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 Paulo Ferracioli Regulação do Comércio Internacional BNDES

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Apostila sobre a OMC e seu regulamento

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  • Paulo Ferracioli

    Regulao do Comrcio

    Internacional

    BNDES

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    REGULAO DO COMRCIO INTERNACIONAL

    1. DO GATT OMC: A EVOLUO DAS REGRAS

    Neste texto apresenta-se o processo, iniciado aps o final da Segunda Guerra Mundial, de estabelecimento dos princpios, regras e regulamentos que regulam o comrcio internacional, observando-se que este regime internacional vem sendo continuamente alterado em funo das mudanas que ocorreram nas prticas comerciais ao longo do tempo. Com este objetivo, inicia-se apresentando sua fase inicial e a evoluo ocorrida at o final da Rodada Uruguai, em 1994. A seguir, apresenta-se a OMC Organizao Mundial do Comrcio, que iniciou suas atividades em 1995 e tornou-se o centro das discusses e negociaes sobre o tema, e algumas das caractersticas das novas regras estabelecidas. Finalmente, por ser um essencial ao bom funcionamento do regime, apresenta-se, em linhas gerais, o sistema de soluo de controvrsias criado no mbito da OMC.

    A FASE INICIAL DO GATT

    Ao final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos eram o nico pas desenvolvido em que a indstria no havia sofrido qualquer tipo de destruio por conta do conflito, devendo-se apenas realizar sua reconverso para que fosse possvel torn-lo fornecedor dos produtos requeridos em tempos de paz. A situao era completamente diferente em grande parte da Europa e da sia, onde o parque produtivo estava em condies muito precrias devido aos bombardeios a que haviam sido submetidos. Isto criava uma situao privilegiada para os EUA, pois eles estavam em plenas condies de exportarem bens industriais para os demais pases, inclusive as mquinas e os equipamentos necessrios reconstruo de suas fbricas.

    Nos Estados Unidos, preponderava o entendimento de que os problemas econmicos da dcada de 30, para os quais teriam contribudo as restries ao comrcio internacional e a instabilidade monetria, estariam entre os fatores mais importantes para explicar a deflagrao do conflito. Requeria-se, portanto, a instalao de uma nova ordem econmica mundial em que aqueles problemas no fossem replicados, voltando a ameaar a paz. Os EUA eram, naquele momento, tanto a maior potncia econmica quanto a maior potncia militar, nico pas a possuir bombas atmicas. Nesta condio, assumiram o papel de lideres do processo de formao de uma nova ordem econmica, o que contribuiria para consolidar sua posio hegemnica diante dos demais pases.

    Ainda antes do trmino das hostilidades, representantes de 44 pases reuniram-se na Conferncia de Bretton Woods, em 1944, que resultou na criao do Fundo Monetrio Internacional - FMI e do Banco Internacional para Reconstruo e Desenvolvimento - BIRD, conhecido como Banco Mundial. Na ocasio foi discutida

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    a criao de uma terceira organizao internacional, a Organizao Internacional do Comrcio - OIC, destinada a tratar, dentre outras coisas, das relaes comerciais entre os pases, com base em princpios de livre comrcio e multilaterais.

    A criao do FMI e o estabelecimento de um padro monetrio com taxas de cmbio baseavam-se na crena de que taxas de cmbio flutuantes seriam um fator de instabilidade na economia internacional. Os pases comprometeram-se a manter taxas de cmbio fixas em relao ao ouro, sendo que o dlar seria, desde o incio, uma moeda com conversibilidade garantida, Desta forma, o dlar e o ouro seriam os lastros deste novo sistema, o que atribua um novo papel de grande relevncia para a moeda americana. O Fundo deveria prestar assistncia aos pases com problemas de balano de pagamentos, a fim de que no recorressem s restries ao comrcio cada vez que surgisse algum desequilbrio nesse balano.

    A criao do Banco Mundial tinha por objetivo criar uma instituio financeira internacional capaz de financiar a reconstruo da economia dos pases destrudos pela guerra. Desde o incio, a governana, tanto do FMI quanto do BIRD, foi desenhada de tal forma que o poder decisrio concentrava-se nos pases desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos.

    A Organizao Internacional do Comrcio - OIC complementaria o conjunto de instituies desta nova ordem econmica internacional. OIC caberia a construo de um sistema de comrcio mundial, que teria suas regras definidas tendo como objetivo facilitar o funcionamento das foras do mercado e reduzir as restries existentes ao comrcio internacional. No discurso fundador da OIC, a necessidade da expanso do comrcio internacional era diretamente relacionada aos temas do emprego e do desenvolvimento econmico.

    No incio de 1946, na primeira reunio do Conselho Econmico e Social da ONU, decidiu-se realizar uma Conferncia sobre o Comrcio e o Emprego, a se realizar em Havana. Em 1947, em Genebra, promoveram-se reunies com o objetivo de preparar uma proposta de carta para a OIC e, paralelamente, de negociar um acordo geral de reduo multilateral de tarifas com o estabelecimento de regras gerais para o comrcio internacional. Em novembro de 1947, iniciou-se, em Havana, a conferncia para discutir o comrcio e o emprego, a qual se encerrou em maro de 1948 com a aprovao, pelos 53 membros presentes, da Carta de Havana. Na Carta constava a criao da OIC, o que, contudo, no viria a se concretizar, pois os Estados Unidos, que estavam na origem da proposta, no viriam a ratificar o documento.

    As reunies realizadas em Genebra em 1947 voltadas negociaes sobre redues tarifrias resultaram no Acordo Geral Sobre Tarifas e Comrcio (GATT), assinado antes da Conferncia que seria realizada em Havana. Ao GATT, que entraria em vigor em 1948, aderiram vinte e trs pases, dez dos quais considerados pases em desenvolvimento, dentre os quais o Brasil. Neste Acordo Geral prvio, ficou estabelecido no Artigo XXIX que, quando a Carta de Havana entrasse em vigor, a aplicao de sua Parte II, que tratava dos aspectos mais substanciais da gesto do comrcio internacional, seria suspensa.

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    Como a criao da OIC veio a fracassar, o GATT continuou em vigor, ainda que no viesse a se constituir, formalmente, em um organismo internacional, mantendo-se apenas como um acordo at o estabelecimento, em 1995, da Organizao Mundial do Comrcio. interessante observar que o GATT, comparativamente o mais frgil dos instrumentos criados ao se estabelecer a nova ordem econmica internacional do ps-Segunda Guerra Mundial, tornar-se-ia, com o passar dos anos, extremamente bem sucedido.

    Muitas das prescries do GATT original mantm-se vigentes at hoje. O acordo iniciava-se com a clusula da nao mais favorecida que estipula que o comrcio internacional deve ser conduzido em bases no discriminatrias. Ou seja, um pas no pode conceder a outro tratamento privilegiado em relao aos demais, salvo as excees previstas no prprio Acordo, como, por exemplo, a do Artigo XXIV, que trata de integrao regional. Assim, por fora da atuao desse princpio, um benefcio ou tratamento preferencial concedido a um pas dever ser estendido a todos os demais.

    Seguem-se os dispositivos que regulam as listas de concesses que apresentam os compromissos assumidos por cada pas em relao aos demais. Nestas obrigaes constam as tarifas mximas a serem aplicadas para os diferentes produtos, as chamadas tarifas consolidadas. As tarifas aplicadas por qualquer pas no poderiam ser superiores s consolidadas nas listas de concesses, pois isto significaria uma perfurao da tarifa.

    Entre as normas gerais, destaca-se a chamada de tratamento nacional. Por esta norma, os signatrios do GATT acordaram que os impostos internos e outros encargos, as leis, regulamentaes e requerimentos aplicveis s vendas internas no podem ser aplicadas diferentemente aos produtos fabricados internamente do que so aos produtos importados. Destaca-se, ainda, a norma da transparncia, que obriga a publicao de todos os regulamentos relacionados ao comrcio. Constavam, ainda, do acordo as chamadas clusulas de escape, medidas de exceo acordadas pelas partes contratantes que resguardariam os interesses domsticos no curso de processos de liberalizao. Exemplos de medidas de exceo so encontrados no Artigo XIX do Acordo Geral, que permite a adoo de salvaguardas para as concesses tarifrias outorgadas no mbito do GATT e no Artigo XII, que autoriza a imposio de restries s importaes em razo de desequilbrios no balano de pagamentos. As medidas antidumping, de que trata o Artigo VI, tambm podem ser consideradas medidas de exceo, uma vez que sua aplicao discricionria, incidindo exclusivamente sobre as importaes originrias de certos pases, indo de encontro ao princpio da nao mais favorecida.

    O Protocolo de Aplicao Provisria do Acordo Geral, assinado em 30 de outubro de 1947, previa que as normas da Parte II do acordo somente seriam aplicveis se no contrariassem as legislaes nacionais em vigor nas partes contratantes, prerrogativa essa que ficou conhecida como Grandfather Clause.

    Como exemplo de sua aplicao, os Estados Unidos da Amrica puderam manter sua legislao sobre as medidas antidumping que conflitava com o que fora estipulado no

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    GATT. Essa clusula somente foi extinta com a criao da OMC. Aps pouco mais de uma dcada de sua entrada em vigor, as avaliaes do GATT realizadas pelos pases em desenvolvimento comearam a demonstrar sua grande frustrao com os resultados obtidos. A convocao e realizao da UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development, em 1964, e a criao do Grupo dos 77 viabilizaram tornar explcito que o Acordo Geral era um instrumento que regulava o comrcio internacional sem levar em considerao a questo do desenvolvimento, beneficiando apenas os pases que j eram os mais ricos. Iniciou-se, ento, um forte movimento poltico exigindo mudanas no Acordo, conseguindo-se, paulatinamente, introduzir algumas clusulas que permitiam a concesso de algum tratamento diferenciado para os pases em desenvolvimento.

    Um destes resultados foi o surgimento dos SGPs, os Sistemas Gerais de Preferncias, conceito concebido no mbito da UNCTAD, cujo secretrio-geral era Raul Prebisch, ex- secretrio-geral da Comisso Econmica para a Amrica Latina CEPAL. Por este mecanismo, os pases desenvolvidos poderiam conceder acesso privilegiado aos seus mercados pelos pases em desenvolvimento por meio de preferncias tarifrias a certos produtos. Na fase inicial, tais preferncias eram concedidas como um waiver s obrigaes do Acordo Geral.

    O tratamento diferenciado e mais favorvel aos pases em desenvolvimento, do qual o SGP um exemplo, somente foi autorizado de forma permanente em 1979, quando foi introduzida, no mbito do GATT, a chamada clusula de habilitao. Os pases desenvolvidos no deveriam mais esperar que, durante as negociaes, houvesse reciprocidade nas redues de tarifas e em outras concesses por parte dos pases em desenvolvimento. Contudo, ficou estabelecido que os pases em desenvolvimento deveriam paulatinamente assumir suas obrigaes quando fosse constatado avanos em suas economias.

    Ao longo de sua histria, o GATT promove oito rodadas de negociaes multilaterais. Nestas rodadas, onde o tema central e mais relevante era reduo tarifria, e nas reunies ordinrias das partes-contratantes do Acordo outros assuntos surgiam e tomavamse decises que buscavam aprimorar as regras estabelecidas. Assim, os dispositivos do Acordo foram sendo atualizados e seu alcance foi ampliado. At a criao da OMC, em 1995, o GATT se constituiu, praticamente, na nica fonte de regras para o comrcio internacional, tendo sido, tambm, o principal foro para negociaes e soluo de conflitos nesse setor.

    As cinco primeiras rodadas de negociaes (Genebra, 1947; Annecy, 1949; Torquay, 1950-1951; Genebra, 1955-1956; e Dillon, 1960-1961) trataram, quase que exclusivamente, de redues tarifrias. De um modo geral, esse perodo caracterizado como de relativo sucesso no processo de liberalizao, tendo sido desmanteladas vrias barreiras originrias da dcada de trinta, bem como reduzidas as tarifas incidentes sobre produtos industrializados comercializados pelos pases desenvolvidos. No contexto dos programas de reconstruo das economias atingidas pela 2a Guerra Mundial e da evoluo subseqente das principais economias, o GATT teve relevante papel como facilitador da expanso do comrcio internacional.

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    A sexta rodada de negociaes, realizada entre 1964 e 1967, recebeu o nome Rodada Kennedy em homenagem ao presidente americano assassinado antes de seu incio. A novidade foi o novo papel nas negociaes da Comunidade Europia, sendo que os pases que dela participavam atuaram, pela primeira vez, em conjunto. Este novo negociador tinha mais condies de enfrentar o poder norte-americano, at ento muito superior a todos os demais pases que participavam das rodadas. Entre seus resultados, destacam-se uma reduo em 35% da tarifa mdia incidente sobre produtos industrializados, a concluso do primeiro Acordo Antidumping e, aps as fortes presses polticas dos pases em desenvolvimento, a introduo de uma Parte IV no acordo, tratando da relao entre comrcio e desenvolvimento.

    Ao iniciar-se a Rodada Tquio (1973-1979), j havia um razovel consenso de que o tratamento das barreiras no tarifrias no poderia mais ser postergado. Assim, esta rodada a primeira tentativa de realmente introduzir mudanas no sistema de regulao do comrcio internacional, buscando incluir temas como, por exemplo, as barreiras tcnicas e a aplicao de medidas antidumping. necessrio ressaltar que a rodada ocorre em um perodo de grandes transformaes na economia mundial. Dentre elas, devem ser citadas o crescimento da importncia do Japo e da Comunidade Europia e o surgimento, na arena do comrcio internacional, dos NICs, os Newly Industrialized Countries, dentre os quais se encontrava o Brasil.

    Adicionalmente, duas grandes crises marcam o perodo: o fim do sistema de taxas fixas de cmbio criado em Bretton Woods, que vigorava desde o ps-guerra, e as crises do preo do petrleo. No novo sistema monetrio, a competitividade das empresas podia ser profundamente alterada por variaes da taxa de cmbio, independentemente de qualquer movimento de elevao ou de reduo de sua produtividade. A elevao dos preos do petrleo passou a exigir grandes volumes de divisas dos pases que dependiam de sua importao, o que resultou em um aumento do endividamento externo de vrios pases em desenvolvimento. A perda de competitividade das empresas dos Estados Unidos as levou a exigir de seu governo que pressionasse seus parceiros comerciais mais relevantes, principalmente o Japo, para realizarem acordos de restrio voluntria s exportaes, protegendo assim as empresas norte-americanas.

    Ainda que a Rodada Tquio seja hoje avaliada como a que marcou a primeira transformao mais forte do sistema multilateral de comrcio, seus resultados frustraram enormemente os pases em desenvolvimento ao no introduzir os produtos agrcolas e os txteis nas disciplinas aplicadas maioria dos produtos industriais. Fracassou tambm ao no avanar no tratamento de salvaguardas, o que poderia ter reduzido as prticas nada transparentes dos acordos de restrio voluntrias a exportaes.

    Houve, porm, resultados muito importantes na rodada, destacando-se a elaborao de cdigos que visavam a regular os procedimentos relativos a diversas barreiras no tarifrias, como, por exemplo, o Cdigo de Normas sobre as barreiras tcnicas, o de Valorao Aduaneira, o de Licenciamento das Importaes, o de Compras Governamentais, o de Subsdios e Medidas Compensatrias e uma nova verso do

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    Cdigo Antidumping. Esses cdigos, entretanto, somente seriam aplicados aos pases que os subscrevessem, num rompimento importante com a clusula da nao mais favorecida, o que provocou preocupaes e discusses sobre o destino do sistema. Nesta fase, falava-se dos riscos de um GATT la carte.

    Ao final da Rodada Tquio, o Brasil aderiu aos Acordos Antidumping, de Subsdios e Medidas Compensatrias, sobre Barreiras Tcnicas e de Valorao Aduaneira. Entretanto, os acordos referentes a antidumping e subsdios somente viriam a ser incorporados ao ordenamento jurdico nacional em 1986. Na dcada de 80, a poltica de comrcio exterior do Brasil ainda adotava uma srie de legislaes e regulamentaes com objetivos protecionistas, destacando-se dentre elas a pauta de valor mnimo e o preo de referncia. A pauta do valor mnimo fora introduzida pela Lei de Tarifas de 1957 e permitia que, para que calculassem o Imposto de Importao devido, as autoridades estipulassem, unilateralmente, o preo das mercadorias importadas. J o preo de referncia concedia direitos semelhantes, aplicveis em casos que fossem constatadas disparidades nos preos de importao de mercadorias originrias de pases diferentes.

    Ao aderir ao Acordo de Valorao Aduaneira da Rodada Tquio, o Brasil comprometeu-se a extinguir estes mecanismos, o que efetivamente fez em julho de 1988. Em contrapartida, o pas implementou os Acordos Antidumping e de Subsdios e Medidas Compensatrias, designando a Comisso de Poltica Aduaneira - CPA, do Ministrio da Fazenda, como o rgo responsvel pela aplicao destes Acordos.

    As atividades referentes ao Acordo sobre Barreiras Tcnicas foram atribudas, logo em 1983, ao Inmetro. No mesmo ano, tcnicos do Instituto participaram de um treinamento, promovido pelo GATT em Genebra, e iniciaram a implantao de um Comit de Coordenao sobre Barreiras Tcnicas ao Comrcio no Brasil. Iniciaram-se, ento, as atividades voltadas defender os exportadores brasileiros das medidas protecionistas de outros pases que eram aplicadas sob o disfarce de serem exigncias tcnicas.

    Na economia internacional, a dcada de 80 marcaria novas e significativas alteraes. No incio da dcada, a valorizao da moeda norte-americana diminuiu a competitividade das empresas dos EUA levando-as a solicitar medidas protecionistas de seu governo. Dentre elas, aumentaram as presses para que fossem promovidos novos acordos de restries voluntrias s exportaes, que, embora no expressamente proibidas pelo GATT, eram consideradas na zona cinzenta.

    Do ponto de vista dos pases mais desenvolvidos, temas como a propriedade intelectual, o comrcio de servios e os investimentos externos diretos passam a ser centrais para a expanso de suas economias. Por outro lado, os pases em desenvolvimento, enredados na crise da dvida externa, entendiam que sua superao exigiria maiores exportaes, o que somente seria possvel se os pases desenvolvidos lhes concedessem maior acesso aos seus mercados, particularmente em produtos nos quais eram mais competitivos como txteis e agropecurios.

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    Este conjunto de situaes fez com que, j em 1982, surgissem as primeiras propostas para que fosse iniciada uma nova rodada de negociaes multilaterais, propostas estas que resultariam no lanamento da Rodada Uruguai. Esta, contudo, teria incio apenas em 1986, quando se conseguiu um acordo sobre a pauta das negociaes. Inicialmente, as discusses sobre a pauta, ou seja, sobre o mandato negociador, foram enormes e havia muitas divergncias. Os pases desenvolvidos desejavam incluir na pauta essencialmente as negociaes sobre temas que passaram a ser de interesse direto de suas empresas como servios, investimentos e propriedade intelectual enquanto os pases em desenvolvimento pretendiam centrar a nova rodada na discusso sobre como aplicar as disciplinas do GATT aos produtos agrcolas e aos txteis.

    As negociaes da Rodada Uruguai foram difceis e exigiram oito anos para seu encerramento, ocorrido somente em 1994. O velho Acordo de 1947 foi substitudo por um conjunto de regras muito mais abrangente, aplicvel a um conjunto ampliado de produtos e que seriam administrados por uma nova organizao internacional. Este ser o tema dos dois prximos itens.

    2. A ORGANIZAO MUNDIAL DO COMRCIO E AS NOVAS REGRAS

    As negociaes da rodada s se encerraram em 25 de abril de 1994, em Marraqueche, quando foi assinado The Final Act Embodying the Results of the Uruguay Round of Multilateral Trade Negotiations que contm o conjunto de textos dos Acordos, das Decises Ministeriais e de Declaraes resultantes das negociaes que se iniciaram em Punta del Leste, em setembro de 1986.

    No Brasil, os acordos foram incorporados ao ordenamento jurdico brasileiro pelo Decreto Legislativo n. 30, de 15 de dezembro de 1994, que aprovou a Ata Final da Rodada Uruguai de Negociaes Multilaterais do GATT e as listas de concesses na rea tarifria e no setor de servios, alm do acordo plurilateral sobre carne bovina. O Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994, promulgou a Ata, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1995. Ou seja, estes acordos possuem, no Brasil, fora de lei.

    Dentre os resultados da Rodada Uruguai, destaca-se a criao da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) que passaria a administrar um mecanismo de soluo de controvrsias muito mais eficaz que o anteriormente existente. Adicionalmente, de grande relevncia, deve-se citar que os setores agrcola e txtil foram, finalmente, incorporados disciplina do GATT, ainda que com excees, negociaram-se acordos relativos aos chamados novos temas (servios, propriedade intelectual e investimentos), foram revistos todos os acordos resultantes da Rodada Tquio e foram concludos novos acordos especficos como o referente a salvaguardas e a medidas sanitrias e fitossanitrias.

    Por outro lado, apesar de propostas existentes, as negociaes da Rodada Uruguai, no estabeleceram regras especficas relacionadas a regulamentaes trabalhistas e

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    de controle do meio-ambiente. A incluso de regras sobre estes temas sofreu oposio dos pases em desenvolvimento, dentre os quais se inclua o Brasil, que temiam que estas regras resultassem em novas barreiras no-tarifrias impostas s suas exportaes. A seguir, apresentam-se alguns aspectos do conjunto de acordos resultantes da rodada.

    O Acordo Constitutivo da Organizao Mundial do Comrcio, tambm conhecido como Acordo de Marraqueche, completou o trip da institucionalidade concebida em Bretton Woods. O acordo retoma o conceito do single undertanking: ao estabelecer que os pases no possam escolher os acordos que subscrevero ao se tornarem membros da OMC, devendo aderir ao sistema como um todo. A OMC uma organizao internacional, com personalidade jurdica prpria e que detm privilgios e imunidades diplomticas anlogos aos organismos especializados das Naes Unidas, diferente do GATT, apenas um tratado internacional.

    O rgo mximo na governana da OMC a Conferncia Ministerial que se rene a cada dois anos. O dia-a dia da organizao dirigido pelo Conselho Geral, composto por todos os pases membros, que, dependendo de convocao especfica, atua tambm como rgo de Soluo de Controvrsias, tema tratado no prximo item deste texto, e como rgo de Reviso de Poltica Comercial, responsvel pelo mecanismo que busca dar transparncia s polticas comerciais de todos os membros da OMC. A fim de auxiliar o Conselho Geral, foram criados trs conselhos, para bens, servios e propriedade intelectual, que tm como funo supervisionar a aplicao e o funcionamento dos respectivos acordos.

    Adicionalmente, funcionam Comits para temas especficos como o Comit sobre Comrcio e Meio Ambiente e o Comit sobre Comrcio e Desenvolvimento. O Acordo que estabeleceu a OMC estipulou como suas funes bsicas facilitar a implantao dos acordos e instrumentos jurdicos negociados no mbito da Rodada Uruguai; servir de foro para negociaes entre os membros relacionadas ao comrcio; administrar o Entendimento sobre Soluo de Controvrsias e administrar o Mecanismo de Exame das Polticas Comerciais.

    Paralelamente, a OMC deve cooperar com o FMI e o Banco Mundial, a fim de que seja obtida maior coerncia na elaborao das polticas econmicas em escala mundial. O conjunto de regras multilaterais estipuladas pelas negociaes e que, atualmente, regulam comrcio internacional esto contidas nos seguintes acordos ou grupos de acordos:

    a) Comrcio de Bens: Acordo Geral Sobre Tarifas e Comrcio 1994 GATT 94 e o conjunto de acordos que tratam diretamente do comrcio de bens; b) Comrcio de Servios: Acordo Geral Sobre o Comrcio de Servios GATS; c) Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio TRIPS; d) Entendimento Relativo a Normas e Procedimentos pelos quais se rege a Soluo de Controvrsias; e e) Mecanismo de Reviso de Poltica Comercial

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    Quanto aos servios, o Acordo Geral sobre o Comrcio de Servios, GATS na sigla inglesa, procurou estabelecer um quadro referncia de princpios e regras para o comrcio internacional de servios visando sua expanso e sua contnua liberalizao. O tratamento baseado na clusula da nao mais favorecida e a obrigao de transparncia tornaram-se obrigatrios para todas as medidas que afetem o comrcio de servios. Contudo, o acesso a mercados e a aplicao do tratamento nacional dependem das listas de compromissos especficos assinados por cada membro para cada setor.

    O acordo classificou os servios em quatro modos diferentes de prestao: - prestaes transfronteiras (cross border supply): servios de transporte, os transmitidos por redes de telecomunicaes, projetos de engenharia etc. - consumo no exterior (consumption abroad): servios mdicos, turismo etc. - presena comercial (commercial presence): subsidirias de bancos ou seguradoras, agncias de publicidade etc. - presena de pessoas fsicas (presence of natural persons): consultores, jogadores etc.

    No GATS prev-se a liberalizao progressiva do comrcio internacional de servios, a ser alcanada a partir de sucessivas rodadas de negociaes. Este processo, explicitamente progressivo, dever levar em conta os objetivos das polticas nacionais e os diferentes nveis de desenvolvimento de cada membro.

    A propriedade intelectual foi objeto do Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio (Agreement on Trade-Related Aspects of Intelectual Property Rights), TRIPS na sigla inglesa. Ele estabelece as regras que cada membro deve oferecer para a proteo da propriedade intelectual de pessoas fsicas ou jurdicas dos demais membros. So cobertas as reas de: direitos do autor, marcas, patentes, indicaes geogrficas, desenho industrial, topografia de circuitos integrados, informaes comerciais confidenciais e controle de prticas anti-concorrenciais em licenas contratuais.

    O Acordo TRIPS estabeleceu padres mnimos de proteo que as legislaes nacionais devem garantir e os procedimentos e recursos que cada membro deve prover para garantir os direitos de propriedade intelectual. O Acordo tomou por base as vrias convenes internacionais sobre os direitos de propriedade intelectual, incorporando vrios de seus dispositivos.

    O Mecanismo de Reviso de Poltica Comercial estabeleceu uma metodologia de exame contnuo das polticas comerciais dos diferentes pases. O objetivo foi tornar transparentes as prticas de cada pas, viabilizando que se verifique seu grau de adeso s disciplinas estabelecidas nos acordos. A periodicidade do exame determinada pela participao de cada pas no comrcio internacional.

    Os relatrios das revises, encontrveis no stio da OMC, so excelentes fontes de informaes sobre os pases, tanto sobre seus aspectos econmicos mais gerais, quanto sobre a regulamentao aplicvel ao comrcio exterior de cada um deles.

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    Muitas vezes, h, ainda, informaes especficas sobre alguns setores relevantes na economia do pas.

    A soluo de controvrsias entre os membros foi regulada pelo Entendimento Relativo a Normas e Procedimentos pelos quais se rege a Soluo de Controvrsias que ser objeto da seo 2.1.3, deste texto.

    Quanto ao comrcio de bens, o conjunto de acordos negociados resultantes da Rodada Uruguai incluiu: - o GATT 94, que incorpora o Acordo Geral de 1947, as mudanas introduzidas nas negociaes anteriores, entendimentos sobre aspectos especficos e o protocolo que inclui as concesses dos diferentes membros; - Acordo sobre Agricultura - Acordo sobre Medidas Sanitrias e Fitossanitrias - Acordo sobre Barreiras Tcnicas - Acordo sobre Antidumping - Acordo sobre Subsdios e Medidas Compensatrias - Acordo sobre Salvaguardas - Acordo sobre Valorao Aduaneira - Acordo sobre Inspeo Pr-Embarque - Acordo sobre Regras de Origem - Acordo sobre Licenas de Importao - Acordo sobre Subsdios e Medidas Compensatrias - Acordo sobre Txteis e Confeces - Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comrcio TRIMs

    Uma novidade importante da Rodada Uruguai foi a introduo do comrcio internacional de produtos agrcolas nas regras vigentes para os produtos industriais, o que era uma demanda antiga dos pases em desenvolvimento.

    Contudo, isto se deu atravs da assinatura de um Acordo sobre Agricultura (AA) que esclarecia, desde sua primeira linha, haver sido decidido iniciar um processo de reforma do comrcio em agricultura, complementando, no pargrafo seguinte, que este seria um objetivo de longo prazo. Assim, encontram-se no texto vrias clusulas que diferenciam o tratamento aos produtos agrcolas do estipulado para os industrializados, viabilizando, como a prtica mostraria, a manuteno de medidas protecionistas e de apoios governamentais, principalmente por parte dos pases desenvolvidos, que distorcem o comrcio internacional.

    A definio das mercadorias sob a jurisdio do AA bastante ampla e inclui, a menos de peixes e de produtos pesqueiros, todos os produtos dos captulos 1 a 24 do Sistema Harmonizado, tornando-o aplicvel a vrios bens que so produzidos industrialmente como o etanol, as ceras, leo de soja refinado, e muitos produtos alimentcios como, por exemplo, os laticnios. Adicionalmente, inclui mercadorias encontradas em outros captulos como manitol, leos essenciais, peleteria e linho trabalhado que, tambm, no so produtos agrcolas strictu sensu.

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    O AA incluiu, ainda, uma clusula que permite a manuteno dos apoios governamentais produo domstica e s exportaes, ainda que com compromissos de reduo ao longo do tempo, o que contrasta com o tratamento para os produtos industrializados, onde este apoio rigorosamente controlado pelo novo Acordo sobre Subsdios. Outra excepcionalidade foi a introduo da curiosa clusula da paz estipulando que, durante nove anos, ainda que houvesse algum descumprimento dos limites de subsdios, no seria possvel acionar o mecanismo de soluo de controvrsias para discutir o tema.

    Ainda que com todos estes limitantes, pode-se considerar um grande avano o estabelecimento de regras para o comrcio de produtos agrcolas. Para pases competitivos no setor, como o Brasil, este Acordo apresenta o mrito de j deixar registrada a inteno de incorporar plenamente os produtos agrcolas s disciplinas aplicveis aos produtos agrcolas. Na atual Rodada Doha, o objetivo do Brasil e de vrios outros produtores agrcolas, promover avanos mais significativos na liberalizao dos mercados para seus produtos.

    Outra novidade, decorrncia do estabelecimento de regras sobre os produtos agrcolas, foi a aprovao de um Acordo sobre Medidas Sanitrias e Fitossanitrias, definidas como as que visam proteger a sade das pessoas ou dos animais dos riscos que comportam os produtos alimentcios, proteger a sade das pessoas de enfermidades propagadas por animais ou por vegetais e proteger a sade dos animais ou preservar os vegetais de pragas ou enfermidades. O objetivo foi garantir aos estados nacionais o direito de implementar estas medidas, procurando, por outro lado, reduzir a possibilidade de sua utilizao como instrumento protecionista.

    Neste texto, apenas sero tratados com maior nvel de detalhamento os Acordos sobre Medidas Antidumping, sobre Subsdios e Medidas Compensatrias, sobre Salvaguardas e sobre Barreiras Tcnicas, todos de grande importncia para o comrcio internacional e cuja apresentao est nos captulos 2.2, 2.3, 2.4 e 2.5. Estudos mais aprofundados de todos os demais podem ser encontrados na bibliografia recomendada. Uma excelente sntese de todos os acordos, incluindo anlises das conseqncias de sua aplicao, pode ser encontrada em Thorstensen (2003).

    Alguns Desenvolvimentos Posteriores

    A OMC entrou em funcionamento no incio de 1995 e adquiriu enorme importncia no cenrio internacional. Esta importncia faz com que a grande maioria dos pases participantes do comrcio internacional deseje filiar-se organizao, sendo que, hoje, o nmero de membros j supera a 150 pases.

    Entre as acesses relevantes, destaca-se a da China, ocorrida em 2001 aps 13 anos de rduas negociaes. Trata-se de um caso interessante, pois, alm da importncia comercial do pas, h o fato de que a China fora um dos signatrios do GATT, em 1947, abandonando o acordo aps a chegada do Partido Comunista Chins ao poder.

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    Apesar do aumento do nmero de membros, o processo decisrio da OMC mantm a tradio iniciada com o GATT de buscar, como regra geral, o consenso entre todos os membros, o qual se considera atingido quando nenhum pas se ope, formalmente, a uma deciso. Quando no obtido o consenso, a deciso pode-se dar por maioria simples, na base de cada pas um voto, prtica muito pouco utilizada. Procura-se manter a busca do consenso por se entender que a fora da organizao depende de sua credibilidade, a qual se relaciona a aceitao e observncia de suas normas. Cabe ressaltar que a obteno do consenso na OMC mais complexa do que no GATT, quando havia menos pases envolvidos e a abrangncia de temas era menor.

    Ao final dos anos 90, a evoluo da economia e do comrcio internacional levantou, mais uma vez, a necessidade de se lanar uma nova rodada de negociaes. Do ponto de vista dos pases desenvolvidos, seriam necessrias regras mais claras e explcitas em reas de seu interesse como, por exemplo, propriedade intelectual, investimentos e subsdios. Quanto aos pases em desenvolvimento, sua percepo era de que reformas do sistema ocorridas na Rodada Uruguai e a liberalizao comercial no resultaram em melhoria de qualidade de vida e crescimento econmico. A primeira tentativa, fracassada, de se lanar uma nova rodada ocorreu em 1999, em Seattle, nos EUA.

    Em novembro de 2001, houve outra tentativa, desta vez bem sucedida, de lanar uma nova rodada multilateral de negociaes durante a reunio ministerial em Doha, Catar. Nesta ocasio foi lanada a primeira Rodada de Negociaes Multilaterais no mbito da OMC, cujas negociaes ainda prosseguem. A Declarao Ministerial estipula que as negociaes devem atingir como resultado um conjunto nico de obrigaes (single undertaking), obrigatrio para todos os membros da OMC. Esta seria uma rodada na qual os interesses dos pases em desenvolvimento teriam um tratamento preferencial, estabelecendo-se a Doha Development Agenda.

    A Rodada Doha, como passou a ser chamada, iniciou-se com um mandato bastante amplo: agricultura, servios, acesso a mercados com nova etapa de reduo tarifria para produtos industriais, aprofundamento das regras sobre antidumping, subsdios e acordos regionais e propriedade intelectual, novos temas para investimento, concorrncia, transparncia em compras governamentais, facilitao de comrcio e comrcio eletrnico, alm de meio ambiente.

    A maior participao dos pases em desenvolvimento, explicitando com firmeza seus interesses, a rigidez das posies dos pases mais desenvolvidos, especialmente no que diz respeito agricultura, e a formao de grupos de pases com interesses especficos tornaram a negociao ainda mais complexa que nas rodadas anteriores. notvel a observao de que, pela primeira vez, o Brasil situa-se entre os protagonistas das negociaes, exercendo um importante papel de liderana entre os pases em desenvolvimento.

    2.1. O MECANISMO DE SOLUO DE CONTROVRSIAS

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    Para muitos, a existncia de um mecanismo de soluo de controvrsias eficaz e eficiente, com a capacidade de induzir fortemente a que os membros implementem suas decises uma das principais caractersticas do atual regime multilateral de comrcio. Suas regras eliminam a possibilidade de aes unilaterais quando um dos membros entende que seus direitos no esto sendo respeitados, exigindo que todos sigam os procedimentos estipulados antes de iniciar qualquer processo de retaliao.

    O sistema resultante da Rodada Uruguai foi inovador em relao ao utilizado at ento por inverter o conceito de consenso utilizado para a aprovao, pelo Conselho Geral,do relatrio a que chegavam os especialistas responsveis por analisar uma controvrsia. Antes o relatrio somente seria aprovado caso fosse obtido o consenso envolvendo todos os membros, inclusive a parte perdedora, bastando que ela discordasse, o que no era incomum, para que a opinio dos especialistas no fosse considerada. No novo sistema, o relatrio passa a ser obrigatrio, exigindo, para no ser aprovado, uma deciso por consenso do rgo de Soluo de Controvrsias, onde participa a parte ganhadora, que sempre pode bloquear este consenso. Ou seja, inverteu-se a situao anterior.

    Outra inovao foi o estabelecimento de um rgo de Apelao, a que as partes podem recorrer caso discordem das concluses dos especialistas que analisaram a controvrsia. importante ressaltar que este rgo limita-se a analisar as questes referentes interpretao dos acordos em si, ou seja, os aspectos legais da questo, tal como normalmente fazem os tribunais superiores nos sistemas judicirios existentes nos estados nacionais.

    Contudo fundamental esclarecer que o sistema como um todo no pode ser confundido com um sistema jurdico usual. mais adequado defini-lo como um sistema poltico-jurdico, onde a dimenso poltica a determinante final. Por exemplo, seja qual for a deciso dos especialistas ou a do rgo de Apelao, nada impede que os pases, caso seja obtido um consenso no rgo de Soluo de Controvrsias, a recusem e optem por uma soluo completamente diferente.

    Outra caracterstica diferenciadora que as decises anteriores, ainda que sejam levadas em conta visando dar previsibilidade ao sistema, no criam uma jurisprudncia obrigatria para a anlise de novas controvrsias semelhantes.

    Outra novidade em relao ao sistema anterior que, na Rodada Tquio foram concludos diversos acordos no obrigatrios e cada um deles estipulava regras prprias para a soluo de controvrsias. Por exemplo, o Acordo sobre Barreiras Tcnicas da Rodada Tquio possua um artigo que tratava do assunto e que determinava que o rgo responsvel pela deciso final sobre a controvrsia era o Comit de Barreiras Tcnicas ao Comrcio. Atualmente, a adeso ao sistema nico de soluo de controvrsias da OMC obrigatria para todos os membros, ainda que, em alguns acordos haja algumas prescries especficas.

    O mecanismo atual incorpora o aprendizado desenvolvido na soluo de controvrsias durante a fase prvia criao da OMC, quando o processo contava

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    basicamente com os artigos XXII e XXIII para orientar o processo. O Artigo XXII do GATT trata da obrigao de consultar, quando as partes devem buscar solues satisfatrias para seus interesses, e consiste em uma etapa fundamental e indispensvel do processo de soluo de controvrsias. O Artigo XXIII trata da reduo ou anulao de vantagens. Caso as partes no chegassem a uma soluo satisfatria durante o processo de consultas, poderiam recorrer a especialistas que constituiriam um painel.

    O sistema atual, muito mais detalhado, busca, acima de tudo, que sejam adotadas prticas compatveis com os acordos da OMC, no sendo seu objetivo punir os membros que tomem medidas inadequadas. Mesmo quando so estabelecidos painis, o principal objetivo primeiro induzir os membros a estabelecer normas para seu comrcio exterior em conformidade com os acordos da OMC. Apenas no caso em que este objetivo no alcanado, o rgo de Soluo de Controvrsias pode autorizar retaliaes.

    A busca de uma soluo negociada entre as partes incentivada a qualquer momento, sendo considerada sempre prefervel ao estabelecimento de um painel, que a convocao de um grupo de especialistas no tema que se tornar responsvel por avaliar tecnicamente a controvrsia. Reside a outra diferena em relao aos procedimentos judiciais comuns: sempre que as partes entrarem em acordo, os procedimentos podem ser encerrados, independentemente de que uma ou outra parte pudesse ser, caso o processo no fosse interrompido, considerada em desacordo com o estipulado nas regras da OMC.

    Os procedimentos a serem seguidos so minuciosamente detalhados no Entendimento Relativo a Normas e Procedimentos pelos quais se rege a Soluo de Controvrsias, parte integrante dos acordos da OMC. Logo no segundo artigo do Entendimento estabelece-se um rgo de Soluo de Controvrsias OSC, responsvel pela gesto do sistema, do qual participam todos os membros da OMC. Cabe a ele estabelecer os painis de especialistas, adotar seus respectivos relatrios ou os do rgo de Apelao, supervisionar a aplicao das decises e recomendaes e, quando for o caso, autorizar a suspenso de concesses ao membro que no implementar adequadamente suas determinaes.

    A seguir, o Entendimento explicita que o mecanismo de soluo de controvrsias elemento essencial para trazer segurana e previsibilidade ao sistema multilateral de comrcio. Afirma, ainda que, ele serve para preservar os direitos e obrigaes dos membros e para clarificar o disposto nos acordos, seguindo as normas correntes de interpretao do direito internacional pblico. Contudo, tambm explicita que as recomendaes do OSC no podem adicionar ou reduzir os direitos constantes dos acordos.

    Como j foi citado, o texto do Entendimento afirma que dever ser sempre dada preferncia soluo mutuamente aceitvel para as partes envolvidas na controvrsia e que esteja em conformidade com os acordos abrangidos, ou seja, deve-se buscar uma soluo negociada. Prossegue afirmando que no se alcanando tal soluo, o

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    primeiro objetivo do mecanismo passa a ser conseguir a supresso das medidas que geram a controvrsia, se for constatado que essas so incompatveis com as disposies de quaisquer dos acordos. No se deve recorrer uma compensao ao membro reclamante por parte do pas transgressor, exceto no caso de no ser factvel a supresso imediata das medidas incompatveis com o acordo e como soluo provisria at sua supresso. O ltimo recurso previsto no ESC a possibilidade de suspender a aplicao de concesses ou o cumprimento de outras obrigaes no marco dos acordos, a retaliao, sempre que o OSC autorize a adoo dessas medidas.

    Assim, antes de se recorrer quaisquer das outras medidas previstas no Entendimento, devem ser realizadas consultas durante as quais os membros devem buscar uma soluo mutuamente satisfatria. O Entendimento fixa prazos mnimos para a realizao de consultas e somente aps estes prazos, caso no seja encontrada uma soluo, pode-se solicitar o estabelecimento de um painel.

    Observe-se que a obrigao de consultar crucial no sistema de soluo de controvrsias e est presente em inmeros artigos. Se os membros desejarem, podero buscar mediao, conciliao ou bons ofcios para resolverem sua controvrsia, sendo que estes procedimentos podem ser iniciados ou encerrados a qualquer tempo.

    Em no havendo soluo satisfatria, a parte reclamante pode solicitar a instalao de um painel, ou seja, um grupo especial, que contar, em geral, com trs integrantes, especialistas no assunto, funcionrios governamentais ou no, a menos que as partes acordem o nmero de cinco integrantes. No devero, em princpio, fazer parte desses painis, os nacionais cujos governos sejam parte na controvrsia, ou mesmo terceiros interessados. Os integrantes dos grupos especiais atuaro a ttulo pessoal e no na qualidade de representantes de um governo ou de uma organizao. Quando a controvrsia envolver um pas desenvolvido e um pas em desenvolvimento, caso este solicite, o painel contar, ao menos, com um integrante nacional de um pas em desenvolvimento membro.

    Os pedidos de estabelecimento de painel devem indicar se foram realizadas consultas e identificar as medidas adotadas que esto em controvrsia, fornecendo um breve embasamento legal para a solicitao. Quando mais de um membro solicitar um painel sobre a mesma medida, um nico grupo especial dever ser estabelecido para examinar as reclamaes. Todo membro da OMC que tenha interesse concreto no assunto pode solicitar ser includo como terceira parte no caso, recebendo o direito de ser ouvido e de apresentar comunicaes escritas. As terceiras partes recebero as comunicaes das partes em controvrsia.

    O painel, ou grupo especial, deve fazer uma avaliao objetiva do assunto, incluindo uma avaliao dos fatos, da aplicabilidade e concordncia com os acordos abrangidos e formular concluses que auxiliem o OSC a fazer recomendaes ou emitir decises. O grupo especial dever emitir um relatrio a ser entregue, inicialmente, s partes

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    envolvidas na controvrsia, as quais podero solicitar alteraes, que sero analisadas pelo painel. A seguir, o relatrio final ser entregue a todos os membros.

    A adoo do relatrio final do painel ocorrer em reunio do rgo de Soluo de Controvrsias a se realizar at 60 dias aps a sua distribuio, a menos que uma parte notifique formalmente sua deciso de apelar ao rgo de Apelao ou quando o OSC decidir, por consenso, no adotar o informe.

    Somente as partes diretamente envolvidas na controvrsia, excluindo-se, portanto, os terceiros interessados, podero apelar do relatrio do painel. A apelao ter como objeto, unicamente, as questes de direito tratadas no informe do grupo especial e as interpretaes jurdicas formuladas.

    O rgo de Apelao integrado por sete pessoas de prestgio reconhecido, com competncia tcnica firmada em direito, comrcio internacional e nas temticas dos acordos, trs das quais participam em cada caso. A nacionalidade no critrio para seleo ou excluso, com vistas participao nesse rgo, diferentemente do que ocorre em se tratando da composio dos painis.

    O OA poder confirmar, modificar ou revogar as constataes e concluses jurdicas do grupo especial. Os informes do rgo de Apelao sero adotados pelo OSC e aceitos sem condies pelas partes na diferena, salvo se o OSC decidir, por consenso, no adotar o informe. Quando o painel ou o rgo de Apelao concluir que uma medida inconsistente com um acordo, ser recomendado ao membro que adotou tal medida que a ponha em conformidade com o acordo em questo. Alm de formular recomendaes, o painel ou o rgo de Apelao poder sugerir a forma pela qual o membro poderia aplic-las.

    O quadro abaixo apresenta os prazos esperados para cada uma das fases citadas. Muitas vezes, principalmente em casos complexos, os prazos podem ser muito superiores aos previstos:

    Consultas, mediao etc. - 60 dias Estabelecimento do painel e definio de painelistas - 45 dias Distribuio do relatrio final para as partes - 6 meses Distribuio do relatrio final para os membros - 60 dias Adoo do relatrio pelo OSC (sem apelaes) - 60 dias Encerramento sem apelaes - 1 ano Relatrio do rgo de Apelao - 60-90 dias Adoo do relatrio pelo OSC (com apelaes) - 30 dias Encerramento com apelaes - 1 ano e 3 meses

    At trinta dias aps a adoo, pelo OSC, do informe do painel ou do rgo de Apelao, o membro a que foram dirigidas as recomendaes informar ao OSC o seu propsito quanto aplicao de tais medidas. Caso seu cumprimento imediato no seja possvel, ser concedido um prazo para isso, o qual ser o prazo

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    proposto por esse membro, desde que aprovado pelo OSC; o prazo fixado de comum acordo pelas partes na controvrsia; ou um prazo determinado por meio de arbitragem.

    Se o membro no cumprir as recomendaes no prazo previsto, poder estabelecer negociaes com as demais partes na controvrsia a fim de que seja alcanado um acordo quanto a uma compensao mutuamente aceitvel. Se isso no for alcanado, a parte prejudicada poder pedir autorizao ao OSC para suspender a aplicao de concesses e outras obrigaes. Em princpio, essas concesses devero ser relativas ao mesmo setor objeto da controvrsia. Caso isso seja impraticvel ou ineficaz, podero abranger outros setores, no marco do mesmo acordo. E, ainda, se isso tambm for ineficaz, essa suspenso poder abranger outro acordo.

    A suspenso de concesses e de outras obrigaes somente ser aplicada at que seja suprimida a medida declarada incompatvel com o acordo no mbito do qual se deu a disputa; at que o membro que deva cumprir as recomendaes ou resolues oferea uma soluo anulao ou reduo das vantagens; ou at que se chegue a uma soluo mutuamente satisfatria. Quando se conclui que uma medida anula ou reduz vantagens resultantes de um acordo ou compromete o alcance dos objetivos do dito acordo, sem infrao de suas disposies, no ser obrigatria a revogao dessa medida. Neste caso, o painel ou o rgo de Apelao recomendar que o membro de que se trate realize um ajuste.

    Constatado que existe anulao ou reduo de vantagens como conseqncia de uma medida adotada por um pas membro em desenvolvimento, as partes reclamantes exercero a devida moderao ao pedir compensao ou solicitar autorizao para suspender a aplicao de concesses ou do cumprimento de outras obrigaes de conformidade com estes procedimentos.

    3. ACORDO SOBRE ANTIDUMPING

    O artigo VI do GATT 1947, que tratava da possibilidade de aplicao de medidas antidumping, era vago o suficiente para que, com o passar dos anos, surgissem vrias disputas sobre a forma de implement-lo. J na Rodada Kennedy (1964-1967), houve uma primeira tentativa de buscar uma interpretao consensual sobre o tema e, efetivamente, chegou-se a um acordo que, contudo, no viria a ser implementado pelos Estados Unidos que se valiam da Grandfather Clause para manter sua legislao intocada. Um novo acordo foi obtido na Rodada Tquio, mas, novamente, o resultado no foi considerado satisfatrio.

    O acordo obtido na Rodada Uruguai, que tem como nome oficial Acordo sobre Implementao do Art. VI do GATT 1994, considerado mais preciso que seus antecedentes, pois durante sua negociao contava-se com a experincia adquirida tanto na aplicao dos acordos anteriores como nos trabalhos desenvolvidos no Comit sobre Antidumping do GATT. Adicionalmente, ao longo do tempo, havia sido acumulada razovel jurisprudncia em vrios painis relativos aplicao de medidas antidumping.

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    O Brasil aderiu ao Acordo sobre Antidumping negociado na Rodada Tquio, encerrada em 1979. Observe-se que, como os demais cdigos resultantes desta rodada, suas disciplinas eram aplicadas apenas aos signatrios do GATT que optassem por aderir especificamente a este instrumento. O Acordo entrou em vigor em 1980 e o Brasil o incorporou legislao nacional em 1986, juntamente com o Acordo Sobre Subsdios e Medidas Compensatrias, sendo esta postergao explicvel pela existncia, no Brasil, de vrios mecanismos de controle das importaes.

    A efetiva utilizao dos mecanismos de defesa comercial somente tomou impulso com o fim dos controles quantitativos das importaes, em 1990. Confrontando-se com uma maior concorrncia, aumentou a necessidade dos empresrios solicitarem investigaes sobre a forma de competir no mercado brasileiro das empresas localizadas em outros pases. Atualmente, a legislao brasileira estabelece que as investigaes relacionadas defesa comercial so de responsabilidade do Departamento de Defesa Comercial DECOM, da Secretaria de Comrcio Exterior, do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior.

    No Mercosul ainda no h um regulamento comum sobre o tema. H apenas, desde 1997, um Marco Normativo do Regulamento Comum Relativo Defesa Contra Importaes Objeto de Dumping Provenientes de Pases No-Membros do MERCOSUL, que d linhas gerais para interpretao, pelos seus membros, do Acordo Antidumping da Organizao Mundial do Comrcio.

    A definio de dumping constante do AAD da Rodada Uruguai objetiva, o que contribui para reduzir problemas em sua interpretao: ele existe se os preos praticados no mercado interno forem superiores queles praticados na exportao para um determinado pas. relevante observar que este conceito afasta-se do que muitas vezes utilizado em outras disciplinas, como na teoria econmica ou na legislao sobre concorrncia.

    H, ainda que se ressaltar que a simples prtica de dumping em exportaes no condenada no atual Acordo Antidumping. Por outro lado, as medidas antidumping so amplamente utilizadas para dificultar a penetrao de produtos fabricados em outros pases no mercado domstico. Este tipo de protecionismo facilitado pelo fato de que as medidas antidumping podem ser aplicadas unilateralmente, sem que seja solicitada prvia anuncia OMC.

    Visando tentar reduzir a utilizao destas medidas com fins exclusivamente protecionistas, como feito muitas vezes, o AAD busca tornar claras as condies em que os membros da OMC consideram que sua aplicao seria aceitvel. O acordo no permite a utilizao das medidas apenas se for constatado que o exportador est praticando o dumping: requerido, adicionalmente, que seja comprovado que as importaes a preo de dumping so as causadoras de dano indstria domstica.

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    3.1. CONCEITOS BSICOS

    Segundo o AA, somente pode-se aplicar uma medida antidumping aps a realizao de uma investigao na sejam caracterizados trs aspectos:

    1. existncia de dumping; 2. existncia de dano indstria domstica; 3. relao causal entre o dumping e o dano.

    DUMPING

    Considera-se que h prtica de dumping quando uma empresa exporta um produto a preo (preo de exportao) inferior quele que pratica em suas vendas no mercado interno de produto similar nas vendas para o seu mercado interno (valor normal).

    Um: produto considerado similar a outro quando idntico quele ou, quando no existir produto idntico, apresenta caractersticas suficientemente semelhantes.

    O AA no explicita as caractersticas que devem analisadas para determinar se um produto ou no similar a outro. Na prtica, consideram-se as caractersticas fsicas e qumicas, sendo que outros fatores que podem ser considerados so: uso, processo produtivo, canais de comercializao, percepo do consumidor e preo.

    VALOR NORMAL

    , em situaes normais, o preo ex fabrica vista pelo qual mercadoria similar exportada vendida no mercado interno do pas exportador, em volume significativo e em operaes comerciais normais, isto , vendas a compradores independentes e nas quais seja possvel, pelo menos, cobrir custos unitrios.

    Preo ex fabrica aquele que inclui, alm do custo total de fabricao da mercadoria, as despesas de embalagem, os encargos, o lucro e as despesas comerciais de exportao, excludos eventuais benefcios exportao.

    Observe-se que quando o produto no exportado diretamente de seu pas de origem, sendo exportado a partir de um terceiro pas, intermedirio, o valor normal ser o praticado no pas exportador. Contudo, pode-se utilizar o preo no pas de origem se ocorre mero transbordo do produto no pas de exportao, se o produto no produzido no pas de transbordo ou, ainda, se no houver preo do produto no pas exportador.

    Para a determinao do valor normal, considera-se como volume significativo vendas no mercado interno do pas exportador que representem pelo menos 5% do volume exportado. O valor normal no deve ser influenciado por relaes entre empresas vinculadas, o que poderia envolver prtica de preos de transferncia, diferentes dos que ocorrem entre empresas independentes.

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    O AAD considera que vendas internas a preos abaixo dos custos unitrios de produo somados a custos usuais como os administrativos, os de venda e os gerais, podem ser considerados como operaes que no ocorrem no curso usual dos negcios. Assim, eles podem ser desconsiderados no clculo do valor normal desde que seja verificado que elas foram realizadas durante um perodo prolongado (normalmente um ano), em quantidades substanciais (20% do total ou preo mdio unitrio inferior ao custo mdio) e a custos que no permitam cobrir os custos em um lapso razovel de tempo. Contudo, o AAD estabelece que preos abaixo do custo no momento da venda, mas acima do custo mdio ponderado obtido no perodo da investigao devero ser considerados como capazes de permitir a recuperao dos custos durante um perodo de tempo razovel.

    Alternativas para o valor normal: quando o produto similar no for objeto de vendas no mercado interno do pas exportador ou quando tais vendas no forem realizadas no curso de operaes comerciais normais; ou, ainda, quando tais vendas internas forem inferiores a 5% das exportaes; ou em uma situao especial de mercado, pode-se utilizar como valor normal:

    1) preo de exportao para terceiro pas; ou 2) valor construdo.

    No caso de se utilizar o preo de exportao para terceiro pas, o AAD dispe que esse pas deva ser adequado e que o preo seja representativo, mas no determina critrios para determinar essa adequao, como por exemplo, processo produtivo, dimenso do mercado.

    No caso de se utilizar o valor construdo, considera-se o somatrio do custo de produo no pas exportador e das despesas administrativas, de venda e gerais e margem de lucro razovel, respeitadas as prticas contbeis do pas em questo. O valor construdo se refere construo do preo interno no pas exportador, e no ao preo de exportao. Os valores correspondentes a despesas e lucro devem se basear nos dados reais, relacionados com a produo e vendas do produto similar, no curso de operaes comerciais realizadas pelo produtor ou exportador objeto de investigao.

    Pas cuja economia no seja predominantemente de mercado: neste caso o valor normal poder ser determinado com base no:

    a) preo de venda praticado no mercado interno de um terceiro pas de economia de mercado; b) valor construdo do produto em terceiro pas de economia de mercado; ou c) preo praticado por terceiro pas de economia de mercado na exportao para outros pases.

    Quando no for possvel a utilizao de nenhuma das hipteses acima, o valor normal poder ser determinado com base em qualquer outro preo razovel, inclusive o preo

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    pago ou a pagar no mercado importador devidamente ajustado, se necessrio, a fim de incluir margem de lucro razovel.

    PREO DE EXPORTAO

    O preo de exportao ser o preo efetivamente pago ou a pagar pelo produto exportado ao Brasil. Tal preo, em princpio, dever ser o preo ex fabrica, lquido de impostos e vista.

    Quando no existir preo de exportao (doao, por exemplo) ou caso o preo de exportao possa suscitar dvidas, por motivo de associao ou acordo existente entre o exportador e o importador ou uma terceira parte, podem existir alternativas para seu clculo e o preo de exportao poder ser construdo a partir do preo de revenda do importador ao primeiro comprador independente.

    No entanto, caso os produtos no sejam revendidos a comprador independente, ou no sejam revendidos na mesma condio em que foram importados, o preo de exportao poder ser construdo a partir de qualquer outro mtodo, desde que devidamente justificado.

    COMPARAO ENTRE VALOR NORMAL E PREO DE EXPORTAO

    A comparao entre o preo de exportao e o valor normal dever ser justa. Isso se refere, dentre outras coisas, ao nvel de comrcio, normalmente ex fabrica, levando-se em considerao as vendas efetuadas em datas as mais prximas possveis.

    Outros fatores que afetem a comparabilidade de preos podero ser levados em conta, tais como condies de vendas, tributao, quantidades, diferenas fsicas, nveis comerciais. Por exemplo, podem ser considerados diferentes custos de embalagem, polticas de descontos distintas em razo dos volumes vendidos, diferentes nveis de taxas de juros praticadas no caso de concesso de prazo para pagamento.

    CLCULO DA MARGEM DE DUMPING

    a diferena entre o valor normal e o preo de exportao, devidamente ajustado, vigente durante o perodo estabelecido para investigao de existncia de dumping, sendo tal perodo, normalmente, de um ano e nunca inferior a 6 meses. O valor normal e preo de exportao so comparados e, sendo menor o preo de exportao, obtm-se a margem de dumping absoluta (MDA).

    A margem de dumping relativa (MDR) a razo entre essa margem e o preo de exportao (MDA/PE) e ser a base para a determinao do nvel adequado da medida antidumping. Quando a MDR for inferior a 2% (margem de dumping de minimis), no poder ser aplicado direito antidumping.

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    A margem de dumping ser calculada para cada um dos produtores estrangeiros do produto investigado ou poder ser feita atravs de uma amostra, caso esse nmero seja muito grande. A margem de dumping ser calculada para cada um dos que compem a amostra e - para os no includos na amostra - se atribuir a margem ponderada de dumping obtida a partir das margens de cada uma das empresas includas na amostra. Caso algum dos produtores no includos na amostra, apresente informao necessria para clculo individual de margem, esse clculo dever ser feito, a menos que o nmero de empresas solicitantes de clculo individual seja to grande que impossibilite a sua realizao.

    DANO INDSTRIA DOMSTICA

    O conceito de dano compreende o dano material a uma indstria domstica, a ameaa de dano material a essa indstria ou o atraso real na implantao da mesma. No caso de dumping, considera-se como indstria domstica a totalidade dos produtores nacionais do produto similar ou aqueles cuja produo conjunta desse produto similar constitua parcela significativa da produo nacional do produto.

    Quando h produtores nacionais relacionados aos exportadores ou aos importadores ou que sejam eles prprios importadores do produto, tais produtores no sero obrigatoriamente includos na definio de indstria domstica.

    Dano: dano material ou ameaa de dano material indstria domstica estabelecida ou retardamento na implantao de uma indstria. Para a determinao de dano, dever ser avaliada a evoluo dos indicadores relativos importao do produto objeto de dumping e situao da indstria domstica. Ressalte-se que uma determinao positiva de dano no requer que todos os indicadores analisados apresentem desempenho negativo.

    A anlise relativa a dano cobrir um perodo maior (normalmente cinco anos, nunca menos de trs anos) do que o perodo de dumping (normalmente um ano, nunca menos de seis meses).

    A verificao do comportamento das importaes do produto analisa se elas aumentaram significativamente em termos absolutos ou com relao produo ou consumo do pas importador e, tambm, se os preos das importaes do produto objeto de dumping:

    i. foram significativamente inferiores aos preos do produto similar ; ii. tiveram o efeito de deprimir significativamente os preos do produto similar; iii. tiveram o efeito de impedir aumento significativo de preo do produto similar que, de outra forma, teria sido produzida. Assim, devero ser apurados os seguintes indicadores: - valor e quantidade importada por pas de origem; - participao das importaes no total importado e no consumo aparente; e - preo.

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    As autoridades investigadoras devero avaliar se o volume importado insignificante, assim considerado o volume inferior a 3% do volume total importado, salvo se os pases que individualmente representem menos de 3% das importaes, em conjunto, representem mais de 7% dessas importaes, em termos absolutos ou em relao produo ou ao consumo.

    Indicadores da Indstria a serem analisados: todos os fatores e ndices econmicos pertinentes que influenciem o estado da indstria domstica. O AAD apresenta uma lista no exaustiva de indicadores que devero ser considerados na anlise, mas pode-se incluir:

    - queda real ou potencial das vendas, dos lucros, da produo, da participao no mercado, da produtividade, do retorno dos investimentos ou da ocupao da capacidade instalada; - outros fatores que afetem preos internos como: magnitude da margem de dumping, efeitos negativos, reais ou potenciais sobre o fluxo de caixa, estoques, emprego, salrios, crescimento e capacidade para aumentar capital ou obter investimentos.

    Esses indicadores, isoladamente ou em conjunto, no devero ser tomados como critrio decisivo e, dependendo do setor, um ou outro indicador pode assumir maior ou menor relevncia.

    Ameaa de Dano Material: a situao na qual o dumping causaria dano deve ser claramente previsvel e iminente. Devero ser considerados, conjuntamente, entre outros, os seguintes fatores: a) significativa taxa de crescimento das importaes do produto objeto de dumping, indicativa de provvel aumento substancial das importaes; b) capacidade ociosa ou iminente aumento na capacidade do produtor estrangeiro, que indique probabilidade de significativo aumento das exportaes a preos de dumping; c) importaes realizadas a preos que tenham significativo efeito de deprimir preos domsticos e que provavelmente aumentaro as importaes; d) estoques do produto sob investigao.

    Isoladamente, nenhum desses fatores fornecer orientao definitiva, mas seu conjunto poder levar concluso de que importaes a preos de dumping so iminentes e que, caso no sejam adotadas as medidas, ocorrer dano material.

    Retardamento na Implantao de Indstria: essa hiptese de difcil configurao, visto no dizer respeito a atraso na implementao de uma empresa, mas sim de uma indstria. Ou seja, o pas importador no deveria contar, ainda, com a produo de produto similar ao objeto da investigao. De qualquer forma, a implantao dessa indstria dever estar em vias de ocorrer.

    RELAO CAUSAL

    No AAD, a relao ou nexo causal entre as importaes a preos de dumping e o dano indstria domstica a terceira condio para aplicao de direito antidumping.

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    necessria a demonstrao de que as importaes a preos de dumping causaram dano indstria domstica.

    Nessa anlise, devero ser considerados todos os elementos de prova, tais como volumes e preos de importaes originrias de outros pases, contrao da demanda ou mudana nos padres de consumo, prticas restritivas ao comrcio e concorrncia entre produtores nacionais e estrangeiros, progresso tecnolgico, desempenho exportador e produtividade da indstria nacional.

    A idia que seja verificado em que medida o dano sofrido pela indstria domstica advm ou no de importaes a preos de dumping. Inexiste uma lista exaustiva dos aspectos a serem considerados pelas autoridades investigadoras, e tampouco uma lista ilustrativa de elementos que devero ser obrigatoriamente analisados.

    3.2. MEDIDAS ANTIDUMPING

    No Brasil, as medidas antidumping so aplicadas por meio da cobrana, quando so importados produtos sobre as quais elas incidem, de um direito antidumping. Este direito antidumping definido como uma quantia de dinheiro, igual ou inferior margem de dumping calculada durante a realizao da investigao, que tem por objetivo neutralizar os efeitos danosos sobre a indstria brasileira por importaes a preos de dumping.

    Esse direito, aplicado s importaes de um produto, pago pelo prprio importador, quando da internao do bem, o que implica em um custo mais elevado de aquisio da mercadoria estrangeira. O direito antidumping aplicado na forma de uma alquota ad valorem especfica, fixa ou varivel, ou pela conjugao de ambas.

    Sua natureza jurdica distinta daquela do imposto de importao. Isso significa que importaes no sujeitas aplicao, integral ou parcial, do imposto de importao, como por exemplo importaes amparadas no regime de drawback, estaro sujeitas ao direito antidumping.

    2.2.3. INVESTIGAO

    A investigao um processo administrativo que tem como objetivo comprovar a existncia de dumping, dano e relao causal e dever ser conduzida de acordo com as regras estabelecidas pela OMC. O processo administrativo segue, como princpios, a publicidade, a transparncia, o contraditrio e a ampla defesa, conferindo-se s partes interessadas segurana jurdica quanto aos procedimentos utilizados.

    Devem ser publicados avisos relativos ao incio de uma investigao, aplicao de uma medida antidumping, provisria ou definitiva, aceitao de compromisso de preos etc. Nestes avisos devem constar informaes sobre o nome do pas ou pases exportadores, o produto de que se trate e a base de alegao do dumping e do dano.

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    Observe-se que a aplicao de uma medida antidumping no depende de aprovao prvia da OMC, porm os membros devem cumprir detalhadamente os procedimentos estabelecidos pelo AAD. Caso isto no ocorra, pode haver uma contestao da medida que venha a ser adotada ao final da investigao e o membro pode ser obrigado a revogar a mesma por determinao da OMC.

    Como regra geral, as autoridades investigadoras no divulgaro a existncia de petio de abertura de investigao. Contudo h a obrigao de notificar o governo do pas exportador da existncia de petio devidamente instruda, antes de ser dado incio investigao.

    As informaes prestadas em carter sigiloso pelos interessados em uma investigao, mediante prvia justificativa, no sero divulgadas sem consentimento expresso da parte que as forneceu. Nessa hiptese, a parte que forneceu tais informaes dever apresentar resumo no sigiloso das mesmas. Todas as informaes requeridas em uma investigao sero comunicadas s partes interessadas que tero ampla oportunidade de apresentar os elementos de prova que considerarem pertinentes. Sero levadas em conta as dificuldades encontradas pelos interessados no fornecimento dessas informaes e, na medida do possvel, lhes ser prestada assistncia. Podero ser solicitadas ou aceitas, por escrito, informaes adicionais ou complementares, ao longo de uma investigao.

    O prazo para o fornecimento das informaes solicitadas ser estipulado em razo da sua natureza e poder ser prorrogado a partir de solicitao justificada. Se as partes interessadas negarem acesso aos dados necessrios, os fornecerem fora do prazo determinado, ou criarem obstculos investigao, o parecer com vistas s determinaes preliminares ou finais ser elaborado com base na melhor informao disponvel.

    Podero ser realizadas investigaes in loco, no territrio e em empresas localizadas em outros pases (verificao), desde que previamente por elas autorizadas e os representantes do governo do pas em questo sejam notificados e no apresentem qualquer objeo. Da mesma forma, podero ser realizadas investigaes em empresas localizadas em territrio nacional, desde que previamente por elas autorizadas.

    Antes da visita, ser levado ao conhecimento das empresas a natureza geral da informao pretendida, e podero ser formulados, durante a visita, pedidos de esclarecimentos suplementares em conseqncia da informao obtida. Em princpio, toda investigao dever ser concluda em um ano, admitida a prorrogao, por cento e oitenta dias.

    Melhor Informao disponvel: caso qualquer das partes interessadas negue acesso informao necessria, no a fornea no prazo estipulado ou crie obstculos investigao, o parecer, com vistas a determinaes preliminares ou finais, ser elaborado com base na melhor informao disponvel. Nesses casos, o resultado final poder ser menos favorvel para aquela parte do que seria, caso a mesma tivesse

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    cooperado, podendo ser utilizados os dados disponveis, entre eles os contidos na petio de abertura da investigao, como base para determinaes.

    A investigao somente ser iniciada aps ser realizada uma anlise da petio de abertura de investigao. Nesta fase, apenas o governo do pas exportador ser notificado da existncia de petio, se devidamente instruda. Caso as autoridades decidam pela abertura da investigao, ser publicado aviso pblico e as partes interessadas conhecidas sero notificadas.

    A petio de abertura de investigao dever ser feita pela indstria domstica ou em seu nome. Isso equivale dizer que dever contar com apoio de produtores cuja produo conjunta constitua mais de 50% da produo total do produto similar produzido pela parcela da indstria domstica que manifestou apoio ou rejeio petio. A petio dever ser indeferida se os produtores que a apiam responderem por menos de 25% da produo nacional.

    A petio dever conter, dentre outras informaes, a qualificao do peticionrio, o volume e o valor da produo que lhe corresponda, estimativa do volume e do valor da produo nacional, descrio completa do produto importado a preo de dumping e do similar fabricado pela indstria domstica, pas de origem, fabricante estrangeiro, importadores, informao para fins de obteno de valor normal e sobre o preo de exportao, volume das importaes e grau de utilizao da capacidade instalada, produo e vendas internas da indstria domstica Iniciada uma investigao, sero enviados questionrios s partes interessadas, exceo do governo do pas exportador, por intermdio dos quais as autoridades solicitam todas as informaes requeridas.

    De posse das respostas aos questionrios, as autoridades procedero anlise dessas informaes e, se for o caso, efetuaro as investigaes in loco. O prazo para resposta aos questionrios de quarenta dias contado a partir da expedio desses questionrios, com a possibilidade de uma prorrogao desse prazo por trinta dias. Caso as partes interessadas neguem acesso aos dados necessrios, os forneam fora do prazo determinado, ou criem obstculos investigao, o parecer com vistas s determinaes preliminares ou finais ser elaborado com base na melhor informao disponvel.

    Analisadas as respostas aos questionrios, as autoridades podero alcanar uma determinao preliminar do dumping, dano e nexo causal, podendo ocorrer a aplicao de direito provisrio, caso positiva essa determinao. Na hiptese de ser alcanada uma determinao preliminar positiva da existncia de dumping, dano e relao causal entre esses, ainda que no seja aplicado direito provisrio, dever ser dado aviso pblico e as partes interessadas sero notificadas.

    Haver uma audincia final, na qual todas as partes interessadas recebero uma nota tcnica elaborada pelo DECOM contendo todos os elementos que serviro de base para a tomada de uma deciso final quanto aplicao ou no de direito antidumping, dispondo do prazo de quinze dias para apresentar suas alegaes finais. A

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    Confederao Nacional da Agricultura (CNA), a Confederao Nacional da Indstria (CNI), a Confederao Nacional do Comrcio (CNC) e a Associao do Comrcio Exterior Brasileiro (AEB) sero informadas da realizao da audincia final.

    O Acordo prev que, antes de formulada a determinao final, as partes interessadas sero informadas, pela autoridade investigadora, sobre os fatos essenciais sob julgamento que formam a base para seu parecer. Para a determinao final elaborado um parecer, pela equipe tcnica responsvel pela investigao, o qual dever ser enviado para apreciao pela CAMEX para a deciso final caso seja proposta a aplicao de direito antidumping. Caso contrrio, a competncia da SECEX. De qualquer forma, ser publicado aviso pblico e as partes interessadas sero notificadas do encerramento da investigao, haja sido aplicado um direito antidumping ou no.

    3.2.1. APLICAO DE MEDIDAS ANTIDUMPING PROVISRIAS

    Durante a investigao, caso seja alcanada uma determinao preliminar positiva de dumping, de dano e de relao causal entre esses; e desde que as autoridades competentes julguem que a adoo de tais medidas necessria para impedir que ocorra um dano maior indstria durante o perodo de investigao; que haja decorrido o prazo de sessenta dias, a contar da abertura da investigao; e que tenha sido dada oportunidade para que as partes interessadas se manifestem, podero ser aplicadas medidas antidumping provisrias. Esse direito provisrio poder no ser cobrado, sendo prestada garantia a ele equivalente (fiana bancria ou depsito).

    As medidas antidumping provisrias somente podero ser aplicadas a produtos que tenham sido despachados para consumo aps a data de publicao de ato que contenha tal deciso. Elas podero vigorar por um perodo de at quatro meses. Este perodo poder ser de at seis meses, quando as autoridades competentes - a pedido dos exportadores que tenham representatividade do comrcio em questo e que podero apresentar novos fatos que modifiquem a deciso final - decidirem pela dilao do prazo. Quando as autoridades, no curso de uma investigao, considerarem suficiente para extinguir o dano a aplicao de uma medida antidumping inferior margem de dumping verificada, os prazos previstos anteriormente passam a ser de seis e nove meses, respectivamente.

    3.2.2. ENCERRAMENTO DA INVESTIGAO

    A investigao ser encerrada sem aplicao de direitos antidumping nos casos em que:

    - no houver comprovao suficiente da existncia de dumping ou de dano; - a margem de dumping de minimis; - o volume de importaes objeto de dumping real ou potencial, ou o dano causado for insignificante; ou - a autoridade investigadora deferir pedido de arquivamento formulado pelo peticionrio.

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    Uma investigao somente poder ser encerrada com aplicao de direitos antidumping quando a autoridade investigadora chegar a uma determinao final positiva da existncia de dumping, de dano e de nexo causal entre eles.

    Direitos antidumping e compromissos de preos somente vigoraro enquanto perdurar a necessidade de neutralizar o dumping causado. Todo direito antidumping definitivo ou compromissos de preos sero extintos no mximo em cinco anos aps a sua aplicao, ou cinco anos a contar da data da concluso da mais recente reviso, que tenha abrangido dumping e dano dele decorrente.

    O direito antidumping ser aplicado por empresa. No entanto, no caso da margem de dumping ser calculada apenas para uma amostra de empresas, estas recebero direito individual e para os demais exportadores conhecidos, no selecionados, ser aplicado direito no superior mdia ponderada das margens de dumping estabelecida para o grupo selecionado de empresas, no sendo considerado para esse fim, as margens individuais zero, de minimis ou baseadas na melhor informao disponvel.

    Caso a deciso final seja pela no existncia de dumping ou do dano dele decorrente, ou pela no existncia de ameaa de dano material ou de retardamento sensvel no estabelecimento de uma indstria, sem que tenha ocorrido dano material, o valor das medidas antidumping provisrias ser restitudo, caso tenha sido recolhido, devolvido, caso tenha sido garantido por depsito, ou extinto, no caso de fiana bancria.

    Caso o valor do direito aplicado pela deciso final for igual ao valor do direito provisoriamente recolhido ou garantido por depsito, esta importncia ser automaticamente convertida em direito definitivo; se o valor do direito aplicado pela deciso final for inferior ao valor do direito provisoriamente recolhido ou garantido por depsito, o excedente ser restitudo ou devolvido; e, se o valor do direito aplicado pela deciso final for superior ao valor do direito provisoriamente recolhido ou garantido por depsito, a diferena no ser exigida.

    3.3. COMPROMISSOS DE PREO

    Podero ser suspensos os procedimentos sem prosseguimento de investigao e sem aplicao de direitos antidumping, provisrios ou definitivos, se o exportador assumir voluntariamente compromissos satisfatrios de reviso dos preos ou de cessao das exportaes a preos de dumping, destinadas ao Brasil, desde que as autoridades investigadoras se convenam de que o compromisso elimina o efeito prejudicial decorrente do dumping. Esses compromissos somente podero ser propostos na hiptese de as autoridades haverem alcanado uma determinao preliminar positiva de dumping e do dano por ele causado.

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    3.4. RETROATIVIDADE

    Em princpio, direitos antidumping, definitivos ou provisrios, somente podem ser cobrados de produtos enviados para consumo aps a deciso sobre a implementao da medida entrar em vigor.

    Contudo, direitos antidumping definitivos podero ser cobrados sobre produtos que tenham sido despachados para consumo at noventa dias antes da data de aplicao das medidas antidumping provisrias, quando:

    - haja antecedentes de dumping causador de dano, ou que o importador estava ou deveria estar ciente de que o produtor ou exportador pratica dumping e de que este causaria dano; e - o dano seja causado por volumosas importaes de um produto a preos de dumping em perodo relativamente curto, o que, provavelmente, prejudicaria seriamente o efeito corretivo dos direitos antidumping definitivos aplicveis.

    No sero cobrados direitos sobre produtos que tenham sido despachados para consumo antes da data de abertura da investigao. No caso de violao de compromisso de preos, direitos antidumping definitivos podero ser cobrados sobre os produtos importados despachados para consumo, at noventa dias antes da aplicao de medidas antidumping provisrias, ressalvados os que tenham sido despachados antes da violao do compromisso.

    3.5. REVISO DE DIREITO ANTIDUMPING

    A pedido de parte interessada ou por iniciativa das autoridades envolvidas, poder ser feita a reviso - no todo ou em parte - das decises sobre a aplicao do direito antidumping, desde que haja decorrido, pelo menos, um ano da imposio de direitos antidumping definitivos e que sejam apresentados elementos de prova suficientes de que:

    - a aplicao do direito deixou de ser necessria para neutralizar o dumping; - seria improvvel que o dano subsistisse ou se reproduzisse caso o direito fosse revogado ou alterado; ou - o direito existente no ou deixou de ser suficiente para neutralizar o dumping causador do dano. As autoridades, a partir do resultado da reviso, podero extinguir, manter ou alterar o direito antidumping.

    REVISO DE FINAL DE PERODO

    O prazo de vigncia do direito antidumping ou do compromisso de preo poder ser prorrogado mediante requerimento formulado pela indstria domstica ou por iniciativa de rgos governamentais desde que demonstrado que a extino dos direitos poderia levar continuao ou retomada do dumping e do dano dele decorrente.

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    Os interessados devero, com antecedncia suficiente, se manifestar, por escrito, sobre a convenincia de uma reviso de final de perodo e solicitar audincia, se necessrio.

    Constatada a existncia de elementos de prova que justifiquem a reviso, esta ser aberta. A reviso dever ser concluda no prazo de doze meses contados a partir da data de sua abertura. O direito ser mantido enquanto perdurar a reviso.

    4. ACORDO SOBRE SALVAGUARDAS

    Havia, dentre os negociadores do GATT 1947, a conscincia de que o Acordo deveria contemplar algumas clusulas de escape em relao s suas regras, evitando seu descumprimento em vrias situaes que no fossem consideradas normais. Por exemplo, um sbito aumento de importaes que viesse a causar um prejuzo grave indstria domstica, provocando uma onda de desemprego, poderia dar margem a presses das associaes empresariais e de sindicatos de trabalhadores solicitando algum tipo de proteo que seria de difcil resistncia por parte dos governos.

    Assim, foi introduzido no GATT o artigo XIX, onde so tratadas as medidas de salvaguarda. Seu objetivo , independentemente da prtica de qualquer prtica desleal por parte do exportador, criar um mecanismo de proteo temporria industria domestica, na expectativa que as empresas aproveitem-se desta perodo para implementar um processo de reestruturao que seja capaz de aumentar sua competitividade. O Acordo sobre Salvaguardas, negociado durante a Rodada Uruguai, buscou criar regras mais definidas para a aplicao destas medidas.

    Uma especificidade da medida de salvaguarda que, uma vez que ela tem por objetivo proteger a indstria domstica e no se relaciona ao uso de prticas desleais de comrcio, sua aplicao no discriminatria. Assim, definido o produto, ao aplicar-se a medida de salvaguarda ela no discrimina os pases aos quais ela ser aplicada.

    No caso de unies aduaneiras, o Acordo prev tanto que os pases do bloco possam adotar, conjuntamente, uma medida de salvaguarda como que um pas integrante do bloco a adote separadamente dos demais. No mbito do MERCOSUL, foi concludo o regulamento com vistas aplicao de medidas de salvaguarda s importaes provenientes de pases que pertenam ao bloco.

    No Brasil, a medida de salvaguarda, quando aplicada na forma de alquota ad valorem, corresponde a um adicional ao Imposto de Importao, tendo assim a mesma natureza jurdica que este, decorrendo disto no se aplicar a operaes amparadas em drawback. A partir de 2001, estabeleceu-se que a aplicao de medidas de salvaguarda passaria a ser de competncia da CAMEX.

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    4.1. CONCEITOS BSICOS

    O ASS permite que os pases adotem medidas de salvaguardas, mas exige que, previamente, seja realizada uma investigao conduzida de acordo com as regras estabelecidas no mbito da OMC. Aplicam-se a essas investigaes, regras semelhantes s aplicveis no caso do AAD. O Comit de Salvaguardas da OMC ser notificado sobre a abertura da investigao.

    O ASS apresenta definies pouco precisas e menor detalhamento dos procedimentos, principalmente se comparado ao AAD. Basicamente, estabelece a necessidade de realizao de investigao prvia adoo de medida de salvaguarda e a possibilidade de aplicao de medida provisria, to logo iniciada a investigao. No que se refere investigao, no esto estabelecidos procedimentos claros que garantam a participao de todas as partes envolvidas, exceto no que se refere aos governos dos pases exportadores afetados. Por meio de notificaes OMC e possibilidade de realizao de consultas, tais governos tm garantida a oportunidade de intervir no processo.

    As medidas de salvaguarda tm como objetivo aumentar, temporariamente, a proteo a uma indstria domstica que esteja sofrendo prejuzo grave ou ameaa de prejuzo grave decorrente do aumento, em quantidade, das importaes, em termos absolutos ou em relao produo nacional. O intuito desta proteo que, durante o perodo de vigncia de tais medidas, a indstria domstica se ajuste, aumentando a sua competitividade.

    No caso de salvaguardas, considera-se como indstria domstica o conjunto de produtores de bens similares ou diretamente concorrentes ao produto importado os produtores cuja produo total de bens similares ou diretamente concorrentes ao importado constitua uma proporo substancial da produo nacional de tais bens. Esse conceito de indstria domstica, ao abranger os produtos diretamente concorrentes, difere daquele adotado no mbito do AAD ou do ASMC. O Acordo sobre Salvaguardas no define explicitamente o que seria produto similar ou diretamente concorrente.

    Prejuzo Grave ou Ameaa de Prejuzo Grave: entende-se por prejuzo grave a deteriorao geral e significativa da situao de uma determinada indstria domstica, e por ameaa de prejuzo grave a clara iminncia de prejuzo grave, com base em fatos e no apenas em alegaes ou possibilidades remotas. Na investigao para determinar se o aumento das importaes est causando prejuzo grave ou ameaa de prejuzo grave, devem ser avaliados todos os fatores objetivos e quantificveis relacionados situao da indstria domstica, especialmente: - o ritmo de crescimento das importaes do produto; - a parcela do mercado interno absorvida por importaes crescentes; - alteraes no nvel de vendas, produo, utilizao da capacidade instalada, lucros e emprego.

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    Assim como no caso de dumping e de subsdios, a aplicao de uma medida de salvaguarda requer que seja demonstrada a relao de causalidade entre o prejuzo, ou ameaa de prejuzo grave, e o aumento das importaes do produto em questo. Existindo outros fatores, distintos do aumento das importaes que, concomitantemente, estejam causando prejuzo grave ou ameaa de prejuzo grave indstria domstica, este prejuzo ou ameaa no ser atribudo ao aumento das importaes.

    O ASS explicita a necessidade de que a aplicao da medida de salvaguarda ocorra apenas pelo perodo necessrio para que a indstria domstica passe por um ajuste estrutural. Enquanto a medida estiver em vigor, o governo deve realizar um acompanhamento do setor visando comprovar se a indstria encontra-se, efetivamente, em um processo de ajuste.

    No Brasil, exige-se que a indstria domstica apresente e se comprometa com um programa de ajuste. com o objetivo de aumentar a competitividade internacional da produo interna, tornando-a capaz de concorrer com os produtos importados em termos de preo e qualidade.

    Compensao comercial: o ASS afirma que o nvel de concesses aos demais membros deve ser mantido pelo pas que aplica medidas de salvaguarda. Para tanto pode ser necessrio celebrar acordos visando conceder alguma forma adequada de compensao comercial pelos efeitos adversos da medida de salvaguarda sobre o comrcio. Assim, caso seja aplicada uma medida de salvaguarda, garantido, aos membros que tenham interesse substancial como exportadores do produto afetado, o direito de solicitar compensaes.

    Esta solicitao de compensaes justifica-se, pois a aplicao de medida de salvaguarda representa um rompimento temporrio do equilbrio das concesses tarifrias e de outras obrigaes assumidas no mbito dos acordos da OMC. Caso no seja alcanado um acordo a esse respeito, os governos interessados podero suspender concesses substancialmente equivalentes, desde que tal suspenso no seja desaprovada pela OMC. Contudo, este direito no pode ser exercido durante os trs primeiros anos de vigncia da medida, desde que essa tenha sido adotada como resultado de aumento, em termos absolutos, das importaes.

    4.2. MEDIDAS DE SALVAGUARDA

    As medidas de salvaguarda definitivas podem ser aplicadas como elevao do Imposto de Importao ou po