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Existência e Arte – Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética da Universidade Federal de São João Del-Rei – ANO VIII – Número VII – Janeiro a Dezembro de 2012
Arte e Décadence em Nietzsche: O Caso Wagner, um Tornar-se desde O Nascimento da Tragédia
Art and Décadence in Nietzsche: The Case Wagner, a becoming since The Birth of
Tragedy
Isadora Raquel Petry1 – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo: O presente artigo visa problematizar a noção de décadence e suas implicações com
a temática da arte em O Caso Wagner (1888), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. O
tratamento aqui desenvolvido em relação a O Caso Wagner encontra-se problematizado por
um cruzamento com O Nascimento da Tragédia (1872), levando em conta a importância não
apenas do tornar-se quem se é para Nietzsche mas, também, do tornar-se dos escritos, ou
seja, como O Caso Wagner pode ser visto sob um outro ângulo quando colocamos em questão
a sua obra de juventude. O foco estará na crítica que o filósofo faz a Wagner, porém,
considerando que "Wagner" tenha sido escolhido ironicamente como o cenário que Nietzsche
utiliza para tratar de um problema que diagnosticaria desde seus primeiros escritos: a
decadência de uma cultura, precisamente, a alemã. A partir daí, pretende mostrar como em
Nietzsche um problema de arte, ou seja, do âmbito do criar, não pode ser pensado
separadamente de um problema de décadence.
Palavras-chave: Arte, Décadence, Tornar-se, Nietzsche, Wagner.
Abstract: The present article aims to problematize the notion of décadence and its
implications with the theme of art in The Case of Wagner (1888), by the german philoshoper
Friedrich Nietzsche. The treatment that will be developed in relation to The Case of Wagner is
problematized by a interlacement with The Birth of Tragedy (1872), taking into acount not
only the importance of how one becomes what one is, but also the becoming of the writtings;
it means, how The Case of Wagner can be seen from another angle when we put into question
the work of his youth. The focus will be on the criticism that the philosopher makes to
Wagner, however, considering that "Wagner" has been ironically chosen as the scenario that
Nietzsche uses to address a problem that diagnoses from his earliest writings: the decadence
of a culture, precisely, the German. Thereafter, intends to show how in Nietzsche a problem of
art, in other words, the scope of create, can not be considered separately from a problem of
décadence.
Keywords: Art, Décadence, Become, Nietzsche, Wagner.
1Bacharel em Artes do Corpo pela PUC-SP com Iniciação Científica pela FAPESP. Atualmente é Mestranda em
Filosofia pela PUC-SP / e-mail: [email protected]
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1 Um Nascimento que Atravessa...
ezesseis anos após a publicação de O Nascimento da Tragédia (1872),
Nietzsche escreve O Caso Wagner (1888), sendo este um de seus últimos livros escritos,
juntamente com Crepúsculo dos Ídolos, Anticristo e Ecce Homo2. Todos esses escritos
pertencem a denominada última fase de Nietzsche, sendo que o filósofo deste período é
comumente visto por suas preocupações mais políticas e por seu afastamento da temática da
arte. Porém, O Caso Wagner é justamente a prova de que a obra de Nietzsche resiste a essas
interpretações.
À primeira vista, O Caso Wagner parece conter críticas, - ou mais, diagnósticos -
apenas estéticos. Entretanto, se a leitura que aqui se faz preocupa-se em jogar as próprias
brincadeiras que o texto de Nietzsche nos propõe, não é difícil perceber que as críticas
aparentemente estéticas mascaram um diagnóstico da cultura e, assim, da décadence3. Ocorre,
por exemplo, que arte e cultura não podem ser pensadas separadamente em Nietzsche. Nesse
sentido, Nietzsche, "debruçando-se sobre diferentes manifestações artísticas, está ciente das
dificuldades em apreender o seu significado e aquilatar o seu alcance; tanto é que procura
diagnosticar os valores que nelas se expressam" (MARTON, 2009, p. 4).
Assim, ao tratar da esfera estética em O Caso Wagner, Nietzsche não se preocupa em
apreender somente o sentido expresso na obra de Wagner, mas no que esta pode contribuir
para um diagnóstico acerca de nossa cultura e nossos valores morais. Se podemos dizer que
Nietzsche atenta-se na questão do estilo, o faz para refletir acerca das implicações da estética
na cultura.
Desde O Nascimento da Tragédia, as preocupações do filósofo acerca da arte eram
diretamente relacionadas a preocupações culturais. Em O Caso Wagner, Nietzsche explicitaria
a relação entre arte, vida e cultura já anunciada em O Nascimento da Tragédia, porém,
partindo aparentemente de perspectivas opostas. Em sua primeira obra publicada, via em
Wagner a realização de um possível renascimento dos sentimentos e dos impulsos apolíneo e
2 Nietzsche escreve todas estas obras no mesmo ano, sendo o período de sua maior produtividade: 1888.
3 Faremos uso do termo em francês pois é dessa maneira que Nietzsche o utiliza em O Caso Wagner e diversos
outros escritos do período de 1888. Quando utilizarmos em português, ou seja, decadência, será por se tratar de
um período no qual o filósofo ainda não utilizava o termo décadence. Mais adiante, mostraremos nossa hipótese
acerca da questão.
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dionisíaco que faziam parte da tragédia ática.
E, desses supremos mestres [os gregos trágicos], em que momento precisaríamos mais
do que agora, quando nos é dado assistir ao renascimento da tragédia e estamos em perigo de
não saber nem de onde ela vem nem de poder explicar-nos aonde ela quer ir? (GT/NT, §20).
Dessa forma, Nietzsche realiza uma crítica da decadência ateniense que teria se
instaurado a partir de Sócrates, a fim de tratar dos problemas que diagnosticava na Alemanha
do século XIX. Embora o filósofo ainda não utilizasse o termo décadence em seus primeiros
livros, sendo que este aparece apenas em sua maturidade4, esse problema já estaria presente
desde o início em seus escritos, manifestando-se como um determinado olhar nas questões de
saúde e decadência. Lembremos que o próprio filósofo irá denominar-se, a priori, um
décadent, mas também a antítese disso: como summa summarum, como fundamento, um
homem sadio. Justamente por ser ambos é que foi capaz de perceber os sinais de saúde e
decadência de uma cultura:
A fortuna de minha existência, sua singularidade talvez, está em sua fatalidade:
diria, em forma de enigma, que como meu pai já morri, e como minha mãe ainda
vivo e envelheço. Essa dupla ascendência, como que do mais elevado e do mais
rasteiro degrau da vida, a um tempo décadent e começo - isso explica, se é que algo
explica, tal neutralidade, tal ausência de partidarismo em relação ao problema global
da vida, que acaso me distingue. Para os sinais de ascensão e declínio tenho um
sentido mais fino que homem algum jamais teve, nisto sou o mestre par excellence -
conheço ambos, sou ambos (EH/EH, "Por que sou tão sábio", §1).
Além disso, há outra problemática transversal a sua obra desde O Nascimento da
Tragédia: apenas a arte seria capaz de livrar o homem da décadence. Ou, para utilizarmos o
termo empregado pelo filósofo em O Nascimento da Tragédia, a arte seria a justificação
estética da existência. Assim, notamos que o filósofo não havia se afastado daquela questão
primordial desde seu primeiro texto publicado - no qual defendia a tese de que a redenção só
seria possível pela arte, na medida em que a arte justifica a vida -; mas a elaborava com
diferentes máscaras. "Agora ousai ser homens trágicos: pois sereis redimidos" (GT/NT, §21).
Ao introduzir essa problemática em O Nascimento da Tragédia, Nietzsche já se
afastava aos poucos tanto de Wagner quanto de Schopenhauer, talvez sem perceber, como um
viajante em seu barco que vê tão lentamente que imperceptível, a figura distanciar-se de si. O
afastamento de Nietzsche com Wagner se daria, entre outras coisas, pelo fato de que o músico,
ao encontrar-se com a obra de Schopenhauer, passa a acreditar não mais na salvação pela arte,
4Apenas na chamada terceira fase da obra de Nietzsche (Crepúsculo dos Ídolos, Anticristo, O Caso Wagner e
Ecce Homo) que o filósofo passa a empregar o termo décadence.
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mas sim, em um fim político5. É nesse sentido que segundo Nietzsche, a obra de Wagner
passa a não servir mais à finalidade da própria arte - a vida -, mas sim a um fim pessimista e à
moral cristã.
Que aconteceu então? Um acidente. A nave foi de encontro a um recife; Wagner
encalhou. O recife era a filosofia schopenhaueriana; Wagner estava encalhado numa
visão de mundo contrária [...] Enfim vislumbrou uma saída: o recife no qual
naufragara, e se ele o interpretasse como objetivo, como intenção oculta, como
verdadeiro sentido de sua viagem? [...] E ele traduziu o Anel em Schopenhaueriano.
Tudo vai torto, tudo afunda, o novo mundo é tão ruim quanto o velho (WA/CW, §4).
Nietzsche, no final de O Nascimento da Tragédia, já mostra-se crítico em relação a
uma arte que sirva, antes de mais nada, a uma moral determinada, algo que diagnosticaria
posteriormente em Wagner:
Eu pergunto pelo prazer estético e sei muito bem que muitas dessas imagens podem,
além do mais, produzir de vez em quando um deleite moral, por exemplo em forma
de compaixão ou de triunfo moral. Quem pretendesse, todavia, defluir o efeito
trágico unicamente dessas fontes morais, não poderá crer que haja feito com isso
algo pela arte: a qual, em seu domínio, deva antes de tudo exigir pureza. Para aclarar
o mito trágico, o primeiro reclamo é justamente o de procurar o prazer a ele peculiar
na esfera esteticamente pura, sem qualquer intrusão no terreno da compaixão, do
medo, do moralmente sublime (GT/NT, §24).
Neste aspecto, retomamos essa problemática em O Caso Wagner, quando Nietzsche
nos diz que:
Em Wagner, há sempre alguém que deseja ser redimido: ora um homenzinho, ora
uma senhorita - este é o problema dele. - E como varia ricamente o seu leitmotiv!
Que digressões raras e profundas! Quem, se não Wagner, nos ensinaria que a
inocência redime de preferência pecadores interessantes? (O caso de Tannhaüser)
[...] Wagner defende assim a idéia cristã, "Deves crer a precisas crer (WA/CW, §3).
É possível perceber que no escrito de 1888 Nietzsche confere a Wagner algo que já
criticava em seu primeiro livro publicado. Ao dizer-nos que o problema de Wagner consiste
em sempre assinalar alguém que deseja ser redimido, a crítica se desenvolve na medida em
que a busca pela salvação se daria não pela própria arte, mas pela moral e pela política. Em
Wagner, Nietzsche farejava esses elementos como a priori seja para a construção do mito,
5Este encontro de Wagner com Schopenhauer do qual Nietzsche nos fala seria, especificamente, com o quarto e
último livro de O Mundo como Vontade e Representação, no qual Schopenhauer sucumbiria a sua tese de que
apenas a arte salva, substituindo-a pela salvação da vida ascética. Mais precisamente, essa referência pode ser
encontrada do parágrafo 65 ao 71.
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seja para a música.
2 Decadência Torna-se Décadence
Nietzsche, ao tratar de Wagner, diz-nos que este sofre de uma doença fisiológica, que
sua arte decadente é intimamente relacionada com a sua decadência física e moral: "Estou
longe de olhar passivamente enquanto esse décadent nos estraga a saúde - e a música, além
disso!" (WA/CW, §5). Nesse sentido, notamos que Nietzsche, ao diagnosticar Wagner, não se
refere apenas ao caráter artístico, dado que este estaria intrinsecamente ligado à saúde. A
reação do próprio Nietzsche remete-nos a um caso fisiológico, como, por exemplo, na
seguinte expressão: "Sinto o desejo de abrir um pouco a janela. Ar! Mais ar!" (WA/CW, §5).
A relação fisiológica que Nietzsche estabelece com a arte e a decadénce se fazem ainda
mais precisas quando o filósofo nos diz que desejaria, em breve, fazer um livro sob o título
Fisiologia da estética no qual mostraria "[...] mais detalhadamente como essa metamorfose
geral da arte em histrionismo é uma expressão de degenerescência fisiológica" (WA/CW, §7).
Embora Nietzsche não tenha conseguido escrever esse livro, estaria pensando o problema da
arte e da décadence em uma relação íntima com a fisiologia.
Desde cedo, o tema da decadência se faz presente nos escritos de Nietzsche, mas em
1888 torna-se um dos conceitos principais de sua filosofia, sendo que o filósofo passa a
empregar o termo décadence. Tal acontecimento se dá, entre outras coisas, devido a leitura
que Nietzsche faz dos Essais de Psychologie Contemporaine (1883), do francês Paul Bourget,
onde teria encontrado formulações específicas do conceito de décadence. Nietzsche chega a
praticamente transcrever de forma literal uma frase de Bourget6 na qual o filósofo dirá que a
caracterização da décadence literária se dá: “Pelo fato de a vida não mais habitar o todo. A
palavra se torna soberana e pula fora da frase, a frase transborda e obscurece o sentido da
página, a página ganha vida em detrimento do todo - o todo já não é mais um todo” (WA/CW,
§7).
6 Encontramos tal frase de Bourget citada por Müller-Lauter (1999): "'Um estilo de décadence é aquele em que a
unidade do livro se decompõe para dar lugar à independência da página, em que a página se decompõe para dar
lugar à independência da frase e a frase, para dar lugar à independência da palavra. Na literatura atual,
multiplicam-se os exemplos que corroboram essa fecunda verdade" ,(BOURGET apud MÜLLER-LAUTER, W.
Décadence artística enquanto décadence fisiológica: a propósito da crítica tardia de Friedrich Nietzsche a
Richard Wagner, p. 13).
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Nietzsche é influenciado por Bourget7 em diversas passagens de O Caso Wagner,
identificando o seu conceito de décadence com o artista Wagner. Tal procedimento que o
filósofo realiza, mostra-nos o quanto Nietzsche dialogava com a ciência e a medicina de sua
época. Em O Nascimento da Tragédia, já nos dizia que o livro ousou "ver a ciência com a
óptica do artista, mas a arte, com a óptica da vida" (GT/NT, "Tentativa de autocrítica", §3).
Uma vez que entramos na problemática da relação entre arte e decadência é interessante nos
referirmos ao conceito - ou operador - décadence: Primeiramente, podemos afirmar que o
caráter determinante da décadence seria a anarquia dos instintos, a "desagregação da
vontade". Quando os instintos brigam entre si, sente-se a necessidade de criar um contra-
tirano, ou seja, um instinto que domine todos os outros que se faziam rebeldes (GD/CI, "O
problema de Sócrates", §9).
Partindo dessa interpretação, podemos pensar a arte e a décadence na sua relação
íntima com a fisiologia. Se a décadence para Nietzsche é pensada como a "desagregação da
vontade", e o corpo é a vontade, a décadence aconteceria, primeiramente, no corpo. Nesse
sentido, é possível nos retermos a Schopenhauer na medida em que este constitui-se como um
desafio no que concerne a busca de Nietzsche pela noção de Vontade.
Schopenhauer via a Vontade como a causadora de toda a dor e desprazer humano. Isto
porque ela é um querer contínuo, uma sucessão de desejos que, quando satisfeitos,
imediatamente outro sobrepõe-se no lugar. Vontade, para Schopenhauer, seria "fratura" e
"falta". A saída, portanto, seria negar essa Vontade, o que coloca o homem na figura de
“santo”, pois rejeita esse querer. Ele quer o Nada, quer não mais querer. A solução da vida
seria eliminar esse querer incessante, como diz o próprio filósofo, essa “vontade cega”. Nesse
sentido, o santo se assemelharia ao artista pois este vive a redenção diante da contemplação
artística, o que faz com que Schopenhauer diga que a arte redime o homem, no momento da
contemplação, do querer incessante da vontade. Porém a arte proporcionaria a redenção
apenas no momento da contemplação, sendo que uma vez o contato com a arte cessa,
imediatamente o querer incessante da Vontade retornaria. Assim, Schopenhauer vê a ascese
como a solução para a Vontade: na ascese, a Vontade seria negada a todo momento, e não
apenas na contemplação artística.
7 Na tradução El Anticristo realizada por André Sánchez Pascual, encontramos uma nota em que o tradutor nos
confirma a hipótese de que o conceito décadence chega a Nietzsche a partir das suas leituras de Paul Bourget,
especificamente dos Nouveaux essais de psychologie contemporaine (1885), sendo este encontrado até os dias de
hoje em sua biblioteca pessoal. No texto de Bourget, o filósofo teria sublinhado com duplo ou triplo traço
diversas passagens, chegando, em muitas dessas, a escrever: Moi! (Eu!).
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É sob o aspecto da negação da vontade que pensamos encontrar-se uma das principais
objeções de Nietzsche contra a arte de Wagner, na medida em que o músico foi fortemente
influenciado pela filosofia e pela estética Schopenhaueriana. Nietzsche identificaria Wagner
como um artista décadent por ter se submetido à moral do asceta. Wagner quer a salvação não
pela própria arte, mas pela moral. Ao introduzir no seu projeto da Obra de Arte Total
(Gesamtkunstwerk) a moral ascética da negação da vontade proposta por Schopenhauer,
assumiria para si o papel de artista e de asceta, de modo que a arte não estaria à serviço da
vida8, como defende Nietzsche, mas da moral. Para o filósofo, o artista deveria ser justamente
o contrário do asceta, pois ele é uma pulsação de desejos, resiste da décadence dizendo sim à
vontade. Concorda com Schopenhauer no sentido de que a existência é sim um absurdo, sem-
razão. Mas para Nietzsche a vida não pode ser justificada nem pela filosofia, nem pela
religião, nem pela ética. Talvez, só haja um meio pelo qual a existência possa ser justificada: a
estética.
Ainda sobre o conceito de décadence, no livro El Anticristo (tradução e notas de André
Sánchez Pascual), encontramos notas nas quais Pascual cita um dos fragmentos póstumos de
Nietzsche, escritos durante a primavera de 1888, e que conteriam três descrições importante
da noção de décadence. Citamos aqui algumas delas:
Sobre el concepto ´décadence´: 1. El escepticismo es una consecuencia de la
décadence: lo mismo que el libertinage del espíritu. 2. La corrupción de las
costumbres es una consecuencia de la décadence: debilidad de la voluntad,
necesidad de estimulantes fuertes... [...] 4. El nihilismo no es causa, sino sólo la
lógica de la décadence (apud PASCUAL, 1998, p. 130).
Realizando um salto para Crepúsculo dos Ídolos (1888), Nietzsche também se apropria
da definição de décadence para tratar do problema de Sócrates, dizendo-nos que a Atenas da
época estava doente pois os instintos voltavam-se uns contra os outros, todos queriam se
sobrepor, fazer-se tiranos. Assim, Sócrates aparece como médico ao "adivinhar" a sua própria
doença e a doença dos demais e, com isso, inventa um contra-tirano: a razão. Nietzsche não
vê tanto um problema na escolha da razão, mas sim, no fato desta ter se tornado um
fanatismo, o único remédio possível para Sócrates e seus doentes: "Não havia escolha: ou
perecer, ou ser absurdamente racionais" (GD/CI, "O problema de Sócrates", §10).
Mas por que Wagner seria umdécadent, e em que medida isso importa para
compreendermos a décadence? Consideremos, segundo o próprio texto de Nietzsche que,
8 Sobre este aspecto, ver: ,(GD/CI, "Incursões de um extemporâneo", §24).
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embora o livro tenha sido escrito à custa de Wagner, este ("pessoa Wagner") seria o menos
importante. Percebemos isso explicitado na seguinte frase de Nietzsche:
Nunca ataco pessoas - sirvo-me da pessoa como uma forte lente de aumento com
que se pode tornar visível um estado de miséria geral porém dissimulado, pouco
palpável.[...] Assim ataquei Wagner, ou mais precisamente a falsidade, a bastardia de
instinto de nossa 'cultura', que confunde os sofisticados com os ricos, os tardios com
os grandes (EH/EH, "Por que sou tão sábio", §7).
Talvez, o filósofo tivesse encontrado em Wagner a expressão maior da decadência de
sua época, bem como o fez com Sócrates e Atenas. Entretanto, isso não descarta a importância
de compreendermos porque Nietzsche nos diz que não apenas Wagner era doente e que o seu
público estava fisiologicamente doente, mas que a arte de Wagner era doente. Quais
elementos propriamente artísticos da ópera de Wagner fariam com que o filósofo identificasse
uma degenerescência dos instintos?
Segundo Nietzsche, um dos problemas de Wagner seria justamente aquilo que o tornou
famoso: o grande estilo. Wagner, na sua busca por uma obra de arte total, que contemplasse
música, drama e palavra, acabaria acentuando o efeito que a obra de arte deveria causar no
público, indo na direção de uma arte "mentirosa". Além disso, pelo modo como Wagner
desejou criar uma obra que contemplasse todos os estilos, cênicos ou musicais, estaria
atuando no mecanismo da décadence descrito anteriormente. Podemos dizer que em Wagner,
não só todos os instintos, mas todos os estilos queriam se fazer tiranos ao mesmo tempo.
Nesse sentido, a melodia infinita wagneriana poderia ser um dos exemplos, pois as
tonalidades sobrepõem-se tão rapidamente umas às outras que o ouvinte não mais consegue
diferenciá-las, levando-o, assim, a uma aceitação e passividade da audição. ‘Wagner não
calcula jamais como músico, a partir de alguma consciência musical; ele quer o efeito, nada
senão o efeito [...]. Wagner não nos dá o bastante para mastigar. Seu recitativo - pouca carne,
alguns ossos e muito caldo” (WA/CW, §8).
Para Nietzsche, o problema de Wagner também seria seu exagero nos recursos
dramáticos, chegando ao ponto de não conseguir contar até três: "Quando um músico não
consegue mais contar até três, torna-se 'dramático', torna-se 'wagneriano'" (WA/CW, §8).
Assim, a melodia infinita seria aquele conflito que nunca se resolve, sendo levado às últimas
consequências, mas sem jamais encontrar resolução.
Nietzsche também assinala algo no qual Wagner era bom: apenas o mínimo, o detalhe,
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ou seja, a arte de fazer a parte sobrepor-se ao todo: "Vê-se o particular muito nítido, vê-se o
todo muito embotado (...) Mas isto é décadence, uma palavra, que, como entre nós se
compreende por si mesma, não deve censurar, mas apenas designar" (NIETZSCHE apud
MÜLLER-LAUTER, 1999, p. 3).
Problematizando o conflito do filósofo Nietzsche em relação a Wagner, acreditamos
que tal conflito encontrar-se-ia ligado a percepção nietzschiana de que o músico Wagner era
grande ao mesmo tempo em que era decadente. Nesse sentido, Nietzsche reconheceria em
Wagner algo muito próximo de si, chegando a escrever um livro no qual o músico fosse o
cenário para a questão da décadence. A escolha não foi por acaso; Nietzsche sempre
escreveria acerca daquilo que combate e, assim, interpela.
Neste assunto, guardei para mim tudo o que era decisivo - eu amei Wagner. - Afinal,
um ataque a um 'desconhecido' mais sutil, que outros dificilmente descobririam,
concorda com o sentido e a direção de minha tarefa - ó, tenho ainda 'desconhecidos'
inteiramente outros a desmascarar, que não um Cagliostro da música (EH/EH, "O
Caso Wagner", §1).
Nietzsche também diz-nos que aquilo que lhe ocupou mais profundamente foi a
questão da décadence (O Caso Wagner). Wagner teria sido uma das doenças que acometeu
Nietzsche, e sua vivência, uma cura desta. Mas o filósofo diz-nos claramente o quão
indispensável era a doença wagneriana:
Não que eu deseje me mostrar ingrato a essa doença. Se nessas páginas eu proclamo
a tese de que Wagner é danoso, quero do mesmo modo proclamar a quem, não
obstante, ele é indispensável - ao filósofo. Outros poderão passar sem Wagner, mas o
filósofo não pode ignorá-lo. Ele tem de ser a má consciência do seu tempo - para
isso, precisa ter a sua melhor ciência (WA/CW, "Prólogo").
Deixando de lado as críticas de Nietzsche sobre Wagner, o filósofo também o via
como um "companheiro de viagem", sendo que ambos possuíam em si o caráter da
pluralidade, não conseguindo direcionar-se a apenas uma especialidade. Entretanto, no escrito
de 1888, diferenciando-se do jovem Nietzsche, tal caráter plural não é mais visto pelo filósofo
como sinal de força, mas sim, de fraqueza que se arvora em fortaleza ,(MÜLLER-LAUTER,
1999, p. 16). Não se trata de uma crítica à pluralidade em si, mas à forma na qual o caráter
plural de Wagner se daria, isto é, na necessidade que o músico tinha em fazer-se compreender
o mais claramente possível e para o maior número de pessoas. É dessa maneira que Wagner
teria "forçado" o diálogo com as outras artes, reduzindo o caráter plural a uma necessidade em
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fazer-se compreender a todo custo.
Em O Nascimento da Tragédia, o filósofo via no músico alguém que, assim como ele,
acreditava em um redespertar da cultura através da arte. Nesse sentido, o embate que
Nietzsche travava com Wagner não poderia ser apenas uma crítica a sua decadência, mas um
constante sentimento de forças em combate que o arrastavam ao wagnerismo.
E se o alemão olhar, hesitante, à sua volta, em busca de um guia que o reconduza de
novo à pátria há muito perdida, cujos caminhos e sendas ainda mal conhece - que
apenas atente o ouvido ao chamado deliciosamente sedutor do pássaro dionisíaco
que sobre ele se balouça e quer indicar-lhe o caminho para lá (GT/NT, §23).
Já em O Caso Wagner, Nietzsche percebe que o músico, ao retomar a estrutura mítica
realiza-a a partir de um viés moral, sendo a política seu fim maior, e não a vida, como o
filósofo via na tragédia grega. Assim, o filósofo percebe que não há mais saída nem para
Wagner, nem para a cultura alemã: apenas sucumbir. Wagner teria apenas acelerado este
processo, mas não o modificou de forma alguma. Nesse sentido, podemos pensar que crítica
tardia de Nietzsche ao seu primeiro livro publicado se daria, em grande parte, pela rejeição
aos elogios que este fizera ao músico - e a Schopenhauer - em O Nascimento da Tragédia,
considerando que havia depositado em Wagner a esperança de um redespertar da cultura
alemã. Tanto Nietzsche como Wagner buscariam esse redespertar; daí o sentimento de
afinidade, que durou anos, do filósofo pelo músico.
Ele apenas lhe acelerou o tempo [décadence] - de maneira tal, sem dúvida, que
ficamos horrorizados ante esse súbito precipitar-se abismo abaixo. Ele tinha a
ingenuidade da décadence: esta era a sua superioridade. Ele cria nela, não se deteve
ante nenhuma lógica da décadence. Os outros hesitam - isso os diferencias. Nada
mais! (WA/CW, "Segundo Pós-escrito").
Wagner seria, para Nietzsche, o decadente "perfeito" (WA/CW, §7) na medida em que o
seu "auto-engano, a cegueira com relação ao próprio tipo, à própria constituição (não se ver
como decadente), é o traço distintivo de Wagner em relação aos demais, pois permite ser
decadente integralmente até o limite, inclusive em sua arte" (RABELO, 2000, p.50). Assim,
podemos ressaltar que outra crítica de Nietzsche em relação a Wagner se dá no âmbito da
"teatralidade": Wagner teria se tornado ator na medida em que mente não só para o público,
mas para si mesmo. Para Nietzsche, um dos problemas da décadence de Wagner seria que
este não sabia brincar, levando-se à sério demais ao eliminar o jogo irônico, pois mentir para o
outro e não para si mesmo teria caráter determinante na ironia como jogo.
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3 Arte, Vida, Cultura e Algumas Brincadeiras
Levando em conta que Nietzsche diz-nos que o maior combate do filósofo deve ser o
seu tempo, justamente por pertencer a este, é possível pensarmos que a sua relação de
combate com Wagner atuaria no mesmo mecanismo, quer dizer: apenas porque Nietzsche foi
um wagneriano tornou-se capaz de combatê-lo.
Nesse sentido, Wagner foi indispensável ao filósofo, pois apenas tendo conhecido a
doença de seu tempo foi possível combatê-la. Apenas por que Nietzsche foi wagneriano,
tornou-se capaz de ser posteriormente o seu maior antípoda. A doença - concebida também
como decadência - exerce na filosofia de Nietzsche um papel de extrema importância:
"Quanto a minha longa enfermidade, não lhe devo indizivelmente mais do que minha saúde?
Devo-lhe uma mais elevada saúde, uma que é fortalecida por tudo que não a destrói! - Devo-
lhe também minha filosofia..." (NW/NW, "Epílogo", §1).
Partindo desta reflexão de Nietzsche, é possível pensarmos que toda a sua filosofia se
desenvolveu a partir de um amadurecimento da doença, mas que, para isso, é necessário ser
sadio no fundamento (EH/EH, "Por que sou tão sábio"). Escapar da décadence não é mais
possível, ter de combater os instintos seria a fórmula para a décadence (GD/CI, "O problema
de Sócrates", §11)9. É nesse sentido que a doença adquire uma extrema importância, pois o
extemporâneo é aquele que apenas pode combater o seu tempo por viver o seu tempo.
Ao farejarmos o problema da doença e décadence em outros escritos de Nietzsche,
percebemos que o filósofo nos diz haver mais de uma vertente do sintoma da décadence10.
Em
A Gaia Ciência (1882), Nietzsche pergunta-se, se diante da criação artística, foi a doença ou a
vida que se fez criativa: "aqui foi a fome ou o supérfluo que se tornou criativo? [...] ou seja,
reparar se é o desejo de tornar rígido, de eternizar, de ser, que é a causa do criar, ou então o
desejo de destruição, de mudança, de novo, de futuro, de vir-a-ser" (FW/GC, §370). Mas
nesta pergunta Nietzsche diz-nos haver uma dupla interpretação. O desejo de destruição, de
9 Nesse aforismo, Nietzsche nos diz que é um "[...] auto-engano dos filósofos e moralistas pensar que já saem da
décadence ao fazerem guerra contra ela. O sair está fora de sua força: mesmo aquilo que escolhem como
remédio, como salvação, é apenas, outra vez, uma expressão de décadence - eles alteram sua expressão, não a
eliminam propriamente". Assim, vemos que a problemática da décadence em Nietzsche é mais complexa do que
se pensa. Talvez, para o filósofo, o que deveria ser feito é mudar a pergunta, não apenas mover guerra contra a
décadence, ou seja, que para um novo fim, seja necessário, antes de mais nada, um novo meio. 10
Nesse aforismo, vemos claramente como Nietzsche, ao se apropriar do conceito de décadence formulado por
Bourget, desenvolve a sua filosofia da décadence a partir de diversos outros instrumentos que teria elaborado ao
longo de sua vida, realizando assim, uma crítica à arte e ao romantismo de Wagner e Schopenhauer que
acometeria o século XIX.
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vir-a-ser, pode surgir a partir de um desejo de criar, de uma força que visa um novo futuro, ou
de um desejo de anarquia, de simples destruição. Em contrapartida, o desejo de eternizar, de
ser, pode surgir tanto da gratidão e do amor, como do desejo de vingança, de uma vontade
tirânica de transformar o seu sofrimento em universal. Precisamente este último Nietzsche irá
conferir Wagner e a Schopenhauer, sendo o "pessimismo romântico em sua forma mais
expressiva" (Ibidem).
No capítulo referente a O Caso Wagner presente em Ecce Homo (1888), talvez nos soe
estranho que o filósofo, muito mais do que falar de Wagner, fala da nação germânica.
Nietzsche cita Wagner apenas na primeira e na última página deste escrito. Levando isso em
consideração, talvez seja possível pensarmos que Nietzsche, ao escrever O Caso Wagner, não
estaria preocupado apenas com o destino da música, mas com o destino da Alemanha que o
filósofo via se encaminhando para a décadence e niilismo. Wagner seria a expressão da
Alemanha do século XIX, mas este não foi o único alvo no qual Nietzsche lançou sua flecha.
Assim, talvez o uso que o filósofo da suspeita fez de Wagner tenha sido irônico, na medida
em que o ataque de Nietzsche se daria muito mais à nação alemã do que a Wagner
propriamente. "ridendo dicere severum11
" (WA/CW, §1): é com essa frase que nos
encontramos ao ler as primeiras páginas de O Caso Wagner.
Ainda em relação ao caráter irônico, o filósofo diz-nos: "Eu mesmo nunca sofri por
tudo isso [não-reconhecimento de sua obra]; o necessário não me fere; amor fati é minha
natureza mais íntima. Isso não impede, porém, que eu ame a ironia, inclusive a ironia
histórico-universal" (EH/EH, "O Caso Wagner", §4). Em relação ao cinismo em Nietzsche,
Peter Sloterdijk diz-nos que:
Se apresenta uma relação modificada com o 'dizer a verdade': trata-se de uma
relação de estratégia e tática, de suspeita e desinibição, de pragmatismo e
instrumentalismo: tudo isso sobre controle de um eu político que pensa de início e
em última instância em si mesmo, que internamente manobra e externamente se
encouraça (SLOTERDIJK, 2012, p. 14).
Atacar Wagner e a sua época seria, em primeira instância, atacar a si mesmo, pois não
pode reconhecer-se fora de seu tempo. É reconhecer algo de sua época em si e defender-se
disso. Lembremo-nos de quando o filósofo, como psicólogo, nos coloca a seguinte questão:
"Que exige um filósofo de si, em primeiro e em último lugar? Superar em si seu tempo,
tornar-se 'atemporal'. Logo, contra o que deve travar seu mais duro combate? Contra aquilo
11
"Rindo, dizer coisas graves" (N.T)
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que o faz um filho de seu tempo" (WA/CW, "Prólogo"). Nesse sentido, é possível dizermos
que apenas porque o filósofo viveu o seu tempo às últimas consequências que pôde,
posteriormente, combater o seu tempo.
Talvez assim seja possível começarmos a compreender o que Nietzsche nos diz acerca
do filósofo-artista, ou de um pensamento que nasce do movimento e da experiência: "Não se
tem ouvido para aquilo a que não se tem acesso a partir da experiência" (EH/EH, "Por que
escrevo livros tão bons", §1). Ainda na relação entre obra e experiência, o filósofo diz-nos que
compreender as questões que tratavam o seu Zaratustra requer, antes de mais nada, tê-las
vivido (Ibidem).
Que filosofia, arte e vida encontram-se sempre relacionadas no pensamento de
Nietzsche não é novidade. Mas o fato de o filósofo ter escrito seu primeiro livro a partir de um
certo olhar para a tragédia grega e por constantemente tratar da temática da arte em seus
escritos não faz com que arte, vida e filosofia se encontrem necessariamente imbricadas. A
relação entre os elementos desta tríade se constrói no pensamento de Nietzsche por outro viés.
Por exemplo, na maneira como o filósofo se relaciona com o seu leitor, exigindo deste uma
postura que vá além da compreensão metafísica do conceito. Exige de seu leitor uma busca
arqueológica, mais ainda, que este construa o "sentido" das ideias (ou decisões, se
preferirmos), sabendo também que na maioria vezes elas não tem sentido nenhum, e tendo em
vista que Nietzsche nunca as coloca prontas para o leitor. E que mesmo ao construir tais
"sentidos", estes sejam novamente questionados e, se necessários, deixados de lado. Ora, este
processo de criação de sentido dos textos nietzschianos assemelham-se a todo processo
artístico que, além do "conhece-te a ti mesmo" e da necessária forma apolínea, sabem escutar
o canto dionisíaco, procurar pelo sentido que está além da explicação racional do conceito e
assim, jogar com ele.
Mas o processo artístico que Nietzsche realiza não o confere apenas ao seu leitor, mas a
si próprio na medida em que antecipa ideias, bem como as refuta sem ressalvas. Sabe da
impossibilidade de atuar através de conceitos, e por isso martela os ídolos12. Desse modo, a
crítica que o filósofo realiza a Wagner não pode tornar o músico menor, inclusive porque em
se tratando de Nietzsche, nenhuma experiência vivida é rejeitada. Mais do que isso, o filósofo
diz-nos que apenas porque foi muitos tornou-se um, de maneira que essa unidade tem como
pressuposto e a priori a multiplicidade. Apenas por ter vivido o mais alto grau de décadence
12
Nietzsche diz, no prólogo de Crepúsculo dos Ídolos que uma de suas metas consiste em auscultar ídolos, fazer
perguntas com o martelo para assim, escutar se há algo dentro destes ídolos ou se há apenas um som oco.
Wagner seria um destes ídolos.
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Nietzsche se diz capaz de conquistar a grande saúde. A contradição, assim, não pode jamais
ser suprimida do pensamento nietzschiano, sendo forma constitutiva de sua filosofia. Trata-se
de manter-se em vida, mudar de pele, como a serpente de Assim Falava Zaratustra. É assim
que Nietzsche faz de sua filosofia um tornar-se a si próprio. Torna-se muitos e, à medida que
isso acontece, suas ideias também se transformam. Nietzsche não transforma apenas o seu
pensamento, mas se transforma. Justamente por isso pode dizer que deve muito a Wagner,
pois apenas por ter sido wagneriano pode chegar a ser o que é. A própria vida deveria ser o
maior objeto de estudo e experiência do homem, sendo que esta vida não aconteceria fora de
si, mas constantemente em si.
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Liberdade, 2012.
Submetido em: 07/09/2012
Aceito em: 15/11/2012