as interfaces saúde e educação

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AS INTERFACES SAÚDE E EDUCAÇÃO CLÉLIA PARREIRA 1 RUI ANASTÁCIO SILVA 2 Existem muitas formas e situações em que o campo da educação se relaciona com o campo da saúde. Afinal, hoje, é bastante conhecida a importância da educação nos processos de construção de uma condição saudável de vida. Sob tal enfoque, este texto pretende compartilhar algumas reflexões sobre este tema e apontar questões que merecem discussão mais ampliada. Em seu teor, também destacamos o fato de que ao tratar de educação o texto pretende caracterizar a educação formal, possibilitada e ofertada pela escola, uma vez que tratar da educação num contexto mais ampliado, como resultante do processo de convivência em um grupo social, certamente nos obrigaria a outra abordagem e discussão, tão rica e importante quanto essa. Sabemos que em qualquer dos casos os conhecimentos são partilhados, construídos, reconstruídos e ressignificados conforme a história de vida de cada indivíduo e aplicados (ou não) na construção de habilidades importantes para o bem viver e a boa saúde. Entretanto, o que pretendemos agora é refletir sobre as interfaces do setor saúde e do setor educação no contexto escolar, onde seus reflexos ganham a dimensão do real. As interfaces saúde e educação sugerem reflexões a partir dos mais diversos olhares e referenciais. Assim sendo, optamos por discutir as interfaces a partir de alguns antecedentes históricos presentes nas propostas de cada área, da intencionalidade necessária ao incremento de um trabalho integrado, sobretudo agora, momento em que a intersetorialidade se apresenta como uma exigência à implementação de ações de relevância social. ALGUNS ANTECEDENTES HISTÓRICOS Neste tópico, faremos uma rápida retomada da trajetória histórica de encontros desses setores no Brasil, a partir de elementos como os que definem as políticas da educação em saúde, implementadas desde as primeiras décadas do século XX. A respeito, a pesquisadora Nely Martins Ferreira Candeias apresenta em um de seus artigos publicados pela Revista de Saúde Pública uma minuciosa análise da evolução histórica da educação em saúde, apontando que já no primeiro curso organizado no Brasil sobre este tema - em São Paulo,

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As interfaces sade e educao

AS INTERFACES SADE E EDUCAO

CLLIA PARREIRA 1RUI ANASTCIO SILVA 2

Existem muitas formas e situaes em que o campo da educao se relaciona com o campo da sade. Afinal, hoje, bastante conhecida a importncia da educao nos processos de construo de uma condio saudvel de vida. Sob tal enfoque, este texto pretende compartilhar algumas reflexes sobre este tema e apontar questes que merecem discusso mais ampliada.

Em seu teor, tambm destacamos o fato de que ao tratar de educao o texto pretende caracterizar a educao formal, possibilitada e ofertada pela escola, uma vez que tratar da educao num contexto mais ampliado, como resultante do processo de convivncia em um grupo social, certamente nos obrigaria a outra abordagem e discusso, to rica e importante quanto essa.

Sabemos que em qualquer dos casos os conhecimentos so partilhados, construdos, reconstrudos e ressignificados conforme a histria de vida de cada indivduo e aplicados (ou no) na construo de habilidades importantes para o bem viver e a boa sade. Entretanto, o que pretendemos agora refletir sobre as interfaces do setor sade e do setor educao no contexto escolar, onde seus reflexos ganham a dimenso do real.

As interfaces sade e educao sugerem reflexes a partir dos mais diversos olhares e referenciais. Assim sendo, optamos por discutir as interfaces a partir de alguns antecedentes histricos presentes nas propostas de cada rea, da intencionalidade necessria ao incremento de um trabalho integrado, sobretudo agora, momento em que a intersetorialidade se apresenta como uma exigncia implementao de aes de relevncia social. ALGUNS ANTECEDENTES HISTRICOSNeste tpico, faremos uma rpida retomada da trajetria histrica de encontros desses setores no Brasil, a partir de elementos como os que definem as polticas da educao em sade, implementadas desde as primeiras dcadas do sculo XX. A respeito, a pesquisadora Nely Martins Ferreira Candeias apresenta em um de seus artigos publicados pela Revista de Sade Pblica uma minuciosa anlise da evoluo histrica da educao em sade, apontando que j no primeiro curso organizado no Brasil sobre este tema - em So Paulo, 1925 - havia o entendimento de que a "educao sanitria deveria se desenvolver com toda a generalidade possvel e pelos processos mais prticos, de modo a impressionar e convencer os educandos a implantar hbitos de higiene. Dirigia-se ao indivduo, isoladamente, ou a grupos, se conviesse, sendo desenvolvida nos Centros de Sade, em visitas domicilirias, em estabelecimentos escolares, hospitalares e fabris, entre outros".

Essa referncia feita ao trabalho de Geraldo Horcio de Paula Souza, um dos importantes precursores da educao em sade no Brasil, para quem esse primeiro curso foi uma resposta oficial ao policiamento sanitrio vigente na poca. Idealizado como curso de nvel mdio, tinha por pblico-alvo "professores primrios, regentes de classe. Seu objetivo expresso era ministrar conhecimentos tericos e prticos de higiene de modo a que estes professores os introduzissem, posteriormente, nos recm-criados Centros de Sade e em escolas pblicas, a partir de uma proposta eminentemente profiltica".

Em 1934, o curso em questo sofreu algumas modificaes curriculares decorrentes da experincia acumulada desde sua criao, o que refletia uma relao mais prxima entre os setores de educao e sade, ainda que limitada ao campo do desenvolvimento do curso. Em seu currculo, merecem destaque disciplinas como Higiene Infantil, Pr-Escolar e Escolar e Higiene Urbana, Rural e das Habitaes - introduzidas quando da reforma do mesmo.

Muito embora a orientao predominante no currculo fosse claramente profiltica, expressa pela preocupao em disseminar hbitos e conhecimentos de higiene, e toda a verticalidade na inteno de "impressionar e convencer os educandos", h que se reconhecer o avano possibilitado pelo curso. A aproximao com a sociedade pela via da educao, com o propsito de interferir em sua sade, representou uma estratgia inovadora e uma proposta contrria ao regime de policiamento sanitrio praticado na poca. Ao mesmo tempo, o reconhecimento do espao escolar como elemento propiciador de uma forma de interveno nas condies de sade das pessoas refletia o movimento de um grupo de mdicos afeioados a prticas baseadas na educao sanitria como instrumento de combate s doenas infecto-contagiosas - principal causa de reduo da fora produtiva com claras implicaes negativas na economia do pas.

Outro fato a ser relembrado nessa rpida recuperao histrica da aproximao entre os setores de educao e sade refere-se criao dos ministrios que teriam a misso de conduzir nacionalmente as polticas pblicas pertinentes a estas reas. A curiosidade deste momento da histria o detalhe de que, at julho de 1953, as pastas da educao e sade estavam confiadas a um nico ministrio: o Ministrio da Educao e Sade.

Os Anais do Congresso Nacional de 1950 registram as movimentaes de governo para a criao da pasta da Sade, com argumentaes bastante significativas na diviso das atribuies. O at ento Ministrio da Educao e Sade passaria a se chamar Ministrio da Educao e Cultura, mantendo as atribuies ligadas educao, enquanto o Ministrio da Sade seria criado com a misso de dedicar-se aos "problemas atinentes sade humana", com atribuies diversas, das quais destacamos:

traar e executar campanhas sanitrias, bem como planos de assistncia mdico-hospitalar, dentria e medicamentos ao homem brasileiro;

realizar ampla educao sanitria do povo;

realizar estudos, inquritos e pesquisas quanto influncia do meio brasileiro na vida do homem e quanto alimentao do povo nas diversas zonas do pas.

Em 25 de julho de 1953, o presidente Getlio Vargas, ao assinar a Lei n 1.920, desmembrou o ento Ministrio de Educao e Sade em duas novas pastas: o Ministrio da Educao e Cultura e o Ministrio da Sade.

Com esses destaques esperamos ilustrar, com a devida importncia, as razes para se discutir as condies que originaram alguns dos momentos de aproximao entre a educao e a sade, como forma de melhor compreender as interfaces.

Outro bom exemplo da importncia de se conhecer e considerar o contexto das aproximaes entre estes setores o perodo da Revoluo de 1964, que por motivaes doutrinrias provocou uma espcie de padronizao no processo de ensino do pas, desconsiderando as diferenas e especifidades locais que, atualmente, so referenciais para a educao. Tal viso representava a negao da possibilidade de conhecimento e do entendimento da realidade pela populao local. Na sade, houve uma avalanche de aes governamentais direcionadas a subsidiar a construo de um servio de sade baseado na hospitalizao e na densa aplicao de tecnologia, distribuda na lgica de favorecimento a interesses econmicos e de fortalecimento do setor privado s custas de recursos pblicos, em total desacordo com as reais necessidades e possibilidades da sociedade.

Seria possvel dedicar este texto - e muitos outros mais - aos momentos histricos de aproximao e de afastamento dos setores da educao e sade. Afinal, na escola, ainda que em tempos atuais, possvel (e conveniente) conhecer e compreender uma realidade que reflete as interfaces possveis e as relaes construdas desde ento.AS CONVERGNCIAS DE RESPONSABILIDADESNos ltimos 30 anos, a sade tem sido abordada de diferentes formas no contexto escolar, e sua importncia vem sendo reiterada e reforada cada vez mais. As orientaes bsicas sobre a definio de contedos, estruturao e organizao do currculo de ensino fundamental3 nos mostram que na trajetria da educao a sade deixou de ser uma disciplina obrigatria para se constituir em um tema transversal, de fundamental importncia para que a escola efetivamente possa formar cidados crticos e conscientes das suas necessidades, e dos meios para satisfaz-las.

Com a publicao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LDB, em 1971, foi proposta a incluso de "programas de sade" no ncleo comum do currculo, tornando-os obrigatrios em todo o pas. Tais programas, vale ressaltar, tinham como objetivo "levar a criana e o adolescente ao desenvolvimento de hbitos saudveis quanto higiene pessoal, alimentao, prtica desportiva, ao trabalho e ao lazer, permitindo-lhes a sua utilizao imediata no sentido de preservar a sua sade e a dos outros"4. Note-se que h expressiva diferena na concepo e nos propsitos para os contedos de sade trabalhados no contexto escolar, se comparados aos pretendidos nos primeiros cursos de educao em sade realizados nas dcadas de 20 e 30, j comentados anteriormente.

No entanto, aps alguns anos de sua implementao, ainda no se conseguiu desencadear um conjunto de aes educativas articuladas nas quais os contedos, conceitos, dados e princpios pudessem ser colocados como elementos formadores da sade. Mesmo assim, segundo as concluses da avaliao desta experincia, a importncia da educao para a sade foi reconhecida e fortalecida pela preocupao crescente com os estudos sobre as comunidades, especialmente no tocante ao seu papel

na formao da cidadania, e pela necessidade de construo de uma escola mais articulada com o seu contexto e mais flexvel quanto organizao de seus prprios currculos.

na prtica escolar que se configura esse quadro de convergncias de propsitos do setor sade e do setor educao. no cotidiano escolar que ficam tambm fortalecidas as formas de atuao e execuo de planejamentos capazes de promover a autocapacitao dos indivduos e dos vrios grupos de uma sociedade para lidarem com os problemas fundamentais da vida cotidiana e determinantes de sua sade.

Em 1996, a nova LDB definiu a educao como abrangendo "processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais"5, devendo estar vinculada ao mundo do trabalho e da prtica social, o que sugere uma dimenso ampliada do conceito de educao, inclusive.

Embora no apresente de forma explcita a rea de sade - como ocorreu na ocasio em que os programas de sade foram includos no currculo nacional -, a nova Lei previu a elaborao de uma parte diversificada do currculo de ensino fundamental, a ser definida em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, em conformidade com as caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Tal abertura apontava para a necessidade de integrao, extenso e aprofundamento da discusso sobre sade, o que possibilitaria a mobilizao de aes e o desenvolvimento de um trabalho sistemtico e contnuo de promoo da sade no contexto escolar.

interessante observar que neste mesmo perodo o ento Ministrio da Educao e do Desporto - MEC elaborou os Parmetros Curriculares Nacionais - PCN com o objetivo de orientar a incluso de currculos essenciais a serem trabalhados em todas as escolas do pas, procurando garantir "orientaes mais atualizadas e condizentes com o avano dos conhecimentos do mundo contemporneo e afinadas com os valores culturais, que nos so prprios"6. Neles, o tema de sade est contextualizado no Sistema nico de Sade - SUS e para a sua fundamentao foi proposta uma discusso sobre o papel formador da escola no tratamento de um tema to amplo e abrangente, como o caso da sade.

Isso veio reforar a concepo de que, do mesmo modo que a educao, as questes de sade tm sentidos e impactos distintos nas diversas esferas - nacional, regional, estadual, municipal e local -, uma vez que, especialmente no Brasil, em vista de sua ampla territorialidade, existe grande diversidade sociocultural que no permite a adoo de uma abordagem nica que possibilite encontrar as alternativas para o resolutivo enfrentamento das situaes que comprometem o acesso educao e o alcance da sade por todos.

Por essa razo, as preocupaes com as questes de cidadania e de sade passaram a ser mais do que tentar assegurar um espao formal e restrito nos currculos escolares para ser, efetivamente, uma questo de promoo da sade, cujos sentidos e significados tornam-se maiores para ambas as reas - educao e sade.

Enquanto a educao trabalha o desafio de preparar cidados para a vida e no para o simples acmulo de conhecimentos, a sade procura o melhor caminho para o desenvolvimento de habilidades para o bem viver (o agir positivamente sobre os fatores que determinam ou condicionam a sade) e no apenas conhecimentos associados a processos de sade ou de doena. Os processos cognitivos so elementos fundamentais para o desenvolvimento humano, mas no so suficientes para garantir a construo de uma condio saudvel de vida, caso no se constituam como foras protetoras da sade.A AO INSTITUCIONAL: A INTENCIONALIDADE NECESSRIAMesmo com a forte convergncia nos propsitos da educao e da sade, no podemos tomar essa proximidade como espontnea e suficiente para garantir o desenvolvimento de aes integradas entre a educao e a sade, nos nveis federal, estadual, municipal ou local. H que se ter a intencionalidade nas aproximaes institucionais, na forma de planejamentos integrados e polticas pblicas dos diferentes setores que tenham influncia na construo da qualidade de vida, na alocao racional de recursos e no desenvolvimento das aes que busquem explicitamente melhores condies de vida e sade.

Esta aproximao deve ser construda desde o momento em que a escola define seus objetivos, contedos curriculares, processos de avaliao, e especifica os recursos de que vai necessitar e dispor para bem desenvolver suas atividades.

Por sua parte, o setor sade deve tambm moldar suas intervenes a partir das relaes que estabelece com outros setores do seu nvel de gesto (federal, estadual ou municipal), de forma a cada vez mais promover aes que reflitam essa relao intersetorial e a participao da sociedade nas decises que interfiram nos aspectos determinantes de sua vida e sade.

Isso significa que, tanto para a sade como para a educao, a sociedade passa a atuar como protagonista e a intervir sobre os recursos e determinantes de sua qualidade de vida e sade. Essa forma de protagonismo da sociedade pressupe, inclusive, sua atuao no controle dos processos que criam as condies necessrias sua efetiva participao na tomada de decises.

Este um grande desafio e, sobretudo, um propsito comum educao e sade, que justifica essa aproximao intencional nas suas formas de responder s necessidades da sociedade. Na atualidade, os dois setores esto vivendo amplo processo de municipalizao, no qual as decises so tomadas por quem est mais prximo dos problemas: a gesto municipal. Nesse movimento em direo municipalizao que a intersetorialidade e a participao da sociedade ganham maior expresso.

Vale destacar que a maior relao entre os setores de importncia social (como a educao, sade, trabalho, moradia, meio ambiente, justia, entre outros) e a participao da sociedade nos processos de gesto dos mesmos so temas que vm sendo discutidos e implementados no Brasil e em boa parte dos pases que tm valorizado a sade como qualidade de vida de suas populaes. So assuntos que constituem os eixos das discusses sobre a promoo da sade.

Desde a dcada de 70, o conceito de promoo da sade passou a ser sistematizado e disseminado em discusses internacionais que defendem uma forte composio intersetorial em que a sade fsica e mental dos cidados, o meio ambiente, os estilos de vida e, tambm, o desenvolvimento das habilidades dos mesmos para uma efetiva participao nas decises que afetam sua vida foram eleitos como fundamentais. Isso fez com que o prprio conceito de sade fosse revisto e, necessariamente, ampliado.

Tanto para a educao como para a sade vale a idia de que indivduos escolarizados tendem a apresentar menos problemas de sade que indivduos no- escolarizados. Indivduos saudveis apresentam melhores resultados de aprendizagem que indivduos no-saudveis. Indivduos saudveis e escolarizados so capazes de mudar favoravelmente seus entornos e, assim, construir melhores condies de vida tanto para si como para a coletividade. So, portanto, alfabetizados na escrita e na leitura de suas realidades, como nos lembra Paulo Freire. Pessoas que sabem ler e escrever suas histrias, conhecem suas necessidades e podem encontrar os recursos e meios para satisfaz-las, sem comprometer esse mesmo direito de outras pessoas, estejam elas prximas ou distantes, no espao e no tempo.

A realidade na qual as questes de sade assumem determinados significados no permite um olhar "neutro" . A dinmica que se estabelece nas relaes entre os sujeitos e deles com as condies em que vivem e adoecem , certamente, um espao em constante mudana. Nesse sentido, concordamos com Fernando Gonzlez Rey, pesquisador da psicologia da sade, quando afirma que:

(...) a realidade social se vai configurando dentro da ao de seus protagonistas, passa a ser parte de sua constituio toda a produo humana, pois esta uma realidade essencialmente cultural, dimenso produzida pelo homem ao longo de sua histria; no entanto, junto a ele, nesta realidade se gera uma grande quantidade de fatores que em si mesmo a configuram e so parte dos discursos produzidos nela, como so a pobreza, as perdas religiosas, a tecnocracia, etc., os quais, ainda que faam parte de discursos construdos, no adquirem sua condio real por ele, seno por complexas configuraes de determinantes diversos (econmicos, polticos, histricos, etc.) que podemos considerar como constitutivos desta realidade no seu devenir histrico.Esse processo de configurao da realidade social, em que a sociedade se coloca de forma mais participante, mais comprometida com sua qualidade de vida e com os processos de gesto pblica, precisa estar contemplado nos espaos de formao dos cidados - nos quais surge, preponderantemente, a escola.

Mas defendemos que esse processo precisa ser construdo com intencionalidade de aproximao, com o propsito de integrao e de formao do protagonismo social - o que significa a compreenso ampliada do contexto social e individual que faz com que as pessoas optem ou no por estilos de vida saudveis. Implica em entender como os processos de carter informativo, educativo ou comunicacional influenciam na mudana de hbitos e atitudes com relao busca por qualidade de vida e sade, e no simplesmente verificar se tais aes tm sido entendidas e internalizadas pelos sujeitos.

Nessa relao intencional que defendemos para o enfrentamento das questes da sade e da educao, cada vez mais se faz necessrio compreender o indivduo que sofre enfermidades ou que se protege delas. condio, ainda, para que se possa entender e melhorar a relao entre a sade e o desenvolvimento social, entre a doena e seus determinantes sociais, entre a educao e a construo de atitudes e hbitos mais saudveis.

A perseverana no debate sobre a promoo da sade tem apontado para a necessidade de polticas pblicas que se caracterizem pela flexibilidade, abrangncia, permeabilidade, pluralidade, pactuao e dinamismo. Existe, no caso brasileiro, um reconhecimento de que as aes de promoo da sade, para alcanarem xito, precisam considerar a diversidade cultural, a qualidade de vida, a felicidade e a cidadania e, com igual importncia, o espao, o tempo e o lugar de quem prope ou participa de aes de promoo da sade; o processo contnuo, articulado e articulador entre gestores, organizaes e atores sociais.

Nesse sentido, interessante recuperar um conceito proposto na Primeira Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade, ocorrida em Ottawa, 1986, na qual ficou caracterizado que promoo da sade "o nome dado ao processo de capacitao da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e sade, incluindo uma maior participao no controle desse processo". Ainda nessa ocasio, a sade compreendida como sendo "construda pelo cuidado de cada um consigo mesmo e com os outros, pela capacidade de tomar decises e de ter controle sobre as circunstncias da prpria vida, e pela luta para que a sociedade oferea condies que permitam a obteno de sade por todos os seus membros".

Fica evidente a presena de um componente quase que bvio na afirmao de que a comunidade que vai atuar na formao de sua qualidade de vida e sade. A razo dessa evidncia est no fato de que qualidade de vida e sade so resultantes da ao ou submisso de uma sociedade em relao ao seu contexto, ou seja, sobre o conjunto de determinantes sociais, culturais, econmicos e ambientais de sua condio de vida e sade.

Mas o conceito de promoo de sade supera esta aparente falta de ousadia, ao afirmar que promover sade um processo de formao de habilidades pessoais e coletivas, de condies legais, ambientais e de formao e disponibilidade de recursos para proteger e recuperar a sade, processo esse construdo com a participao crescente da prpria comunidade.

O documento final desta Primeira Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade, intitulado Carta de Ottawa, afirma que para se poder construir um estado de bem-estar fsico, mental e social os indivduos e grupos devem saber identificar aspiraes, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. O documento lista ainda como pr-requisitos (condies e recursos fundamentais) para a sade: educao; paz; habitao; alimentao; renda; ecossistema estvel; recursos sustentveis; justia social e eqidade.

Estas condies e recursos fundamentais para a sade, ou seja, para uma vida com qualidade, para a qual a educao concorre com natural evidncia, no podem ser alcanados pela espontaneidade, mas sim pela forte e decidida intencionalidade de alcan-los.

A luta pela sade e por uma escola de qualidade est a, para ser enfrentada por toda sociedade. Precisamos encarar de frente este desafio, conhecendo melhor a nossa histria e tomando conscincia do tipo de cidados que queremos formar. Afinal, a sade e a educao se pautam, igualmente, nos princpios de formao da conscincia crtica e do protagonismo social.

1 Consultora do Projeto de Promoo da Sade - Ministrio da Sade.

2 Consultor do Projeto de Promoo da Sade - Ministrio da Sade.

3 Esta anlise pode ser feita atravs do estudo das Leis de Diretrizes e Bases da Educao Nacional e dos pareceres do Conselho Federal de Educao no que se refere ao debate sobre a obrigatoriedade de uma disciplina especfica para tratar contedos de sade.

4 Parecer do Conselho Federal de Educao - CFE, n0 2.264/74.

5 LDB n0 9.394/96, Artigo 1.

6 Documento "Informaes sobre orientaes bsicas sobre a definio de contedos, estruturao e organizao do currculo do Ensino Fundamental" - SEED/MEC, 1996.