as formaÇÕes do inconsciente

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    AS FORMAES DO INCONSCIENTEUma viso do Seminrio (1957 1958).

    ROTEIRO1- Sesso de 6 de novembro 1957.

    2- Sesso de 13 de novembro 1957.3- Sesso de 20 de novembro 1957.4- Sesso de 4 de dezembro 1957.5- Sesso de 11 de dezembro 1957.

    1- SESSO DE 6 DE NOVEMBRO 1957.Ns tomamos este ano por tema de nosso Seminrio "As Formaes doInconsciente".Aqueles dentre vocs, e eu creio que seja a maior parte, que estavamontem noite em nossa sesso cientfica, j esto no diapaso, isto , elessabem que as questes que ns vamos colocar concernem desta vez de

    uma maneira direta funo no inconsciente do que ns temos no cursodos anos precedentes elaborado como sendo a funo do significante.Um certo nmero dentre vocs - eu me exprimo assim porque minhasambies so modestas - eu espero tenham lido o artigo que est noterceiro nmero de "La Psychanalyse", que eu fiz publicar sob o ttulo "AInstncia da Letra no Inconsciente" (1). Aqueles que tiveram tido tal nimoestaro bem situados, e at mais bem situados que os outros para seguir ode que vai se tratar. Por sinal, ele denota que uma pretenso modestaque posso ter, que vocs que se do ao trabalho de escutar o que eu digose dessem tambm ao trabalho de ler o que escrevo, pois, afinal, paravocs que eu o escrevo. Aqueles que ainda no o fizeram pois, faro

    melhor se a ele se reportarem, ainda mais que eu vou me referir a ele todoo tempo. Eu serei forado a supor conhecido quilo que j foi uma vezenunciado.Enfim, para aqueles que no tm nenhumas dessas preparaes eu voudizer ao que eu vou me limitar hoje, o que se tornar o objeto desta liode introduo a que nos propomos.Eu vou lembrar a vocs um primeiro momento, de uma maneiraforosamente breve, forosamente alusiva, pois no posso retomar algunsitens, pontuando de certa maneira o que nos anos precedentes inicia,anuncia o que tenho a lhes dizer sobre a funo do significante noinconsciente.

    Em seguida, isto para o repouso do esprito daqueles que este breveresumo poder deixar um pouco cansados, eu vou lhes explicar o quesignifica esse esquema (2) ao qual ns nos reportaremos em toda asequncia de nossa experincia terica neste ano.Enfim, eu tomarei um exemplo, o primeiro exemplo do qual se serve Freudno seu livro sobre "Le trait d'esprit"(3), no para o ilustrar, mas para oconduzir porque no h dito espirituoso seno particular, no h ditoespirituoso no espao abstrato. E eu comearei mostrando-lhes a esse

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    ora, justamente tudo o que eu procuro, de modo que, no final das contas,qualquer impasse que eles hajam encontrado , contudo, a isto que lhester servido, a esta ginstica que ns teremos a oportunidade de encontrarno que eu deverei lhes mostrar neste ano. Eu lhes farei notar que,certamente, como aqueles que se deram este trabalho me tem sublinhado,

    e mesmo escrito, cada um desses termos marcado por uma ambiguidadefundamental, mas que precisamente esta ambiguidade que d valor aoexemplo.Por sinal, entramos nestes agrupamentos na via daquilo que faz atualmentea especulao do que se chamam as pesquisas sobre os grupos e osconjuntos, seu ponto de partida sendo essencialmente fundado sobre oprincpio de comear as estruturas complexas nas quais as estruturassimples no se apresentam seno por casos particulares. Ora,precisamente, eu no lhes lembrarei como so engendradas as pequenasletras, mas certo que ns chegamos aps as manipulaes que permitemdefin-las, a algo muito simples, cada uma dessas letras estando definida

    pelas relaes entre aqueles dois termos de dois pares, o par do simtrico edo dissimtrico, do dissimtrico e do simtrico, e em seguida o par dosemelhante ao dessemelhante, e do dessemelhante ao semelhante.Ns temos pois a este grupo mnimo de quatro significantes que tm porpropriedade que cada um deles analisvel em funo de suas relaescom os trs outros, isto , para confirmar a passagem dos analistas -Jakobson e por sinal seu prprio tiro quando eu o encontrei recentemente -que o grupo mnimo de significantes necessrio para que sejam dadas ascondies primeiras, elementares disso que pode-se chamar a anliselingustica. Ora, vocs vero, essa anlise lingustica mantm a maisestreita relao com o que ns chamamos anlise; elas at se confundem;

    elas no so, essencialmente, se as observarmos de perto, outra coisa.No terceiro ano de meu seminrio ns falamos da psicose enquantofundada sobre uma carncia significante primordial, e ns mostramos o quesobrevm de desvio do real quando, levado pela invocao vital, ele vemocupar seu lugar nesta carncia do significante do qual eu falava ontem noite sob o termo de "Verwerfung", e que eu admito, no alguma coisaque se apresenta sem certas dificuldades. por isso que ns teremos quevoltar ao assunto este ano, mas eu penso que o que vocs tmcompreendido neste seminrio sobre a psicose que, ao menos em ltimainstncia, ao menos o mecanismo essencial dessa reduo do Outro, dogrande Outro, do Outro como sede da palavra, ao outro imaginrio, essa

    suplncia do simblico pelo imaginrio, e mesmo como ns podemosconceber o efeito de total estranheza do real que se produz nos momentosde ruptura desse dilogo do delrio, porque somente o psicotizado podesustentar nele prprio o que ns chamaremos uma certa intransitividade dosujeito, coisa que nos parece, quanto a ns, inteiramente natural; "eupenso, logo eu sou", dizemos intransitivamente. Mas certamente est a adificuldade para o psicotizado, precisamente na medida dessa reduo daduplicidade do Outro com o grande A (Autre), e do outro com o pequeno a

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    (autre), do Outro sede da palavra e garantidor da verdade, e do outro dualque este em face do qual ele se encontra como sendo sua prpriaimagem. Essa desapario desta dualidade precisamente o que d aopsicotizado tantas dificuldades para se manter num real humano, isto ,num real simblico.

    Eu lembrarei enfim que neste terceiro ano eu tenho ilustrado esta dimensodo que eu chamo o dilogo enquanto que ele possibilite ao sujeito de semanter, pelo exemplo da primeira cena de Athalie (6), nem mais nemmenos. um seminrio que eu teria gostado bastante de retomar para oescrever se eu houvesse tido tempo; eu penso no entanto que vocs notm esquecido o extraordinrio dilogo desse Abner que se antecipa aquicomo o prottipo do traidor, o do agente duplo, que vem de certa maneirasondar o terreno ao primeiro anncio de: "Sim, eu venho no seu templo", eque fez ressoar no sei que tentativa de seduo: admirem como extraordinrio! verdade, claro, que a maneira pela qual ns o temoscoroado nos faz esquecer um pouco todas estas ressonncias; e eu lhes

    tenho sublinhado como o grande sacerdote utilizava alguns significantesessenciais: "os deuses permanecem fiis", "em todas as suas ameaas","promessa do cu", "por que renunciais?" O termo cu e algumas outraspalavras bem entendidas no so essencialmente nada mais quesignificantes puros. Eu lhes tenho sublinhado o vazio absoluto. Eletrespassa, se eu assim posso dizer, seu adversrio, a ponto de no fazermais com ele do que uma irrisria minhoca que retornou, como eu lhesdiria, s fileiras da procisso, e servir de isca a Athalie que acabar, comovocs sabem, por sucumbir nesse pequeno jogo.Esta relao do significante com o significado, to visvel, to sensvelnesse dilogo dramtico, alguma coisa a propsito da qual eu lhes tenho

    falado em referncia ao clebre esquema de Ferdinand de Saussure: acorrente, ou, mais exatamente, a onda dupla paralela - assim que ele nosa apresenta - do significante e do significado como sendo distintos edestinados a um deslizamento perptuo de um sobre o outro. a essepropsito que eu lhes tenho forjado as imagens da tcnica do estofador, doponto de estofo (7), no qual faz-se com que em algum ponto o tecido deum se fixe ao tecido do outro. Para que ns saibamos o que pensar, aomenos sobre os limites possveis desses deslizamentos, os pontos de estofodeixam alguma elasticidade nos vnculos entre os dois termos. bem o que ns temos retomado, quando eu lhes teria evocado tambm afuno do meu quarto ano de Seminrio, quando eu lhes tiver dito que, em

    suma, paralela e simetricamente a isso, e a que chegava o dilogo de Joade Abner, no h sujeito verdadeiro seno aquele que fala em nome dapalavra. Vocs no tm esquecido o plano sobre o qual Joad fala: "Eis comoesse deus vos responde por minha boca." No h outro sujeito seno emreferncia a esse Outro. Isto simblico do que existe em toda palavravlida.Do mesmo modo no quarto ano de Seminrio eu tenho desejado lhesmostrar que no h objeto, a no ser metonmico, o objeto do desejo

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    sendo o objeto do desejo do outro, e o desejo sempre desejo doutra coisa,muito precisamente disso que falta ao objeto perdido primordialmente, namedida em que Freud no-lo mostra como estando sempre a serreencontrado. Da mesma forma no h sentido, a no ser metafrico,quando sentido no surge seno da substituio de um significante a um

    significante na cadeia simblica. precisamente o que conotado no trabalho de que eu lhes falei antes, eao qual eu lhes convidei a vos referir sobre "A instncia da letra noinconsciente", nos smbolos que seguem, respectivamente, da metfora eda metonmia, S est ligado na combinao de cadeia a S1, o todo emrelao a S2 que termina nisto que S em sua funo metonmica, numacerta relao metonmica com s na significao. f (S... S') S = S(_)s (8)(N.T.: "estrutura metonmica")Da mesma forma na substituio de S1 em relao a S2, relao desubstituio na metfora, que ns temos isto que simbolizado pelarelao do grande S ao pequeno s1 que indica aqui - mais fcil dizer no

    caso da metonmia -, funo de surgimento, de criao do sentido. f(S'/S)S = S(+)s(N.T.: "estrutura metafrica)Eis pois onde ns estamos e agora ns vamos abordar o que vai fazer oobjeto de nossas pesquisas neste ano. Para abord-lo eu lhes tenho deincio construdo um esquema, e eu vou lhes dizer no momento o que, pelomenos por hoje, vai nos servir a conotar.Se ns devemos encontrar um meio de aproximar de mais perto asrelaes da cadeia significante cadeia significada por esta imagemgrosseira do ponto de estofo. Mas evidente, para que isso seja vlido, queseria preciso se perguntar onde est o estofador. Ele est evidentemente

    em alguma parte; o lugar onde ns poderamos met-lo sobre esseesquema seria apesar de tudo excessivamente infantil.Pode lhes vir ao pensamento que j que o essencial das relaes da cadeiasignificante em relao ao curso do significado alguma coisa como umdeslizamento recproco, e que malgrado esse deslizamento preciso quens apreendamos onde se passa a ligao, a coerncia entre essas duascorrentes; pode lhes vir ao pensamento que esse deslizamento, sedeslizamento h , forosamente um deslizamento relativo; odeslocamento de cada um produz um deslocamento do outro, e pois deveser em relao a uma espcie de presente ideal em alguma coisa como oentrecruzamento em sentido inverso s duas linhas que ns devemos

    encontrar algum esquema exemplar.Vocs vem, ao redor de alguma coisa assim que ns poderamosagrupar nossa especulao. Esta noo do presente vai ser extremamenteimportante; somente um discurso no exatamente um eventopunctiforme la Russell se assim posso dizer; um discurso alguma coisaque tem um ponto, uma matria, uma textura, e no somente algo quetoma tempo, que tem uma dimenso no tempo, uma espessura, que fazcom que ns no possamos absolutamente nos contentar do presente

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    instantneo, mas alm disso algo de que toda nossa experincia, tendo oque ns temos dito e tudo o que ns somos capazes de presentificar deimediato pela experincia - bem claro, por exemplo, que se eu comeouma frase vocs no compreendero o sentido seno quando eu aterminar, porque apesar de tudo absolutamente necessrio ( a definio

    da frase) que eu tenha dito a ltima palavra para que vocs compreendamonde est a primeira - nos mostra no exemplo o mais tangvel o que sepode chamar a ao nachtraglich (9) do significante, isto , precisamenteisso que lhes digo sem cessar no texto da experincia analtica ela mesma,como nos sendo dada sobre uma escala infinitamente maior na histria dopassado.Por outro lado evidente - uma maneira de se expressar! - eu penso quevocs se aperceberam disto, em todo o caso que eu resublinho no meuartigo sobre " A instncia da letra no inconsciente", duma maneira bemprecisa e qual provisoriamente eu lhes peo se reportarem, esta coisaque eu lhes tenho expressado sob esta forma de metfora topolgica se

    assim posso dizer. impossvel representar no mesmo plano o significante,o significado e o sujeito. Isto no misterioso nem opaco, estdemonstrado de um modo muito simples a propsito da referncia aocogito cartesiano. Eu me absterei de a retornar agora porque ns vamosmuito simplesmente o reencontrar sob uma outra forma. Isso simplesmente para lhes justificar que as duas linhas que ns vamosmanipular agora, e que so as seguintes: a rolha significa o incio de umpercurso, e a ponta da flecha seu fim; vocs reconhecem minha primeiralinha aqui, e a outra que vem cruzar sobre ela aps hav-la duas vezesatravessado(10)) Eu indico simplesmente que vocs no poderiamconfundir o que representam aqui essas duas linhas: a saber, o significante

    e o significado, com o que representam aqui o que est ligeiramentediferente e vocs vo ver porque.Com efeito ns nos colocamos inteiramente sobre o plano do significante.Os efeitos sobre o significado esto alhures, eles no esto diretamenterepresentados neste esquema. Trata-se dos dois estados, das duas funesque ns podemos apreender de uma sucesso significante. No primeirotempo dessa primeira linha ns temos a cadeia significante na medida emque ela permanece inteiramente permevel aos efeitos propriamentesignificantes da metfora e da metonmia, o que implica a atualizaopossvel dos efeitos significantes em todos os nveis, isto , particularmenteat o nvel fonemtico, at o nvel do elemento fonolgico disso que funda

    o trocadilho, o jogo de palavras, em suma, o que no significante essealgo com o que ns, analistas, devemos jogar cem cessar, pois eu pensoque salvo esses que chegam aqui pela primeira vez, vocs devem ter alembrar como aquilo se passa no jogo de palavras e no trocadilho. Porsinal, precisamente por isso que hoje ns vamos comear a entrar nosujeito do inconsciente, atravs do dito espirituoso (trait d'esprit) e dochiste (Witz).A outra linha aquela do discurso racional no qual j est integrado um

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    certo nmero de pontos de referncia, de coisas fixas, no podendo, essascoisas, na ocasio, serem estritamente apreendidas seno ao nvel dissoque se chama os empregos do significante, isto , o que concretamente nouso do discurso constitue pontos fixos que, como vocs sabem, esto longede responder de um modo unvoco a uma coisa. No h um nico

    semantema que corresponda a uma nica coisa ou a coisas a maior partedo tempo muito diversas. Ns nos deteremos aqui ao nvel do semantema,isto , do que fixado e definido por um emprego.Esta outra linha pois aquela do discurso corrente, comum, tal como admitida no cdigo do discurso, do que eu chamaria o discurso da realidadeque nos comum. tambm o nvel onde se produz menos criao desentido, posto que o sentido j est de qualquer forma dado, e que a maiorparte do tempo esse discurso s consiste numa fina mistura do que sechama ideais recebidos e que precisamente ao nvel desse discurso quese produz o famoso discurso vazio do qual um certo nmero de minhasobservaes sobre a funo do parentesco de linguagem so partes.

    Vocs o vem bem, pois esse o discurso concreto do sujeito individual,daquele que fala e que se faz entender. esse discurso que se poderegistrar num disco. O outro o que tudo isso inclui como possibilidade dedecomposio, de reinterpretao, de ressonncia, de efeito metafrico emetonmico. Um vai no sentido contrrio do outro justamente pela simplesrazo que deslizam um sobre o outro; mas um cruza o outro, e eles serecruzam em dois pontos perfeitamente reconhecveis. Se ns partimos dodiscurso, o primeiro ponto onde o discurso reencontra a outra cadeia quens chamaremos a cadeia propriamente significante, do ponto de vista dosignificante o que eu acabei de lhes explicar, isto , o feixe de empregos,dito de outro modo o que ns chamaremos o cdigo; torna-se necessrio

    que o cdigo esteja em algum lugar para que possa haver audio dessediscurso. Esse cdigo est muito evidentemente no grande A que est ali,ou seja, no Outro (Autre) enquanto ele o companheiro da linguagem.Esse Outro, absolutamente necessrio que exista, e eu lhes peoobservar ocasionalmente que no absolutamente necessrio cham-locom esse nome imbecil e delirante que se chama a conscincia coletiva.Um Outro um Outro, bastando haver um nico para que uma lngua sejaviva, bastando tanto um s, que este Outro sozinho pode ser tambm oprimeiro tempo. Que haja um que reste e que possa se falar a si prpriosua lngua, isso basta para que haja ele, e no somente um Outro, mas atmesmo dois outros, de qualquer maneira algum que o compreenda. Pode-

    se continuar a fazer ditos espirituosos numa lngua, ainda que se seja umnico possuidor remanescente.Eis pois o primeiro reencontro ao nvel disso que ns temos chamado ocdigo. E noutro, o segundo reencontro que termina a curva, que constituepropriamente falando o sentido, que o constitue a partir do cdigo que elede incio encontrou, o ponto de finalizao. Vocs vem duas flechas quefinalizam e hoje eu me dispensarei de lhes dizer que ela a segunda dasflechas que finaliza aqui nesse ponto gama; o resultado dessa conjuno

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    do discurso com o significante como suporte criador do sentido; amensagem.Aqui o sentido vem a tona, a verdade que h para anunciar, se verdade h,est a na mensagem. A maior parte do tempo nenhuma verdade anunciada, pela simples razo que o discurso no passa absolutamente

    pela cadeia significante, que ele pura e simplesmente o ronronar darepetio e da tagarelice, e que ele passa em algum lugar em curto circuitopor aqui entre e, e que o discurso no diz absolutamente nada a no serlhes assinalar que eu sou um animal falante. o discurso comum dessas palavras para nada dizer, graas a que seassegura que no se lida simplesmente com o que o homem ao natural,isto , uma fera. Esses dois pontos, e , como ns mnimos do curto-circuitodo discurso, so mui facilmente reconhecveis. exatamente o objeto nosentido do objeto metonmico do qual eu lhes falei no ano passado; poroutro lado o eu (je) enquanto que ele indica no prprio discurso o lugardaquele que fala.

    Observem bem que nesse esquema (11) vocs podem tocar de umamaneira sensvel, ao mesmo tempo, o que liga e o que distingue a verdadeperfeita e imediatamente acessvel experincia lingustica, mas que aexperincia freudiana da anlise participa da distino pelo menos tericaque h entre esse eu (je), que no nada mais que a colocao daqueleque fala na cadeia do discurso, que sequer precisa, por sinal, ser designadopor um eu (je) e, de outro lado, a mensagem, isto , essa coisa que precisaabsolutamente, no mnimo, do aparelho desse esquema para existir. totalmente impossvel fazer sair uma mensagem qualquer, nem umapalavra de uma maneira de algum modo irradiante e concntrica, daexistncia de um sujeito qualquer, se no houver toda essa complexidade.

    No h palavra possvel pela simples razo que a palavra pressupeprecisamente a existncia de uma cadeia significante, o que uma coisacuja gnese est longe de fcil obteno - ns passamos um ano parachegar a isso - e o que supe a existncia de uma rede de empregos, emoutras palavras do uso de uma linguagem; o que supe, alm disso, todoesse mecanismo que faz com que, apesar de vocs dizerem pensandonisso, ou no pensando nisso, apesar de vocs formularem, uma vez quevocs entraram na roda do moinho de palavras (12), seu discurso exprimesempre mais do que vocs dizem, e, muito evidentemente,fundamentando-me sobre o simples fato de que ele palavra (parole),sobre a existncia em algum lugar desse termo de referncia que o plano

    da verdade; da verdade considerada distinta da realidade, e alguma coisaque faz entrar em jogo o aparecimento possvel de novos significadosintroduzidos no mundo, cuja realidade introduz literalmente no os sentidosque nele se encontram mas os sentidos que ela faz aparecer.Vocs tm l, irradiando da mensagem, de um lado, do eu (je), do outrolado o sentido dessas pequenas asinhas que vocs vem l: dois sentidosdivergentes, um que vai do eu para o objeto, metonmico, e para o outro aque corresponde simetricamente a mensagem pela via de retorno do

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    discurso, a direo da mensagem para o objeto metonmico, e, para ooutro, tudo isso provisoriamente - peo que vocs o observem. Noesquema vocs vero que isso ser de grande utilidade para ns, o quepode parecer-lhes evidente, a linha que vai do eu(je) para o outro, e alinha que vai do eu para o objeto metafrico, e vocs vero a que

    correspondem as duas outras linhas formidavelmente apaixonantes erepletas de interesse, que vo da mensagem para o cdigo, de um lado,pois precisamente essa linha de retorno existe; se ela no existisse nohaveria, como o prprio esquema indica, a mnima esperana de criao desentido. precisamente no inter-eu(je)(13)entre a mensagem e o cdigo, etambm no retorno do cdigo mensagem, que vai atuar a dimensoessencial na qual nos introduz diretamente o dito espirituoso (traitd'esprit). l que durante algumas aulas, eu penso, ns ficaremos para vertudo o que pode ocorrer ali de extraordinariamente sugestivo e indicativo.Por outro lado, isso nos dar uma oportunidade a mais de entender arelao de dependncia onde se encontra o objeto metonmico, esse

    famoso objeto que nunca esse objeto sempre situado em outro lugar, que sempre outra coisa de que comeamos a nos ocupar no ano passado.Agora abordemos este "Witz". O "Witz", que significa isso? Traduziram-nopor "trait d'esprit", disseram "palavra espirituosa". Passo rapidamentesobre os motivos que me fizeram escolher o trait d'esprit.O Witz, apesar de tudo, tambm significa "o esprito". O esprito, para dizertudo, foi imediatamente um recurso que se apresenta a ns numa extremaambiguidade, pois, no final das contas, um trao de esprito o objeto porocasio de alguma depreciao, leviandade, falta de seriedade, fantasia,capricho. Quanto ao esprito, detm-se, hesita-se antes de falar da mesmamaneira que o esprito (14). Apesar de tudo, o esprito, no sentido de um

    homem espirituoso, no tem to boa reputao; , apesar de tudo, emtorno disso que se encontra o centro de gravidade da noo de esprito, econvm deixar-lhe todas suas ambiguidades, inclusive o esprito no sentidoamplo, esse esprito que serve frequentemente de bandeira paramercadorias duvidosas, o esprito do espiritualismo.Esse esprito, podemos centr-lo no trait d'esprit, isto , em alguma coisaque parece nele o mais contingente, o mais caduco, o mais oferecido crtica. Est bem dentro da caracterstica da psicanlise fazer coisas assim,e por isso, j que ns no devemos nos surpreender que seja, em suma,o nico ponto da obra de Freud em que esteja mencionado realmente o quese enfeita alhures com uma grande maiscula, a saber, Esprito. Todavia,

    mesmo assim permanece esse parentesco entre os dois polos do termoesprito e dado desde sempre discusses do teclado (15).Na verdade seria divertido evocar para vocs, por exemplo, na tradioinglesa onde o termo wit se apresenta ainda mais nitidamente ambguo queo witz e at mesmo que o l'esprit em francs, as discusses sobre overdadeiro, o autntico esprito, o bom esprito, para dizer tudo, e sobre omau esprito, isto , esse esprito com o qual os acrobatas divertem omundo. Como distinguir isto? As dificuldades nas quais entraram os crticos

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    so a nica coisa qual se deveria se referir. E isso continua ainda aps osculo XVIII, com Addison, Poe, etc. no incio do sculo XIX. Na escolaromntica inglesa a questo do "wit" no pde no estar no primeiro planoe na ordem do dia e a esse respeito os escritos de Hazlitt (16) so tambmalguma coisa de bem significativo, e algum de quem teremos a

    oportunidade de falar, Coleridge, foi precisamente quem foi mais longenessa via.Poderia lhes dizer que isso vale igualmente para a tradio alem, e, emparticular, da conjuno da promoo sobre o esprito, no primeiro plano,do cristianismo literrio que seguiu uma evoluo estritamente paralela naAlemanha, onde a questo essencial do Witz est no mago de toda aespeculao romntica alem, isto , de alguma coisa que do ponto devista histrico e do ponto de vista tambm da situao da anlise devernovamente prender nossa ateno.O que realmente impressiona at que ponto a crtica em torno da funodo Witz ou do wit, qual , devo dizer, nada corresponde neste lugar, e por

    mais que vocs saibam as nicas pessoas que trataram seriamente doassunto, sendo unicamente na Frana os poetas, isto , que nesse perododo sculo XIX a questo no somente se apresenta viva, mas est nocorao de Baudelaire e de Mallarm: e, alis, ela s se encontrou ali,mesmo em ensaios, do ponto de vista crtico eu quero dizer, do ponto devista de uma formao intelectual do problema.O ponto decisivo isto. O fato que o que quer que seja o que vocs leiamsobre o assunto do problema do Witz ou do wit vocs chegaro sempre aimpasses extremamente sensveis que s a falta de tempo me impede dedesenvolver hoje - voltarei ao assunto. preciso que eu apague essa partedo meu discurso e o que ele testemunha; eu lhes provarei posteriormente

    que salto, que ntida ruptura, que diferena de qualidade e de resultado constitudo pela obra de Freud.Freud no havia feito essa pesquisa qual acabo de aludir, aquela queparticipa de toda tradio europia sobre o assunto do Witz. Deixei de ladouma outra, a principal, a tradio espanhola, porque ela demasiadamenteimportante para que ns no tenhamos, mais tarde, a oportunidade devoltar a ela. Freud no o havia feito, ele cita suas fontes, elas so claras:so trs livros muito sensatos, muito legveis, desses dignos professoresalemes de pequenas universidades que tinham tempo para refletircalmamente e que faziam coisas que no eram absolutamente pedantes, eque se chamavam respectivamente: Kuno Fischer, Theodor Vischer e

    Theodor Lipps (17), professor muniquense que escreveu com certeza o queh de melhor nos trs e que vai muito longe para dizer a verdade, que vaiverdadeiramente estender os braos ao encontro da pesquisa freudiana.Simplesmente se o senhor Lipps(17) no se tivesse preocupado com arespeitabilidade de seu Witz, se no tivesse querido que houvesse o falso eo verdadeiro, ele, com certeza, teria ido muito mais longe.Ao contrrio, Freud no se preocupou com isto. Freud j tinha o hbito deser seu prprio objeto de estudos, e foi por isso que ele viu muito mais

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    claro; tambm porque ele viu as relaes estruturais que h entre o Witze o inconsciente.Em que plano ele as viu? Unicamente no plano que se pode chamar deformal. Por formal no quero dizer lindas formas, arredondadas, de tudoaquilo com que se tenta mergulh-las novamente no obscurantismo o mais

    negro; falo da forma no sentido em que entendida, por exemplo, nateoria literria, porque h ainda uma outra tradio de que no lhes falei,mas tambm porque terei de voltar frequentemente ao assunto, tradionascida recentemente, a tradio tcheca. O grupo que formulou oformalismo do qual pensamos aqui que essa referncia tem um sentidovago, absolutamente no, simplesmente sua ignorncia que quer fazeracreditar isso; o formalismo uma escola crtica literria que tem umsentido extremamente preciso e que a organizao de Estados que esto ldo lado de Sputinik perseguem j desde algum tempo.Enfim, seja o que for, ao nvel precisamente desse formalismo, isto , deuma teoria estrutural do significante como tal que se coloca logo de

    entrada Freud, e o resultado no duvidoso, ele mesmo completamenteconvincente: uma chave que vai permitir ir muito mais longe. Eu nopreciso perguntar-lhes, aps ter-lhes pedido de ler de vez em quando meusartigos, de ler, apesar de tudo. J que este ano falo do Witz, o livro deFreud. Isso me parece o mnimo. Quando vocs virem a economia desselivro, vocs vero que ele fundamentado sobre o fato que Freud parte datcnica do mot d'esprit (palavra espirituosa), e que ele sempre volta a ele,e que isso se baseia na tcnica do mot d'esprit.O que isso significa para ele? Isso significa tcnica verbal, como dizem, ecomo eu lhes digo, mais precisamente, tcnica do significante. porque ele fala da tcnica do significante e que ele volta a ela

    incessantemente que verdadeiramente ele desenreda o problema. Ele fazaparecer planos, isto , de repente v-se com a maior nitidez possvel oque preciso saber reconhecer e distinguir para no se perder nasconfuses perptuas do significado e dos pensamentos que no permitemabsolutamente se livrar disso. De repente v-se que h um problema doesprito, por exemplo, e que h um problema do cmico, que no amesma coisa, da mesma maneira que o problema do cmico e o problemado riso. Apesar de que, de vez em quando, os trs parecem ir juntos emesmo se misturarem, isto no tampouco o mesmo problema.O problema do esprito para que seja esclarecido, parte em Freud datcnica do significante. de l que vamos partir com ele e, coisa muito

    curiosa, o que o ocorre em um nvel no qual, certamente, no imediatamente indicado que seja o nvel do inconsciente, precisamentede l, e por razes profundas que so prprias da natureza mesma daquilode que se trata no Witz, precisamente olhando para l que ns veremosmais coisas sobre o que no est exatamente l, que est ao lado, que oinconsciente e que justamente s se clareia e se revela quando se olha umpouco ao lado.Por sinal, vocs encontram ali alguma coisa que vocs vo encontrar o

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    tempo todo no Witz, a saber, a natureza do Witz que assim quandovocs olham l, o que lhes permite olhar onde isso no se encontra.Comecemos por Freud com as chaves da tcnica do significante. Freud nose escondeu para encontrar seus exemplos; quase todos os exemplos queele nos d e que podem parecer-lhes um pouco ordinrios e de valor

    desigual so tirados de seus professores Kuno Fischer, Theodor Vischer eTheodor Lipps (17). Foi por isso que eu lhes falei da estima que tenho poreles.H uma outra fonte da qual Freud realmente foi permeado: HeinrichHeine (18). dela que ele toma o primeiro exemplo que essa palavramaravilhosa que floresce na boca de Hirsch-Hyacinthe, coletor judeu deHamburgo, pobreto e famlico, que ele encontra nas termas de Lucca. Sevocs quiserem fazer uma leitura completa sobre o Witz seria preciso quevocs lssem o Reisebilder (19) . Surpreende muito que o livro no sejaclssico. Encontra-se em Reisebilder (19) um trecho na parte italiana sobreas termas de Lucca e ali que com essa personagem inenarrvel de

    Hirsch-Hyacinthe sobre as propriedades do qual espero ter o tempo de lhesdizer ainda alguma coisa, e falando com ele obtm essa declarao que eleteve a honra de tratar dos calos do grande Rothschild. Natan, o Sbio, quedurante aquele tempo dizia para si mesmo, ele, Hirsch-Hyacinthe, umhomem importante, pois enquanto raspava os calos ele pensava que Natan,o Sbio, previa todos os emissrios que mandaria aos reis e que se ele,Hirsch-Hyacinthe, se raspasse um pouco demais o calo que ele tinha no pda resultaria que nas alturas essa irritao que faria com que Natanreinaria ele rasparia ele tambm um pouco mais sobre o couro dos reis.E de uma coisa para outra, ele nos fala tambm de outro Rothschild que eleconheceu, a saber, Salomo Rothschild, e que um dia em que ele se

    apresentava como Hirsch-Hyacinthe, foi-lhe respondido numa linguagembonachona: "Eu tambm sou coletor da ..........., no quero que meucolega entre na cozinha!" "E", exclama Hirsch-Hyacinthe, "ele me tratou deuma maneira familionria". sobre isso que Freud se detm, completado por este bonito: o que ? Umneologismo, um lapsus, um trait d'esprit? um trait d'esprit, no hdvida, mas o fato de eu ter podido formular as duas outras questes jnos introduz numa ambiguidade, no significante, no inconsciente, o lapsus,e, com efeito, o que Freud vai nos dizer? Ns reconhecemos naquilo omecanismo da condensao materializada no material do significante, umaespcie de embutidura com no sei que mquina, entre duas linhas da

    cadeia significante: Salomo Rothschild tratou-me de uma maneira bemfamiliar, e, depois, abaixo, Freud fez o esquema significante tambm, hmilionrio, e ento h "rio" de ambos os lados, "mil" tambm em ambosos lados, isso se condensa e no intervalo aparece "familionrio".Tentemos ver um pouco o que isto d no esquema. Sou obrigado a ir umpouco depressa, mas alguma coisa deve ser registrada.O discurso evidentemente o que parte do eu(je), o que vai ao Outro.Pode-se esquematizar ali indo para o Outro. Pode-se tambm, o que est

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    mais correto, ver que todo discurso partindo do Outro, independemente doque pensamos, parte e vem se refletir sobre o eu, porque preciso que eleesteja concernido no caso e ele corre em direo mensagem; e isso quersimplesmente anunciar, no segundo tempo, a invocao da outra cadeiaprincipal do discurso: "Eu estava com Salomo Rothschild, totalmente

    familiar", retorna ao outro(20) no segundo tempo.No entanto, devido misteriosa propriedade dos "mil" e dos "rio", que soem um e no outro alguma coisa correlativamente - no esqueam queessas duas linhas so apesar de tudo duas linhas que s tem interessequando as coisas circulam ao mesmo tempo nesta linha. Se alguma coisase emociona que o abalo da cadeia significante elementar como tal e quevai aqui ao primeiro tempo do esboo da mensagem se refletir sobre oobjeto metonmico que seu "meu milionrio", pois o objeto metonmicoesquematizado de minha propriedade o de que se trata para Hirsch-Hyacinthe; seu milionrio que, ao mesmo tempo, no seu milionrio,porque antes o milionrio que o possui, de modo que isso no acontece.

    precisamente porque isso no acontece que esse milionrio vem serefletir no segundo tempo, isto , ao mesmo tempo que o outro. A maneirafamiliar chegou l.No terceiro tempo o milionrio e familiar vm se encontrar e se associar mensagem para fazer o familionrio.Isso pode parecer-lhes pueril de encontrar, e ainda isto se deve ao fato deeu haver feito o esquema. Mas quando isto funcionar assim durante todo oano vocs pensaro talvez que o esquema serve para alguma coisa. Apesarde tudo ele tem um interesse, que graas ao que ele nos apresenta comoexigncia topolgica, ele nos permite medir nossos passos quanto ao queconcerne ao significante, a saber, que tal como ele feito, e de qualquer

    maneira vocs o percorram, ele limita todos nossos passos; eu quero dizerque a cada vez que uma coisa consistir em dar um passo ele exigir quens no faamos mais de trs elementares.Vocs vo verificar que para isso que tendem as pequenas rolhas departida e as pontos das setas, assim como as asinhas que concernem aossegmentos que devem sempre estar numa posio secundriaintermediria, os outros so seja iniciais seja terminais.Portanto, em trs tempos, as duas cadeias, a do discurso e a dosignificante, chegaram a convergir ao mesmo ponto, no ponto damensagem. Isso faz com que o Senhor Hirsch-Hyacinthe tenha sido tratadode uma maneira totalmente familionria. Essa mensagem completamente

    incongruente nesse sentido que ela no recebida, ela no est no cdigo.Tudo est l. A mensagem, em princpio, feita para estar numa certarelao de distino com o cdigo, mas ali no plano do prpriosignificante que obviamente ela uma violao do cdigo, da definio queeu lhes proponho do trait d'esprit, nesse sentido que se trata de saber oque ocorre, o que a natureza do que ali ocorre, e o trait d'esprit constitudo por isso: que a mensagem que se produz a um certo nvel daproduo alegre. Ela contm, pela sua diferena, pela sua distino para

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    com o cdigo, ela toma por meio dessa distino e dessa diferena valor demensagem. A mensagem se encontra na sua prpria diferena com ocdigo.Como essa diferena sancionada? Ali o segundo plano o de que se trata.Essa diferena mencionada como trait d'esprit pelo Outro, e isso

    indispensvel, e isso est em Freud, pois h duas coisas no livro de Freudrelativamente ao trait d'esprit: a promoo da tcnica significante, areferncia expressa ao Outro como terceiro, que eu no me canso de lhesrepetir h anos, e absolutamente articulado em Freud pela segunda parte,muito particularmente de sua obra, mas forosamente desde o incio,perpetuamente, por exemplo Freud nos promove que a diferena do traitd'esprit e do cmico consiste nisso, por exemplo, que o cmico dual.Como eu digo, o cmico a relao dual, mas preciso que haja oterceiro-Outro para que haja o trait d'esprit , e, com efeito, essa sano doterceiro-Outro, quer ele seja sustentado por um indivduo ou no, absolutamente essencial. O Outro envia a bola, isto , coloca no cdigo

    enquanto trait d'esprit, ele diz no cdigo que isso um trait d'esprit. essencial, de modo que se ningum faz isso, no h trait d'esprit. Emoutras palavras, se familionrio um lapsus e se ningum percebe isso noconstitui um trait d'esprit. Mas preciso que o Outro o codifique como traitd'esprit.E terceiro elemento da definio: est escrito no cdigo por essainterveno do Outro que esse trait d'esprit tem uma funo que tem umarelao com alguma coisa totalmente situada ao nvel do sentido, e que ,no digo uma verdade - eu ilustrarei a propsito desse exemplo que no na qualidade de familionrio que fazemos aluses sutis a propsito de nosei o que seria a psicologia do milionrio e do parasita por exemplo. Claro,

    isso contribui muito para nosso prazer e ns voltaremos ao assunto, maseu lhes digo desde agora que o trait d'esprit, se quisermos busc-lo estcom Freud pois Freud nos levar o mais longe possvel nesse sentido ondeest sua extremidade, pois de extremidade que se trata, e que hextremidade, e sua essncia diz respeito a alguma coisa que estrelacionada com alguma coisa completamente radical no sentido daverdade, isto , o que chamei em outro lugar (no meu artigo sobre "Ainstncia da letra") alguma coisa que est relacionada essencialmente coma verdade, que se chama de dimenso de libi da verdade, a saber, que emqualquer ponto que ns possamos, e provocando em ns eu no sei quetipo de diplopia mental, querer cercar de perto qual o trait d'esprit.

    O de que se trata o que faz expressamente o trait d'esprit para designarest sempre ao lado, e s visto precisamente olhando para outro lugar. nesse particular que prosseguiremos na prxima vez. Eu os deixocertamente com alguma coisa de suspenso, num enigma, mas creio pelomenos ter colocado os termos mesmos aos quais eu lhes mostrarei nacontinuao que devemos necessariamente nos juntar.

    Traduo : Paulo Roberto Medeiros

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    (1) L'instance de la lettre dans l'inconscient ou la raison depuis Freud;Lacan, Jacques: crits, pp. 493 ss., ditions du Seuil, Paris, 1966. AInstncia da Letra no Inconsciente ou a Razo desde Freud; in Escritos, pp.223 ss., Editora Perspectiva, So Paulo, 1978.(2 ) V. Lacan, Jacques: Subversion du sujet et dialectique du dsir dans

    l'inconscient freudien, crits, pp 793 ss.;Escritos, pp 275 ss. V. notas (10) e(11) a seguir.(3) "os chistes e sua relao com o inconsciente" de acrdo com a traduoda Standard Brasileira, Imago, vol. VIII, 1977; tambm assim traduzidopela Editora Delta S.A., vol. 5, 1959. Lacan traduziu por "Le trait d'esprit",expresso aqui traduzida por "dito espirituoso".(4) Parole, enquanto palavra falada.(5) No texto utilizado para esta traduo est . Consideramos equvoco detranscrio. Para melhor compreenso do que se trata o leitor deverreportar-se "Introduo" de Lacan ao seu Seminrio sobre "A cartaroubada", crits, pp. 41 ss. e sesso de 20 de maro de 1957 no

    Seminrio "A Relao de Objeto e as Estruturas Freudianas". nos parece sero mais correto. V. tambm o esquema da nota (11).(6) " Athalie", tragdia de Racine, 1691, sobre "Athaliah", rainha de Judde 842 a 836 a. c.(7) Point de capiton, em referncia ao ponto de amarrao em estofados,chamados, transliteralmente, "capiton" em portugus.(8)Devido s dificuldades de leitura da frmula no policopiado em francs,transcrevemos ambas, tanto a da "estrutura metonmica" quanto a"metafrica", conforme apresentadas em "L'instance de la lettre dansl'inconscient ou la raison depuis Freud" (V. n. 1)No entanto, apresentaremos aqui tais como esto nas fontes originais:

    Na "primeira": F' ( S... S1) S2 = S (-) s F ( S ) S2 = S (+) sS1Na "segunda": F' ( S... S1) S2 = S (-) s F ( S ) S2 = S(+) sS1Na "Escuela": F ( S ... S1 ) S2 = S (-) s f ( S... S' ) S = S (-) sF ( S ) S2 = S (+) s f ( S') S = S (+) sS1 SEssa verso, tanto quanto a nossa, preferiu tambm a referncia "Instncia da letra".(9) No policopiado da transcrio em francs est assim:n............ Inferimos, a partir da letra n e do contexto que deve ter sido

    empregada a palavra que imprimimos. Coube a Jacques Lacan o mrito dehaver ressaltado a importncia dessa noo freudiana, pois as traduesinglesas e francesas no permitem distinguir-lhe na importncia devidapara o aparelho conceptual elaborado por Freud.(10)Cf. " Subversion du sujet et dialectique du ssir dans l'inconscientfreudien", in crits, pp 793 ss. ; em portugus: Escritos, pp. 275 ss.Na fonte mais recente, a que estamos designando "segunda", apresentado o seguinte grafo:

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    (11) no encontrada(12)dans la roue du moulin paroles merece uma pausa no sentido dasassociaes pertinentes ao uso que Lacan faz de tais termos, pelo menospara nossa leitura. Existe no nordeste um pequeno instrumento depercusso chamado "ri-ri", que uma pequena caixa em forma de

    tambor preso por um cordo a uma haste que se segura para girar a caixa,cujo movimento giratrio faz produzir um som tipo riririririri...Naturalmente Lacan no deveria estar pensando no nosso onomatopicoriri, mas possivelmente em "Mantra", orao que uma repetiogeradora de xtase, parecida com o "Salmodiar" cristo, a "Matraca"medieval para dar um som mais grave marcando a reza. Da a origem dotermo "falar-como-uma- matraca". Mas "Mantra" est mais prximo do"Ri-ri".(13)inter-je na "primeira fonte"; inter-"je" na "segunda". Contudo,concordamos com a verso da Escuela Freudiana de Buenos Aires em quedeve ser inter-jeu, inter-jogo.

    (14) " Presena de esprito"(15) Teclado de uma mquina de escrever: por exemplo: e ou E?(16) Na cpia est algo parecido com Raglitt, que nos parece, deve serWilliam Hazlitt (1778-1830). Isto na "primeira fonte". Na "segunda" h aconfirmao de Hazlitt, s que o escreve Haslitt.(17) No policopiado em francs: "et qui s'appellent respectivement G.Fischer, Fridrich Theodore Fischer et L....., professeur munichois"...Atribuimos tais erros transcrio, ao desconhecimento do texto de Freud -e da prpria histria da filosofia, pois os nomes citados pelo prprio Freudso: Kuno Fischer, Friedrich Theodor Vischer e Theodor Lipps, havendoainda pelo mais um, homofnico a dois referidos, tambm citado por Freud:

    Jean- Paul Richter, podendo haver sido citado por Lacan e no haver sidotranscrito. Por certo Lacan os conhecia, a julgar por seus comentrios sobrea obra daqueles autores.(18) No policopiado em francs: ... " c'est Henriette ......." ..., outro erro detranscrio.(19) Em francs: "Azebedel". A assonncia e o contexto, alm do prprioFreud, nos permitem a correo. J.B. Pontalis, em sua verso do Seminriode Lacan tambm pode ser consultado pelo leitor.(20) Em todo o pargrafo "eu" corresponde a "je", e considerando oesquema referido (V. nota 2), alm do uso do termo "Outro" com maiscula- "Autre" - provvel que este "outro" seja "Outro", tambm em

    maiscula.

    2-SESSO DE 13 DE NOVEMBRO 1957Voltemos nossa exposio no lugar onde a tnhamos deixado na ltimavez, isto , no momento em que, Hirsch-Hyacinthe, falando ao autor deReisebilder que ele encontrou nas termas de Lucca, lhe diz: "Toverdadeiro como Deus deve me dar tudo o que h de bom o fato queestava sentado exatamente como um igual, totalmente familionariamente".

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    Este pois o ponto de partida, a palavra familionrio que, em suma, foibem sucedida; ela conhecida pelo ponto de partida que Freud aproveitou., pois, por a que reiniciamos, e al que vou j procurar mostrar-lhes amaneira como Freud aborda o trait d'esprit. A anlise importante paranosso propsito.

    Com efeito, a importncia desse ponto exemplar a de nos manifestar, jque, infelizmente, isso necessrio, de modo no duvidoso, a importnciado significante no que podemos chamar com ele os mecanismos doinconsciente.Evidentemente muito surpreendente ver j que o conjunto dos que noso preparados especialmente pela sua disciplina - refiro-me aosneurologistas - medida que eles se defrontam com o tema delicado daafasia, isto , do dficit da palavra, fazem, a cada dia, progressossubstanciais no tocante ao que se pode chamar de sua formao lingustica,mas que os psicanalistas cuja arte e tcnica se baseiam no uso da palavra,at o presente momento no levaram isso em considerao, ao passo que o

    que Freud mostra no apenas uma espcie de referncia humanistamanifestando sua cultura ou suas leituras no tocante ao que pertence aodomnio da filologia, mas uma referncia absolutamente interna, orgnica.J que espero de vocs, desde a ltima vez, pelo menos a maior parte devocs, devem ter aberto "Le Mot d'Esprit et l'Inconscient", vocs podemperceber que sua referncia tcnica do mot d'esprit considerada comotcnica de linguagem precisamente aquilo ao redor de que gira sempresua argumentao, e que se o que faria sentido no mot d'esprit algumacoisa que parece merecer ser aproximado do inconsciente - no , eu olembrarei, seno tudo o que eu tenho a dizer sobre o trait d'esprit serelaciona com ela - posto que na sua funo mesma de prazer que gira

    sempre e unicamente em razo das analogias de estrutura que s seconcebem no plano lingustico, analogias de estrutura entre o que ocorre nomot d'esprit, eu quero dizer o lado tcnico do mot d'esprit, deixemos o ladoverbal do mot d'esprit, e o que ocorre sob nomes diversos, que Freuddescobriu, momentos sob os nomes diversos, o que o mecanismo prpriodo inconsciente, a saber, os mecanismos tais como condensao,deslocamento, eu me limito a estes dois para hoje.Eis, pois, onde nos encontramos: Hirsch-Hyacinthe, falando a HeinrichHeine (1), ou Hirsch-Hyacinthe, fico de Heinrich Heine (1), conta o quelhe aconteceu, alguma coisa que ocorreu na partida, para nos limitarapenas a esse segmento que acabo de isolar, alguma coisa de muito ntido,

    soerguendo, de algum modo, para coloc-lo sobre uma bandeja, exaltandoo que vai vir, essa invocao testemunha universal e s relaes pessoaisdo sujeito com essa testemunha, isto , Deus. "To verdadeiro como Deusme deve todos os bens", o que algo incontestavelmente ao mesmo temposignificativo pelo seu sentido e irnico pelo que a realidade pode a revelarde imperfeito, mas a partir da a enunciao se faz: "estava sentado aolado de Salomo Rothschild, exatamente como um igual". Eis o surgimentodo objeto: este "exatamente" traz em si alguma coisa que bastante

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    significativa. A cada vez que invocamos o "exatamente", a totalidade, queno estamos completamente certos que essa totalidade sejaverdadeiramente fechada, e, com efeito, isso ocorre em muitos nveis, e eudirei mesmo em todos os nveis do uso dessa noo de totalidade.Aqui, com efeito, ele recomea sobre esse "exatamente" e ele diz:

    "exatamente..." e aqui se produz o fenmeno, a coisa inesperada, oescndalo da enunciao, a saber, essa mensagem indita, esse algo queno sabemos ainda de que se trata, que ns no podemos ainda nomear, eque "... familionrio", alguma coisa que ns no sabemos se um atofracassado ou um ato bem sucedido, um deslizamento ou uma criaopotica. Vamos v-lo. Pode ser tudo ao mesmo tempo, mas convmprecisamente deter-se na formao no mais estrito plano significante, dofenmeno do que vai a seguir ser retomado.Vou diz-lo a vocs, e j anunciei na ltima vez: numa funo significanteque lhe prpria na qualidade de significante escapando do cdigo, isto ,a tudo aquilo que at agora acumulou-se como formaes do significante

    nas suas funes de criao de significado. A encontra-se alguma coisa denovo que aparece, que pode ser atado prpria mola do que se podechamar de progresso da lngua, sua mudana.Convm, de incio, determo-nos sobre esse algo na sua formao mesma,eu quero dizer, no ponto em que isso se situa em relao ao mecanismoformador do significante. Convm determo-nos aqui para poder mesmovalidamente continuar no que vai se revelar como sendo as seqelas dofenmeno, at mesmo seus acompanhamentos, at mesmo ocasionalmentesuas fontes, seus pontos de apoio. Mas o fenmeno essencial esse n,esse ponto onde aparece esse significante novo, paradoxal, esse"familionrio" de onde Freud parte e ao qual ele volta incessantemente, no

    qual ele nos pede para parar, ao qual vocs o vero, at o final de suaespeculao sobre o trait d'esprit, ele no perde a oportunidade de voltarcomo designando o fenmeno essencial, o fenmeno tcnico que especificao mot d'esprit, e que nos permite discernir o que o fenmeno central,aquilo por meio de que ele nos ensina no plano que nosso plano prprio,a saber, relaes com o inconsciente, e que nos permite tambm pelamesma oportunidade projetar a luz de uma nova perspectiva sobre tudoque o rodeia, tudo o que o leva naquilo que pode ser chamado de as"Tendenzen", uma vez que o termo "Tendenzen" que empregado nessaobra, desse fenmeno de radiaes diversas, ao cmico, ao riso, etc...;fenmenos que podem irradiar dele.

    Vejamos agora familionrio. H vrias maneiras de abordar esse termo.Esta a finalidade, no somente desse esquema, mas desse esquemaassim como ele lhes dado para lhes permitir inscrever aos planosdiferentes da elaborao significante, a palavra elaborao sendo escolhidaaqui especialmente, j que sendo escolhida aqui expressamente uma vezque Freud a menciona especialmente.Examinemos isso, e, para no lhes surpreender muito, vejamos em quesentido isso se dirige, o que ocorre quando familionrio aparece? Pode-se

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    dizer que alguma coisa a se indica que nos sentimos como uma intenoque vai nesse sentido; alguma coisa tende a surgir da que alguma coisade irnico, at mesmo satrico, alguma coisa tambm que aparece menos,mas que se desenvolve, por assim dizer, nos contragolpes do fenmeno, noque vai se propagar no mundo depois. uma espcie de surgimento de um

    objeto, ele, que vai mais para o cmico, para o absurdo, para o no-senso. o familionrio considerado como a derriso do milionrio, que tende aassumir a forma de figura, e pouco seria preciso para indicar-lhes em quedireo, com efeito, ele tende a se encarnar.Alis Freud assinala en passant que em alguma parte tambm HeinrichHeine, redobrando seu mot d'esprit, chamar o milionrio de o "Millionarr",o que, em alemo, quer dizer o louco milionrio, ou, como poderamostraduzir, alis, em francs, na continuao e na linha de substantivao dofamilionrio de quem eu falava ainda h pouco, o "fat-millionaire" comtrao de unio [presunoso-milionrio]. Isso serve para dizer-lhes que esta a aproximao que faz com que ns no fiquemos inumanos.

    No convm ir muito mais adiante porque, para dizer a verdade, no omomento, justamente o tipo de passo que no deve ser apressado, asaber, no entender muito depressa visto que quando se entende muitodepressa, no se entende absolutamente nada. Isso no explica, mesmoassim, o fenmeno que acaba de ocorrer na frente dele, a saber, como serelaciona ao que podemos denominar a economia geral da funo designificante.Agora bem prreciso que eu insista para que vocs todos tomemconhecimento do que escrevi naquilo que chamei de "A instncia da letrado inconsciente", a saber, os exemplos que dei, nesse texto, das duasfunes que chamo de funes essenciais ao significante, j que por elas

    que por assim dizer, a relha do significante cava no real o que se cham designificado, o evoca literalmente, o faz surgir, o manipula, o gera; a saber,as funes da metfora e da metonmia.Parece que, para alguns, meu estilo, digamos, que barra a entrada desseartigo. Sinto muito. Primeiro, no posso fazer nada, meu estilo como ele. Peo-lhes que faam um esforo a este respeito, mas gostariasimplesmente de acrescentar que quaisquer que sejam as deficincias quepossam intervir por minha causa, h tambm, todavia, nas dificuldadesdesse estilo, talvez consigam perceb-lo, alguma coisa que deve responderao prprio objeto de que se trata.Se se trata, com efeito, a propsito das funes criadoras que o significante

    exerce sobre o significado, de falar disso de uma maneira vlida, a saber,no apenas simplesmente falar da palavra, mas falar da fluncia dapalavra, por assim dizer, para evocar suas prprias funes, talvez acontinuao de minha exposio deste ano lhes mostre que hnecessidades internas de estilo, a conciso por exemplo, a aluso, atmesmo a farpa que so talvez elementos essenciais bem decisivos paraingressar numa rea cujas entradas comandam, assim como toda atextura.

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    Voltaremos pois ao assunto mais adiante a propsito exatamente de umcerto estilo que no hesitaremos mesmo em chamar pelo seu nome, pormais ambguo que possa parecer, a saber, o maneirismo [manirisme].Procurarei mostrar-lhes o que ele tem por trs dele, no somente umagrande tradio, mas uma funo insubstituvel.

    Isto apenas um parntese para voltarmos ao meu texto. Nesse textovocs vero que o que eu chamo, depois de outros - foi Roman Jakobsonque a inventou - , a funo metafrica e a metonmica da linguagem estoligadas a alguma coisa que se exprime muito simplesmente no registro dosignificante, cujas caractersticas do significante so, como j enuncieidiversas vezes no decorrer dos anos anteriores, as da existncia de umacadeia articulada e, como acrescentava nesse artigo, tendendo a formaragrupamentos firmes, isto , formados de uma srie de anis prendendo-seuns aos outros para formarem cadeias, as quais, por sua vez, se prendemem outras cadeias como se fossem anis, o que um pouco evocadotambm pela forma geral desse esquema, mas que no diretamente

    apresentado.A existncia dessas cadeias na sua dupla dimenso implica nisto: que asarticulaes ou ligaes do significante comportam duas dimenses, a quese pode chamar de combinao, continuidade, concatenao da cadeia, e adas possibilidades de substituio sempre implicadas em cada elemento dacadeia.Este segundo elemento, absolutamente essencial, aquele que, nadefinio linear que Freud dava da relao do significante e do significado, o que est omitido. Em outras palavras, em todo ato de linguagem adimenso diacrnica essencial, mas h uma sincronia implicada, evocadapela possibilidade permanente de substituio inerente a cada um dos

    termos do significante. Em outras palavras, so as duas relaes que euvou lhes indicar :

    - F ( S... S') s - diacronia/metonmia+ F ( S' ) S - sincronia/metforaS

    uma dando o elo da combinao do elo do significante, e a outra a imagemda relao de substituio sempre implcita em toda articulaosignificante.No necessrio ter extraordinrias possibilidades de intuio para

    perceber que deve existir, pelo menos, alguma relao entre o queacabamos de ver se produzir e o que Freud esquematiza no tocante formao do familionrio, a saber, em duas linhas diferentes: "estavasentado... etc... de uma maneira totalmente familionria" e, abaixo,"milionrio". Freud acrescenta: o que isso pode significar? Isso podesignificar que alguma coisa caiu, que foi eludida, isso significa, na medidaem que possamos permiti-lo ou que possamos realiz-lo ou consegui-lo,um milionrio. Alguma coisa caiu na articulao do sentido, alguma coisa

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    ficou, o milionrio. Alguma coisa ocorreu que comprimiu, embutido um nooutro, o familiar e o milionrio, para produzir o "familionrio".H, pois, a, alguma coisa que uma espcie de caso particular da funode substituio; caso particular do qual, de algum modo, ficam vestgios. Acondensao, se quiserem, uma forma particular do que pode se produzir

    ao nvel da funo de substituio.Seria bom que desde j vocs tenham em mente a longa exposio que fizem torno de uma metfora, a do feixe [NT: de trigo] de Booz [NT: de VictorHugo]: "Seu feixe no era avarento nem odiento" mostrando que o fatoque seu feixe substitui o termo Booz, em que constitui a a metfora, e quegraas a essa metfora alguma coisa em torno da figura de Booz surge,que um sentido, o sentido do advento de sua paternidade, com, atmesmo, tudo o que em volta pode irradiar e respingar disso pelo fato queele chega a tal, mas vocs bem se lembram, de uma maneira inverossmel,tardia, imprevista, providencial, divina, que precisamente essa metforaque est presente para mostrar esse advento de um novo sentido em torno

    do personagem de Booz que disso parecia excludo, prescrito, e que tambm nesta relao de substituio essencialmente que devemos v-lo,a mola criadora, a fora criadora, a fora de gerar, o caso de dizer, dametfora.Isso uma funo muito geral, diria mesmo que por a, que por essapossibilidade de substituio que se concebe a gerao mesmo, por assimdizer, do mundo, do sentido, que toda a histria da lngua, a saber, asmudanas de funo graas s quais uma lngua se constitui, que al eno em outro lugar que devemos apreend-la; que se, por acaso, houvessea possibilidade para ns de dar uma espcie de modelo ou de exemplo doque a gnese do aparecimento de uma lngua nesse mundo inconstitudo

    que o mundo poderia ser antes que se falasse, devemos supor que algumacoisa de irredutvel e de original que , seguramente, o mnimo de cadeiassignificantes, mas um certo mnimo sobre o qual no insistirei hoje, emborafosse conveniente falar a respeito. Mas eu j lhes dei bastante indicaes aesse respeito, sobre este certo mnimo, posto que pela via da metfora, asaber, do jogo da substituio de um significante por outro, emdeterminado lugar, que se cria no somente a possibilidade dedesenvolvimento do significante, mas a possibilidade de surgimento desentidos sempre novos, tendendo sempre a ratificar, para complicar e paraaprofundar, para dar seu sentido de profundidade ao que no real apenaspura opacidade.

    Eu os deixo procura de um exemplo disso para ilustrar o assunto, o quese pode chamar o que ocorre na evoluo do sentido, e como sempre maisou menos al encontramos esse mecanismo da substituio. Como siacontecer nesses casos, eu aguardo meus exemplos do acaso. Esteexemplo no deixou de ser-me fornecido por algum das minhas relaesmais prximas, por algum que, ao fazer uma traduo, tivera de procurarno dicionrio o sentido da palavra "atterr" e que j havia ficado surpresoao pensar que nunca havia entendido bem o sentido desta palavra "atterr"

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    ao constatar que, contrariamente ao que essa pessoa pensava, "atterr"no tem originariamente e em muitos de seus empregos, o significado dedominado pelo terror, mas sim de jogado por terra.Em Bossuet [NT: Corresponderia, no Brasil, ao Pe. Antnio Vieira],"atterrer" significa literalmente jogar por terra e, em outros textos, um

    pouco posteriores, vemos se precisar esta espcie de peso do terror.Quanto a ns, diramos incontestavelmente que os puristas contaminam,desviam o significado da palavra "atterr". Mesmo assim os puristas, aqui,esto errados, no h nenhuma espcie de contaminao e mesmo se, derepente, aps ter-lhes lembrado este significado etimolgico da palavra"atterr", alguns de vocs podem pensar que "atterr" no evidentemente outra coisa seno dirigir para a terra, fazer tocar a terra,colocar to baixo como a terra, rebaixar at a terra, em outras palavras,consternar; mesmo assim o uso corrente da palavra implica este segundoplano de terror.O que significa isso? Isso significa que se partirmos de alguma coisa que

    tem uma certa relao com o significado originrio por pura conveno,porque no h, em parte alguma, origem da palavra "atterr", mas queseja a palavra "abattu" [abatido] na medida em que evoca, com efeito, oque a palavra "atterr" nesse significado pretensamente puro poderiaevocar para ns, a palavra "atterr" que lhe substituda, de incio, comouma metfora, uma metfora que no parece ser uma porque partimosdessa hiptese que, originariamente, significam a mesma coisa: jogar porterra ou contra a terra, isso que peo que vocs observem, no por issoque "atterr" mude de algum modo o significado de "abattu" que ele vai serfecundo, gerador de um novo significado, a saber, o que significa algum"atterr". Com efeito, um novo significado, uma nuana, no a

    mesma coisa que "abattu" e, por mais que implique um terror no tampouco "terroris" [aterrorizado], alguma coisa nova.Desta nova nuana de terror que isso introduz no sentido psicolgico e jmetafrico que a palavra "abattu" tem, porque psicologicamente ns noestamos nem "atterrs" nem "abattus" h alguma coisa que ns nopodemos dizer enquanto no houver palavras, e essas palavras procedemde uma metfora, a saber, o que ocorre quando uma rvore est sendoabatida, ou quando um lutador abatido, jogado por terra, segundametfora.Mas observem que no absolutamente porque originariamente nistoque reside o interesse da coisa, que a slaba "ter" que se encontra em

    "atterr" quer dizer terror que o terror introduzido; que, em outraspalavras, a metfora no uma injeo de sentido como se fosse possvel,como se os sentidos estivessem em alguma parte, onde quer que seja,num reservatrio. A palavra "atterr" no traz significado por ter umasignificao, mas por ser significante, isto , que tendo o fonema "ter" eletem o mesmo fonema que est em terror. pela via significante, pela viado equvoco, pela via da homonmia, isto , da coisa mais sem sentidoque seja que ele vem gerar essa nuana de sentido, que ele vai introduzir,

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    que ele vai injetar no sentido j metafrico de "abattu" essa nuana deterror.Em outras palavras, na relao S , isto , de um significante para um

    S

    significante, que vai se gerar uma certa relao S , isto , significante sobresignificado.

    sMas a distino dos dois essencial, est na relao de significante asignificante, em alguma coisa que liga o significante daqui ao significanteque est l, isto , em alguma coisa que a relao puramentesignificante, isto , homonmica de "ter" e de "terror" que vai poder seexercer a ao que a gerao de significao, a saber, nuanamento peloterror do que j existia como sentido numa base j metafrica.Isto, pois, exemplifica o que ocorre ao nvel da metfora. Gostaria apenas

    de lhes indicar alguma coisa que vai lhes mostrar como isso vai aoencontro, por um incio de trilha, de alguma coisa que vai ser muitointeressante do ponto de vista do que vemos ocorrer no inconsciente.Tudo, assim, ao nvel de fenmenos de criao de sentido normal pela viasubstitutiva, pela via metafrica que preside evoluo e criao dalngua, mas, ao mesmo tempo, criao e evoluo do sentido como tal,eu quero dizer, do sentido considerado no somente como percebido, masque o sujeito se inclui nele, isto , na medida em que o sentido enriquecenossa vida.Quero simplesmente que vocs observem isto: indiquei-lhes j que afuno essencial de significante slaba-gancho "ter", isto , de alguma coisa

    que devemos considerar como puramente significante, da reservahomonmica com a qual trabalha, quer ns o vejamos ou no, a metfora.O que mais ocorre? No sei se vocs vo entender bem, imediatamente,mas vocs entendero melhor quando virem o desenvolvimento. apenasum incio de uma via essencial. que, em toda a medida em que se afirmaou se constitui a nuana de significao "atterr", essa nuana, observembem, implica certa dominao e certo amansamento do terror. Aqueleterror no meramente nomeado, mas ele , todavia, atenuado, e o quepermite conservar, alis, para que vocs continuem a manter no seuesprito a ambiguidade da palavra "atterr". Afinal, vocs pensam que"atterr" tem com efeito, relao com a terra, que o terror, nesse termo,

    no est completo, que o abatimento, no sentido em que para vocs semambiguidade, conserva seu valor prevalecente, que somente umanuana, que, em resumo, o terror uma meia-sombra nessa ocasio.Em outras palavras, bem na medida em que o terror no encarado, considerado pelo vis intermedirio da depresso, que o que ocorre completamente esquecido at o momento em que, j lembrei-lhes, omodelo como tal fica totalmente fora do circuito. Em outras palavras, emtoda a medida em que a nuana "atterr" se estabeleceu no uso em que ela

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    se tornou sentido e uso de sentido, o significante presentificado,pronunciemos a palavra: o significado recalcado propriamente dito. Emtodos os casos, assim que se estabeleceu na sua nuana atual o uso dapalavra "atterr", o modelo, salvo recurso ao dicionrio, ao discurso culto,no est mais sua disposio. A propsito da palavra "atterr", ela

    como "terre" [NT: "terra"], recalcada.Eu me adianto agora um pouco demais porque um modo de pensamentoao qual vocs ainda no esto acostumados, mas creio que isto nos evitarum regresso. Vocs vo ver at que ponto o que denomino de comeo dascoisas se acha confirmado pela anlise dos fenmenos.Voltemos aos nosso familionrio, ao ponto de juno, portanto, ou decondensao metafrica onde o vimos se formar.A esse nvel, separar a coisa de seu contexto, a saber, j Hirsch-Hyacinthe, isto , o esprito de Heinrich Heine [NT: Henri Heine dopolicopiado "original"] que o gerou, iremos procur-lo ulteriormente muitomais longe na sua gnese, nos antecedentes de Heinrich Heine, nas

    relaes de Heinrich Heine com a famlia Rothschild. Seria at preciso relertoda a histria da famlia Rothschild para ter certeza de no errar, masainda no chegamos l.Por ora estamos em familionrio. Vamos isol-lo um instante. Estreitemos omximo possvel o campo de viso da cmera em torno desse familionrio.Ele bem que poderia ter nascido em outro lugar que no seja a imaginaode Heinrich Heine; talvez Heinrich Heine o tenha fabricado em outromomento que no momento em que ele estava diante de seu papel branco ecom a pena na mo; talvez tenha sido numa noite de suas deambulaesparisienses que evocaremos que isso lhe veio mente, assim. Existem attodas as possibilidades que fosse num momento de cansao, de crepsculo.

    Em suma, esse familionrio poderia ser tambm um lapso, perfeitamenteconcebvel.J mencionei um lapso que havia recolhido, florescendo na boca de um demeus pacientes. Conheo outros, mas voltarei quele porque precisosempre voltar para as mesmas coisas at que sejam bem gastas, e, depois,passa-se para outra coisa. o paciente que, enquanto conta a sua histriano meu div, ou suas associaes, evocava o tempo em que com suamulher que ele havia finalmente esposado perante o senhor prefeito, eleno vivia seno "maritablement" [NT: "maritavelmente". "Maritalment"seria o usual: "maritalmente"].Todos vocs j viram que isso pode se escrever "maritalment", o que quer

    dizer que a gente no est casado, e, subjacente, alguma coisa na qual seadjunta perfeitamente a situao de casados e dos no-casados,"misrablement" [NT: "miseravelmente"]. Isso d "maritablement" [NT:"maritavelmente"]. No dito, muito melhor do que dito. Vocs vem atque ponto a mensagem ultrapassa no aquele a quem chamaria omensageiro, pois realmente o mensageiro dos deuses que fala pela bocadesse inocente, mas ultrapassa o suporte da palavra; o contexto, comodiria Freud, exclui totalmente que meu paciente tenha feito um "dito

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    expirituoso" [NT: "mot d'esprit". Fica convencionada a traduo "ditoespirituoso" para "mot d'esprit" e "trocadilho" para "trait d'esprit" at quesurja outra que nos parea mais adequada para distinguir ambos os usospor Lacan.] e, com efeito, vocs no o conheceriam se, nessaoportunidade, eu no houvesse sido o Outro com um O maisculo [NT: A,

    de Autre], isto , o ouvinte, e o ouvinte no somente atento, mas o ouvinteouvindo [NT: "l'auditeur entendant", "o ouvinte ouvindo" ou "o ouvinteentendendo"], no verdadeiro sentido do termo. Mesmo assim, colocado noseu lugar, justamente no Outro, um "dito espirituoso" particularmentesensacional e brilhante.Desta aproximao entre o "trocadilho" e o lapso Freud d inmerosexemplos em "A Psicopatologia da Vida Cotidiana", e, oportunamente, eleprprio a ressalta, e justamente mostra que se trata de algo que tovizinho do "dito espirituoso" que ele forado ele prprio a dizer, e somosforados a acreditar na palavra dele, que o contexto exclui que o ou apaciente haja feito esta criao com o propsito de "dito espirituoso".

    Em algum lugar da "Psicopatologia da Vida Cotidiana" Freud d o exemplodessa mulher que, falando da situao recproca dos homens e dasmulheres, diz: para que uma mulher interesse aos homens preciso queela seja bonita, o que no dado a todo mundo, ela acrescenta na suasentena, mas para um homem basta que ele tenha os cinco membrosretos [NT: "droits": retos, rijos, arrumados...].Tais expresses nem sempre so perfeitamente traduzveis, e sou muitasvezes obrigado a fazer uma transposio completa, isto , a recriar apalavra em francs. L seria quase necessrio empregar o termo"totalmente rijo". A palavra "droit" no de uso corrente, to poucocorrente que tampouco o em alemo. preciso que Freud faa uma [NT:

    Falta alguma palavra aqui que poderia ser "distino".] entre os quatromembros e os cinco membros, apenas para explicar a gnese da coisa qued contudo a tendncia um tanto libertina que no duvidosa.O que Freud, em todo caso, nos mostra, que a palavra no atinge todiretamente o alvo nem em alemo nem em francs onde traduzida porcinco membros retos, e que, por outro lado, d isso por textual que ocontexto exclui que a mulher aparea to crua. realmente um lapso, masvocs vem como isso se assemelha a um "dito espirituoso".Logo, vemos que isto pode ser um "dito espirituoso", isto pode ser umlapso, diria at mais: isso pode ser, pura e simplesmente, uma tolice, umaingenuidade lingustica. Afinal, quando qualifico isso no meu paciente, que

    era um homem particularmente simptico, no era nele realmente umlapso, a palavra "maritablement:" fazia realmente parte, para ele, de seulxico; ele no pensava de modo algum dizer algo de extraordinrio. Hpessoas assim, que circulam na existncia, pessoas que ocupam altoscargos, e que produzem palavras deste tipo. Dizem que um famosoprodutor de cinema produzia algumas assim, por quilmetro, o dia todo.Dizia, por exemplo, ao concluir algumas de suas sentenas imperiosas: "etpuis c'est comme a, c'est sign qua non" [NT: " assim, assinado: no".

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    A frase em francs torna-se homfona expresso latina "conditio sine quanon", "condio sem a qual no...", " assim, no se pode mudar"].No era lapso, era simplesmente um fato de ignorncia e de tolice.Quero apenas mostrar-lhes que convm pararmos um pouco ao nvel dessaformao, e j que, em suma, falamos de lapso, o que, dentre tudo isso,

    nos toca de mais perto, vejamos um pouco o que ocorre ao nvel doslapsos. Da mesma maneira que falamos de "maritablement", voltemos parao lapso pelo qual passamos diversas vezes, para sublinhar justamente essafuno essencial do significante, o lapso, seu eu posso dizer, original, nabase da teoria freudiana, aquele que reinaugura a "Psicopatologia da VidaCotidiana", aps ter sido, alis, a primeira coisa pblica da primeira edio,que o esquecimento do nome.A primeira vista, um esquecimento e as coisas de que acabo de falar noso as mesmas coisas, mas se o que estou explicando tem seu alcance, asaber, se realmente o mecanismo, o metabolismo do significante que estno princpio e na mola das formaes do inconsciente, devemos encontr-

    las todas al, e o que distingue no exterior deve reencontrar sua unidade nointerior. Ento, agora, em vez de termos familionrio, temos o contrrio,temos alguma coisa que nos falta.O que nos mostra a anlise que faz Freud do esquecimento do nome, donome prprio, estrangeiro?Temos a primcias de coisas s quais voltarei e darei seu desenvolvimentomais tarde, mas devo assinalar, en passant, a peculiaridade desse caso talcomo Freud o apresenta.O nome prprio um nome estrangeiro. Lemos "A Psicopatologia da VidaCotidiana" assim como lemos o jornal, e sabemos tanta coisa quepensamos que isso no merece que ns nos detenhamos em coisas que,

    contudo, foram os passos de Freud. Ora, cada um destes passos mereceser considerado, pois cada um portador de ensinamentos e rico emconseqncias.Eu assinalo, pois, nesse particular, porque teremos de voltar ao assunto,que, a propsito de um nome, e de um nome prprio, ns estamos ao nvelda mensagem. alguma coisa cujo alcance teremos de reencontrarposteriormente. No posso dizer tudo ao mesmo tempo, como ospsicanalistas de hoje que so to sbios que dizem tudo ao mesmo tempo,que falam do "je" e do "moi" como de coisas sem complexidade e quemisturam tudo.O que importante que nos detenhamos no que est ocorrendo. Que seja

    um nome estrangeiro ou um nome prprio, isto faz diferena. um nomeestrangeiro na medida em que seus elementos so estrangeiros lngua deFreud, a saber, que Signor no uma palavra da lngua alem. Mas seFreud o assinala justamente porque ns nos encontramos numa outradimenso que a do nome prprio como tal, que, por assim dizer, se nofosse absolutamente prprio e particular no teria ptria. Todos eles estomais ou menos ligados a sinais cabalsticos, e Freud ressalta que isso no desprovido de importncia. Ele no diz porqu, mas o fato que ele o isolou

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    num captulo inicial prova que ele pensa que um ponto particularmentesensvel da realidade que ele aborda.H outra coisa que Freud destaca imediatamente e sobre a qualcostumamos no nos deter, o que lhe pareceu digno de registro noesquecimento dos nomes, tanto que ele comea a evoc-los para abordar

    "A Psicopatologia da Vida Cotidiana". que esse esquecimento no umesquecimento absoluto, um buraco, uma hincia, que outra coisa seapresenta em seu lugar, outros nomes. A est o que inicia, o que ocomeo de toda cincia, isto , a surpresa. Realmente no se pode sersurpreendido por aquilo que j se comeou a receber um pouco seno sedetm porque no se v nada. Mas Freud, que conta precisamente com suaexperincia de neurtico, v a alguma coisa, v no fato que substituiesse produzem, alguma coisa merece que se detenha nela.Aqui vou apressar um pouco meu passo para que vocs observem toda aeconomia da anlise que vai ser feita no tocante a esse esquecimento donome, desse lapso no sentido que daramos palasvra lapso onde o nome

    caiu.Tudo vai se centrar em torno do que pode ser chamado uma aproximaometonmica. Por qu? Porque o que vai primeiro reaparecer so essesnomes de substituio: Signorelli, Botticelli.Como Freud nos mostra que ele os entende de uma maneira metonmica?Vamos entender dessa maneira, e por isso que eu dou essa volta pelaanlise de um esquecimento, que a presena desses nomes, seuaparecimento em lugar do Signorelli esquecido se situa ao nvel de umaformao que tampouco de substituio, mas de combinao. No hnenhuma relao perceptvel na anlise que Freud faria do caso entreSignorelli, Boltraffio [NT: Boltrasic no original] e Botticelli, a no ser

    relaes indiretas ligadas unicamente a fenmenos de significante.Botticelli, diz ele, e vou considerar inicialmente apenas o que ele nos diz.Devo dizer que uma das demonstraes mais claras que Freud j tenhadado de mecanismos de anlise de um fenmeno de formao e dedeformao ligado ao inconsciente. Isso no deixa nada a desejar emmatria de clareza. Sou obrigado, para a clareza de minha exposio, deapresentar-lhes de um modo indireto, dizendo: o que Freud diz. O queFreud diz impe-se no seu rigor. Em todo caso o que ele diz dessa ordem,a saber, que Botticelli est a porque o resto na sua ltima metade, e"elli" de Signorelli descompletado pelo fato que o Signor esquecido; "bo" o resto, o descompletado de Bsnia Herzegovine, na medida em que o

    "Herr" recalcado. O mesmo ocorre para Boltraffio [NT: Boltracio nooriginal], o mesmo recalque do "Herr" que explica que Boltraffio [NT:Boltracio no original] associa o "bo" de Herzegovina ao Trafoi, que umalocalidade que antecede imediatamente aventuras dessa viagem, aquelaonde soube do suicdio de um de seus pacientes por razo de impotnciasexual, isto , o mesmo termo que aquele que evocou na conversao queantecedia imediatamente com a pessoa que est no trem entre Ragusa eHerzegovina, e que lhe evoca esses turcos, esses muulmanos que so

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    pessoas to simpticas que quando o mdico no conseguiu cur-losdizem: "Herr (Senhor), sabemos que voc fez todo o possvel, mas,contudo", etc... O "Herr", o peso prprio, o acento significativo, a saber,esse algo que est no limite do dizvel, esse "Herr" absoluto que a morte,essa morte, como diz La Rochefoucauld, "que, como o sol, no pode ser

    encarada frente a frente", e que, efetivamente, Freud, como muitos outros,no pode mais encarar frente a frente. Embora ela lhe seja presentificadapor sua funo de mdico, de um lado, por uma certa ligao tomanifestamente presente, ela, por outro lado, tem um acento muitopessoal.Essa ligao, naquele momento, de uma maneira indubitvel no texto,

    justamente entre a morte e alguma coisa que tem uma relao muitoestreita com a potncia sexual, no est, muito provavelmente, unicamenteno objeto, isto , naquilo que lhe presentifica o suicdio de seu paciente.Isto vai certamente mais longe. O que quer dizer? Isto quer dizer que tudoo que encontramos so as runas metonmicas a propsito de uma pura e

    simples combinao de significantes: Bsnia, Herzegovina, so as runasmetonmicas do objeto de que se trata que est por trs dos diferenteselementos particulares que vieram atuar ali, e num passado imediato queest por trs disso, o "Herr" absoluto, a morte. na medida em que o"Herr" absoluto passa para outro lugar, desaparece, recua, recalcado,est em toda a expresso do termo "Unterdrck" que h duas palavras comas quais Freud brinca de uma maneira ambgua. Este "Unterdrck", jtraduzi como cado nos baixos [NT: tomb dans les dessous], na medidaem que o "er" aqui, ao nvel do objeto metonmico, correu nesta direo, epor uma razo muito boa, que ele corria o risco de estar excessivamentepresente em decorrncia dessas conversaes, que como "Ersatz" ns

    encontramos os fragmentos, as runas do objeto metonmico, a saber, esse"bo" que aparece para se compor com a outra runa do nome , naquelemomento, recalcado, a saber, "elli", para no aparecer no outro nome desubstituio que dado.Isto o rasto, o ndice que temos do nvel metonmico que nos permitereencontrar a cadeia do fenmeno no discurso, no que pode ser aindapresentificado nesse ponto em que, na anlise, se situa o que nschamamos de associao livre, na medida em que essa associao livre nospermite seguir a pista do fenmeno inconsciente.Mas no s isso, vale registrar que nem o Signorelli, nem o Signor jamaisforam l onde ns encontramos os rastos, os fragmentos do objeto

    metonmico quebrado. Posto que metonmico, ele j est quebrado. Tudoo que ocorre na ordem na linguagem, se apresenta sempre cumprido. Se oobjeto metonmico se fragmenta j to facilmente porque j h qualidadede objeto metonmico, ele apenas um fragmento da realidade que elerepresenta.Se o Signor no evocvel, se ele que faz com que Freud no possareencontrar o nome de Signorelli, que ele est implicado. Ele estenvolvido, evidentemente, de uma maneira indireta, uma vez que, para

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    Freud, o "Herr" que foi efetivamente pronunciado num momentoparticularmente significativo da funo que ele pode tomar como "Herr"absoluto, como representante dessa morte que , nessa oportunidade,"Unterdrck", que o "Herr" pode simplesmente se traduzir por Signor. aqui que reencontramos o nvel substitutivo, pois a substituio a

    articulao, o meio significante onde se instaura o ato da metfora. Masisto no significa que a substituio seja a metfora. Se eu lhes ensino aquia proceder, em todos os caminhos, de uma maneira articulada, no precisamente para que vocs se entreguem o tempo todo a abusos delinguagem. Digo-lhes que a metfora se produz no nvel da substituio,isso quer dizer que a substituio uma possibilidade de articulao dosignificante, e que a metfora ali se exerce com sua funo de criao designificado nesse lugar onde a substituio pode se produzir. So duascoisas diferentes. Da mesma forma a metonmia e a combinao so duascoisas diferentes.Destaco isso para vocs, de passagem, porque nessas no-distines que

    se introduz o que se chama de abuso de linguagem, que tipicamentecaracterizado por isso: que no que se pode definir em termos lgico-matemticos como um conjunto ou um subconjunto, quando h apenas umelemento no se deve confundir o conjunto em questo ou o subconjuntocom esse elemento particular.Isso pode ser til para as pessoas que fizeram a crtica de minhas histriasde...Voltemos, pois, ao que ocorre ao nvel de Signor e de "Herr". Simplesmentealguma coisa to simples como esta evidentemente o que ocorre em todatraduo: a ligao substitutiva de que se trata uma substituio que sechama de heteronmia. A traduo de um termo numa lngua estrangeira

    no plano do ato substitutivo, na comparao requerida pela existncia aonvel do fenmeno da linguagem, de vrios sistemas lingusticos, se chamasubstituio heternima.Vocs vo dizer que essa substituio heternima no uma metfora.Concorda, s preciso de uma coisa, que ela seja uma substituio. Sfao seguir o que vocs so forados a admitir lendo o texto. Em outraspalavras, eu quero que vocs tirem de seu saber precisamente isto, quevocs o saibam. Mais do que isto, eu no inovo, tudo isso vocs devemadmiti-lo se admitirem o texto de Freud.Ento, se Signor est envolvido, realmente porque h alguma coisa que oliga quilo cujo fenmeno da decomposio metonmica um sinal para

    vocs, no ponto onde ele se produz, e que consiste nisto: que o Signor um substituto do "Herr".No preciso de mais nada para dizer-lhes que se o "Herr" seguiu para l, oSignor, assim como indica a direo das setas, deslocou-se para l. Nosomente deslocou-se para l, mas podemos admitir, at que eu volte aoassunto, que l que ele comea a girar, isto , que ele devolvido comouma bola entre o cdigo e a mensagem, que ele gira em crculo no que sepode chamar - lembrem-se que eu lhes deixei entrever, h tempo, como

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    possibilidade do mecanismo do esquecimento e tambm da rememoraoanaltica como sendo alguma coisa que devemos conceber comoextremamente aparentadas s memrias de uma mquina, do que est namemria de uma mquina, isto , do que gira em crculo at reaparecer,at que se precise disso, e que forado a rodar em crculo para constituir

    uma memria. No se pode realizar de outro modo a memria de umamquina, alguma coisa cuja aplicao encontramos muito curiosamenteno fato que se podemos conceber o Signor como girando indefinidamenteat que ele seja reencontrado entre o cdigo e a mensagem, vocs vemali ao mesmo tempo a nuana que podemos estabelecer entre o"Unterdrckt" de um lado, e o "Verdrngt" [NT: fordren no original] dooutro, pois se o "Unterdrckt" aqui s precisa ser feito uma vez por todas eem condies s quais o ser no pode descer, isto , ao nvel de suacondio mortal; por outro lado, est claro que de outra coisa que setrata, isto , que se isso mantido no circuito sem poder entrar neledurante certo tempo, bem preciso que admitamos o que Freud admite, a

    existncia de uma fora especial que o contm, e que o mantm, isto , deuma "Verdrngung" propriamente dita.No entanto, aps haver indicado aonde eu quero chegar nesse pontopreciso e particular, eu lhes indico que, embora, com efeito, haja l apenassubstituio, h tambm metfora. A cada vez que h substituio, hefeito ou induo metafrica. No exatamente a mesma coisa paraalgum que de lngua alem dizer Signor ou dizer Herr. Diria mais: totalmente diferente que nos pacientes que so bilingues ou quesimplesmente sabem uma lngua estrangeira e que tendo em determinadomomento algumaf coisa a dizer, eles o dizem em outra lngua. Isto paraeles, podem ter certeza, muito mais cmodo; no nunca sem razo que

    um paciente passa de um registro para outro. Se ele verdadeiramentepoliglota isto faz sentido; se ele conhece imperfeitamente a lngua qualele se refere, isto naturalmente no tem o mesmo sentido; se ele bilinguede nascena, isto tampouco tem o mesmo sentido. Mas em todos os casos,isto tem um sentido, e, em todo caso, aqui, provisoriamente, nasubstituio de Signor por Herr no havia metfora, mas simplesmentesubstituio heternima.Volto ao assunto para dizer-lhes que nessa oportunidade Signor, aocontrrio, para todo o contexto ao qual ele se prende, a saber, Signorelli,isto , precisamente o afresco d'Orviero, isto vale dizer que, como o prprioFreud disse, a evocao das coisas ltimas historicamente representa a

    mais bela das elaboraes desta realidade impossvel a enfrentar que amorte. muito precisamente contando mil fices - dando aqui fico osignificado mais verdico - sobre o assunto dos fins ltimos que nsmetaforizamos, que ns amansamos, que ns fazemos entrar nessalinguagem esta confrontao morte.Portanto est bem claro que o Signor, aqui, na medida em que est ligadoao contexto de Signorelli, esse algo que representa bem uma metfora.Eis, pois, aonde chegamos. Chegamos a isto: que ns nos aproximamos de

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    alguma coisa que nos permite reaplicar, ponto por ponto, j queencontramos para eles um tpico comum, o fenmeno do Witz. A produopositiva do familionrio, no ponto em que se produziu, um fenmeno delapso, de buraco. Poderia citar outro caso e fazer novamente ademonstrao; poderia lhes dar como tarefa referir-se ao exemplo seguinte

    dado por Freud a propsito da sentena latina evocada por um de seusinterlocutores: "Ex-oriare ex nostris ossibus" [ ]. Arrumando um pouco aspalavras, pois o ex est entre nostris e ossibus [ ], e deixando cair asegunda palavra indispensvel escanso, aliquis [ ] , a razo pela qualele no pode fazer aparecer aliquis [ ].Vocs s poderiam realmente entend-los reportando-o mesma grade[NT: grille: quadrinhos, tipo palavras cruzadas ou mensagens cifradas],sem essa mesma ossatura, com seus dois nveis: seu nvel combinatriocom esse ponto escolhido, onde se produz o objeto metonmico como tal, e,ao nvel substitutivo, com esse ponto escolhido onde ele se produz, aoencontro das duas cadeias do discurso, de um lado, e, de outro, da cadeia

    significante, ao estado puro, ao nvel elementar que constitui a mensagem.J vimos que o Signor est recalcado aqui no circuito mensagem-cdigo, oHerr est unterdrck [reprimido] ao nvel do discurso, pois foi o discursoque o precedeu, que captou esse Herr, e o que voltam a encontrar, o quelhes permite retomar as pegadas do significante perdido so: [NT: Palavrailegvel. Poderia ser "restos"] os restos [?] metonmicos do objeto.Eis o que revela a anlise do exemplo do esquecimento do nome em Freud.Da em diante vai parecer-nos mais claramente o que podemos pensar dofamilionrio.O familionrio alguma coisa que, j vimos, em si mesmo tem algumacoisa de ambguo e totalmente da mesma ordem que aquele da produo

    de um sintoma. Se ele for transfervel, capaz de ser sobreposto ao queocorre na economia significante da produo de um sintoma de linguagem,o esquecimento de um nome, devemos encontrar ao seu nvel o quecompleta, o que deixei entender h pouco de sua dupla funo, sua funode visada do lado do sentido, sua funo neolgica transtornante,perturbadora do lado de alguma coisa que se pode chamar de dissoluo doobjeto, a saber, no mais: "ele me admitiu ao seu lado como um igual, deuma maneira completamente familionria", mas essa alguma coisa de ondesurge o que vamos chamar de familionrio na medida em que, personagemfantstica e insignificante, ele aparenta-se a uma dessas criaes comouma certa poesia fantstica que nos permite imaginar alguma coisa de

    intermedirio entre o louco-milionrio e a centopia, que seria, porm,tambm uma espcie de tipo humano tal como se imagina, que passam,vivem e crescem nos interstcios das coisas, [NT: "melkosan" (?); mel ecreme? mistura de nata?] ou alguma coisa anloga, mas, mesmo sem irto longe, passar na linguagem maneira como, desde algum tempo, uma"respeitosa" quer dizer uma puta.Esses tipos de criao so alguma coisa que tem seu valor ao introduzir emalguma coisa at ento inexplorada. Fazem surgir esse algo que

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    poderamos chamar de ser verbal, mas um ser verbal pode ser tambm umser simplesmente que tende a sempre mais a se encarnar. Ento ofamilionrio alguma coi