de aplicao, Beuchot sublinhatrs coisas importantes, as quais valeria a pena ressaltar: 1) o papel ativo do intr-prete, 2) que este quem em dilogo com o texto e seu autor no fim das contas,define o sentido do texto, e 3) que o ato hermenutico na realidade um ato tradutivo,interpretativo ou, se quisermos, explicativo e subjetivo, ainda que nunca niilista ouctico, uma vez que o texto est longe de ser uma entidade absoluta ou hipostticasem autor (cf. RICOEUR, Teora de la interpretacin, p. 43) e a inteno deste,apenas volitiva, psicolgica e irracional, se aceitamos que ela tambm cognoscitiva.Ainda que ele no seja um hermeneuta bblico, argumenta que a prudncia nosajuda a buscar a verdade textual a inteno do autor do texto e a aplicar essaverdade situao do intrprete; Hermenutica analgica, smbolo, mito y filosofa,p. 85; Tratado de hermenutica analgica, p. 34; Perfiles esenciales de la hermenutica,pp. 16-17; apesar de nos deixar ver a relao que a hermenutica deve ter com ametafsica, sua compreenso de aplicao no apenas pouco trabalhada, mas tambm limitada e confusa; esta pode ser uma das razes por que a identifica coma funo prpria do processo exegtico que o que deve levar-nos ao que eleargumenta da aplicao: Com a aplicao pragmtica, chega-se a essa objetividade dotexto que a inteno do autor; Perfiles esenciales de la hermenutica, p. 26.

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    esperar que, seguindo Peirce e Popper, veja esse ato como abdutivo, hipo-ttico-dedutivo, de conjectura-refutao ou de tentativa-erro; obviando oselementos semiticos aos quais faz aluso constantemente os quais con-sidero que pouco contribuem para a discusso e para o ato interpretativoem si 35, isso significa que o intrprete, seguindo o que, na interpretaobblica, se chama de espiral hermenutica 36, emite sentidos hipotticos dotexto aos quais se deve aplicar a suspeita hermenutica.

    Pode-se ver, ento, que, segundo Beuchot, no ato interpretativo, confluem ostrs elementos clssicos do ato hermenutico: 1) o intrprete (ouvinte ouleitor), 2) o autor (ou falante), e 3) o texto (ou mensagem); obviamente, nesteltimo que os dois primeiros se encontram, j que o veculo para a trans-misso da mensagem. aqui que a proposta hermenutica de Beuchotmostra mais claramente sua natureza analgica; contrariamente aoshermeneutas objetivistas e subjetivistas radicais, mesmo dando certa prio-ridade ao leitor e, por isso, subjetividade, Beuchot procura chegar a umamediao prudencial e analgica na qual a inteno do autor se salvaguar-da graas maior objetividade possvel, mas com a advertncia de quenossa intencionalidade subjetiva se faz presente37.

    Ora, essa mediao prudencial e analgica significa, ento, uma opo pelainteno do texto e, certamente, do autor, mas consciente de que a interpre-tao fica incompleta quando se explora apenas aquela ou se privilegia aunivocidade e se castiga com isso a equivocidade. que, argumenta Beuchot,o texto e o autor so lidos com base em nossa situao, em nosso marco dereferncia ou, como diria Gadamer, em nossa tradio atual prpria38; isso

    35 Por exemplo, seguindo U. Eco, Beuchot distingue, no texto, um autor emprico eargumenta que aquele que de fato deixa um texto com erros e com intenes, svezes, equvocas. Entretanto, concordar que o texto bblico contm intenes equvo-cas no o mesmo que argumentar que ele contm erros; mesmo que esta perspec-tiva, baseada no status ontolgico desse texto, no negue as dificuldades histricas quese possam encontrar nele, j que, como se disse exaustivamente, ele no um manualde histria, nem de teologia, como quereriam os historiadores, os telogos e osfilsofos modernos e ps-modernos.36 Ou crculo hermenutico, como o chamam outros. J que todo intrprete apro-xima-se com mais de uma pr-compreenso conhecimento antecipado ao texto,a interpretao deve modificar essa pr-compreenso, o que conduzir a uma novaautocompreenso do intrprete. Assim sendo, o intrprete, a partir de sua nova pr-compreenso, interroga novamente o texto, e o resultado disso uma nova modifi-cao da pr-compreenso e um novo entendimento do texto; ver G. REYES, Lahistoricidad del texto y el papel del texto en la interpretacin potica, Kairs (2001/n.29) 68-69; seguindo J. L. Segundo, Stam (em La Biblia, el lector y su contextohistrico, Boletn Teolgico [1983/nn.10-11] 27-72), entende por crculo hermenuticouma circulao dinmica entre a leitura do texto bblico e a leitura constante darealidade contempornea, algo fundamental para uma hermenutica evanglicacontextual.37 BEUCHOT, Tratado de hermenutica analgica, p. 28.38 Isto , o marco histrico, cultural, religioso que, como j o sublinhamos, influipoderosamente na interpretao do texto.

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    implica ser impossvel evitar imiscuir a prpria subjetividade e os erros decompreenso, e recuperar a inteno exata e total do autor. Contudo, o quefoi dito antes no significa, acrescenta Beuchot, que o leitor emprico, queno sempre o hermeneuta deva ter prioridade, de tal maneira que possasentir-se livre de criar ou recriar o sentido do texto segundo seu gosto econvenincia, sem esforar-se por captar, da melhor maneira possvel, o quefoi intencionado pelo autor como o faria, segundo Beuchot, o leitor ideal esquecendo que essa mensagem (que o mais fcil de captar, comparadocom a inteno, quando esta no explcita)39 ainda pertence a esse autor. que,

    se temos de falar de alguma inteno do texto, temos que situ-la nocruzamento das duas intencionalidades anteriores [a do autor/texto e a doleitor]. Temos que nos dar conta de que o autor quis dizer algo, e o texto ao menos em parte ainda lhe pertence. Deve-se respeit-lo. Mas deve-mos tambm dar-nos conta de que o texto j no diz exatamente o que oautor quis dizer; colocou nova base para sua intencionalidade ao encontrar-se com a nossa [a do leitor]. Ns o fazemos dizer algo mais, isto , dizer-nos algo Assim, a verdade do texto compreende o significado ou averdade do autor, e o significado ou a verdade do leitor vive da tensoentre ambos, de sua dialtica. Poderemos conceder mais a um ou ao outro(ao autor ou ao leitor), mas no poderemos sacrificar um no altar dooutro40.

    Assim, para Beuchot, o desligamento total do texto do horizonte finitovivido por seu autor relativo. Isso assim, j que, coincidindo comRicoeur41, afirma que o texto continua sendo um discurso contado poralgum (autor) para algum (leitor/es) a respeito de algo (referncia ouassunto de que trata); consequentemente, ele ainda pertence a seu autor(esse algum), que o escreveu inserido dentro de seu prprio contextohistrico e cultural, com um fim comunicativo e no apenas esttico-liter-rio. assim que Beuchot contribui para um equilbrio analgico que noapenas limita a libertao total do texto de seu autor e de seu contexto, masque tambm desconstri certas tendncias hermenuticas ps-modernas,inclusive algumas bblicas42.

    39 Beuchot distingue quatro classes de intenes em um texto: 1) consciente e explcita,2) consciente e tcita, 3) inconsciente e explcita, e 4) inconsciente e tcita; das quatro,a primeira a mais fcil de captar, ainda que a terceira seja tambm factvel, combase, por exemplo, na psicanlise, tal como costumam fazer certos crticos literriosfreudianos com textos especialmente poticos, os quais fazem o autor dizer perspec-tivas e tendncias, inclusive sexuais, recnditas de seu ser e at, talvez, no inten-cionadas por ele. Eu prefiro falar de posio de autor: o sistema de ideias, valorese f, presente em toda obra literria genuna, mesmo na fico.40 BEUCHOT, Tratado de hermenutica analgica, p. 28.41 RICOEUR, Teora de la interpretacin, pp. 38-50.42 Ver DE WIT, En la dispersin el texto es Patria.

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    III. Os passos do trabalho hermenuticoIII. Os passos do trabalho hermenuticoIII. Os passos do trabalho hermenuticoIII. Os passos do trabalho hermenuticoIII. Os passos do trabalho hermenutico

    O trabalho hermenutico de interpretao outro elemento sobressalente ecomplementar na proposta hermenutico-filosfica de Beuchot.Desconstruindo a tendncia univocista e equivocista, Beuchot sustenta queinterpretar um texto no um trabalho instantneo nem definitivo, mas umprocesso de compreenso, que cala em profundidade, que no fica nainteleco instantnea e fugaz43. O trabalho de interpretao , pois, segun-do ele, um processo durante o qual o intrprete assume a tarefa de compre-ender um texto determinado, aprofundar sua compreenso e ser capaz deexplicar, mas tambm, eu diria, de suspeitar dessa compreenso.

    Nesse processo, em que compreender explicar, e explicar compreender,o que surge primeiro diante desse dado e desse sujeito que o texto , umapergunta interpretativa que requer, ao mesmo tempo, uma resposta igual-mente interpretativa; enquanto a pergunta um juzo em prospectiva ouprojeto, a resposta um juzo interpretativo, ou uma hiptese que deva sercomprovada por meio de uma argumentao interpretativa e, posteriormen-te, ser elevada ao nvel de tese.

    O fim da pergunta anterior ajudar o intrprete a compreender o texto, epode ser: Que significa esse texto? Que quer dizer? A quem dirigido? Aresposta, especialmente s duas primeiras perguntas, como j se disse, exigeuma argumentao interpretativa por meio da qual o que se afirma ser osentido do texto deixa de ser mera hiptese, j que este se transforma em teseuma vez que foi comprovada ou avalizada pela ajuda da prudncia(phrnesis) 44.

    43 BEUCHOT, Compendio de hermenutica analgica, p. 12.44 Como j disse, para Beuchot, alm de cincia e arte, a hermenutica prudncia,j que, seguindo Gadamer, sustenta que, no momento de definir o sentido de umtexto, o intrprete delibera em torno s diferentes interpretaes rivais ou possveisque poderiam surgir do ato interpretativo; o fim dessa deliberao escolher dentretodas elas a melhor ou, talvez, as melhores e, assim, chegar a um juzo interpretativoadequado e responsvel. Dever-se-ia recordar que, por exemplo, na poca de Aristteles,a prudncia era usada na ao de ponderar os prs e os contras em uma situaodeterminada, a fim de chegar aos fins propostos. Gadamer e Beuchot, por sua parte,aplicam-na por analogia ao texto, conscientizando-nos assim a usar a prudncia nainterpretao textual. Desse modo, portanto, ainda que essa maneira de pensarimplique que a hermenutica carea de regras ou de mtodo razo pela qual eladeixaria de ser cincia , Beuchot sustenta que no necessariamente assim, j quea hermenutica pode ter regras gerais de procedimento, ainda que estas no sejamdeterminantes, uma vez que nem sempre elas poderiam guiar a uma interpretaoresponsvel. Contudo, seguindo Gadamer, que renuncia s regras interpretativas, eleanima a cultivar a hermenutica como quem cultiva a virtude da prudncia; cf.Perfiles esenciales de la hermenutica, pp. 19-20.

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    De modo que, para Beuchot, os passos do trabalho hermenutico de inter-pretao pareceriam reduzir-se a um s45. Alm disso, como j o afirmei, eleopina que o sentido ou mensagem do texto ser sempre aproximado, umavez que, segundo ele, a hermenutica analgica tende a dar maior espao intromisso do intrprete e, por isso, de sua subjetividade46.

    SnteseSnteseSnteseSnteseSntese

    A hermenutica arte e cincia da interpretao, inclusive de textos que vomais alm da palavra e do enunciado. O objeto da hermenutica so prin-cipalmente esses textos e seu objetivo a compreenso deles. Ela possui umametodologia que se resume em trs modos de sutileza: a subtilitas implicandi(busca de uma compreenso da sintaxe do texto), a subtilitas explicandi(busca da semntica ou de uma compreenso do sentido do texto) e asubtilitas applicandi (busca da pragmtica ou de uma contextualizao dotexto). Ainda que seja impossvel recuperar exata e totalmente a inteno doautor, em todo o processo interpretativo no qual sempre est presente asubjetividade do autor e do leitor confluem trs elementos que so impor-tantes para recuperar algo dessa inteno, se se aceita que o texto aindapertence a este. Esses trs elementos so o texto, o autor e o leitor.

    Os passos do trabalho hermenutico de interpretao consistem basicamen-te em estar consciente de que, diante do texto, o que surge primeiro umapergunta interpretativa que exige, ao mesmo tempo, uma respostainterpretativa. Essa pergunta interpretativa especfica : Que significa ouque quer dizer esse texto? A resposta a ela, que um juzo interpretativo,, em primeira instncia, uma hiptese que deve ser comprovada por meioda prudncia; uma vez comprovada, elevada ao nvel de tese, ou seja,passa a ser considerada como um sentido do texto possvel e aproximado,e do qual se deve suspeitar.

    45 Note-se como as outras perguntas que Beuchot inclui Que me diz? e Que dizagora? deixariam ver que ele possivelmente estivesse pensando tambm nacontextualizao do texto. Entretanto, em sua proposta geral, ele a passa por alto,esquecendo assim que esta que completa o processo hermenutico, por ser sua fasefinal; G. REYES, De la interpretacin a la contextualizacin del gnero narrativobblico: Apuntes para una hermenutica filosfica literaria, in O. CAMPOS (org.),Teologa evanglica para el contexto latinoamericano, Buenos Aires: Kairs, 2004, pp.83-104.46 Contudo, dever-se-ia recordar que Beuchot no advoga por uma interpretaorelativista niilista, j que a interpretao analgica que ele prope lhe impede obter,por um lado, um sentido univocista (um nico sentido, considerado o verdadeiro)prprio da hermenutica positivista e, por outro, um equivocista (mltiplos sentidose at contraditrios) prprio da hermenutica ps-moderna. Contudo, Beuchot pare-ceria inclinar-se mais por este ltimo sentido, apesar de afirmar: eu gostaria dedefender ainda a objetividade, mesmo que seja de uma maneira moderada; Perfilesesenciales de la hermenutica, p. 49.

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    A nfase no equilbrio analgico-epistemolgico que se pode perceber ao longode toda a proposta hermenutica de Beuchot uma de suas contribuies maissubstanciais. Ao longo de toda ela, contudo, e ainda que se proponha comouma hermenutica contextual, pareceria esquecer dois elementos substanciaisdo trabalho interpretativo: a suspeita hermenutica e a contextualizao dosentido possvel do texto como a fase final desse trabalho interpretativo.

    IV. Hermenutica e epistemologia analgica bblicaIV. Hermenutica e epistemologia analgica bblicaIV. Hermenutica e epistemologia analgica bblicaIV. Hermenutica e epistemologia analgica bblicaIV. Hermenutica e epistemologia analgica bblica

    At onde lhe seja possvel, como discpulo/a do Senhor e servo/a da Pa-lavra de Deus, o/a exegeta esfora-se por entender com fidelidade a men-sagem original do texto dentro de seu prprio contexto histrico original47,a fim de encarn-lo finalmente no mundo contemporneo48. Essa tarefa, no

    47 Seguindo Ricoeur e seu pressuposto da autonomia total do texto e seu consequenteexcedente ou supervit de sentido que o autor no pde prever , h quem seja deopinio de que a hermenutica deva libertar-se dos trs mitos historicistas propugnadospela hermenutica romanticista e que perduraram at hoje: 1) a mente do autor, 2)o leitor original, e 3) o sentido original; cf. J. STAM, La Biblia, el lector y su contextohistrico, Boletn Teolgico (1983/nn.10-11) 27-72; S. CROATTO, HermenuticaBblica, Buenos Aires: Aurora, 1984; DE WIT, En la dispersin el texto es Patria.Ainda que, por um lado, um mito crer que se possa entender um autor ou autoramelhor do que ele ou ela se entendeu, e, por outro, que as palavras e seu significadomudam constantemente luz das mudanas sociais, sou de opinio, como Beuchot,de que o texto ainda pertena a seu autor ou autora, apesar de ele ou ela j noexistirem e de que o sentido que se procura o do texto, e no o de seu autor; que os autores desejaram comunicar uma mensagem a seus leitores e provocar nelesuma resposta, usando como veculo de comunicao a linguagem, inclusive potica.De modo que, sem negar a contribuio atual das cincias da linguagem, o texto, pelomenos o bblico, no autnomo totalmente com relao a suas circunstnciashistricas em que foi produzido, nem de seu autor ou autora e tem, portanto, umsentido que comunicar, que a meta do processo interpretativo, como o afirmarei emseguida; ver W. KLEIN / C. BLOMBERG / R. HUBBARD, Introduction to BiblicalInterpretation, Nasvilhe: Thomas Nelson, 1993, pp. 167-209.48 Como se ter percebido, em toda essa obra, parti do pressuposto de que a Bblia a Palavra revelada de Deus, inspirada plena, verbal e dinamicamente pelo EspritoSanto e, portanto, normativa para todos os tempos e em todo contexto. Da aresponsabilidade do/a exegeta, e de quem escute essa Palavra, no apenas de respon-savelmente interpret-la, obedecer-lhe e proclam-la, mas tambm de contextualiz-la, ou seja, encarn-la na realidade contempornea; essa contextualizao obedece aofato de que os leitores e ouvintes dessa Palavra no vivem nem missionam em umvazio ou dentro de uma bolha de proteo, mas em situaes histricas concretas depobreza, injustia, racismo, violncia, sexismo, opresso e outros tantos antirreinos.Essa Palavra, ento, deve chegar aos ouvintes em termos de sua prpria situaocultural e histrica. Em circunstncias como essas, nem a hermenutica mais indi-vidualista ou escapista querer isolar a Palavra dessas circunstncias. De modo quesustentar que a meta da hermenutica discernir o sentido original do texto nonecessariamente significa que se deveria ficar no passado histrico (o por trs) dessetexto; tampouco significa negar a possibilidade de vrios sentidos do textoanalogicamente discernidos, pois precisamente isso que vamos propor em seguida.

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    obstante, complexa, j que em meio a ela encontram-se problemashermenuticos que exigem ser esclarecidos e tomar uma postura em relaoaos mesmos. Entre esses problemas est o epistemolgico.

    No campo protestante evanglico, aceita-se geralmente que o dito anterior-mente deve ser a meta do intrprete e de sua tarefa interpretativa; isto , atonde lhe seja possvel, sua meta deve ser discernir a mensagem tal como oteriam entendido os leitores originais. O pressuposto que subjaz a esseprincpio hermenutico filosfico no apenas que possvel entender amensagem do texto, mas que tambm Deus comunicou a seu povo umamensagem nesse texto, do qual espera uma resposta como efeito dessamensagem49.

    Certamente, como qualquer outro ser humano, e com a lente cultural pr-pria, cada escritor/editor bblico teria querido comunicar por meio do textoque escreveu um contedo entendvel que pudesse produzir um efeito trans-formador nos leitores de todos os tempos. que Deus quis que sua revelaoescrita funcionasse como uma janela atravs da qual se pudesse ver omundo textual e cultural e ideolgico do texto e sua mensagem.

    Em uma perspectiva hermenutica, o que foi dito anteriormente inegvel,tanto quanto ter, como meta da tarefa interpretativa, discernir e entender damelhor maneira possvel essa mensagem histrica original50. Entretanto,deveramos perguntar se cada um desses autores/editores teria queridorealmente comunicar uma mensagem nica e clara ou, em sua falta, mlti-plas, contraditrias e at mstica ou escondida, como propem respectiva-mente as hermenuticas univocista e equivocista. Responder a essas per-guntas um dos grandes desafios com que se enfrenta hoje a hermenuticacontempornea, incluindo a bblica. Contudo, considero que a hermenuticaanalgica, mesmo no sendo uma receita totalmente fcil, pode ajudar-nosa respond-las responsavelmente e at onde seja possvel. Faamos a tenta-tiva.

    49 Cf. W. KAISER, Toward an Exegetical Theology: Biblical Exegesis for Preachingand Teaching, Grand Rapids: Baker, 1998; KLEIN / BLOMBERG / HUBBARD,Introduction to Biblical Interpretation, p. 187.50 Ou seja, o que comunicado atravs das palavras e da estrutura gramatical doidioma em que foi plasmado e com a perspectiva cultural e ideolgica prpria da poca.J que a nica coisa que podemos recuperar, essa mensagem textual, inclusive pormeio da potica ou de artifcios artsticos, deve ser a meta da tarefa interpretativa,a qual espera que essa mensagem aproxime-se da melhor maneira possvel dainteno de seus autores/editores; desse modo, no perdemos de vista os autores, ea mensagem fica centrada no apenas no texto, mas tambm neles, pois ambos soveculos da inteno de Deus.

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    Beuchot opina corretamente51 que, atravs da histria, a hermenutica analgicaacompanhou sutilmente a univocista e equivocista na tarefa interpretativa acrescentaria, inclusive bblica. E nos anos recentes, graas recuperao e potencializao que dela fizeram, por exemplo, Gadamer, ela veio posicionar-se tanto na hermenutica como na filosofia, psicologia e em outros camposcontemporneos do saber52. Por essa razo, poder-se-ia argumentar que ainterpretao analgica estaria contribuindo tanto para evitar as debilidadese perigos das interpretaes univocistas e equivocistas extremas quanto paraimpulsionar o equilbrio analgico que tanto urge em todos esses campos.Antes de vermos essa contribuio que a analogia poderia fazer em nossocampo de interesse a hermenutica bblica , vejamos primeiro o que seentende por analogia e, posteriormente, qual sua contribuio neste campo.

    A analogia uma virtude. E ela pode ser de proporo e de atribuio; aprimeira, opina Beuchot53, denomina-se assim porque

    [e]stabelece relaes entre as pores, a:b::c:d, e pode ser prpria, comoquando se diz: O instinto para o animal o que a razo para o homem,assim como tambm pode ser imprpria ou [analogia] metafrica, comoquando se diz: O riso para o homem o que as flores so para o prado,e assim entendemos a metfora O prado ri. A segunda, a de atribuio,estabelece uma hierarquia de propriedade na atribuio de um predicadoou vrios sujeitos, como quando se diz so, atribui-se primariamente aoorganismo, assim pode-se dizer que um homem est so [analogado prin-cipal ou atribuio mais prpria]; mas tambm se pode atribuir, secunda-riamente, ao alimento, ao remdio, ao ambiente e inclusive amizade[analogados secundrios ou atribuio por relao], pois chegamos a dizerque uma amizade s, ou que no o ; mas isso j em sentido imprprio.Por isso, vemos que h uma hierarquia de atribuies, na qual a sade predicada de modo mais prprio ao organismo, e de modo menos prprioao alimento, e de modo menos prprio ao remdio, e de modo menosprprio ao ambiente, e de modo menos prprio ainda amizade, assim:descendo desde o mais prprio ao menos prprio. E, contudo, vlida aatribuio em todos os casos, apenas que em uns mais e em outros, menos.

    51 BEUCHOT, Compendio de hermenutica analgica, pp. 24-37, 40-142; BEUCHOTet alii, Hermenutica analgica y hermenutica dbil, p. 16.52 Gadamer t-la-ia potencializado com sua nfase nessa virtude intuitiva sutil eequilibrada: a prudncia (phrnesis); como j se disse, a prudncia induz normal-mente a deliberar diante de uma determinada situao e, com sua ajuda, ponderam-se os prs e os contras de uma ao determinada at se chegar finalmente a umadeciso sobre o que seria melhor fazer. No processo interpretativo e de compreensode um texto, espera-se que ela faa algo semelhante: ajudar o intrprete a deliberar,equilibrada ou analogicamente, entre interpretaes rivais, que o leve finalmente adecidir-se pela ou pelas mais apropriadas, mas que faam, em alguma medida, justiaaos dados do texto; ver BEUCHOT, Hermenutica analgica, smbolo, mito y filosofa,p. 58. Para isso, a exegese aqui fundamental.53 BEUCHOT, Compendio de hermenutica analgica, pp. 40-41; cf. BEUCHOT,Hermenutica analgica, smbolo, mito y filosofa, pp. 20-24.

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    Todos esses tipos de analogia de proporo prpria e de proporo im-prpria ou metafrica, e de atribuio principal e secundria constituemo modelo analgico. Aplicada ao trabalho hermenutico bblico, a analogiade proporo que associa termos que tm um significado em partecomum e em parte distinto54 permitiria discernir vrios sentidos vlidosdo texto, porque cada um deles seria proporcionalmente semelhante uns aosoutros. Desse modo, possvel aplicar em vrios deles a proporo pr-pria, a fim de que se possa resgatar o lado literal ou objetivo da analogia;em outros, poder-se-ia aplicar a proporo imprpria, a fim de que sepossa resgatar o lado metafrico ou subjetivo dessa mesma analogia (ana-logia metafrica). Assim, por um lado, teramos sentidos do texto que pode-riam ser legtimos, e, por outro, sentidos dos quais, ainda que possveis,deveramos suspeitar, por serem produtos do lado subjetivo da analogia. aqui onde esse ngulo artstico e prudencial da tarefa interpretativa entraem funo; aqui tambm que se deveriam aplicar, alm da suspeita e daprudncia, os critrios que, por exemplo, Klein, Blomberg e Hubbard55 su-gerem para validar uma interpretao.

    De igual modo, aplicada hermenutica, a analogia de atribuio permi-tir-nos-ia discernir vrios sentidos legtimos do texto. Mas, desta vez,hierarquizados, por assim dizer, segundo se depreendam legitimamente dotexto, sem que lhe sejam impostos56. Essa hierarquizao levada a cabopriorizando aqueles que sejam mais legtimos que outros, mesmo quandotodos possam pertencer ao conjunto de sentidos considerados vlidos, comosucede quando se interpreta um texto narrativo a partir de ngulos diferen-tes. Assim se poderia evitar uma interpretao excessivamente subjetivistae equivocista, ou seja, que tenda tanto a basear-se excessivamente na expe-rincia ou na intuio quanto a legitimar sentidos estranhos ao texto eademais absurdos ou contrapostos57. Para evitar tal interpretao e taistendncias, tambm aqui aconselhvel validar especialmente aqueles sen-tidos hierarquizados ou considerados mais vlidos que outros.

    54 Como em a razo para o homem o que os sentidos so para o animal. Osignificado comum que tanto o homem quanto o animal possuem uma caractersticaque os distingue (razo e sentidos, respectivamente). O significado distinto que umpossui razo e o outro, sentido. Assim se poderia ver o lado literal ou objetivo e, aomesmo tempo, o metafrico ou subjetivo da analogia.55 KLEIN / BLOMBERG / HUBBARD, Introduction to Biblical Interpretation, pp. 201-209.56 Em Perfiles esenciales de la hermenutica, p. 27, Beuchot observa que a analogiade proporo implica diversidade de sentidos. Mas uma diversidade estruturada coe-rentemente, resultando uma interpretao respeitosa no apenas da diversidade, mastambm, na minha opinio, do texto, no perdendo de vista a proporo, nem ten-tando cair no desproporcionado ou na disperso equvoca relativista do significado.57 Como alguns exegetas, considero legtimo o uso da intuio como fase primeira doprocesso de interpretao de um texto. O erro , como sucede frequentemente, ficarnessa fase e no passar segunda, que a constitui em uma exegese responsvel. Esseerro o que d lugar a interpretaes alheias ao texto e frequentemente absurdas.

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    Ainda que falte muito por desenvolver quanto estrutura, funo e contribuio da hermenutica analgica, considero que nesse ponto quese pode ver como ela contribui filosoficamente de duas maneiras vlidas, emsuma, em nosso processo de interpretao bblica. A primeira provendo-nos de vrios sentidos legtimos do texto, no somente de um nico que sejaclaro, preciso e objetivo; assim nos impede de cair ingenuamente no unvoco,o qual considera ser possvel recuperar o significado total e exato de umtexto, autor ou falante. A segunda, permitindo-nos, nesse mesmo processo,esse equilbrio ou ponto intermedirio prudencialmente analgico, ao aju-dar-nos a evitar no apenas o univocismo, mas tambm a evitar dispersar-nos no equivocismo extremo que prolifera na hermenutica atual, muitomais se se suspeita de nossas interpretaes e se ela as valida responsavel-mente. Por conseguinte, ela demole as tendncias univocistas e equivocistasextremas e suaviza a polmica existente entre elas.

    Destarte, entende-se que a hermenutica analgica um af tanto de domi-nar o que o texto pode dar e sua interpretao quanto de dar lugar quilocom que a hermenutica tradicional frequentemente no se preocupou, masque algo legtimo: a participao consciente da subjetividade do intrprete.Assim, na minha opinio, a interpretao analgica permite ainda umaobjetividade interpretativa maior do que a que a univocista pragmatistapostula, e uma menor e mais controlada subjetividade com relao hermenutica equivocista relativista58.

    V. Epistemologia analgica e gnero narrativoV. Epistemologia analgica e gnero narrativoV. Epistemologia analgica e gnero narrativoV. Epistemologia analgica e gnero narrativoV. Epistemologia analgica e gnero narrativob blicob blicob blicob blicob blico

    Omodelo epistemolgico analgico de interpretao, que evita a univocidadee a catica equivocidade, pode ajudar-nos em nossa busca por umahermenutica narrativa bblica ajuizadamente equilibrada que evite, nainterpretao especializada ou no, uma epistemologia tanto subjetivista,relativista, pluralista, alegrica59 e de outra ndole60 quanto uma idealista,absolutista e objetivista que ultrapasse os limites, a qual pretende fazer-noscrer que podemos conhecer exaustivamente e que tudo o que conhecidoest dado, sem a participao responsvel do intrprete do texto. Isso por-

    58 Cf. BEUCHOT, Perfiles esenciales de la hermenutica, p. 28.59 Refiro-me aqui hermenutica alegrica popular ou informal em certos gruposevanglicos protestantes. aquela hermenutica que, vendo, em cada detalhe dotexto, smbolos ocultos com mensagens ocultas, que devem ser decifradas espiritual-mente e em um esprito de guerra espiritual (contra o Diabo, o mundo e a carne),deixa fora o sentido literal e histrico desse texto.60 Por exemplo, as altamente ideolgico-polticas e sexistas que circulam na AmricaLatina e em outros contextos. Entre as primeiras, esto as denominadas hermenuticasdo genitivo (feminista, campesina e outras).

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    que, ao optar por um ponto de vista que faa maior justia ao conhecer eao ser que interpreta, tambm se farmaior justia ao texto cuja mensagemse quer conhecer.

    O resultado da opo anterior ser uma hermenutica analgica relevantepara o contexto sociocultural, hermenutico e teolgico que nos cabe viver.Essa ser uma hermenutica bblica que se esforce por discernir, ajuizadaou responsavelmente, a mensagem do texto com fins transformadores; essatarefa importante hoje quando nos querem convencer, no apenas de queno h critrios, nem regras nem princpios capazes de guiar a tica do serhumano e procurar sua transformao como agentes da misso de Deus61,mas tambm de que o conhecimento irrelevante62. J que nosso campo deinteresse o texto narrativo bblico, colocaremos nosso foco nele; para tanto, conveniente primeiro discutir sobre a natureza desse gnero.

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    61 Pretenso que permite deixar a moral ao indivduo, a seus interesses e caprichos.Recorde-se, nessa conjuntura, nossa perspectiva do texto bblico como Palavraautoritativa, libertadora e transformadora de Deus, seu autor final, sem que estaperspectiva implique outorgar a essa Palavra qualquer rigidez legalista.62 Em certos contextos de cultura bblico-teolgica light, pode-se ver esse rechaocomo quando uma pessoa pediu-me que a ajudasse a editar certo material; quando,em uma parte, lhe sugeri optar pelo verbo ensinar, essa pessoa me respondeu: No,no, no! Ensinar apenas enfatiza conhecimento intelectual!.

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  • Perspectiva Teolgica, Belo Horizonte, Ano 43, Nmero 120, p. 227-248, Mai/Ago 2011248

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    George Reyes, pastor, bacharel e mestre em Teologia, e mestre em EstudosBblicos, pelo Seminario Teolgico Centroamericano (Seteca), Guatemala, AmricaCentral. doutorando em Teologia no Programa Doctoral Latinoamericano (PRODOLA)e docente no Seminrio Todas Las Naciones, Ciudad Jurez, Chihuahua, Mxico.Autor de artigos em diversas revistas teolgicas, prepara a publicao do livroHermenutica analgica bblica.

    Endereo: Seminario Todas las NacionesCiudad Jurez (Chihuahua) MXICO

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