as artimanhas da razao imperialista. comentarios a bourdieu e wacquant

Upload: maria-cecilia-picech

Post on 05-Jul-2018

234 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    1/106

    Se J rJ

     

    Estudos Afro Asidticos

    Revista do Centro de Estudos Afr o- Asiaticos - CEAA

    Universidade Candido Mendes

    Diretor

    Candido

    Mendes

    Editor

    Livio Sansone

    Sumario

    Conselho Editorial

    Alejandro Frigerio, Antonio Sergio

    Guirnaraes,

    Beluce Belucci, Candido

    Mendes, Car los A. Hasenbalg, Charles Pessanha, Edson Bor ges, Edwar d

    Telles, Fernando Rosa Ribeiro, George Reid Andrews, GiraldaSeyfert, Jef

    ferson Bacelar,jocelio Tellesdos Santos, Jose Jorge de Carvalho, Jose Maria

    Nunes Pereira, Kabengele Munanga, Luiz Claudio Barcelos, Marcelo Bit

    tencourr, Nelson do ValleSilva,

    Olfvia

    Maria Gomesda

    Cunha

    Peter Fry,

    Peter Wade, Ramon Grosfoguel, Reginaldo Prandi, Ronaldo Vainfas, Ro

    quinaldo Amaral Ferreira, e Yvonne Maggie.

    Conselho Consultivo

    Beatriz G6es Dantas, Carlos Moreira Henrique Serrano, Clovis Moura, Co

    lin Darch, EduardoJ. Barros, FernandoA.AlbuquerqueMourao, joao Bap

    tista BorgesPereira, Joao Jose Reis,Joel Rufinodos Santos, JUlioBraga, LuI

    sa Lobo, Manuela Carneir o da Cunha, Mar isa Corr ea, Rita Laura Segato,

    Ocravio Ianni, Roberto Motta, Robert W. Slenes, Severino Bezerra Cabral

    Filho e Tereza Cristina Nascimento Araujo.

    Os conceitos ernitidos em artigos assinados sao de absoluta e exc1usivares

    ponsabilidade de seus autores.

    Solicita-se permuta/We ask for exchange

    Correspondencia/Address

    Centro de Estudos Afro-Asiaticos-Slll

    Praca Pio X, 7 - 7

    Q

    andar

    20040-020 -

    R io de J an ei ro - R J - B ra si l

    Tel:

      21) 2526-2916-

    Fax:

     21) 2516-3072

    Web: www.candidomendes.br/ceaa

    E-mail: [email protected]

    Coordenacao Editorial

    Marcia Lima

    Conselho de Redacao

    Angela Figueiredo, Eduardo Silva,

    Livio Sansone, Marcia Lima,

    Marcos Chor Maio

    Assistencia Editorial

    Beth

    Cobra

    Secretaria

    Rosana Gior dana M. Carvalho

    Editoracao

    Eletrenica

    Textos

     

    Formas

    Ltda,

    Urn

    Campo

    Saturado de T en so es : 0 Estudo das Relacoes Raciais e

    das

    Culturas Negras

    no Brasil

    Livio Sansone 5

    Sobre as Artimanhas da Razao Imperialista

    Pierre Bourdieu e Lor e Wacquant

    15

    A

    Construcao Sociol6gica

    da

    Raca

    no B ra s il

    Sergio Costa

    35

    Polftica Transnacional Negra Antiimperialismo e

    Etnocentrismo

    para Pierre Bourdieu e L o i c Wacquant:

    Exemplos

    de Interpretacao

    Equivocada

    Michael Hanchard 63

    Passos em Falso da

    Razao

    Antiimperialista: Bourdieu Wacquant

    e 0 Orfeu e 0 Poder de Hanchard

    John French

    97

    As Fundacoes Norte Americanas e

    0 Debate Racial

    no B ra si l

    Edward

    Telles 141

    De Armadilhas

    Conviccoes e D is s en so e s: As R el ac oe s R ac ia is

    como Efeito  rlo

    jocelio

    Teles dos Santos

    167

    Ideias Fora

    do

    Lugar e 0 Lugar do Negro nas

    Ciencias Sociais Brasileiras

    Osrnundo

    de Araujo

    Pinho

    e Angela Figueir edo

    189

    Programa de Apoio a Publicacoes Cientfficas

    MCT

    ® Pq

     ]FIN P

    Estudos Afro Asidticos Ana 24, n° 1,2002, pp. 5-210

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    2/106

    Estudos fro sid ticos tern

    0

    apoio da

    Pallas Editora e Distribuidora

    Ltda,

    Editora:

    Cristina

    Fernandes Warth

    Coordenacao Editor ia l: Heloisa Brown

    Capa: Luciana

    Justinian

    Rua Frederico de Albuquerque, 56

    21050-840 - Rio de Janeiro - RJ

    Telefax:  Oxx21 2270-0

    186/2590-6996/2561-8007

    E-mail: [email protected]

    Homepage:www.pallaseditora.com.br

    Os resumos de ingles e frances foram feitos por Nei Roberto da Silva

    Oliveira e Estela dos Santos Abreu, respectivamente.

    Colaboram neste rnimero:

    Angela Figueiredo e doutoranda em Sociologia do Inscituto Universita

    rio de Pesquisas do Rio de Janeiro - Iuperj e pesquisadora do CEAB

    UCAM.

    E-mail: [email protected]

    Edward Telles e professor do Departamento de Sociologia da Universi

    dade da California, LosAngeles.E-mail: [email protected]

    Jocelio Teles dos Santos eprofessordo Departamento de Antropologia

    da Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]

    John French e professor de Historia da America Latinada Duke Univer

    sity. E-mail: [email protected]

    Livio Sansone e professor do Departamento deAnrropologia da Univer

    sidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]

    Michael Hanchard e professor do Departamento de Ciencia Politica da

    Northwestern University e

    autor

    de Orf eu e

     

    Pcder Rio de Janeiro,

    Eduerj, 2001 . E-mail: [email protected]

    Osmundo Araujo Pinho e doutorando em Ciencias Sociaisda Unicarnp,

    pesquisador

    do

    CEMI-Unicamp

    e do

    CEAB-UCAM. E-mail:

    [email protected]

    Sergio Costa e professor da Universidade Federal de Santa Catarina e

    pesquisador do Centro Brasileiro de Analise e Planejamento - CEBRAP,

    ambos em licenca, Leciona Sociologia na Universidade Livre de Bedim.

    E-mail: [email protected]

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    3/106

    Urn

      mpo

    Saturado de

    Tensoes Estudo das

    Relacoes Raciais e das Culturas

    Negras

    no

    Brasil

    Livio Sansone

    S

    e a importancia tanto quanto a qualidade de urn artigo acade

    mico pudessem ser medidas com base no debate que este esti

    mula, assim como pela variedade das opini6es e das crlticas que

    suscita,

    0

    artigo de Pierre Bourdieu e Lore

    Wacquant

     AsArtima

    nhas da Razao Imperialista representa, sem duvidas, urn destes ar

    tigos que fazem epoca. Publicado pela

    primeira

    vez na revista fran

    cesa Actesde la Rechercheen SciencesSocialesem 1998, jaem 1999 e

    traduzido e publicado na revista britanica

    Theory Culture

     

    Soci

    ety (vol. 16, n

    Q

    1) - segu ido

    po r

    urn comentario de

    Couze

    Venn.

    Nos anos seguintes 0 texto foi publicado em diversas revistas em

    lingua espanhola e portuguesa, freqlientemente seguido

    po r

    co

    mentarios bastante crlticos (ver, entreoutros, Healey, 2000 .Asua

    publicacao

    como

    artigo acadernico se associa

    uma

    serie de artigos

    jornal sticos, nas diferentes edicoes do

    periodico

    mensal LeMonde

      iplomatiquede aguda critica sobre diferentes aspectos da socie

    dade norte-americana - seu s is tema penitenciario e de ( in )segu

    ran a

    social-

    por parte

    de

    Wacquant,

    assim

    como

    de dura

    denun

    cia contra a nova vulgata internacional possibilitada por alguns

    dos poderes da globalizacao da economia (Banco Mundial,

    PMI

    etc.)

    por

    parte de Bourdieu. Tratarn-se de artigos caracterizados

    poruma postura que, nos anos 70 , terlamos chamado de  genulno

    antiamericanismo : a alma da associacao Attak,

    instrumento

    de

    critica veemente da globalizacao, da qual Bourdieu participava e

    que

    faz do

    jornal LeMonde

    seu principal veiculo de inforrnacao.

    Ironicamente, esta postura intrinsecamente crltica dos dogmas da

    sociedade norte-americana (0 trabalho como Fonte de prazer, 0

    Estudos Afro Asidticos Ana 24, n

    Q

    1, 2002, pp 5-14

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    4/106

    LiviaSansone

    Estado

    como

    distribuidor

    de fel ic idade, as identidades setoriais

    como

    cimento do coletivo na nacao) foi se articulando e

    aglutinan

    do simpatias de intelectuais na Franca e alhures durante uma epo

    ca de relativa abertura e oxigenacao da sociedade norte-americana.

     As

    Artimanhas

    da Razao

    Irnperialista

    foi

    publicado, em

    sua ver

    sao original, num contexto politico diferente e mais favorivel da

    quele

    de hojepara se questionar 0

    Consenso

    de

    Washington. Eram

    os

    anos

    da era

    Clinton,

    anos que deixavam pensar

    num

    novo

    Imperio americano

    centrado

    no corisenso, mais

    do

    que

    na

    irnposi

    cao de escolhas unilaterais Negri

     

    Hardt, 2000).

    Anos

    durante

    os quais 0 americanismo, seja qual for sua enfase e campo de

    apli

    cacao, seduzia muito mais do que pode ser

    0

    caso hoje.

    Sem querer

    resumir 0 coriteudo deste artigo

    nesta

    breve in

    troducao

    a este mimero especial

     reproduzimos

    a versao integral

    do artigo

    de Bourdieu

      Wacquant

    para

    facilitar

    a leitura dos

    su

    cessivos cornentarios),

    antecipo que 0

    artigo faz uma criticacogen

    te ao fenomeno do imperialismo intelectual,

    esrniucando 0

    perigo

    de tornar os EUA, pals

    absolutarnente central

    na producao das

    Ciencias Sociais, nao sornente urn

    irnportante termo

    de referencia

    por qualquer

    cornparacao internacional, mas ate

    urn

    Estado

    ideal

    e

    final - a mais desenvolvida,

    completa

    e, para alguns, justa forma

    de modernidade. Tornando os

    EUA nossa

    Utopia, a corisequencia

    seria que todo sistema ou pals

    que

    se diferericiasse dele acabaria

    sendo visro

    como retr6grado

    ou ate

    arneacador.

    Esta parte do

    arti

    go tem sido, aqui no Brasil ,

    sem duvida

    aquela que mais

    aceitacao

    recebeu. Muito de nos se queixam de que   debate acadernico no

    Brasil vive, ou se retroalimenta, de uma relacao desigual

    com

    os

    EUA:

    0

    Brasil passou de modelo positivo a modelo negativo da

    modernidade,

    uma

    casa dos horrores. Dependemos demasiada

    mente

    de bol sa s e

    recursos

    de enridades e fundacoes norte-arne

    ricanas; nos submetemos com rna vontade as regras que estas iden

    tidades nos imp6em

    - e 0 precro que sabemos ser

    precise

    pagar.

    Mais

    e mais

    compartilhamos

    com

    os colegas

    norte-arnericanos

    do

    mesmo espacro virtual, so que eles rnuitas vezes

    disp6em

    de melho

    res arquivos e revistas sobre a America Latina

    do

    que a propria re

    giao.

    Encontramos cutros

    colegas

    latino-americanos

    em nossas

    an dancas pelos EUA - ja que nossa

    postura

    crltica ao

    Imperio do

    Norte

    nao significa

    que

    queiramos negar

    seus beneffcios

    -

    muito

    mais

    do que

    no nosso pais. Somos, em rnuitos aspectos, vitirnas

    co

    nsensuais

    de projetos norte-americanos.

    Tudo

    isso,

    como

    toda

    injustica,

    nao

    pode deixar de gerar rancor e sede de justica. Ora,

    0

    que

    deixou

    surpreendidos

    e indignados

    muitos

    de nos, nurn artigo

    6

    Um CampoSaturado deTensoes...

    escrito tarnbern por

    Pierre Bourdieu, 0

    socioantropologo mais ci

    tado no Brasil, cujasagacidade tem feito realmente escola, ea for

    ma pela qual este mesmo artigo aponta a academia brasileira como

    sendo urn

    conjunto

    de repetidores das verdades USA

    em

    termos de

    relacoes etno-raciais. Bourdieu e Wacquant concedem nenhum

    credito aquela longa seriede

    pesquisadores

    das relacoes raciais, as

    s im como aquele

    irnportante

    grupo de historiadores das ide ias

    que

    ha

    decadas,

    indagam

    sobre

    os

    dilemas colocados

    po r

    ideias, as

    vezes aquelas de liberdade,

    que

    vern de fora, ass im

    como sobre 0

    que significa dialogar com as ideias associadas a modernidade,

    que

    chegam de

    outros

    coritextos, freqlientemente acompanhadas de

    6peras cacofonicas. Entre as pessoas que pesquisam as relacoes ra

    ciais, tambern para

    encontrar

    novas e mais

    adequadas

    formas de

    com

    bater 0

    racismo a brasileira,

    como

    epretensao da revista

    Estu-

    dosAfro Asidticos As artirnanhas... teve 0 efeito de uma bomba.

    Frente

    aos desafios

    provocados

    por este artigo instigante, a

      quis reunir as respostas neste

    numero

    especial, sem pretensao

    de unicidade, mas buscando pluralidade e matizes. Todos nos, do

    cornite de redacao, estamos cientes de que, na realidade, estamos

    lidando

    de

    forma nova

    com

    urn

    problema que

    e

    ja tao

    antigo

    quan

    to 0 nosso

    campo

    de pesquisa. Este campo ternse configurado des

    de 0

    corneco,

    que, po r

    comodidade,

    podemos situar ao redor dos

    dois

    primeiros

    Congressos

    Afro-Brasileiros

    de Rec if e e de Salva

    dor,

    em 1934

    e 1937,

    respectivarnente,

    como algo

    denso

    de ten

    soes, agendas, pontos de vista, olhares e desejos.Urn campo de pes

    quisa em torno do qual tarnbern se juntam importantes demandas

    de cidadania e

    que

    vive

    em constante

    e problernatica sinergia com

    a lura anti-racista.

    Neste

    campo ja aconteceram

    outros

    grandes e

    pequenos enfrentamentos entre   nacioriais e estrangeiros - em

    bora sempre houvesse alguns

     nacionais tomando partido dos

     estrangeiros e vice-versa

     

    assim como se realizou toda uma serie

    de aliancas estrategicas

    entre

    0 poder

    acadernico

    no Brasi l e algu

    mas

    fundacoes estrangeiras, sobretudo norte-arnericanas

     ver

    Ma

    rinho,2002).

    Urn simples

    mergulho

    na alvorada dos

    estudos socioantro

    pologicos

    do

    contexto afro-baiano nos anos 1930 e 1940, mostra

    como

    0

    campo

    logo se

    consti tui com

    for tes e tensas relacoes de

    poder , que inter ligam os intelectuais-chave no contexte local,

    com padr inhos

    nacionais e U brooker acadernicos internacionais.

    Edson

    Carneiro dependia de Arthur Ramos, que, por sua parte ,

    dependia

    de Melville Herskovits.

    Urn

    utilizando, citando e se be

    neficiando

    dos

    outros.

    Herskovits dependia de solidas ligacoes

    7

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    5/106

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    6/106

    Livio Sansone

    tancias caracterizadas por mais e

    reconhecidas autenticidade

    e

     africanidade . Este estrangeiro- mal necessario

    tanto

    quanto

    po

    tencial

    descobridor

    de ralento - e , ass irn,

    parte integrante

    do

    cam

    po dos

    estudos

    afro-brasileiros.

    Nao

    pode

    ser

    uma

    surpresa que

    es

    ses

    mecanismos

    de legitirnacao

    academica

    gerassem um

    clima

    des

    favoravel para

    todos. Demais adiantadas

    para a

    sua

    epoca, as dif i

    culdades de

    Guerreiro Ramos

    - soc io logo e

    negro assumido

    - em

    ganhar

    aceitacao no

    meio

    acadernico

    anteciparn

    rnuitas das crlti

    cas e rancores na

    nova

    gera j ao

    de

    intelectuais

    negros

    perante 0

    meio acadernico,

    com

    seus amores pelas torres de

    marfim.

    Tampouco

    e

    novidade

    0 fato de as relacoes

    entre

    Brasi l e

    Estados

    Unidos serem hoje um

    jogo de espelhos; algo

    que

    nos lern

    bra as relacoes

    entre

    a

    Alemanha Ocidental

    e a

    Oriental: uma

    vi

    vendo

    dos e rro s da

    outra.

    Nos anos

    que antecedem

    a

    Segunda

    Guerra

    Mundial   Brasil era

    representado

    como um

    auten

    tico  l-

    t r go

    do sistema racial

    norte-arnericano, sua imagem

    ao reyes. Do

    Brasil servia sua

    funcao

    de espelho e de

    laboratorio

    racial - onde

    podiam acontecer

    coisas irnpensaveis nos

    EUA

    da segrega j=ao.

    E

    um espelho necessa rio e

    inspirador

    para

    0 trabalho

    coletivo

    que

    culrn

    inara

    no

    grande

    esforco

    em torno

    da redacao e da

    publicacao

    do monumental American Dilemma de Gunnar

    Myrdal,

    em

    1944. Ainda

    em 1955, Ruth Landes celebra a

    possibilidade

    do ca

    samento e do amor

    inter-racial

    no Brasil f rente a

    sua impossibili

    dade

    no mundo ingles (Landes,

    1955). Nosanos

    60, a

    imagem

    he

    gernonica

    nas

    Ciencias

    Sociais

    com

    relacao a

    situacao

    erne-racial

    do Brasi l

    muda radicalmente. Na

    decada

    seguinte, 0

    Brasil et

    no-racial deixa de ser Fonte de

    inspiracao para

    se

    tornar,

    nas Cieri

    cias Sociais

    norte-americanas,

    um

    anacronismo

    - algo

    que

    insiste

    em ir contra a

    correnteza

    da

    historia

    supostamente universal das

    tens6es

    etno-raciais,

    No Brasil,

    po r

    motivos diversos,

    nao

    estaria

    tomando corpo aquela

    revivescencia da

    identidade

    et

    nica

    que

    de

    veria caracrerizar a idade madura da cidadania. Em epoca rnais re

    cente,

    0

    Brasil

    continua surpreendendo

    aqueles,

    entre

    os cientis

    tas sociais,

    que prognosticavam uma temporada de crescimen to

    ininterrupto

    das polfticas

    identitarias

    em

    escala

    planetaria.

    0 Bra

    sil, pais carnaleao, continua surpreendendo - posi tiva ou negativa

    mente

    -

    po r

    sua capacidade

    de

    transformar

    as tens6es

    etno-raciais,

    a

    principio

    imensas, em o

    utro tipo

    de

    friccio.

    Numa

    epoca

    carac

    terizada pela popularidade do

    enfoque

    sobre as

    politicas identira

    rias nas

    Ciencias

    Sociais, os custos da atericao

    por

    outras

    dinarni

    cas, sobretudo as de

    dasse,

    0 Brasil, e qu ica

    quase

    toda a

    America

     

    Urn Campo Saturado deTensoes...

    Latina,

    parecem

    se

    configurar,

    mais

    uma vet como

    lugar de ana

    cronismo das

    formas sociais

     Hale, 1995).

    o contexto

    dos

    estudos

    afro-brasileiros -

    como

    se

    tem

    cha

    mado os

    esrudos

    das relacoes raciais e da

    producao

    cultural negra

    no Brasil- e muito

    complexo

    e

    nao

    permite interpreracoes univo

    cas.

    Aqui, apresentamos uma

    variedade de respostas. De acusados

    de

    serem

     rraficantes de ideias

    norte-americanas),

    alguns autores

    preferem

    se ver

    como

    aproveitadores inreligentes e

    oportunistas

    das possibilidadese brechas abertas pelas

    fundacoes

    de apoio a pes

    quisas norre-arnericanas. Todos, porern,

    salientam como,

    se ha

    ideiasfora de lugar, tarnbern e

    por

    definicao,

    todas

    asideias, em al

    gum momenta de

    sua

    trajetoria, vern de ou tro lugar, assim

    como

    enfatizarn que ao lado disso ha a

     invencao

    local , urn uso local de

    leones globais associados a

    negritude,

    e

    um

    uso da americanida

    de de certas ideias

    como

    forma de

    conceder st tus

    as mesmas

    num

    contexto

    no

    qual 0 que

    e

    identificado como vindo

    dos

    EUA

    e, a

    principio,

    de

    boa qualidade

    (Schlesinger,

    1987).

    As

    contribuicoes

    dos tres

    autores americanos

    sao

    igualmente

    honestas

    enos obri

    gam

    a refletir sobre

    0 porque

    de

    tamanha

    presenya de intelectuais,

    ideias e

    fundacoes norte-americanas

    no Brasil.

     

    que convir que,

    alern dos inegaveis projetos imperia is de

    parte

    da

    academia nor

    te-americana,

    somos nos,

    aqui

    na

    America Latina, que

    necessita

    mos

    desta presen j=a

    americana: para

    quem escreve, em

    muitos

    ca

    sos 0 custo social dos

    financiamentos

    da

    Fundacao Ford tem

    sido

    menor do que a fa dig a e a

    burocracia que

    acompanham financia

    mentos

    das

    entidades

    brasileiras de

    amparo

    apesquisa. Ademais,

    fundacoes como

    Ford, Rockefeller e

    ate

    MacArthur

    tern

    mostrado

    mais elasticidade em

    financiar projetos

    que nem

    sempre

    se encai

    xam perfeitamente

    nos

    dogmas

    e camisas-de-forca

    por

    meio dos

    quais

    estas

    entidades

    brasileiras entendem a pesquisa e formacao

    de

    excelencia,E

    nesre co

    ntato com

    intelectuais,

    centres

    de pesqui

    sa,

    bibliotecas,

    arquivos e fundacoes norre-arnericanas

    que

    depa

    ramos com

    0 fato de

    que, obviarnente, nem todos

    os

    americanos

    sao iguais, e que

    com

    alguns deles podemos construir projetos

    con

    juntos em

    coridicoes

    relativamente

    igualirdrias.

    Tenho

    0

    prazer de

    ter colegas

    norte-americanos que acreditam

    no

    debate

    franco

    com

    os

    pesquisadores

    baseados no Brasi l. Urn

    debate que tem pontos

    dolorosos

    tan

    to

    para

    eles

    como

    para

    nos. Por firn, e necessario reve

    lar

    que neste nurnero

    especial falta

    uma

    reflexao sobre a

    especffica

    contribuicao

    de

    uma

    serie de

    importantes

    pesquisadores baseados

    na

    Franca, que

    tern desenvolvido um

    olhar proprio com

    relacao as

    relacoes

    culturais entre

    Brasil e Afr ica e

    que, sobretudo durante

     

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    7/106

    Livio Sansone

    roda uma primeira fase, ate os anos

    60 ,

    rarnbern rem contribuido

    para

    a formacao do campo e

    para 0

    processo de

    culruralizacao do

    ser negro no Brasil.

    Trara-se, e claro, de

    um

    debate

    que

    precisa de

    continuidade

    e

    aprofundamento, e que

    embute

    a

    seguintes questoes-chave: como

    comparar sistemas de relacoes raciais

    em

    paises e siruacoes diferen

    tes?

    0

    que comparar? E por que

    comparar?

    E

    um

    debate

    que tam

    bern aponta para a

    necessidade

    de uma perspectiva

    comparativa

    menos

    centrada na

    polaridade, urn tanto quanto

    obsessiva, Bra

    sil-EUA.

    Este nurnero especial

    e

    0 primeiro de uma ser ie de doss ies e

    nurneros

    especiais

    que

    a

    E agora

    finalmente

    quadrirnestral,

    apresenrara no pr6ximo futuro.

    Aqui

    tentarnos recolher opinioes

    diferentes e ate divergentes, sem poder acolher rudo, mas

    fazendo

    urn esforco para

    tornar

    publico urn deba te que a te enrao , pelo me

    nos no Brasi l, tinha ficado nos bastidores.

    No

    debateque nossa revista apresenta ha atores, digamos as

    sirn, tradicionais e atores novos,

    sobretudo

    jovens intelecruais ne

    gros

    que

    cornbinarn,

    de

    forma original, ativismo

    com

    trajeroria

    acadernica e afirrnacao da pr6pria individualidade - eles t er n pro

    jetos de

    vida

    em que a negritude apresenta dirnensoes tantos cole

    tivas como individuais, que nao se encaixam facilmenre nem nas

    trajet6rias tradicionais da academia, nem naquelas do arivismo.

    Nosso

    dossie

    apresenra anigos

    de tres pesquisadores ameri

    canos:

     

    historiador John French,

     

    sociologo Edward Telles, e

     

    cientista

    politico Michael Hanchard.

    Nenhum

    deles e novo no de

    bat e e todos conhecem

    bern

    0 Brasil. French pesquisou durante

    muiro

    tempo

    0 movirnento sindical no ABC paulista; Telles vern

    produzindo

    muito sobre

    as

    desigualdades

    raciais

    baseando-se

    em

    originais

    interpretacoes dos numeros

    da co r no Brasil; e

    Han

    chard, autor

    de O rf eu e   Poder recem-publicado

    em

    porrugues

    pela Editora da UERJ

    como par te

    de urn

    projeto

    de rraducoes

    do

    Centro de

    Estudos

    Afro-Asiaricos com 0 apoio da Fundacao Ford,

    tern se engajado em debates vivazes com autores como Peter Fry,

    Luiza

    Bairros e os pr6prios Wacquant e Bourdieu. Entre os brasi

    leiros, conrarnos com 0 sociologo Sergio

    Costa,

    0

    antrop6Iogo jo

    celioTeles dos Santos e os

    doutorandos em Ciencias

    Sociais Ange

    la

    Figueiredo

    e

    Osmundo

    de Araujo Pinho.

    Quero

    enfatizar

    que

    al

    cancamos uma

    boa

    variedade, nao so

    mente em

    termos de

    discipli

    nas, como rarnbern em termos de origem erne-racial, sabendo

    que

    isto

    representa

    urn dado irnporrante no posicionarnenro dos

    auto-

    12

    Urn

    Campo

    Saturado de

    Tensoes

    ...

    res _ t re s

    negros,

    urn mesti

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    8/106

    Livio

    Sansone

    RAMOS, Arthur  1942).

    A Aculturacdo Negra no Brasil.

    Sao Paulo, Cornpanhia Edirora

    Nacional.

    SCHLESINGER, Philip 1987) .  On Narional Idenriry: Some Conceptions and Mis-

    conceptions Criricized .

    SocialSciences InfOrmation vol. 2,

    n

     

    26, pp. 219-264.

    TURNER. Lorenzo  1942) . Some Conracrs of Brazilian Ex-Slaves wirh Nigeria. Wesr

    Africa .  ourn l   Negro History vol. 27. n

    g

    I, pp. 55-67.

     

    Sobre as Artimanhas da Razao

    Imperialista

     

    Pierre

    Bourdieu

    e Lore

    Wacquant

    O

    imperialismo cultural repousa

    no

    poder

    de universalizar os

    particularismos

    associados a

    uma

    tradicao

    historica singu

    lar,

    tornando-os irrecorihectveis

    como

    tais. ' Assirn, do

    mesmo

    modo que,

    no seculo

    XIX, urn

    certo

    ruirnero de

    quest6es ditas

    filo

    soficas

    debatidas como

    universais,

    em toda

    a

    Europa

    e para alern

    dela,

    tinham sua

    origem,

    segundo

    foi

    muito bemdemonstrado por

    Fritz Ringer, nas

    particularidades

    (e nos conflitos) hist6ricas

    pro

    prias do universo

    singular

    dos professores universitarios alernaes

    (Ringer,

    1969),

    assim

    tambern,

    hoje

    em dia ,

    numerosos topicos

    oriundos diretamente

    de

    confrontos

    intelectuais associados apar

    ticularidade

    social da

    sociedade

    e das univers idades

    american

    as

    impuserarn-se, sob formas aparentemente

    desistoricizadas, ao pla

    neta

    inteiro.

    Esses lugares comuns no sentido aristotelico de

    nocoes

    ou de teses com asquais se

    argumenta,

    mas sabre asquais

    nao

    se ar

    gumenta ou, por out ras

    palavras, esses

    pressupostos da

    discussao

    que

    permanecem indiscutidos, devem uma

    parte de

    sua

    forca de

    coriviccao ao fato de

    que, circulando

    de coloquios

    universitarios

    para

    livros de sucesso, de revistas serni-eruditas

    para relatorios

    de

    especialistas, de

    balances

    de comiss6es para capas de magazines ,

    estao presentes

    por toda

    parte ao mesmo

    tempo,

    de Bedim a T

    0

    quia

    e de

    Milao

    ao

    Mexico,

    e sao

    sustentados

    e

    intermediados

    de

    uma

    forma poderosa pa r esses espa r s

    pretensamente neutros

    como

    sao as organismos

    internacionais

    (tais como a OCDE

    ou

    a

    Comissao Europeia)

    e os

    centros

    de

    estudos

    e assessoria

    para poll-

    • Agradecemosa Edirora

    Vozes

    por nos ret genrilmeme

    perrnitido

    a

    reproducaodestearrigo,

    originalmenrepublicado em E Bourdieu L Wacquanr,  Prefacio:Sabre asArtirnanhas Ja

    RazaoIrnperialisra , in   Bourdieu,  s ritos de Educaoio. Perropolis, Vozes,1998. Mudancas

    na forma foram necessarias para a adapracao do texto asnormas editoriais da revista Estudos

    Afro Asiaticos.

    Estudos Afro Asidticos

    Ana 24, n

    Q

    1,2002,

    pp. 15-33

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    9/106

    Pierre Bourdieu eLoreWacquant

    ticas publicas tal

    como

    0 Adam Smith Institute e a Fondation Sa

    int-Simon).2A neutraliza

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    10/106

    Pierre Bourdieu e LoreWacquanr

    tural,

    entre

    0  rnodernismo eo

      pos-modernismo que,

    baseada

    em uma

    releitura ecletica, sincretica e, na maioria das vezes, desis

    toricizada e bastante imprecisa de

    um pequeno

    nurnero de autores

    franceses e alernaes, esta em vias de se impor, em sua forma ameri-

    , • 6

    cana, aos propnos europeus.

    Seria necessario

    atribuir

    um lugar a

    parte

    e conferir

    um de

    senvolvimento

    mais

    importante

    ao debate

    que, atualmente, opoe

    os liberais aos

     defensores da

    comuriidade

    (outros tantos

    ter

    mos diretamente transcritos e nao traduzidos, do Ingles), ilustra

    exemplar

    do efeito

    de falso corte e de [alsa uniuersalizacdo que

    produz a passagem para a ordem do discurso

    com

    pretensoes £ -

    soficas:

    defin

    icoes fundadoras que marcam

    uma ruptura

    aparente

    com

    os particularismos hist6ricos que

    permanecem

    no

    segundo

    plano

    do pensamento

    do

    pensador

    situado e

    dat ado do pon to

    de

    vista hist6rico

    (por

    exemplo,

    como

    sera possivel nao

    verque, como

    ja foi sugerido muitas vezes, 0 carater dogrnatico da

    argumentacao

    de Rawls

    em

    favor da

    prioridade

    das

    liberdades

    de base se

    explica

    pel o f at o de que ele

    atribui tacitamente

    aos

    parceiros

    na posicao

    original um ideallatente que nao eoutro senao 0 seu, 0 de um pro

    fessor

    universitario americano, apegado

    a

    uma

    visao ideal da

    de

    mocracia americana?) (cf. Hart, 1975); pressupostos

    antropol6gi

    cos

    antropologicamente

    injustificaveis, mas

    dotados

    de

    toda

    a au

    toridade social da teo ria econornica neomarginalista

    a

    qual sao to

    mados de emprestirno,

    prerensao

    a

    deducao rigorosa

    que

    permite

    encadear formalmente

    corisequencias

    infalsificaveis sem se expor,

    em

    nenhum mornenro, a

    menor

    refutacao empirica; alternativas

    rituals, e irris6rias,

    entre

    atomistas-individualistas e holistas-co

    letivistas, e tao

    visivelmente absurdas

    na

    medida em

    que obrigam a

    inventar holistas-individualistas para

    enquadrar

    Humboldt, ou

     atornistas-coletivistas ; e

    tudo

    isso expresso

    em um extraordina

    rio jargiio em uma terrivellinguafranca

    internacional, que permi

    te incluir,

    sem

    leva-las

    em consideracao

    de forma

    consciente, todas

    as particularidades e os particularismos associados as

    tradicoes

    fi -

    losoficas epoliticas nacionais (sendo que

    alguern

    pode

    escrever

    li-

    berty

    entre

    parenteses

    ap6s

    a

    palavra

    liberdade, mas aceitar sem

    problema determinados

    barbarismos conceituais

    como

    a oposicao

    entre 0  procedural e 0  substancial ). Esse debate e as

     teorias

    que ele op6e, e

    entre

    as quais seria imitil tentar introduzir

    uma

    op

    polltica, devem, sem

    duvida,

    uma parte

    de

    seu

    sucesso

    entre

    os

    fil6sofos, principalmente conservadores (e, em especia l, cat6li

    cos ), ao fa to de que

    tendem

    a reduzir a

    polftica

    a

    moral:

    0 imenso

    discurso sabiamente neutral izado e

    politicamente

    desrealizado

    18

     

    t

     

    Sobre asArtimanhasda Razao Imperialisra

    que

    ele suscita veio tomar

    0

    lugar da grande tradicao alerna da

      ntropologiafilosofica palavra

    nobre

    e

    falsamente profunda

    de de-

    negariio

     Verneinung

    que, durante muito

    tempo, serve de antepa

    ro e obstaculo -

    po r

    toda

    parte em

    que a filosofia (alerna) podia

    afirrnar

    sua dorninacao - a

    qualquer

    analise

    cientifica

    do

    mundo

    social. 8

    Em um campo mais

    pr6ximo

    das realidades politicas,

    um

    debate como 0

    da raca e da

    identidade

    da

    lugar

    a

    semelhantes in

    trusties

    etnocentricas,

    Uma

    representacao hist6rica,

    surgida do

    fato de

    que

    a tradicao americana calca, de maneira arbitraria, a di

    cotomia entre

    brancos e

    negros em uma realidade infinitamente

    mais complexa,

    pode

    a te mesmo se

    impor em

    paises em

    que

    os

    prindpios de visao e divisao, codificados ou praticos, das diferen

    etnicas sao completamente diferentes e em que, como 0 Brasil,

    ainda eram

    considerados, recentemente,

    como

    contra-exernplos

    do  modele americano .9A maior parte das pesquisas recentes so

    bre a desigualdade etno-racial no Brasil, empreendidas po r ameri

    canos e larino-arnerican os formados nos Estados Unidos, esfor

    carn-se em provar que,

    contrariamente a

    imagem que os brasileiros

    tern de sua nacao, 0 pais das tres tristes racas (indigenas, negros

    descendentes

    dos

    escravos, brancos

    oriundos

    da

    colonizacao

    e das

    vagas de

    imigracao europeias)

    nao e menos   racista do que os ou

    tros; alern disso, sobre esse

    capitulo,

    os brasileiros  brancos nada

    tern a

    invejar

    em relacao aos

    primos

    norte-arnericanos.

    Ainda

    pior,

    o racismo mascarado  

    brasileira

    seria,

    por

    definicao, mais perverso,

    ja que dissimulado e negado.

     

    que pretende,

    em

    Orpheus and

    Power (1994),10

    0

    cientista politico afro-americano Michael Han

    chard: ao aplicar as categorias raciais norte-americanas

    a

    situacao

    brasileira,o autor

    erige a

    hist6ria

    particular do

    Movimento em

    fa

    vordos

    Direitos

    Civis comopadrao

    universal da luta dos grupos de

    cor oprimidos.

    Em vez de considerar a constituicao da ordem et

    no-racial

    brasileira

    em

    sua

    16gica

    pr6pria,

    essas pesquisas

    coriten

    tarn-se,

    na maio ria das vezes,

    em substituir,

    na sua totalidade,

    0

    mito

    nacional da  democracia racial (tal

    como e

    rnencionada,

    por

    exemplo, na

    obra

    de

    Gilberto

    Freyre, 1978), pelo

    mito

    segundo

    0

    qual todas as

    sociedades

    sao racis tas , inclusive aquelas no seio

    das quais parece que,

    a

    primeira

    vista, as relacoes sociais sao me

    nos distantes e hostis, De uterisilio analitico, 0 conceito de racis

    mo

    torna-se

    um simples instrumento

    de acusacao;

    sob pretexto

    de

    ciencia, acaba por se consolidar a 16gica do processo (garantindo 0

    suces so de l ivrari a, na fal ta de um sucesso de estirna).

    11

    19

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    11/106

    Pierre Bourdieu e LOIeWacquant

    Em urn artigo classico, publicado ha trinta anos, 0 antrop6

    logo Charles Wagleymostrava que a conceps:ao da raca nas Ame

    ricas admire varias definis:oes, segundo 0 peso atribuido a ascen

    dencin, aaparencia ffsica (que nao se

    limita

    acor da pele) eao

    status

    sociocultural (profissao, montante da

    renda, diplomas,

    regiao de

    origem, etc.), em funs:ao da hist6ria das relas:oese dos conflitos en

    tre grupos nas diversas zonas (Wagley, 1965).   norte-ame

    ricanos sao os unicos a definir  raca apartirsomente da ascenden

    cia e, exclusivamente, em relas:ao aos afro-americanos: em Chica

    go, Los Angeles ou

    Atlanta

    a pessoa e negra nao pe a

    cor

    da pe e,

    mas pelo fato de te r urn

    ou

    varios parentes identificados

    como

    ne

    gros, isto e, no terrno da regressao, como escravos.   Estados Uni

    dos constituem a unica sociedade moderna a apl ic ar a

    one drop

    rulee

    0 princlpio de   hipodescendencia , segundo 0 qual os filhos

    de

    uma

    uniao mista sao, automaticamente,

    situados

    no grupo in

    ferior (aqui, os negros). No Brasil, a identidade racial define-se

    pe a referencia a urn

     ont nuum

    de cor , isto e, pe a aplicas:ao de

    urn princlpio flexivel ou impreciso que, levando em consideras:ao

    tracos ffsicos como a textura dos cabe os, a forma dos labios e do

    nariz e a posis:ao de c1asse(principal

    mente,

    a renda e a educas:ao),

    engendram

    urn

    grande

    rnirnero de categorias

    intermediarias

    (rnais

    de uma centena foram repertoriadas no censo de 1980) e nao irn

    plicam ostracizas:ao radical

    nem

    estigmatizariiosern remedio.

    Dao

    testemunho dessa siruacao, po r exemplo, os indices de segregas:ao

    exibidos pe as cidades brasileiras,

    nitidamente

    inferiores aos das

    metr6poles norte-americanas, bern Como a ausencia virtual dessas

    duas formas tipicamente norte-americanas de vio lencia rac ia l

    como sao 0 linchamento e a motim urbano (Telles, 1995; Reid,

    1992). Pelo

    contrario,

    nos

    Estados

    Unidos nao existe

    categoria

    que, social e legalmente, seja reconhecida como  mestis:o (Davis,

    1991;

    Williamson, 1980).

      i ternos a ver com uma divisao que se

    assemelha mais

    a

    das

    casta definitivamente definidas e delimitadas

    (como prova, a taxa

    excepcionalmente

    baixa de

    intercasamentos:

    menos de

    2%

    das afro-americanas contraem

    unifies

     mistas , em

    contraposis:ao

    a

    metade,

    aproximadamente,

    das

    mulheres

    de

    ori

    gem hispanizante e asiatica que 0 fazem) que se tenta dissimular,

    submergindo_

    a

    pela globalizas:ao no universo das visoes diferen

    ciantes.

    Como explicar que sejam assim e evadas, tacitamente, apo

    sis:ao de padrao universal em relas:ao ao qual deve ser analisada e

    avaliada toda situas:ao de dominas:ao etnica,

    12

    determinadas  reori

    as das relas:oesraciais que sao

    transfiguraroes conceitualizadas

    e,

    2

    Sobre

    asArtimanhas

    da Razao Imperialista

    incessantemente, renovadas pe as necessidades da atualizacao, de

    estere6tipos raciais de uso comum que , em si mesmos, nao passam

    de justificacoes prirnarias da dorninacao dos brancos sobre os ne

    gros?

    a fato de que , no decorrer dos ult irnos anos, a sociodice ia

    racial (ou racista) tenha

    conseguido

    se rn

    undializar ,

    perdendo

    ao mesmo

    tempo

    suas caracterfsticas de discurso justificador para

    uso interne ou local, e,

    sem

    duvida, urna das confirrnacoes mais

    exemplares do

    imperio

    e da

    influencia

    sirnbolicos

    que

    os Estados

    Unidos exercem sobre toda especie de producao erudita e, sobre

    tudo,

    semi-erudita, em particular, atraves do

    poder

    de consagra

    s:aoque esse pais detern e dos beneffcios materiais e simb6licos que

    a adesao mais ou menos assumida

    ou

    vergonhosa ao mode o nor

    te-americano proporciona aos pesquisadores dos paises domina

    dos.

    Com

    efeito, e possivel dizer, com

    Thomas

    Bender, que os pro

    dutos da pesquisa americana adquiriram  urna estatura interna

    cional e urn poder de atracao cornparaveis aos   do

    cinema,

    da r -

    sica popular, dos programas de informatica e do basquetebol arne

    ricanos (Bender, 1997).14A violencia simb6lica

    nunca

    se exerce,

    de fato, sem uma forma de cumplicidade (extorquida) daqueles

    que a

    sofrem

    e a globalizacao dos temas da

    doxa

    social

    americana

    ou

    de

    sua

    transcricao, mais

    ou menos sublimada,

    no discurso se

    mi-erudiro nao seria possivel sem a colaboracao, consciente

    ou

    in

    consciente, direta

    ou

    indiretamente interessada, nao sode todos os

     passadores e importadores de produtos culturais com grife ou

    degriffis

    (editores, diretores de insrituicoes culturais, museus, ope

    ras, galerias de arte, revistas etc.)

    que,

    no pr6prio pais ou nos paf

    ses-alvo, propoern e propagam, muitas vezes

    com toda

    a boa-fe, os

    produtos

    culturais americanos, mas tambern de todas as instancias

    culturais americanas que, sem estarem explicitamente coordena

    das, acompanham, orquestram e, ate

    po r

    vezes, organizam

    0

    pro

    cesso de conversao coletiva   nova Meca

    sirnbolica.

    Mas todos esses mecanismos que tern como efeito favorecer

    uma verdadeira

     globalizacao das

    problernaticas americanas,

    dando, assirn, razao, em urn aspecto, a

    crenca

    arnericanocentrica

    na globalizacao entendida, simplesmente, como

    americanizacdo

    do mundo ocidental e,aos poucos, de todo

    0

    universo, nao sao su

    ficientes para explicar a tendencia do

    ponto

    de vista americano,

    erudito ou semi-erudite, sobre 0

    mundo,

    para se

    impor

    como

    pon

    to de vista universal , sobretudo quando se trata de questoes tais

    como a da raca em que a particularidade da situacao americana e

    particularmente

    f lagrante e esta

    particularmente

    longe de ser

    exemplar. Poder-se-ia ainda invocar, evidentemente, 0 pape mo-

    2

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    12/106

    PierreBourdieue LoreWacquant

    to r

    que desempenham

    as

    gran

    des fundacoes americanas de filan

    tropia

    e pesquisa na difusao da

    doxa

    racial

    norte-americana

    no seio

    do campo universitario brasileiro, tanto no

    plano

    das

    representa

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    13/106

    Pierre

    Bourdieu

    e Lore

    Wacquant

    Pode-se-ia fazer a

    mesma

    demonstras:ao a proposiro da difu

    sao internacional do

    verdadeiro-falso

    conceito de underclassque,

    por

    urn efeito de allodoxia

    transcontinental,

    foi

    importado pelos

    sociologos do velho continente desejosos de conseguirem uma se

    gunda juventude inte ectual surfando na

    orida

    da popularidade

    dos

    conceitos made in USA.

    I Para

    avancar dpido,

    os

    pesquisado

    res europeus ouvem falar de classe e acreditam fazer referencia a

    uma nova pos icao na

    estrutura

    do espaco social

    urbano

    quando

    seus colegas

    americanos ouvern

    falar de

     under pensarn

    em uma

    cambada de

    pobres perigosos

    e irnorais,

    tudo

    isso sob

    uma optica

    deliberadamente

    vitoriana

    e

    racist6ide. No

    en

    tanto,

    Paul

    Peter

    son,

    professor de ciencia politica

    em Harvard

    e diretor do

      Comite

    de pesquisas

    sobre underclass urbana

    do Social

    Science Research

    Council ( tambem

    financiado

    pelas Funda

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    14/106

    Pierre Bourdieue Lo icWacquant

    mento generalizado

    das

    sociedades capitalistas

    (Myrdal , 1963) .

    Ve-se como 0 desvio pela Arnerica pode trans formar uma ideia: de

    urn conceito estruturalque visava colocar em questao a representa

      ao

    dominante surgiu

    uma

    categoria

    behaviorista recortada sob

    medida

    para reforca-la, imputando aos

    comportamentos an

    ti-socais dos rnais

    desmun

    idos a responsabilidade po r sua despos

    sessao.

    Esses

    mal-enterididos

    devern-se,

    em

    parte,

    ao f ato de

    que

    os

     pass adores transatlanticos dos

    diversos campos

    intelectuais irn

    portadores, que produzem, reproduzem e fazem circular

    todos

    es

    ses (falsos) problemas,

    retirando

    de passagt:m sua

    pequena parte

    de

    beneficio material ou sirnbolico, estao expostos, pelo faro de

    sua

    posicao e de seu s habitus eruditos e politicos, a uma dupla hetero

    nomia.

    Por urn lado,

    olham em

    direcao

    da

    America, suposto   -

    cleo da (poslmodernidade soc ia l e cientlfica, mas eles proprios

    sao

    dependentes

    dos

    pesquisadores

    americanos

    que exportam

    para

    o exterior

    determinados produtos

    intelectuais (rnuitas vezes, nem

    tao frescos) ja que, em geral, nao tern conhecimento

    direto

    e espe

    cifico

    das

    instituicoes e da

    cultura

    americanas.

    Por outro lado,

    in

    clinam-se para

    0

    jornalismo, para

    as

    seducoes

    que

    ele

    prop6e

    e os

    sucessos irnediatos que

    proporciona,

    e, ao mesmo tempo, para os

    temas que afloram na

    intersecao dos campos rnidiatico

    e politico,

    portan to,

    no

    ponto de rendimento

    maximo

    sobre 0 mercado

    exte

    r ior (como seria mostrado por urn recenseamento das resenhas

    complacentes

    que seus

    trabalhos

    recebem nas revistas em yoga).

    Oaf,

    sua

    predilecao po r problernaticas

    soft nem

    verdadeiramente

    jornalisticas (estao guarnecidas com conceitos), nem cornpleta

    mente

    eruditas

    (orgulham-se por estarem em simbiose com

     

    ponto

    de v is ta dos atores )

    q ue na o

    pass am da

    retraducao

    se

    mi-erudita dos problemas sociais do momenta em urn idioma

    im

    portado dos Estados Unidos

    (etnicidade,

    identidade, minorias,

    comunidade, fragrnentacao, e tc .) e que se sucedem segundo uma

    ordem

    e

    ritmo ditados pela mldia: juventude dos suburbios, xeno

    fobia

    da

    classe

    operaria em

    declinio,

    desajustamento dos estudan

    tes secundaristas e universitarios, violencias urbanas, etc. Esses so

    ciologos-jornalistas,

    sempre

    prontos a comentar os  fates de socie

    dade , em uma linguagem, ao mesmo tempo, acessfvel e   rnoder

    nista , portanto, rnuitas vezes,

    percebida

    como

    vagamente pro

    gressista

    em

    referencia aos  arcaismos

    do

    velho pensamen to euro

    peu), contribuem, de maneira particularmente paradoxal, para a

    irnposicao

    de

    uma

    visao do mundo

    que esta

    longe de ser incornpa

    tfvel,

    apesar das aparencias, com as

    que

    produzem e veiculam os

    26

    SobreasA rtimanhas da Razao Imperialisra

    grandes

    t nk tanks

    internacionais, mais ou menos diretarnente

    plugados as esferas

    do poder

    econ6mico e politico.

    Quanto aos que, nos Estados Unidos, estao comprometidos,

    muitas vezes sem seu

    conhecimento,

    nessa imensa operacao inter

    nacional de import export cultural, eles ocupam, em sua maior ia ,

    uma posicao dominada no

    campo

    do poder americano, e ate rnes

    rno, muitas vezes,

    no

    campo intelectual. Do mesmo

    modo

    que os

    produtores

    da

    grande industria culturalamericana como

    0

    jazz

    ou

    0

    rap, ou as modas de

    vestuario

    e alirnentares mais comuns, como 0

    jeans,

    devem

    uma parte da seducao quase universal que exercem so

    bre a juventude ao fato de que sao produzidas e utilizadas por rnino

    rias dominadas (Fantasia, 1994), assim tambern os

    topicos

    da nova

    vulgata

    mundial

    t i ram, sem duvida,

    uma

    boa parte de sua eficacia

    sirnbolica do faro de que, utilizados por especialistas de disciplinas

    percebidas

    como marginais e subversivas, tais como os culturalstu-

    dies os minori ty studies os gay studies ou os women studies eles assu

    rnem,

    por

    exernplo, aos olhos dos escritores das antigas col6nias eu

    ropeias, a

    aparencia

    de mensagens de libertacao. Com efeito, 0 im

    perialismo cultural (americano ou outro) ha de se impor sempre

    melhor

    quando

    e servido

    por

    intelectuais progressistas

    (ou

     de cor ,

    no caso da

    desigualdade

    racial), pouco suspeitos, aparenternenre, de

    promover os interesses hegemonicos de urn pais contra 0 qual esgri

    mem com a arma da critica social. Assim, os diversos artigos que

    comp6em 0 rnirnero de verao de 1996 da revista Dissent

    6rgao

    da

      velha esquerda dernocratica de Nova York,

    consagrado

    as  Mino

    rias em lura no

    planeta:

    direitos, esperan

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    15/106

    PierreBourdieue LOlcWacquanr

    para fazer aparecer como universal uma problernatica feita po r e

    para americanos.

    Chega-se, assim, a urn duplo paradoxo. Na lura pelo mono

    polio

    da

    producao

    da visao do mundo social universalmente

    reco

    nhecida como universal, na qual os Estados Unidos ocupam atual

    mente uma

    posicao em inenre, inclusive dominante, esse pais ere

    alrnenre excepcional, mas seu excepcionalism., nao se

    situa

    exara

    mente on

    de a sociologia e a

    ciencia

    social nacionais

    estao

    de

    acor

    do

    em

    situa-lo,

    isro e, na

    fluidez

    de

    uma ordem

    social

    que

    oferece

    oportunidades

    extraordinarias

     principalmente, em

    com paracao

    com as

    estruturas

    sociais rigidas do

    velho continente)

    a

    mobilida

    de: os estudos comparativos mais rigorosos estao de

    acordo

    em

    concluir que, neste aspecto, os Estados

    Unidos

    nao diferem

    funda

    mentalmente das outras nacoes industrializadas quando, afinal, 0

    leque das desigualdades e af nitidamente mais aberto. Seos Esta

    dos Unidos sao realmente excepcionais, segundo a velha tematica

    tocquevilliana, incansavelmente retornada e periodicamente rea

    tualizada, e ~ n t e s de tudo pelo

    dualismo

    rlgido das divisoes da or

    dem social. E ainda mais po r suacapacidade

    para

    imporcomo uni

    versal

    0 que

    t ern de mais particular, ao

    mesmo

    tempo em que fa

    zern

    passar

    po r excepcional 0 que

    tern de

    mais comum.

    Se e verdade que a desistoricizas:ao que resulta quase inevita

    velmenre da

    migras:ao das ideias atraves das

    fronteiras

    nacionais e

    urn dos fatores de des reali zas: ao e de falsa

    universalizacne  por

    exemplo, com

    os falsos arnigos

    teoricos), ent ao somen te uma

    verdadeira historia da genese das ideias sobre 0 mundo social, asso

    ciada a

    uma

    analise dos mecanismos sociais da circulacao

    interna

    cional dessas ideias,

    poderia cond

    uzir os

    erudi

    tos, tan to nesse

    campo quanto alhures, a urn coritrole mais aperfeis:oado dos ins

    trumenros com os quais argumentam sern ficarem

    inquietos,

    de

    antemao, em argumentar a proposiro dos mesrnos.:

    NOTAS

    I. Paraevitar qualquer mal-emendido - eafasrar a acusacao de amiamericanismo _e

    preferlvel afirrnar, desalda, que nada emais universal do que a prerensao ao universal

    ou, mais precisarnenre, a

    u n i v e r s a l i z a ~ a o

    de uma visao part icular do

    mundo;

    alem

    disso, a d e m o n s n a ~ a o

    e s b o ~ a d a

    aqui sera valida, mutatis mutandis para

    ounos

    cam

    pos e palses principalmeme, a F r a n ~ a cf. Bourdieu, 1992).

    2. Entreos livrosque dao resremunhodessa m a c d o n a l d i z a ~ a o rampante do pensamen

    ro, pode-se cirar a jeremiadae1irisrade A. Bloom I 987), traduzida imediatamenre

    para 0 frances, pela ediroraJulliard,com 0

    drulo L A m ~   h ~ r m ~

     1987)

    eo

    panflero

    28

    Sobreas Arrimanhasda Razao Imperialista

    enraivecido do imigrante indiano neoconservador e bi6grafo de Reagan), membro

    do

    Manhatran

    Insri tute, D. DiSouza I 991), t raduzidopara 0 frances com 0 ti tulo

    L Education contre lesLibertes  1993). Um dos melhores indlcios para identificaras

    obras que parriciparn desra nova doxa inrelecrual com pretensao planetariae a celeri-

    dad«;

    absolutarnenre inabitual, com a qual sao naduzidas e publicadas no exterior

    sobretudo, em cornparacao com asobras cienrlficas). Para urna visao nariva decon

    junto

    dossucessos e fracassos dos professores universirariosamericanos, atualrnente,

    ve r 0 recen te nurne ro de Daedalus consagrado a  Th e American Academic Pro

    fession I997), principalmente B. Clark, Small Worlds, Different Worlds: The

    Uniqueness and Troubles of American Academic Professions pp. 21-42), e P.

    Altbach, An

    International

    Academic Crisis?

    The

    American Professoriate in Com

    parative Perpspective pp,

    315-338).

    3 . Parauma ana li sede

    conjunro

    dessasquestoes que, com jusreza, coloca em evidencia

    sua ancoragem e recorrencias hist6ricas, ver Lacorne  I997).

    4. Sobre 0 imperarivo de reconhecimenrocuIrural, ver Taylor 1994) eos rexroscoleta

    dos eapresentados por T.Goldberg I 994); sobre osentravesasesrraregias de perpe

    tuacao da classe media nos Esrados Unidos, cf. Wacquant I996a); 0 profundo

    rnal-estar da dassemedia americana e bem descrito em Newman I993).

    5. Sobre a rnundializacao como projero arnericano , cf. Fligsrein 1997); sobre 0 fas

    dnio arnbivalentepelaAmericano perlodo ap6s aguerra, ver Boltanski 1981) e Ku

    isel I 993).

    6. Nao se

    nata

    do i inico casoem que, por um paradoxa que manifestaum dos efe itos

    mais tlpicos da dorninacao sirnbolica, um cerro mimero de t6picos que os Esrados

    Unidos exponam e impoern em rodo 0 universo, a cornecar pela Europa, foram to

    rnados de ernpresrirno a esses mesmos que os recebem comoas formas mais avanca

    das da reoria,

    7. Para uma bibliografiado imensodebate, verPhilosophy

    6-

    Social Criticism vol . 14, n

    g

    3-4, 1988, nurnero

    especial-

    Universalism vs, Comrnunitarianism: Contemporary

    Debates in Ethics.

    8. Desse ponro de vista, aviltadarnenle sociol6gico, 0 dialogo entre Rawls e Haberrnas

    - a respeiro dos quais nao e exageradoafirrnar que, em relacao a rradicao filos6fica,

    sao bastante equivalences - e alrarnenre significa tivo cf., por exemplo, Haber

    mas,I995).

    9. Segundo 0 esrudoclassico deCarl Degler, NeitherBlack Nor   iu  I 995), publica

    do pela primeira vez em 1974.

    10. Um poderoso anrfdoro ao veneno etnocentrico sobre esserema encontra-se na

    obra

    de

    Anrhony

    Marx

     I998),

    que demonstra que as divisoes raciais sao estreitarnente

    tributariasda hisr6ria poll rica e ideol6gicado pals corisiderado, sendo que cada Esra

    do fabrics, de alguma forma, a concepcao de raca que Ihe convern.

    II . Quando sera publicado um livro inrirulado   Brasil Racisra segundo 0 modelo da

    obracom 0 drulo cientificamenreinqualific:ivel, La FranceRacisre , de um soci610

    go frances mais arento as expecrarivas do campojornallsrico do que ascomplexida

    des da realidade?

    12. Esseesraruro de padrao universal, de meridiano de Greenwich em

    r e l a ~ a o

    ao qual

    sao avaliados os   v ~ o s e osatrasos, os arcalsmos e os modernismos a vanguar-

    29

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    16/106

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    17/106

    PierreBourdieue LoreWacquant

    DAVIS,   J. (1991). WhoisBlack?One Nation s Rule. University Park, Pennsylvania Sta

    te Press.

    DEGLER, Carl (1995 [1974]).

    Neither Black Nor While: Slavery

    and

    Race Relations in

    Brazil and the UnitedStates.

    Madison, University of Wisconsin Press.

    DISSENT   996). Embattled Minorities around the Globe: Rights, Hopes, Threat ,

    verso.

    ERICKSON, R.

      GOLDTHORPE,

    J. (1992). The ConstantFlux: A Study ofMobility

    in IndustrialSocieties.Oxford,

    Clarendon

    Press.

    FANTASIA, R. (1994). Everything and Nothing: The Meaning of Fast-Food and

    OtherAmerican Cultural Goods in France . The

    Tocqueuille

    Review vol , 15, n

    2

    7,

    pp. 57-88.

    FISCHER,

    C. et alii   996). Inequality by Desing: Cracking theBellCurve Myth. Prince

    ton, Princeton University Press.

    FREYRE, Gilberte (1978).

    Maftres et Esclaues

    Paris, Gallimard.

    GOLDBERG, T.

    (ed.) (1994). Multiculturalism: A CriticalReader. Cambridge, Black

    well.

    GUILBAUT, Serge (I 983).

    How New YorkStolethe Idea

    of

    Modern Art: Abstract Impressi

    onism Freedom and the Cold

    w r Chicago, The University of Chicago Press.

    HABERMAS,J. (1995). Reconciliation through the Public Use of Reason: Remarks on

    Political Liberalism .

    journal

    of

    Philosophy

    n

    2

    3, pp. 109-131.

    HANCHARD, Michael (1994).

    Orpheus

    and

    Power:The Mouimento Negro ofRio de ja-

    neiro and SaoPaulo

    1945-1988.

    Princeton, Princeton University Press.

    HART, H. L.A.(1975). Rawls on Liberty and its Priority . In N. Daniels(ed.),

    Reading

    Rawls.

    Nova York, Basic Books, pp. 238-259.

    HERPIN, N. (1993).  L'Underclass dans la Sociologie Arnericaine: Exclusion Sociale e

    Pauvrere , RevueFrancaisede Sociologie vol .34, n

    2

    4, julho-setembro, pp.

    421-439.

    HOCHSCHILD, J. (1996). Facing Up to theAmericanDream: Race Class

    and

    the Soul

    of

    Nation.

    Princeton, Princeton University Press.

    HOLLINGER, D. A. (1995). Postetbnic America. Nova York, Basic Books.

    JENCKS, C.   PETERSON, P (eds.) (1991).

    The Urban Underclass.

    Washington, Bro

    okings Institution.

    KATZ, M. (1997).

    In theShadow

    of

    the Poorhouse:A History

    of

    Welfarein America.

    Nova

    York, Basic Books (nova e d i ~ a o

    LACORNE, D. (1997).

    La Crisede l JdentiteAmericaine. Du Melting-Pot au Multicultu

    ralisme. Paris, Fayard.

    MARX, Anthony (1998).

    Makinq

    Race

    and

    Nation: A Comparison of the

    United

    States.

    South Africa and Brazil. Cambridge, Cambridge University Press.

    MASSEY,D.   DENTON, N. (1996 [1993]) .

    American

    Apartheid Paris, Descartes er

    Cie.

    McKEE, James (1993).

    Sociology

    and

    the RaceProblem:The Failure of aPerspective.

    Urba

    na and Chicago, University of Illinois Press.

    MINGIONE, E. (1996). Urban Poverty and the Underclass: A Reader. Oxford, Basil

    Backwell.

    MYRDAL, G. (1963).

    Challenge to Affluence.

    Nova York, Pantheon.

    NEWMAN,

    K.

    (1993).

    Declining Fortunes.

    Nova York, Basic Books.

    32

    SabreasArtimanhas da Razso Imperialista

    PROCACCI, G. (1993).

    Gouuernerla Misere:La Question Socialeen France

    1789 1848

    Paris, Editions IeSeuil.

    REID, G.A.(I 992). Blacks and Whitesin SaoPaulo

    1888-1988.

    Madison, Universityof

    Wisconsin Press.

    RINGER,

      (1969). The Decline of Mandarins. Cambridge,

    Cambridge

    University

    Press.

    RODANT, T. (1992) AnEmerging Ethnic Underclass inthe Netherlands?Some Ernpi

    tical Evidence . New

    Community

    vo l. 19 , n

    2

    1, outubro, pp. 129-141.

    ROSS, D. (I991).

    The Origins ofAmerican Social Science.

    Cambridge,

    Cambridge

    Uni

    versity Press.

    SPENCER,

    J. M. (1997). The New Colored

    People

    The Mixed RaceMovement inAmeri

    ca. Nova York, New YorkUniversity Press.

    TAYLOR, C. (I994). Multiculturalism: Examining the PoliticsofRecognition. Princeton,

    Princeton University Press.

    TELLES, E.E (I995). Race, Class, and Space in Brazilian Cities .

    International journal

    of Urban

    and

    Regional Research vol. 19, n

    2

    3, setembro, pp.

    395-406.

    WACQUANT,

    Lore

     

    996a). La Generalisation del Insecurite Salariale en Amerique:

    Restructurations d Enterprises et Crise de Reproduction Sociale ,

    Actesde laRecher

    cheen Sciences Sociales n

    g

    115, dezembro, pp.

    65-79.

    _

      996b).  L'Underclass Urbaine dans l Imaginaire Socialet ScientifiqueArnericain .

    InS. Paugam (ed.), L Exclusion: l Etatdes Sacoirs. Paris, Editionsla Decouverte, pp.

    248-262.

    _ (19 92 ). P ou r e n F ini r a vec Ie Mythe des Cites-ghettos : Les Differences entre la

    France et les Etats-Unis . Annales de la Recherche Urbaine n

    g

    52, se tembro, pp.

    20-30.

    WAGLEY, C. (1965).

     On

    the Concept ofSocia l Racein the Americas . In D. B.Heath

    e R . N. Adams (eds.),

    Contemporary Cultures

    and

    Societiesin

    Latin

    America.

    Nova

    York,

    Random

    House, pp.

    531-545.

    WASTERGAARD,

    John

    (1992). About and Beyond the Underclass: Some Notes on

    the Influence of the Social

    Climate

    on British Sociology Today . Sociology vol. 26,

    n

    g

    4, julho-setembro, pp. 575-587.

    WATERS, M. (I990).

    Ethnic Options.

    Berkeley, University of California Press.

    WHELM, C. T. (1996). Marginalization, Deprivation,and Fatalism inthe Republicof

    Ireland: Class and Underclass Perspectives .

    European Sociological Review

    vol . 12,

    n

    g

    I , maio, pp.

    33-51.

    WILLIAMSON,

    J. (I980). The New People:Miscegenation

    and

    Mulattoes in the United

    States. Nova York, New York University Press.

    WINANT, H. (1995).

    Racial Conditions.

    Minneapolis, University ofMinnesota Press.

    _ (I 9 94 ). Racial Formation and Hegemony: Global and Local Developments . InA.

    Rattansi eS. Westwood(eds.),

    Racism Identity

    Etbnicity: Oxford, BasilBlackwell.

    WRIGHT, Erik O. (1997).

    Class Counts: Comparative Studies in ClassInequality.

    Cam

    bridge, Cambridge Universi ty Press/Edit ions de la Maison des Sci ence s de

    I Homme.

    33

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    18/106

    A

    Construcao

    Sociol gica da

      as ano Brasil

    Sergio Costa

      sumo

    Partindo da constatacao de que as adscricoes raciais no Brasil im

    plicam

    desigualdades sociais que podem ser reunidas de sor te a

    definir

    dois grupos populacionais polares brancos e nao brancos alguns estu

    dos raciais ado tam 0 conceito nao biol6gico de raca como categoria so

    ciol6gicae

    polltica

    ampla.

    Valida

    e

    mesmo

    imprescindfvel no ambito do

    estudo das desigualdades raciais a categoria raca quando transformada

    em instrumento geral de analise e

    desiderato normativo

    leva a umacom

    preensao incornpleta

    da

    formacao nacional

    brasileira a

    uma

    visao obje

    tivisra das relacoes sociais e  

    reducao

    das

    identidades

    sociais a sua di

    mensae politico-instrumental.

    Palavras-chave: desigualdades raciais identidade cultural reconheci

    mento

    social no Brasil

     stu os Afro Asidticos Ano 24 n

    Q

    1 2002 pp. 35-61

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    19/106

    Sergio Costa

    Abstract

    The Sociological Construction

     

    Racein razil

    Establishing positively that race records in Brazillead up to social

    inequalities that might permit a definition of two basic population

    groups- whitesand non-whites- , some racialstudies adopt the concept

    (non-biological) of race as a general sociological

    and

    political category.

    The race category,although essential for the studies

    of

    race inequalities,

    when transformed in a general instrument of analysis and normative

    desideratum, leads to an incomplete comprehension of the Brazilian

    national formation, roan objectivist vision of the racerelations and to a

    reduction of

    the social

    identities

    to its

    political-instrumental

    dimension.

    Keywords: race inequalities, cultural identity, social acknowledgement

    in Brazil, race categories.

    Resume

    La Construction Sociologique du Concept de Race au resil

    Apres

    avoir constate que les

    fac;:ons

    dont

    la not ion de race a ete

    construite au Bresil impliquent des inegalites sociales qui peuvent etre

    assembleesde sorte

    a

    definir deux grands groupes de populations, Blancs

    et non-Blancs, quelques etudes sur les races ont adopte Ieconcept (non

    pas sous I aspect biologique) de race comme large categorie sociale et

    poli tique. Bien qu ut ile, voire incontournable, en ce qui concerne

    I

    etude des inegalites raciales, la caregorie race - lorqu elle est prise en

    rant qu instrument

    general d analysevoue

    a

    dieter des normes - rnene

    a

    unecomprehension incomplete de la formation nationale bresilienne,

    a

    unevision objectiviste des rappons sociaux ainsi qu a une reduction des

    identires socialesaleur dimension politique et insrrurnentale,

    Mots-cle:

    inegalites raciales, identite culturelle, reconnaissance sociale

    au Bresil

    36

    o

    primeiro atomoralconsiste emnao sobrepor a

    dupladobeme domal

    a

    duplado eu e do

     Dutro .

      Tzevan

    Todoro

    v).

    T

    anto

    pelos

    bons qua

    nco pelos

    maus motivos

    a

    formacao

    na

    cional

    brasileira desde

    muito interessou

    pesquisadores e

    ideologos

    para

    alern das fronteiras nacionais A

    mitologia

    da brasi

    lidade

    mestica.

    integradora

    de

    todas

    as

    etnias

    e ponto de equilfbrio

    das diferenc;:as

    culturais, canonizada

    por Gilberto Freyre em

      s

    Grande

     

    Senzala constituiu,

    em

    muitos momentos

    da

    historia

    recente, a

    imagem

    conrrastiva,

    ora latente, ora inrrigante,

    dos dis

    cursos

    identirarios

    em nac;:6es que,

    sob codos os

    demais

    aspectos,

    pareciam,

    a seus

    proprios membros, muito melhores que

    0

    Brasil.

    Assim, no

    ambito do

     Projeto

    Unesco , conforme

    se

    Ie

    na recons

    trucao

    esc1arecedora de

    Maio  2000),

    as

    Nacoes Unidas buscavam

    estudar

    e

    apresentar

    ao

    mundo

    aquilo

    que

    se

    considerava

    uma

    ex

    periencia

     singular

    e bem-sucedida de acomodacyao de diferencyas

    raciais e etnicas.

    Anos

    antes,

    por

    razoes

    opostas,

    0 modelo

    brasilei

    ro havia

    interessado

    aos pesquisadores racia is do Terceiro

    Reich

    (Krieger,

    1940).

    Trata-se, nesse

    ambito,

    da condenacyao

    enfatica

    e

    veemente do

    festejamento politico

    da  mistura racial e da snfase

    na necessidade de preservacao da

      integridade

    genetica dos

    bran

    cos de

    ascendencia ariana,

    aos

    quais

    caberia liderar

    0

    processo de

    conduc;:ao do Brasil ao

    desenvolvimento.

    Tratado, portanco, nurna

    perspectiva

    historica,

    a

    critics con-

    junta

    do sociologo frances Pierre

    Bourdieu, recentemente

    faleci

    do,

    e do

    anrrop6logo

    Lore Wacquant

     Bourdieu   Wacquant,

    1998) a nova

    gerac;:ao de

    pesquisadores estadunidenses

    e brasilei

    ros

    dedicados

    ao estudo das relac;:oes raciais no Brasil nao chega

    propriamente

    a

    constituir uma

    novidade.

    0

    que

    h:i de

    novo na po

    lernicae

    que

    0

    caso brasileiro

    etomado

    pelos dois

    intelectuais

    fran

    ceses

    com 0

    objetivo

    de demonsrracyao

    empfrica

    da tese mais

    ampla

    que

    procuram desenvolver, a saber, a constatacyao da existencia de

    37

    I

     

    i

     I

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    20/106

    Sergio Costa

    urn imperialismo cultural e acadernico dos americanos no mundo

    conternporaneo.

    A intervencao etnocentrica

    estadunidense

    ganharia, segun

    do

    Bourdieu

    e

    Wacquant, particular

    nitidez nos estudos sobre as

    desigualdades etno-raciais observadas no Brasil. Aqui, atraves

    do patrocinio de instituicoes filantr6picas como a Fundacao Ford

    e a Fundacao Rockefeller, bern como por meio do treinamento de

    cientistas brasileiros e da

    producao

    intelectual de pesquisadores

    nor te-arnericanos, muitos deles afro-descendentes,

    0

    irnperialis

    mo americano se manifestaria na coristrucao do campo de estudos

    das relacoes raciais, guiado pelo imperative de que se interprete as

    rel acce s sociais no Brasil a par ti r da dicotomia

    bipolar

    bran

    co-negro

    propria

    da sociedade

    americana.

    Urna tal transposicao

    impr6pria e obtusa de modelos anallticos seria operada exemplar

    mente por Michael

    Hanchard

     1994),

    0

    qual estudaria a historia

    do movimento negro brasileiro como se tratasse do Civil Rights

    Movement , ignorando que

    [...] no Brasil, a identidade racial

    e

    definida

    por

    referencia a urn

     ontinu-

    um

    de cor , isto e atraves do uso de urn princtpio flexfvel ou difuso que,

    levando em

    coma

    rracos fisicos,

    como

    acor dapele, a texturado cabelo e

    a forma dos labios e do nar iz e a posicao de c1asse os rendimentos e a

    educacao notadarnente) engendra urn grande nurnero de categorias in

    rerrnediarias. Bourdieu   Wacquant, 1998:112)

      artigos reunidos no nurnero especial da revista Theory

    ulture  nd Society

     vol. 17, n

    Q

    1,2000) parecem mostrar, de for

    ma convincente, que

    0

    conceito de imperialisrno , em qualquer

    das conotacoes

    que

    mereceu

    historicamente, nao traduz

    de forma

    adequada as relacces entre cientistas socia ise movimentos sociais

    do None e do SuI, no mundo atual. Ainda que nao sejam simetri

    cas, tais relacces encerram vicissitudes que

    extrapolam 0 tipo

    de

    dorninacao unilateral expressa peIo conceito de imperialismo, em

    suas diferentes extracoes. Todas as sociedades

    contempo

    raneas

    contern, em

    alguma medida,

    urn componente pos-nacional, de

    sorte que tanto as agendas de pesquisa quanto os atores sociais se

    constituern no campo de tensoes entre determinantes internes e

    ex

    t

    e rn o s as fr o n te ir as

    nacionais

     sobre a  co n st e la cao

    pos-nacional , ver Costa, 2001b). Somente quantD se torna em

    corisideracao

    0

    complexo jogo de interpenetracoes sociais e alian

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    21/106

    Sergio Costa

    Deve-se ressalvar,

    contudo, que

    a

    linha

    que separa os dois

    conjuntos

    de trabalhos referidos

    nem

    sernpre e nft ida. 0 mais ade

    quado, por isso, seria dizer que as considera

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    22/106

    Sergio Costa

    [...] espac;:ode represenracaodemarcado por tres p610s raciais

      0

    branco ,

    o

    negro

    e 0 indio   se distanciando cuidadosamenre de

    cada

    urn deles

    [...],

    [atualrnenre]

    0

    branco

    de c1assemedia

    buscasua segunda nacionali

    dade na Europa, nos Estados Unidos ou no ]apao -

    ou

    cria

    uma

    xenofo

    bia regional

    racializada;0

    negro

    coristroi uma Africa imaginiria

    para tra

    c ar s ua a sc er id en ci a, o u b us ca os Estados

    Unidos

    c omo mec a

    afro-americana; os indios recriarn a sua r r ibo de origem. Guimaraes,

    2000a: 28

    A incursao

    dos

    escudos rac ia is no

    processo

    de

    formacao

    nacional apresenta de

    saida

    urn merito

    digno

    de nota: eles identifi

    cam

    0

    nucleo heterof6bico das co

    ncepcoes

    de Freyre. Constituern,

    assirn, urn valioso contraponto as

    tenrativas

    impr6prias

    observa

    das

    nos u l ti rnos anos

    de

    reabilj

    tacao do pensamento politico

    do

    autor como se se tratasse de expressao da tolerancia e do apelo

    pela

    corivivencia

    plural, havendo mesmo

    referencias

    a

    Freyre

    como

    ide

    alizador de algo como urn

    p6s-colonialismo  v t

    fa lettre

     como

    faz mesmo urn autor

    criterioso

    como

    Pieterse, 1998 . Analitica

    mente,

    coritudo, a leitura da

    obra dos anos 30

    de Freyre e do pro

    cesso de

    coristi

    tuicao nacional

    desde entao,

    quando fixada na

    lente

    da categoria

    raca, acaba

    por

    ideririficar

    como coristrucao do

    mito

    da democracia racial urn fenorneno de dimens6es

    rnultiplas

    e des

    dobramentos

    extensos. Ou

    seja, se Casa Grande

     

    Senzala pode ser

    tomada, da mesma forma que a ficcao fundacional em outros pai

    ses, como

    urn

    manifesto de

     re)fundalfao da nacao, 0

    conjunto de

    transforrnacoes politicas coetaneas

    a obra

    nao pode ser

    interpreta

    do como processo

    de

    construcao

    de uma ideologia racial.

    Trata-se,

    na

    verdade, no final da decada

    1930,

    de uma

    inflexao

    profunda e

    defini tiva no

    processo

    de

    redefinicao

    da

    identidade

    nacional.

    Corisritui-se,

    nesse memento,

    as bases

    de

    uma ideologia da rnesti

    cagern que , em seusaspectos culturais, orientaria

    a aifao

    dos gover

    nos brasileiros pelo

    menos

    ate 0 fim da diradura mil itar  cf. Costa,

    2001

    a . Em tal

    corpo ideol6gico,

    a

    afirrnacao

    de uma

     brasilidade

    mesrica

    como uni dade d a

    diversidade

    -

    nos termos

    sistematiza

    dos

    inrelectualmente

    por Freyre - e mantida

    como pre-requisite

    da cons

    t i tu icao da cornunidade poli t ica nacional. Nao obstante,

    em

    sua

    rransposicao para a

    politica,

    tal ideario

    ganha

    novas

    deter

    rninacoes:

    a

    principal del

    as

    corresponde

    a crenca na

    construcao

    de

    urn futuro

    pr6spero comum

    como

    objetivo

    universal

    e

    lugar irna

    ginario no qual todos

    os

    membros

    da

    nacao, separados pelo

    passa

    do

    disrinro,

    se encontrariam.

    Parece ser

    essa

    orientacao para 0 futuro que const itu i 0

    prin

    cipallegado frances a

    formacao

    nacional

    brasileira. Giesen,

    estu-

    42

    AConstrucaoSociol6gica daRa p no Brasil

    dando

    0 Iluminismo

    e

    0 processo de formacao do Estado Nacional

    na

    Franca

    e na

    Alemanha, pontua

    diferericas

    que nos ajudam

    a

    compreender a

    ideologia

    que refunda a nacao brasileira nos

    anos

    30

    e

    40.

    No caso frances, ele mostra que

    0

    ideal iluminista e cos

    mopolita na med id a em que ve os

    diferentes

    povos nos diversos

    co

    ntinentes

    - em que

    pesem

    as disparidades

    regionais

    de

    desenvol

    vimento explicadas nao pelas desigualdades de aptidao inatas, mas

    pelas possibilidades desiguais oferecidas pela

    natureza

    -

    atados

    pd o futuro

    comum

    que

    os

    une como membros

    da

    hurnanidade.

    Ipsis verbis:

    Edo futuro e nao do passado que se tornarn as

    categorias

    universais, com

    as quais a realidade coritingente do presente e percebida e julgada, e no

    futuro e

    nao

    no

    passado

    que se encontra 0 e lo qu e

    congrega

    e unc a hu

    manidade.

     Giesen, 1999:

    146)

    No caso alernao, os

    intelecruais

    iluministas modificam os

    termos da

    relacao

    entre

    humanidade e

    natureza, acentuando 0 pa

    radoxo

    entre

    a natureza humana

    idiossincratica

    e

    individual

    e a

    ar

    tificialidade do mundo burgues, surgindo

    dai 0

    trace rornantico

    que

    iria

    marcar

    mais tarde

    a

    constituicao

    da

    nacao

    alerna. A

    nacao

    representada pelo povo unido pela cultura

    e

    pela ancestralidade

    comum

    se

    tornaria

    0

    terreno idealizado no

    qual

    a

    natureza indivi

    dual e

    0

    mundo exterior se

    reconciliariam.

    A

    relacao

    da coricepcao

    rornantica da nacao com 0 futuro,

    no caso a le rnao , e

    exatamente

    oposta

    aquela

    que se verifica no iluminismo frances. Para os

    ro

    manticos alernses, a Idade

    Media

    e

    recoberra

    de urn

    brilho

    que se

    perdera, e no passado que eles vao

    buscar

    as tradicoes que se quer

    reviver

    no

    ambi to da

    busca por

     individualidade

    e

    autenticidade

    ibidem: 178 .

    Parece

    evidente que e

    0 desejo

    de sobrepor a forca

    do p ro

    gresso ao passado opressivo e a consrrucao de uma identidade vol

    tada

    para

    0

    futuro,

    pr6prios

    ao

    iluminismo

    frances, e

    nao

    a

    enfase

    na ancestralidade

    comum

    dos

    rornanticos

    alernaes

    que marcam

    a

    reco nfiguracao da

    nacao brasileira

    a

    partir dos

    anos

    30.

    Na o

    se

    trata,

    por

    isso,

    da

    coristrucao

    de

    uma ideologia

    racial

    como afirma Guimaraes,

    mas

    de uma

    ideologia

    nacional nao raci

    al,

    no sent ido preciso

    de

    que  evira

    a ralfa

     Davis, 1999 ,

    enquan

    to criterio legitimo de

    adscricao social-

    a

    rneta-raca

    a que se refere

    Freyre ou a professada  unidade da raca do discurso

    varguista

     Carneiro, 1990:35

    viram

    uma

    metafora da nacionalidade,

    nao

    sao, portanto, conceitos raciais,

    mas

    nao-raciais, a despeito de se

    valerern da sernant ica da

    raca,

    Isto

    e, raifa s6 faz

    sentido

    no

    corpo

    43

  • 8/16/2019 As Artimanhas Da Razao Imperialista. Comentarios a Bourdieu e Wacquant

    23/106

    SergioCosta

    de uma ideologia que diferencia e segmenta os grupos

    humanos

    conforme adscricoes naturais,

    urn discurso

    que rompe com tais

    distincoes

    e urn

    discurso

    nao racial,

    0

    que

    nao

    significa, obviamen

    te, que se trate de uma ideologia

    anti-racista ou

    nao racista, ou

    mesmo que ela seja neut ra com relacao

    a

    perrnanencia das desi

    gualdades raciais.

    Enfatize-se,

    contudo, que nao se trata de

    uma

    ideologia racial, mas de uma ideologia

    nacional,

    com multiplas di

    mensoes,

    Em sua dirnensao politica, a ideologia nacional que se cons

    troi

    a partir de 1930 apreserita

    0 carater inclusivista/assimilacio

    nista do modelo frances, dispensando clararnenre 0 requisito da

    ancestralidade

    comum

    como coridicao de pertens:a

    a

    nacao, Os

    traces que distinguem os

    dois

    modelos sao a enfase na parricipacao

    clvicae na

    igualdade

    substantiva entre todos os

    cidadaos,

    ausentes

    do

    modelo

    brasileiro, Como se sabe, a

    igualdade

    juddica nfio

    cor

    responde, no Brasil , uma igualdade efetiva no que tange ao gozo

    dos

    direitos

    civis e

    politicos.

    A ideologia da rnesticagern compor ta , como em

    outros

    pai

    ses latino-americanos

    (c f

    Martinez-Echazabal, 1998),

    uma

    di

    mensae de genero. Tan to no

    trabalho

    de Freyreq uanto no ambito

    do esforco

    consistente

    de

    institucionalizacao

    de

    uma ideologia

    na

    cionalista

    no Estado Novo, reifica-se a imagem da mulher

    sem

    subjetividade propria

    e sem

    vida

    clvicae politica

    autonomas:

    nesse

    constructe, a

    mulher

    realiza-se e se completa

    enquanto

    objeto do

    desejo masculine.

    Em

    sua

    expressao social, a ideologia da mestis:agem

    earisto

    cratica, romantiza as

    desigualdades,

    banalizando-as. Nao ha,

    con

    t udo, uma justificativa moral para as desigualdades que esteja

    apoiada na

    crenca

    em algumahierarquia natural/biologica

    entre

    os

    diferentes membros

    da nacao ,

    como

    se se

    acreditasse que

    os

    mise

    ravels fossem feitos de urn  barro diferente , conforme a imagem

    de Souza (2000).

    Para que

    se trans

    forme

    nurna quesrao moral , a

    igualdade

    social precisa

    ser politicamente construfda

    e

    individual

    mente internalizada como urn valor, 0 que simplesmente nao se

    deu na historia brasileira. A j

    ustica

    social nao e urn

    bern

    natural, e

    urn valor

    politico

    que deterrninada sociedade pode

    construir

    -

    ou

    nao.

    Em

    sua face cultural, tal

    ideologia procura

    disciplinar a

    hete

    rogeneidade existente,

    selecionando, atraves

    da

    acao

    discursiva

    e

    polirica sistematica, aquelas manifestacoes que

    conformam

    a iden

    t idade nacional, restringindo-se expressoes divergentes, dai seu

    trace

    hererofobico. Nao

    me

    parece haver

    aqu i uma

    supressao

    pre-

    44

    A Construcao

    Sociologica

    daRaca noBrasil

    ferencial da ancestralidade africana ou indigena como sugerem os

    estudos raciais,

    0

    que ha e uma

    integracao

    hierarquizada

    dos dife

    rerites

    legados

    e a obliteracao das

    marcas

    etnicas que pudessem

    se r

    entendidas como desagregadoras da nacao idealizada.

    Sob

    tal as

    pecto - e so

    mente sob

    tal aspecto - nao hi

    uma penalizacao

    maior

    dos

    indfgenas

    e afro-descendentes que dos demais imigrantes nao

    europeus ver, a respeito, a cuidadosa analise de Lesser,

    1999)

    ou

    da

    populacao-alvo

    da

    Campanha

    de

    Naciorializacao varguista

    (Seyferth, 1997).

    Em sua

    dirnensao

    racial, a

    ideologia

    da rnesticagern

    caracte

    riza-se

    po r

    banir

    0

    conceito ras:a