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O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), um grupo de Organizações da Sociedade Civil (OSC) que se interessa pela monitoria e advocacia das finanças públicas em Moçambique, analisou a Conta Geral do Estado (CGE) 2012 e o Respecvo Relatório e o Parecer do Tribunal Administravo. A analise incide especificamente sobre as áreas de trabalho das organizações que fazem parte do FMO, nomeadamente: saúde, educação, água e saneamento, indústria extracva e mega-projectos, e protecção social. A Conta Geral do Estado é o instrumento que através do qual o Execuvo apresenta a sua execução orçamental e financeira anual, bem como apresenta o resultado do exercício económico e a avaliação do desempenho dos órgãos e instuições do Estado (CGE 2012; p. 1). Assim, a análise da CGE reveste-se de grande importância para organizações da sociedade civil, nomeadamente as que fazem parte do FMO, uma vez que abre espaço e janelas de oportunidades para sua intervenção e interpelação ao Governo e imprimir mais transparência, responsabilização e planificação parcipava das finanças públicas com vista a melhorar a governação e o bem-estar dos cidadãos. ANÁLISE À CONTA GERAL DO ESTADO DE 2012 E RESPECTIVO RELATÓRIO E PARECER DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO Documento submedo à Comissão do Plano e Orçamento (CPO) da Assembleia de República no âmbito da colaboração CPO e FMO Fevereiro de 2014 6. Análise das dotações orçamentais e suas alterações. É de lei (vide art. 34 da Lei no. 9/2002, de 12 de Fevereiro) que se façam alterações dos limites fixados no Orçamento do Estado, sob proposta do Governo, devidamente fundamentada. O problema, como veremos abaixo, é que nem todas as alterações orçamentais são feitas dentro do preceituado por lei muito menos de acordo com os princípios da transparência na gestão das finanças públicas. O quadro 1 abaixo apresenta as alterações às dotações inscritas no Orçamento de 2012 conforme mapas constantes da respecva CGE. Quadro 1: Alterações às Dotações Inscritas no Orçamento 8. Análise dos fundos alocados aos sectores prioritários (educação, saúde, infra-estruturas, agricultura e desenvolvimento rural, acção social). O montante alocado para as áreas prioritárias conforme definido no PARP (educação, saúde, HIV-Sida, infra-estruturas, etc.) cresceu em 19.8% em relação ao ano de 2011 conforme mostra o quadro 2 abaixo: Quadro 2: Despesa dos sectores prioritários conforme definido no PARP (Valores em milhões de Mecais) iii) O total da despesa dos encargos da dívida e das operações financeiras (2,8% e 7,9%, respecvamente, totalizando 10,7%) ultrapassaram a dotação de dois sectores prioritários: o sector da saúde (10,4%) e o da agricultura e desenvolvimento rural (8,0%). iv) As observações acima mostram quão quesonáveis são as prioridades definidas pelo Governo na prossecução dos objecvos de políca do seu Plano Quinquenal para o período 2010-14 bem como do PARP. 11. Análise dos fundos externos. No global, as despesas de invesmento foram asseguradas em maior parte pelo financiamento externo: tendo 53,4% dos recursos provenientes de fontes externas (donavos e créditos tanto em espécie como em moeda) e apenas 46.6% de fontes internas (recurso do tesouro, receitas consignadas e receitas próprias). Isto quer dizer que apesar da dependência externa de Moçambique estar a diminuir, ainda há muito que fazer de modo a que se elevem os níveis de invesmento assegurado por fontes internas. O quadro 3 abaixo mostra como o financiamento externo em 2012 foi responsável pela maior parte das despesas de invesmento. Quadro 3: Despesas de invesmento por âmbito e fonte de recurso (Valores em milhões de Mecais) Fonte: CGE 2012; p. 46 12. Conforme se pode ver no quadro 3 acima, a despesa da componente externa é classificada em: i) donavos externos em moeda; ii) donavos externos em espécie; créditos externos em moeda; e iv) créditos externos em espécie. No ano em análise (2012), a despesa da componente externa financiada com donavos em moeda foi de 16.555,7 milhões de mecais; ao passo que o financiamento por donavos externos em espécie situaram-se em 4.981,2 milhões de mecais. O financiamento da despesa por créditos externos em moeda foi de 4.226,9 milhões de mecais e créditos externos em espécie foram de 2.766,2 milhões de mecais (CGE 2012, p. 46). 13. Em termos de realização, verifica-se que os donavos externos em espécie conseguem maior nível de realização tendo angido a fasquia de 88.1% contra 81.0% dos créditos externos em espécie, e 66.3% de realização dos créditos externos em moeda, enquanto os donavos externos em moeda foram realizados em 64.1%. Por outras palavras, esta situação mostra que o Governo tem do maior capacidade de absorção créditos e donavos em bens do que em dinheiro. Infelizmente, nem o Governo na CGE nem o Tribunal Administravo no seu parecer apresentam qualquer explicação ou jusficação desse facto. Em nossa opinião, tal pode dever-se às fragilidades do sistema de gestão de finanças públicas dentro do qual os financiamentos em moeda devem ser administrados. Este cenário precisa de ser corrigido uma vez que os créditos e donavos em dinheiro podem ser alocados pelo Estado a diversas acvidades programácas e regiões geográficas; o mesmo não se pode dizer dos créditos e donavos em bens, pois dificilmente podem ser converveis duma ulidade para outra, ou duma região onde são necessários para outra onde não sejam. 18. Outras constatações importantes: Deterioração da balança de pagamentos. Houve crescimento da receita das exportações totais de bens em 11,3% em 2012 quando comparadas com as de 2011. Tal deveu-se ao crescimento das exportações realizadas pelos mega-projectos (indústria extracva) em 8,9%. Enquanto isso, as importações cresceram em 14,9% relavamente a 2011, reflecndo o crescimento da importação de bens de capital (maquinarias e equipamento) associado aos mega-projectos. Por outras palavras, as importações cresceram 3,6% mais do que as exportações no ano de 2012. Assim, a balança comercial de 2012 encerrou com um défice de 19,9% superior ao de 2011. Este cenário vem mostrar a cada vez mais preocupante dependência da economia moçambicana aos grandes projectos, acompanhada da falta da diversificação da base produva e comercial. Este factor combinado com os baixos níveis de tributação das grandes empresas - (contrariamente ao que acontece com as pequenas e médias empresas) fraco invesmento em áreas sociais, menores despesas de invesmento quando comparadas com as despesas de funcionamento, e por úlmo, aumento do financiamento por emprésmos não podem de forma alguma combater a pobreza. Dependência externa e dívida pública. O nível geral de dependência externa do orçamento do Estado em 2012 situou-se em 29,7% (entre donavos e emprésmos, 18,9% e 10,8%, respecvamente). Os recursos internos representaram 70,3% (sendo que as receitas do Estado representaram 68,1% e os créditos internos foram responsáveis por 2,2%). Se por um lado é posivo o aumento dos recursos internos em 3,9 pontos percentuais em 2012, face a 2011, em contraparda de igual diminuição nos recursos externos, por outro lado é negavo o aumento do endividamento interno do Estado, que foi de 2,2% em 2012 contra 2,1% em 2011. Na práca, o aumento de créditos internos do Estado significa redução da disponibilidade de recursos financeiros ao dispor do sector privado para operar. Um aumento de endividamento interno situado em 0,1% pode parecer não significavo, mas tendo a economia moçambicana uma base fiscal bastante pequena, altos níveis de desemprego e reduzido número de empresas, essa tendência merece atenção tanto da parte da AR como do Governo. 19. Grau de Implementação pelo Governo das Recomendações da AR. Uma das partes mais importantes da CGE a serem das em conta no trabalho desenvolvido pelas OSC, mormente a monitoria das acções governavas, e consequente advocacia, é a secção das recomendações feitas pela AR e respecva resposta do Governo. Nesta sub-secção analisamos o grau de implementação dessas recomendações constantes na CGE 2012. Cingimo-nos apenas aos aspectos que consideramos importantes, a saber: a. É posivo o cumprimento pelo Governo, a parr da CGE de 2011 da recomendação para especificar os valores de alienação das parcipações do Estado na rubrica “Alienação de Bens”; b. No concernente à recomendação de “adoptar um sistema integrado de controlo e gestão das receitas que garanta a passagem destas pela Conta Única do Tesouro e a sua apresentação completa na CGE”, não é suficiente a resposta do Governo quando refere que as “Receitas de Capital já são apresentadas de forma desagregada na CGE”. Como ficou claro da análise da CGE 2012, o nível de desagregação dessas receitas é ainda bastante limitado, não permindo uma monitoria abrangente e de cada caso; c. Em relação ao ponto b. acima, com o actual frenesim da indústria extracva em Moçambique, é importante a adopção do referido sistema integrado de controlo e gestão de receitas e sua adequada classificação; d. É urgente que o Governo cumpra cabalmente com a recomendação de apresentar, com exacdão, a execução orçamental e financeira, de modo a que os dados obdos nas endades auditadas e apresentados na CGE sejam coincidentes. Sobre este aspecto, não é suficiente a resposta do Governo de querer eliminar as divergências começando por apenas sete instuições a tulo piloto. Ademais, tais instuições não são nomeadas o que impede a verificação da relevância de terem sido escolhidas para a fase piloto. 2 RECOMENDAÇÕES As prioridades definidas no Plano Económico e Social (PES) bem como no PARP sejam tratadas como tal no Orçamento do Estado, e não devem ser marginalizados como tem acontecido até agora e está evidente na CGE 2012; As dotações orçamentais dos sectores prioritários devem ser condizentes com a sua categoria prioritária conforme definidos nos outros documentos do governo, tais como o Plano Económico e Social (PES) e o Plano de Acção para a Redução da Pobreza (PARP); Seja dada connuidade à reforma do regime fiscal que abrange os mega-projectos de forma a se alterar a situação dos trabalhadores pagarem mais impostos do que empresas; Se melhore o nível de realização dos fundos externos em moeda por serem passíveis de aplicação em diferentes programas de desenvolvimento nacional, diferentemente dos fundos externos em espécie; A Assembleia da República deve exigir ao Governo o cumprimento escrupuloso da lei no que diz respeito à gestão das finanças públicas e da coisa pública no geral. Especificamente, que as alterações feitas pelo Governo ao Orçamento sejam sempre dentro do preceituado na Lei Orçamental e em respeito dos princípios do equilíbrio orçamental e da transparência. Os conteúdos da CGE devem ser melhorados de forma a incluir mais e melhor informação sobre despesa sectorial, programáca, funcional e por nível geográfico; e, que passe igualmente a incluir mais e melhor informação sobre as receitas planificadas e realmente cobradas; A CGE e o Relatório e Parecer sobre a CGE devem ser tornados documentos públicos logo a seguir à sua submissão à AR, isto é, em Maio e Novembro de cada ano, respecvamente; Em alternava, a CPO, na sua capacidade legislava, deveria promover a alteração das leis e regulamentos necessários para que o vazio legal com relação à disponibilização da CGE ao público seja resolvido; Tal como já se verifica com a Proposta de Orçamento do Estado onde a DNO emite um “Orçamento do Cidadão” de forma a tornar o documento acessível e aberto ao cidadão comum, versões simplificadas e sumárias dos principais conteúdos da CGE sejam igualmente produzidas e disponibilizadas ao público (por exemplo, através de uma divulgação usando os media); A CPO realize as audiências com o Governo sobre ambos os documentos tal como tem acontecido em alguns anos, que as publicite e as abra à parcipação das OSC. Embora as audiências sejam uma formalidade que implica inúmeros protocolos, é uma formalidade importante no processo de prestação de contas públicas pelo Execuvo e a sua responsabilização pela Governação realizada; 1 CONSTATAÇÕES 1. Periodicidade na emissão da Conta Geral do Estado (CGE) e do Relatório e Parecer sobre a respecva CGE. A CGE é emida anualmente no final de Maio de cada ano em relação ao ano anterior, isto é, até 31 de Maio de 2013 o Governo devia finalizar e submeter à Assembleia da República a CGE referente ao ano de 2012. Isto é determinado por Lei (vide Lei e Regulamento do SISTAFE). Consequentemente, após a sua recepção, a Assembleia da República não emite nenhuma opinião sobre a CGE e remete-a ao Tribunal Administravo solicitando que realizem a sua auditoria externa e emitam o respecvo Relatório e Opinião sobre a mesma. Este trabalho de auditoria é realizado até 31 de Novembro de cada ano e o Relatório e Parecer são submedos nesta data à Assembleia da República (AR). Como a AR em Moçambique apenas conta com uma única Comissão Parlamentar que simultaneamente revê o Plano e Orçamento e os Relatórios de Auditoria, em Novembro de cada ano a Comissão está ocupada com a análise da Proposta de Plano e Orçamento do ano seguinte. Assim, a análise da CGE e do respecvo relatório de auditoria são habitualmente transferidos para o ano seguinte (neste caso a CGE 2012 e o respecvo relatório serão analisados na primeira sessão parlamentar de 2014, ora em curso). 2. Disponibilização da CGE e do Relatório e Parecer do TA ao Público. Tanto a CGE como o Relatório e Parecer do TA apenas se tornam públicos depois de serem discudos pela Assembleia da República (AR) o que não contribui para os princípios da transparência, acesso à informação e responsabilização do Governo. Também não contribui para que seja possível uma interacção atempada entre as Organizações da Sociedade Civil (OSC) e a Assembleia da República. Até a constuição do FMO e a sua regular interacção com a CPO estes documentos não eram disponibilizados às OSC nem exisa uma oportunidade de interacção. De 2010 para cá esse documento passou a ser enviado pelo Secretariado da CPO ao FMO. 3. Existe um vazio legal sobre o aspecto referido no número 10 acima. Em nossa opinião, tratando-se de documentos de interesse público, a sua disponibilização ao público não deveria depender da discussão pela AR. Um documento uma vez submedo à AR para sua análise e emissão de opinião não poderá ser sujeito a alterações pelo Governo, pelo que não existem razões para a sua não publicação, em versão papel e electrónica. 4. Comentário sobre o formato e a estrutura. A CGE 2012 segue o mesmo formato usado em anos anteriores e foi igualmente incluída informação no relatório inicial sobre as acções desencadeadas pelo Ministério das Finanças (MdF), para implementar as recomendações deixadas pelo TA e pela AR. A CGE (tal como o Relatório de Execução Orçamental, REO) contém muita informação úl e detalhada sobre a Despesa de Funcionamento e Invesmento, e tanto no Nível Central como Provincial. No entanto, é dicil efectuar uma verdadeira análise orçamental do ponto de vista sectorial e geográfico devido a vários aspectos de onde se destacam os seguintes: (i) o Mapa de Despesa por Sector Prioritário é preparado fora do e-SISTAFE e sem uma actualização e acordo sobre a definição de sectores (na realidade a definição de sectores limita-se a soma de um grupo de instuições); (ii) o mesmo Mapa não inclui em todos os sectores a despesa de Nível Distrital; (iii) não existem na CGE (nem no REO) detalhes suficientes para uma análise da despesa por sector ao nível distrital. Em alguns sectores, nomeadamente Acção Social, a análise orçamental é ainda mais dicil porque uma parte das despesas do Sector não é classificada como despesa instucional. 5. Análise da linguagem usada na CGE para interpretação do público. Sendo um documento eminentemente técnico, a CGE tem sido elaborada numa linguagem inacessível ao cidadão comum. Por essa razão, há necessidade de se alterar e simplificar o nível de linguagem aplicado sem prejudicar a robustez técnica do seu conteúdo. Neste sendo, é posiva a elaboração das versões simplificadas dos relatórios. No entanto, para além da necessidade de se simplificar o nível de linguagem, é necessário a bem da transparência da coisa pública que o documento apresente os pressupostos e explicações das assumpções com base nas quais se fazem as projecções macroeconómicas e respecvos juízos. Outro elemento que pode contribuir para a simplificação da linguage m usada na CGE tem a ver com a expressão de valores monetários em mecais e não em dólares norte-americanos como tem acontecido com as esmavas para importações, exportações e reservas internacionais (pp. 12-13; CGE 2012). 14. Em termos proporcionais, e muito importante na análise e discussão dos níveis de despesa, é preciso salientar que as despesas de funcionamento têm estado a superar as de invesmento. O ano 2012 não foi diferente nesse aspecto. As dotações das despesas de funcionamento veram um peso de 59,9% do orçamento total previsto contra apenas 40.5% das despesas de invesmento. Mais importante ainda é a queda connua (em mais de 10%) que as dotações das despesas de invesmento têm registado nos úlmos anos. Em 2008 e 2009, os recursos alocados às despesas de invesmento representaram 53,6% e 51,9%, respecvamente, em contraste com o peso que as mesmas veram no ano 2012: 40.5% conforme referido acima (TA 2013, p. IV-10). 15. Receitas geradas pelos mega-projectos. A contribuição dos mega-projectos cresceu cerca de 105% face a 2011 (CGE 2012; p. 35). Os sectores de exploração de petróleo e de exploração mineira são os que veram maior contribuição, com 37,2% e 31,3% da receita total dos mega-projectos, respecvamente. Note-se que “mega-projectos” são definidos como aqueles empreendimentos cujo valor de invesmento inicial seja igual ou superior a US$ 500 milhões (quinhentos milhões de dólares norte-americanos). Esses projectos estão concentrados na indústria mineira e petrolífera. O quadro 4 abaixo apresenta as receitas cobradas aos mega-projectos em 2012. Quadro 4: Contribuição dos mega-projectos em 2012 (Valores em milhões de Mecais) Fonte: CGE 2012; p. 52 9. Apesar do crescimento das dotações orçamentais globais direccionadas às áreas prioritárias enunciadas acima, é preocupante a redução acentuada (em mais de 40%) de recursos alocados ao combate do HIV-Sida. Em 2011 nham sido orçados 210 milhões de mecais tendo sido realizados 179 milhões de mecais. Estranhamente, em 2012 foram orçados 152 milhões de mecais e realizados 104 milhões de mecais – uma redução de 42,1% em relação ao ano anterior, conforme se pode ver no quadro 1 acima. A jusficação apresentada pelo Governo ao Tribunal Administravo é baseada na redução de fundos externos o que mostra que o Governo deve passar a financiar o combate ao HIV-Sida de forma cada vez mais independente da ajuda externa. Pela componente interna, o Governo alocou em 2012 o montante de 50.000 mil Mecais contra 43.400 mil Mecais em 2011. Por outras palavras, o Governo em 2012 aumentou a dotação orçamental ao combate ao HIV-Sida em apenas 1,2% o que contradiz o discurso governamental de aposta no combate a essa pandemia. Parte da explicação para esta situação pode ser o facto de que parte do financiamento externo que o Governo recebia para a área do HIV-Sida tem sido canalizada às OSC. No entanto, dados os altos níveis de sero-prevalência no país (mesmo que actualmente sejam considerados estáveis), o Governo deve alocar cada vez mais recursos a esta área. 10. A despesa dos sectores prioritários representou em 2012 cerca de 67,5% da despesa total excluindo os encargos da dívida e as operações financeiras, sendo de destacar os sectores da educação, infra-estruturas e saúde, que absorveram o equivalente a 20.1%, 16.2% e 11.7%, respecvamente. No entanto, é preciso fazer uma análise comparava das dotações referidas acima para melhor percepção, nos seguintes termos: i) Aos outros sectores prioritários de que fazem parte a Acção Social e Trabalho & Emprego foram desnados 2,7% do orçamento, correspondentes a 4.433 milhões de Mecais; dos 2,7% aqui referidos, apenas 0,3% foram canalizados à promoção de trabalho e criação de emprego - o que mostra bem a falta de prioridade que o emprego recebe do Orçamento do Estado (OE); ii) A dotação da Agricultura e Desenvolvimento Rural (definida na Constuição da República, art. 103 como a base do desenvolvimento nacional) e da qual depende o aumento da produção e produvidade agrária e pesqueira – como bem nota o TA no seu parecer – teve uma variação negava de 0,8% comparavamente ao ano de 2011. Esta situação também mostra como na práca governava e da gestão de finanças públicas a agricultura não tem sido priorizada; Fonte: Tribunal Administravo, Relatório e Parecer sobre a CGE 2012; p. IV-6 7. O quadro 1 acima mostra que a dotação para a despesa aprovada pela Lei 1/2012, de 13 de Janeiro, no valor de 163.035,400 mil Mecais foi acrescida de 2.476.264 mil Mecais o que corresponde a uma variação posiva de 1,5% em relação ao orçamento inicial. O principal problema com a CGE 2012 (que se tem verificado em quase todos os anos), como muito e bem nota o TA no seu Parecer, tem a ver com a violação do princípio do equilíbrio orçamental. Ou seja, o princípio segundo o qual, todas as despesas previstas no orçamento devem ser efecvamente cobertas por receitas nele inscrito. Ora, sucede que na CGE 2012, para um valor acrescido nas dotações aprovadas pela AR no montante já referido de 2.476.264 mil Mecais apenas constam alterações negavas das previsões das Receitas Consignadas no valor de 8.427 mil Mecais, que foram compensadas em igual valor, nas Receitas de Capital, o que tornou nula (igual a zero) a variação da receita global. Da situação exposta acima resulta que o Orçamento Actualizado deveria ter previsto a realização de uma despesa na ordem de 165.511.664 mil Mecais a ser coberta por uma receita esmada em valor inferior, isto é, 163.035.400 mil Mecais – o que não faria sendo. Fonte: CGE 2012; p. 35 16. Do quadro 4 acima nota-se que: A contribuição fiscal das empresas é menor do que as dos trabalhadores. Apesar do reportado aumento das receitas dos mega-projectos, é importante que o Governo aperfeiçoe o regime fiscal da indústria extracva. Porque até agora os trabalhadores dos mega-projectos pagam mais impostos do que as próprias empresas. Os trabalhadores do sector de exploração mineira pagaram ao Estado 952 milhões de mecais (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, IRPS) contra 530,1 milhões de mecais pagos pelas respecvas empresas. Ou seja, em 2012, os trabalhadores dos mega-projectos de exploração mineira pagaram ao Estado 422 milhões de mecais mais do que as empresas para as quais trabalharam o fizeram. O mesmo cenário verificou-se com os mega-projectos de produção de energia onde os trabalhadores pagaram 149 milhões de mecais contra 94.9 milhões de mecais pagos pelas empresas. O cenário é apenas diferente para os mega-projectos de exploração de petróleo que por sinal, exceptuando o mega-projecto da Sasol, todos os restantes ainda não estão na fase de exploração. Nesse subsector, as empresas pagaram ao Estado 1.809,9 milhões de mecais (de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colecvas, IRPC) contra 85.9 milhões de mecais do IRPS. Esta situação deve ter sido originada pelas transacções havidas na Bacia do Rovuma onde algumas concessões passaram para as mãos de novas empresas. 17. O Tribunal Administravo refere no seu parecer que em 2012, a cobrança de IRPC foi superior ao IRPS o que é verdade tal como é verdadeira a observação feita acima. De facto, comparando o IRPC com o IRPS em termos globais resulta que as empresas pagaram mais do que os trabalhadores, isso porque o sector petrolífero (certamente os trespasses de licenças na Bacia do Rovuma) contribuiu mais em IRPC do que IRPS. Mas quando se comparam os impostos por sectores (petróleo, minerais, energia) fica claro que os trabalhadores pagaram mais. Seria ainda mais interessante ainda olhar para cada empresa, caso essa informação esvesse disponível. NAIMA+

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Page 1: ANÁLISE À CONTA GERAL DO ESTADO DE 2012 E RESPECTIVO ... · Moçambique, é importante a adopção do referido sistema integrado de controlo e gestão de receitas e sua adequada

O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), um grupo de Organizações da Sociedade Civil (OSC) que se interessa pela monitoria e advocacia das finanças públicas em Moçambique, analisou a Conta Geral do Estado (CGE) 2012 e o Respectivo Relatório e o Parecer do Tribunal Administrativo. A analise incide especificamente sobre as áreas de trabalho das organizações que fazem parte do FMO, nomeadamente: saúde, educação, água e saneamento, indústria extractiva e mega-projectos, e protecção social.

A Conta Geral do Estado é o instrumento que através do qual o Executivo apresenta a sua execução orçamental e financeira anual, bem como apresenta o resultado do exercício económico e a avaliação do desempenho dos órgãos e instituições do Estado (CGE 2012; p. 1).

Assim, a análise da CGE reveste-se de grande importância para organizações da sociedade civil, nomeadamente as que fazem parte do FMO, uma vez que abre espaço e janelas de oportunidades para sua intervenção e interpelação ao Governo e imprimir mais transparência, responsabilização e planificação participativa das finanças públicas com vista a melhorar a governação e o bem-estar dos cidadãos.

ANÁLISE À CONTA GERAL DO ESTADO DE 2012 E RESPECTIVO RELATÓRIO E PARECER

DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVODocumento submetido à Comissão do Plano e

Orçamento (CPO) da Assembleia de República no âmbito da colaboração CPO e FMO

Fevereiro de 2014

6. Análise das dotações orçamentais e suas alterações. É de lei (vide art. 34 da Lei no. 9/2002, de 12 de Fevereiro) que se façam alterações dos limites fixados no Orçamento do Estado, sob proposta do Governo, devidamente fundamentada. O problema, como veremos abaixo, é que nem todas as alterações orçamentais são feitas dentro do preceituado por lei muito menos de acordo com os princípios da transparência na gestão das finanças públicas. O quadro 1 abaixo apresenta as alterações às dotações inscritas no Orçamento de 2012 conforme mapas constantes da respectiva CGE.

Quadro 1: Alterações às Dotações Inscritas no Orçamento

8. Análise dos fundos alocados aos sectores prioritários (educação, saúde, infra-estruturas, agricultura e desenvolvimento rural, acção social). O montante alocado para as áreas prioritárias conforme definido no PARP (educação, saúde, HIV-Sida, infra-estruturas, etc.) cresceu em 19.8% em relação ao ano de 2011 conforme mostra o quadro 2 abaixo:

Quadro 2: Despesa dos sectores prioritários conforme definido no PARP(Valores em milhões de Meticais)

iii) O total da despesa dos encargos da dívida e das operações financeiras (2,8% e 7,9%, respectivamente, totalizando 10,7%) ultrapassaram a dotação de dois sectores prioritários: o sector da saúde (10,4%) e o da agricultura e desenvolvimento rural (8,0%).iv) As observações acima mostram quão questionáveis são as prioridades definidas pelo Governo na prossecução dos objectivos de política do seu Plano Quinquenal para o período 2010-14 bem como do PARP.

11. Análise dos fundos externos. No global, as despesas de investimento foram asseguradas em maior parte pelo financiamento externo: tendo 53,4% dos recursos provenientes de fontes externas (donativos e créditos tanto em espécie como em moeda) e apenas 46.6% de fontes internas (recurso do tesouro, receitas consignadas e receitas próprias). Isto quer dizer que apesar da dependência externa de Moçambique estar a diminuir, ainda há muito que fazer de modo a que se elevem os níveis de investimento assegurado por fontes internas. O quadro 3 abaixo mostra como o financiamento externo em 2012 foi responsável pela maior parte das despesas de investimento.

Quadro 3: Despesas de investimento por âmbito e fonte de recurso(Valores em milhões de Meticais)

Fonte: CGE 2012; p. 46

12. Conforme se pode ver no quadro 3 acima, a despesa da componente externa é classificada em: i) donativos externos em moeda; ii) donativos externos em espécie; créditos externos em moeda; e iv) créditos externos em espécie. No ano em análise (2012), a despesa da componente externa financiada com donativos em moeda foi de 16.555,7 milhões de meticais; ao passo que o financiamento por donativos externos em espécie situaram-se em 4.981,2 milhões de meticais. O financiamento da despesa por créditos externos em moeda foi de 4.226,9 milhões de meticais e créditos externos em espécie foram de 2.766,2 milhões de meticais (CGE 2012, p. 46).

13. Em termos de realização, verifica-se que os donativos externos em espécie conseguem maior nível de realização tendo atingido a fasquia de 88.1% contra 81.0% dos créditos externos em espécie, e 66.3% de realização dos créditos externos em moeda, enquanto os donativos externos em moeda foram realizados em 64.1%. Por outras palavras, esta situação mostra que o Governo tem tido maior capacidade de absorção créditos e donativos em bens do que em dinheiro. Infelizmente, nem o Governo na CGE nem o Tribunal Administrativo no seu parecer apresentam qualquer explicação ou justificação desse facto. Em nossa opinião, tal pode dever-se às fragilidades do sistema de gestão de finanças públicas dentro do qual os financiamentos em moeda devem ser administrados. Este cenário precisa de ser corrigido uma vez que os créditos e donativos em dinheiro podem ser alocados pelo Estado a diversas actividades programáticas e regiões geográficas; o mesmo não se pode dizer dos créditos e donativos em bens, pois dificilmente podem ser convertíveis duma utilidade para outra, ou duma região onde são necessários para outra onde não sejam.

18. Outras constatações importantes:

Deterioração da balança de pagamentos. Houve crescimento da receita das exportações totais de bens em 11,3% em 2012 quando comparadas com as de 2011. Tal deveu-se ao crescimento das exportações realizadas pelos mega-projectos (indústria extractiva) em 8,9%. Enquanto isso, as importações cresceram em 14,9% relativamente a 2011, reflectindo o crescimento da importação de bens de capital (maquinarias e equipamento) associado aos mega-projectos. Por outras palavras, as importações cresceram 3,6% mais do que as exportações no ano de 2012. Assim, a balança comercial de 2012 encerrou com um défice de 19,9% superior ao de 2011. Este cenário vem mostrar a cada vez mais preocupante dependência da economia moçambicana aos grandes projectos, acompanhada da falta da diversificação da base produtiva e comercial. Este factor combinado com os baixos níveis de tributação das grandes empresas - (contrariamente ao que acontece com as pequenas e médias empresas) fraco investimento em áreas sociais, menores despesas de investimento quando comparadas com as despesas de funcionamento, e por último, aumento do financiamento por empréstimos � não podem de forma alguma combater a pobreza.

Dependência externa e dívida pública. O nível geral de dependência externa do orçamento do Estado em 2012 situou-se em 29,7% (entre donativos e empréstimos, 18,9% e 10,8%, respectivamente). Os recursos internos representaram 70,3% (sendo que as receitas do Estado representaram 68,1% e os créditos internos foram responsáveis por 2,2%). Se por um lado é positivo o aumento dos recursos internos em 3,9 pontos percentuais em 2012, face a 2011, em contrapartida de igual diminuição nos recursos externos, por outro lado é negativo o aumento do endividamento interno do Estado, que foi de 2,2% em 2012 contra 2,1% em 2011. Na prática, o aumento de créditos internos do Estado significa redução da disponibilidade de recursos financeiros ao dispor do sector privado para operar. Um aumento de endividamento interno situado em 0,1% pode parecer não significativo, mas tendo a economia moçambicana uma base fiscal bastante pequena, altos níveis de desemprego e reduzido número de empresas, essa tendência merece atenção tanto da parte da AR como do Governo.

19. Grau de Implementação pelo Governo das Recomendações da AR. Uma das partes mais importantes da CGE a serem tidas em conta no trabalho desenvolvido pelas OSC, mormente a monitoria das acções governativas, e consequente advocacia, é a secção das recomendações feitas pela AR e respectiva resposta do Governo. Nesta sub-secção analisamos o grau de implementação dessas recomendações constantes na CGE 2012. Cingimo-nos apenas aos aspectos que consideramos importantes, a saber:

a. É positivo o cumprimento pelo Governo, a partir da CGE de 2011 da recomendação para especificar os valores de alienação das participações do Estado na rubrica “Alienação de Bens”;

b. No concernente à recomendação de “adoptar um sistema integrado de controlo e gestão das receitas que garanta a passagem destas pela Conta Única do Tesouro e a sua apresentação completa na CGE”, não é suficiente a resposta do Governo quando refere que as “Receitas de Capital já são apresentadas de forma desagregada na CGE”. Como ficou claro da análise da CGE 2012, o nível de desagregação dessas receitas é ainda bastante limitado, não permitindo uma monitoria abrangente e de cada caso;

c. Em relação ao ponto b. acima, com o actual frenesim da indústria extractiva em Moçambique, é importante a adopção do referido sistema integrado de controlo e gestão de receitas e sua adequada classificação;

d. É urgente que o Governo cumpra cabalmente com a recomendação de apresentar, com exactidão, a execução orçamental e financeira, de modo a que os dados obtidos nas entidades auditadas e apresentados na CGE sejam coincidentes. Sobre este aspecto, não é suficiente a resposta do Governo de querer eliminar as divergências começando por apenas sete instituições a título piloto. Ademais, tais instituições não são nomeadas o que impede a verificação da relevância de terem sido escolhidas para a fase piloto.

2 RECOMENDAÇÕES

As prioridades definidas no Plano Económico e Social (PES) bem como no PARP sejam tratadas como tal no Orçamento do Estado, e não devem ser marginalizados como tem acontecido até agora e está evidente na CGE 2012;

As dotações orçamentais dos sectores prioritários devem ser condizentes com a sua categoria prioritária conforme definidos nos outros documentos do governo, tais como o Plano Económico e Social (PES) e o Plano de Acção para a Redução da Pobreza (PARP);

Seja dada continuidade à reforma do regime fiscal que abrange os mega-projectos de forma a se alterar a situação dos trabalhadores pagarem mais impostos do que empresas;

Se melhore o nível de realização dos fundos externos em moeda por serem passíveis de aplicação em diferentes programas de desenvolvimento nacional, diferentemente dos fundos externos em espécie;

A Assembleia da República deve exigir ao Governo o cumprimento escrupuloso da lei no que diz respeito à gestão das finanças públicas e da coisa pública no geral. Especificamente, que as alterações feitas pelo Governo ao Orçamento sejam sempre dentro do preceituado na Lei Orçamental e em respeito dos princípios do equilíbrio orçamental e da transparência.

Os conteúdos da CGE devem ser melhorados de forma a incluir mais e melhor informação sobre despesa sectorial, programática, funcional e por nível geográfico; e, que passe igualmente a incluir mais e melhor informação sobre as receitas planificadas e realmente cobradas;

A CGE e o Relatório e Parecer sobre a CGE devem ser tornados documentos públicos logo a seguir à sua submissão à AR, isto é, em Maio e Novembro de cada ano, respectivamente;

Em alternativa, a CPO, na sua capacidade legislativa, deveria promover a alteração das leis e regulamentos necessários para que o vazio legal com relação à disponibilização da CGE ao público seja resolvido;

Tal como já se verifica com a Proposta de Orçamento do Estado onde a DNO emite um “Orçamento do Cidadão” de forma a tornar o documento acessível e aberto ao cidadão comum, versões simplificadas e sumárias dos principais conteúdos da CGE sejam igualmente produzidas e disponibilizadas ao público (por exemplo, através de uma divulgação usando os media);

A CPO realize as audiências com o Governo sobre ambos os documentos tal como tem acontecido em alguns anos, que as publicite e as abra à participação das OSC. Embora as audiências sejam uma formalidade que implica inúmeros protocolos, é uma formalidade importante no processo de prestação de contas públicas pelo Executivo e a sua responsabilização pela Governação realizada;

1 CONSTATAÇÕES

1. Periodicidade na emissão da Conta Geral do Estado (CGE) e do Relatório e Parecer sobre a respectiva CGE. A CGE é emitida anualmente no final de Maio de cada ano em relação ao ano anterior, isto é, até 31 de Maio de 2013 o Governo devia finalizar e submeter à Assembleia da República a CGE referente ao ano de 2012. Isto é determinado por Lei (vide Lei e Regulamento do SISTAFE). Consequentemente, após a sua recepção, a Assembleia da República não emite nenhuma opinião sobre a CGE e remete-a ao Tribunal Administrativo solicitando que realizem a sua auditoria externa e emitam o respectivo Relatório e Opinião sobre a mesma. Este trabalho de auditoria é realizado até 31 de Novembro de cada ano e o Relatório e Parecer são submetidos nesta data à Assembleia da República (AR). Como a AR em Moçambique apenas conta com uma única Comissão Parlamentar que simultaneamente revê o Plano e Orçamento e os Relatórios de Auditoria, em Novembro de cada ano a Comissão está ocupada com a análise da Proposta de Plano e Orçamento do ano seguinte. Assim, a análise da CGE e do respectivo relatório de auditoria são habitualmente transferidos para o ano seguinte (neste caso a CGE 2012 e o respectivo relatório serão analisados na primeira sessão parlamentar de 2014, ora em curso).

2. Disponibilização da CGE e do Relatório e Parecer do TA ao Público. Tanto a CGE como o Relatório e Parecer do TA apenas se tornam públicos depois de serem discutidos pela Assembleia da República (AR) o que não contribui para os princípios da transparência, acesso à informação e responsabilização do Governo. Também não contribui para que seja possível uma interacção atempada entre as Organizações da Sociedade Civil (OSC) e a Assembleia da República. Até a constituição do FMO e a sua regular interacção com a CPO estes documentos não eram disponibilizados às OSC nem existia uma oportunidade de interacção. De 2010 para cá esse documento passou a ser enviado pelo Secretariado da CPO ao FMO.

3. Existe um vazio legal sobre o aspecto referido no número 10 acima. Em nossa opinião, tratando-se de documentos de interesse público, a sua disponibilização ao público não deveria depender da discussão pela AR. Um documento uma vez submetido à AR para sua análise e emissão de opinião não poderá ser sujeito a alterações pelo Governo, pelo que não existem razões para a sua não publicação, em versão papel e electrónica.

4. Comentário sobre o formato e a estrutura. A CGE 2012 segue o mesmo formato usado em anos anteriores e foi igualmente incluída informação no relatório inicial sobre as acções desencadeadas pelo Ministério das Finanças (MdF), para implementar as recomendações deixadas pelo TA e pela AR. A CGE (tal como o Relatório de Execução Orçamental, REO) contém muita informação útil e detalhada sobre a Despesa de Funcionamento e Investimento, e tanto no Nível Central como Provincial. No entanto, é difícil efectuar uma verdadeira análise orçamental do ponto de vista sectorial e geográfico devido a vários aspectos de onde se destacam os seguintes: (i) o Mapa de Despesa por Sector Prioritário é preparado fora do e-SISTAFE e sem uma actualização e acordo sobre a definição de sectores (na realidade a definição de sectores limita-se a soma de um grupo de instituições); (ii) o mesmo Mapa não inclui em todos os sectores a despesa de Nível Distrital; (iii) não existem na CGE (nem no REO) detalhes suficientes para uma análise da despesa por sector ao nível distrital. Em alguns sectores, nomeadamente Acção Social, a análise orçamental é ainda mais difícil porque uma parte das despesas do Sector não é classificada como despesa institucional.

5. Análise da linguagem usada na CGE para interpretação do público. Sendo um documento eminentemente técnico, a CGE tem sido elaborada numa linguagem inacessível ao cidadão comum. Por essa razão, há necessidade de se alterar e simplificar o nível de linguagem aplicado sem prejudicar a robustez técnica do seu conteúdo. Neste sentido, é positiva a elaboração das versões simplificadas dos relatórios. No entanto, para além da necessidade de se simplificar o nível de linguagem, é necessário � a bem da transparência da coisa pública � que o documento apresente os pressupostos e explicações das assumpções com base nas quais se fazem as projecções macroeconómicas e respectivos juízos. Outro elemento que pode contribuir para a simplificação da linguage m usada na CGE tem a ver com a expressão de valores monetários em meticais e não em dólares norte-americanos como tem acontecido com as estimativas para importações, exportações e reservas internacionais (pp. 12-13; CGE 2012).

14. Em termos proporcionais, e muito importante na análise e discussão dos níveis de despesa, é preciso salientar que as despesas de funcionamento têm estado a superar as de investimento. O ano 2012 não foi diferente nesse aspecto. As dotações das despesas de funcionamento tiveram um peso de 59,9% do orçamento total previsto contra apenas 40.5% das despesas de investimento. Mais importante ainda é a queda contínua (em mais de 10%) que as dotações das despesas de investimento têm registado nos últimos anos. Em 2008 e 2009, os recursos alocados às despesas de investimento representaram 53,6% e 51,9%, respectivamente, em contraste com o peso que as mesmas tiveram no ano 2012: 40.5% conforme referido acima (TA 2013, p. IV-10).

15. Receitas geradas pelos mega-projectos. A contribuição dos mega-projectos cresceu cerca de 105% face a 2011 (CGE 2012; p. 35). Os sectores de exploração de petróleo e de exploração mineira são os que tiveram maior contribuição, com 37,2% e 31,3% da receita total dos mega-projectos, respectivamente. Note-se que “mega-projectos” são definidos como aqueles empreendimentos cujo valor de investimento inicial seja igual ou superior a US$ 500 milhões (quinhentos milhões de dólares norte-americanos). Esses projectos estão concentrados na indústria mineira e petrolífera. O quadro 4 abaixo apresenta as receitas cobradas aos mega-projectos em 2012.

Quadro 4: Contribuição dos mega-projectos em 2012(Valores em milhões de Meticais)

Fonte: CGE 2012; p. 52

9. Apesar do crescimento das dotações orçamentais globais direccionadas às áreas prioritárias enunciadas acima, é preocupante a redução acentuada (em mais de 40%) de recursos alocados ao combate do HIV-Sida. Em 2011 tinham sido orçados 210 milhões de meticais tendo sido realizados 179 milhões de meticais. Estranhamente, em 2012 foram orçados 152 milhões de meticais e realizados 104 milhões de meticais – uma redução de 42,1% em relação ao ano anterior, conforme se pode ver no quadro 1 acima. A justificação apresentada pelo Governo ao Tribunal Administrativo é baseada na redução de fundos externos o que mostra que o Governo deve passar a financiar o combate ao HIV-Sida de forma cada vez mais independente da ajuda externa. Pela componente interna, o Governo alocou em 2012 o montante de 50.000 mil Meticais contra 43.400 mil Meticais em 2011. Por outras palavras, o Governo em 2012 aumentou a dotação orçamental ao combate ao HIV-Sida em apenas 1,2% o que contradiz o discurso governamental de aposta no combate a essa pandemia.Parte da explicação para esta situação pode ser o facto de que parte do financiamento externo que o Governo recebia para a área do HIV-Sida tem sido canalizada às OSC. No entanto, dados os altos níveis de sero-prevalência no país (mesmo que actualmente sejam considerados estáveis), o Governo deve alocar cada vez mais recursos a esta área.

10. A despesa dos sectores prioritários representou em 2012 cerca de 67,5% da despesa total excluindo os encargos da dívida e as operações financeiras, sendo de destacar os sectores da educação, infra-estruturas e saúde, que absorveram o equivalente a 20.1%, 16.2% e 11.7%, respectivamente. No entanto, é preciso fazer uma análise comparativa das dotações referidas acima para melhor percepção, nos seguintes termos:

i) Aos outros sectores prioritários de que fazem parte a Acção Social e Trabalho & Emprego foram destinados 2,7% do orçamento, correspondentes a 4.433 milhões de Meticais; dos 2,7% aqui referidos, apenas 0,3% foram canalizados à promoção de trabalho e criação de emprego - o que mostra bem a falta de prioridade que o emprego recebe do Orçamento do Estado (OE);ii) A dotação da Agricultura e Desenvolvimento Rural (definida na Constituição da República, art. 103 como a base do desenvolvimento nacional) e da qual depende o aumento da produção e produtividade agrária e pesqueira – como bem nota o TA no seu parecer – teve uma variação negativa de 0,8% comparativamente ao ano de 2011. Esta situação também mostra como na prática governativa e da gestão de finanças públicas a agricultura não tem sido priorizada;

Fonte: Tribunal Administrativo, Relatório e Parecer sobre a CGE 2012; p. IV-6

7. O quadro 1 acima mostra que a dotação para a despesa aprovada pela Lei 1/2012, de 13 de Janeiro, no valor de 163.035,400 mil Meticais foi acrescida de 2.476.264 mil Meticais o que corresponde a uma variação positiva de 1,5% em relação ao orçamento inicial. O principal problema com a CGE 2012 (que se tem verificado em quase todos os anos), como muito e bem nota o TA no seu Parecer, tem a ver com a violação do princípio do equilíbrio orçamental. Ou seja, o princípio segundo o qual, todas as despesas previstas no orçamento devem ser efectivamente cobertas por receitas nele inscrito. Ora, sucede que na CGE 2012, para um valor acrescido nas dotações aprovadas pela AR no montante já referido de 2.476.264 mil Meticais apenas constam alterações negativas das previsões das Receitas Consignadas no valor de 8.427 mil Meticais, que foram compensadas em igual valor, nas Receitas de Capital, o que tornou nula (igual a zero) a variação da receita global. Da situação exposta acima resulta que o Orçamento Actualizado deveria ter previsto a realização de uma despesa na ordem de 165.511.664 mil Meticais a ser coberta por uma receita estimada em valor inferior, isto é, 163.035.400 mil Meticais – o que não faria sentido.

Fonte: CGE 2012; p. 35

16. Do quadro 4 acima nota-se que:

A contribuição fiscal das empresas é menor do que as dos trabalhadores. Apesar do reportado aumento das receitas dos mega-projectos, é importante que o Governo aperfeiçoe o regime fiscal da indústria extractiva. Porque até agora os trabalhadores dos mega-projectos pagam mais impostos do que as próprias empresas. Os trabalhadores do sector de exploração mineira pagaram ao Estado 952 milhões de meticais (Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, IRPS) contra 530,1 milhões de meticais pagos pelas respectivas empresas. Ou seja, em 2012, os trabalhadores dos mega-projectos de exploração mineira pagaram ao Estado 422 milhões de meticais mais do que as empresas para as quais trabalharam o fizeram. O mesmo cenário verificou-se com os mega-projectos de produção de energia onde os trabalhadores pagaram 149 milhões de meticais contra 94.9 milhões de meticais pagos pelas empresas. O cenário é apenas diferente para os mega-projectos de exploração de petróleo que por sinal, exceptuando o mega-projecto da Sasol, todos os restantes ainda não estão na fase de exploração. Nesse subsector, as empresas pagaram ao Estado 1.809,9 milhões de meticais (de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas, IRPC) contra 85.9 milhões de meticais do IRPS. Esta situação deve ter sido originada pelas transacções havidas na Bacia do Rovuma onde algumas concessões passaram para as mãos de novas empresas.

17. O Tribunal Administrativo refere no seu parecer que em 2012, a cobrança de IRPC foi superior ao IRPS o que é verdade tal como é verdadeira a observação feita acima. De facto, comparando o IRPC com o IRPS em termos globais resulta que as empresas pagaram mais do que os trabalhadores, isso porque o sector petrolífero (certamente os trespasses de licenças na Bacia do Rovuma) contribuiu mais em IRPC do que IRPS. Mas quando se comparam os impostos por sectores (petróleo, minerais, energia) fica claro que os trabalhadores pagaram mais. Seria ainda mais interessante ainda olhar para cada empresa, caso essa informação estivesse disponível.

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