as ligas camponesas do pcb: a transformação da questão agrária em ação política

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    AS LIGAS CAMPONESAS DO PCB: A TRANSFORMAO DAQUESTO AGRRIA EM AO POLTICA (1928-1947)

    LEONARDOSOARESDOSSANTOSUNIVERSIDADEFEDERALFLUMINENSE

    RESUMEN

    Este trabajo trata de las Ligas Campesinas que fueron creadas por el Partido Comu-nista de Brasil. El anlisis de stas no se limita al corto periodo de su existencia (1945-1947), visto que est centrado a las primeras referencias de este tipo de organizacin enlos ltimos aos de la dcada de 1920. Enfoca, de manera explcita, los importantes ele-mentos que formaron parte de su estructura y funcionamiento, buscando destacar tambinposibles lneas de continuacin con las organizaciones de trabajadores creadas en las d-cadas de 50 y 60, como los sindicatos y las nuevas Ligas Campesinas de Francisco Julio.

    Palabras claves: Movimientos sociales, Partido Comunista, lucha por la tierra

    ABSTRACT

    This article treats about peasant leagues that were created for the Comunism Party ofBrazil. The analysis about this leagues are not limited just at the short period of theirexistence (1945-1947), as it stoop in the first references about this kind of organizationin the late 20s. We will also consider important elements that were part of their structureand work, trying to point out possible lines of continuity with the organizations of workers

    created in fifties and sixties decades, like the labor union and the new peasant leaguesof Francisco Julio.

    Key words: social movements, Comunism party, faight for territory

    INTRODUO

    O movimento de pequenos lavradores desencadeado a partir de meados da dcada de1950, no interior de Pernambuco, conquistaria em pouco tempo ampla repercusso no sno estado como em boa parte do territrio brasileiro. As iniciativas de protesto e as formas

    de presso dosforeirosdo Engenho da Galilia serviam de inspirao para trabalhadoresagrcolas da Paraba, Cear, Gois, Rio de Janeiro e Minas Gerais empunharem com deciso

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    foram criadas 10 anos antes pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1945. bemverdade que sua existncia foi demasiado curta, apenas dois anos. Em 1947 todas elastinham sido fechadas por conseqncia da decretao de ilegalidade do PCB por parte doTribunal Superior Eleitoral.

    A efemeridade dessas Ligas Camponesas comunistas talvez tenha servido de motivopara que os estudiosos pouco tenham se detido sobre ela. A bem da verdade, sua curtaexistncia era tida como um seguro fiador de sua fragilidade, tanto em termos de umaorganizao inadequadamente estruturada quanto de uma entidade com pouca adeso jun-to s camadas camponesas. Fragilidade essa que adviria, sobretudo, de sua ligaoumbilical com o PCB. Nesse sentido, tanto o surgimento quanto o desaparecimento dessasLigas no eram mais do que repercusses das venturas e desventuras de seu verdadeiro cria-dor e tutor, o PCB. Vejamos o que Fernando Azevedo, em seu excelente estudo sobre asLigas Camponesas pernambucanas das dcadas de 1950 e 1960, conta-nos a respeito dacriao das Ligas comunistas nos anos quarenta:

    Com a conquista da legalidade e a ampliao do seu quadro de mili-tantes, e a necessidade de enfrentar as disputas eleitorais, o PCB ampliao raio da sua ao e da sua presena at o campo, onde, esperaarregimentar uma clientela eleitoral que neutralize, em parte, o poder doscurrais eleitorais sob o domnio das oligarquias coronelistas.5

    Em funo desse mpeto do partido na conquista de espao no plano da polticainstitucional, teriam sido criadas as Ligas de Escada, Goiana, Pau DAlho e Iputinga. To-

    das elas eram localidades do interior do estado de Pernambuco. Mas o autor acrescenta queessas Ligas eram muito mais apndices da estrutura unitria e centralizada do PCB, doque uma entidade de massa ou um instrumento corporativo com vida prpria.6

    Opinio um tanto diferente tem Elide Rugai Bastos, que estudando as mesmas Ligas,afirma que embora articuladas ao PC, constituam-se em ncleos autnomos, por issomesmo sujeitos ao arbtrio dos proprietrios e ao sabor do jogo poltico local.7Mas mesmoaqui tal autonomia vista como uma deficincia ou fragilidade, tanto mais que as Ligasda dcada seguinte eram articuladas por uma organizao regional. Ou seja, emcomparao com as Ligas que as sucederam, as Ligas comunistas, mais uma vez, deixavama desejar.

    No entanto, as poucas e ao mesmo tempo contundentes assertivas sobre as LigasCamponesas comunistas parecem ter deixado de lado alguns componentes importantes desua trajetria histrica. De certo muito pouco se escreveu sobre as primeiras propostas decriao dessas entidades no interior dos crculos intelectuais de esquerda e do prpriomovimento dos trabalhadores. H no tocante a esse ponto duas questes cruciais: a) comotais propostas eram influenciadas pelos movimentos camponeses que ocorriam naquelemomento; b) como as discusses, projetos e aes em torno das Ligas Camponesasindicavam transformaes ou reordenaes no equilbrio interno de foras entre os gru-pos que compunham o movimento comunista internacional e, em particular, o PCB.

    5 AZEVEDO, Fernando:As Ligas Camponesas.Rio de Janeiro: Paz e Terra,1982.6 idem.7 BASTOS, Elide Rugai: As Ligas Camponesas. Petrpolis: Vozes, 1984.

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    Existem ainda outros aspectos cujo exame se faz tambm necessrio: o que essas Ligas,ao serem criadas, desenvolviam em termos de prticas de reivindicao e luta por direitos?O que elas significaram em termos de referencial poltico e associativo para os segmentosde trabalhadores do campo? E sobre a possvel linha de continuidade entre estas Ligas eas entidades representativas criadas nas dcadas posteriores? explorao de algumasdessas questes que dedicamos as linhas que se seguem. Vamos a elas.

    1928-1943: AS LIGAS CAMPONESAS EM DIFERENTES PROJETOS

    interessante notar que o debate sobre as questes do movimento campons econseqentemente o tema Ligas Camponesas que travado no PCB durante as suas duasprimeiras dcadas de existncia, acompanhou com extrema perfeio as oscilaes e

    contradies provocadas por uma dupla relao de tenso, a qual continuaria fazendo parteintegrante da vida do Partido por vrias dcadas adiantes, mas que nesse perodo possuacontornos bem mais agudos, que em certas ocasies pareciam conduzir o Partido aodesaparecimento: de um lado, a pouco democrtica relao do PCB com a InternacionalComunista; do outro, o sempre incandescente jogo de disputas entre grupos no seu inte-rior. Vejamos ento como isso se deu nas dcadas de 1920 e 1930.

    A Questo Camponesa no parecia, no incio da dcada de 1920, ser algo quepreocupasse efetivamente os homens que se auto-proclamavam seguidores da RevoluoRussa, ao contrrio do que acontecia com comunistas de outros pases, como Argentina,Colmbia, Itlia, China e outros. Muito embora seu Comit Central considerasse, numa

    de suas resolues aprovadas em fins de dezembro de 1926, ser importante exercerinfluncia sobre as organizaes de arrendatrios pobres, pequenos lavradores,funcionrios de baixa categoria, empregados inferiores e pescadores (...).8

    Foi s a partir das diretrizes estabelecidas pela Internacional Comunista (IC) que oscomunistas brasileiros passariam a cuidar com mais ateno dos problemas da pobre gentedo campo. E para tanto criou-se o Bloco Operrio Campons (BOC)9, que em 1927,substituiria o Bloco Operrio (BO).

    Tendo como palavra de ordem fundamental A terra a quem nela trabalha, oIIICongresso Nacionalrealizado no final de 1928, encarregava o Comit Central ento eleitoda tarefa de realizar um estudo mais profundo e detalhado sobre esta questo, devendo criar

    para tal fim uma comisso especial.10

    No evento tambm seriam aprovadas consignasprovisrias, de aplicao geral, tais como: salrio de acordo com o custo de vida; coope-rativas de produo e de consumo, e fornecimento de matrias-primas isentas de impostos;combate enrgico e decisivo s reminiscncias da escravido; saneamento das zonas insa-lubres; instruo primria e obrigatria, com construo de prdios adequados; diminuiodos impostos dos veculos que servem a lavoura, assim como a supresso do imposto queprobe o livre-comrcio de seus produtos; residncias higinicas e confortveis; fornecimentode instrumentos; diminuio das horas de trabalho; ampla liberdade de associao, depalavra, de imprensa, etc; unio com os trabalhadores da indstria na luta contra osimperialismos opressores; ajuda contra as pragas de insetos; liberdade de voto, direito a

    candidatos prprios, organizao de outros Blocos Operrios e Camponeses.8 Apud CARONE, Edgar:O P.C.B.(1943-1964). So Paulo: Difel, 1982. p. 49.

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    Tambm seriam discutidas e aprovadas consignas que procuravam dar conta dasespecificidades scio-econmicas (regimes de propriedade, formas de trabalho, etc.) de cadaregio do pas. Na regio Sudeste, por exemplo, onde era maior a concentrao dostrabalhadores rurais e sobressaindo entre eles aqueles envolvidos com a produo decaf o Partido propugnava medidas como remunerao dos colonos igual a dosassalariados comuns e expulso dos administradores fiscais prepotentes. Medidas es-pecficas tambm foram propostas para o Norte e Extremo-Norte (verdadeiros feudosno dizer dos comunistas), Nordeste (onde ainda perdura[va] a escravido dostrabalhadores) e para um territrio que compreendia Mato Grosso, Gois, Rio Grande doSul e norte de Minas. Como parte da tentativa de estabelecer um programa que abarcasseas especificidades entre essas vrias regies, os comunistas assinalariam as trs categoriasque no seu entender comporiam a classe dos camponeses, a saber: os assalariados ouoperrios agrcolas, os colonos e os pees. O curioso que este documento faziapouca aluso s categorias de trabalhadores no-assalariados e a possveis formas deorganizao, o que, em certa medida, contrariava as determinaes do Secretariado Sul-Americano da IC (SSA/IC). Este, desde a primeira metade de 1928, defendia a tese de queo proletariado e seu partido deviam em primeiro lugar, unir-se estreitamente aocampesinato, organizando os operrios agrcolas como uma fonte para organizar oscamponeses pobres, os arrendatrios, os colonos, em Ligas Camponesas orientadas para apoltica do Krestintern [abreviao, em russo, da Internacional Camponesa].11

    O que de certa forma intrigante, j que havia em andamento aes concretas doprprio PCB em algumas regies do interior do pas junto a setores no assalariados porvolta de 1928, com o fito de arregiment-las em organizaes camponesas. Segundo nosinforma Ronald Chilcote, as primeiras seriam denominadas de Ligas Camponesas, confor-me propunha o prprio Partido j h algum tempo. Militantes comunistas teriam organi-zado uma no interior do estado de So Paulo, nas zonas de Sertozinho e Ribeiro Preto.Os trabalhadores rurais nela reunidos teriam ainda, sob a liderana de Teotnio de SouzaLima, realizado passeatas de protesto nas grandes plantaes cafeeiras.12H tambminformaes desse mesmo ano que do conta que, alm de So Paulo, havia um trabalhode organizao de pequenos lavradores do Rio de Janeiro (Distrito Federal) e que osComits Regionais de Pernambuco e Rio Grande do Sul tambm j estavam destacandocamaradas para esse trabalho de atuao no campo.13

    Em termos de relao interna entre os grupos e correntes do PCB, oIII Congresso, aochancelar a linha da frente nica, propiciaria o fortalecimento do grupo dirigente do Par-tido. Tal fato seria ratificado naI Conferncia Comunista da Amrica Latina, que reuniria14 pases e onde teriam boa acolhida as propostas apresentadas pela delegao brasileira,

    9 Segundo DEL ROIO, Marcos:A classe operria na revoluo burguesa. A poltica de alianas do PCB: 1928-1935. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.pp. 92-93, o nome BOC devia sua origem proposta formulada porGeorgi Dimitrov, em 1923, ao partido da Unio Camponesa da Bulgria, com a finalidade de lutar contra a ditaduramilitar que ento governava aquele pas.

    10 Resoluo sobre a questo camponesa no Brasil, in SANTOS, Raimundo. (org.): Questo agrria e poltica:autores pecebistas. Rio de Janeiro: EDUR, 1996. p. 39.

    11 CARONE, Edgar:O P.C.B. (1943-1964). So Paulo: Difel, 1982. p. 269.12

    CHILCOTE, Ronald H.: O Partido Comunista Brasileiro: conflito e integrao 1922-1977. Rio de Janeiro:Edies Graal, 1982. p. 231.13 La Correspondencia Sudamericana, 30/09/1928. p. 14.

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    composta por Paulo de Lacerda, Lencio Basbaum, Mrio Grazzini e Danton Jobim. pre-ciso que se destaque ao menos dois aspectos dessaI Conferncia. Primeiro: ela reafirmavaa idia do papel quase que central da questo camponesa no movimento revolucionriodessa regio. Como nos anos anteriores, o SSA/IC se apoiava nas teses da prpria IC, pe-las quais o processo revolucionrio no grupo dos pases semicoloniais e semifeudais grupo a que pertenceria toda a Amrica Latina seria condicionado pela participaoefetiva do campesinato como aliado do proletariado (urbano). Em funo dessapreocupao e da problemtica contida na frmula da luta antifeudal eantiimperialista, o SSA/IC listava uma srie de medidas em relao ao campo quedeveriam ser incorporadas pelos programas dos PCs do continente. NaI Conferncia, porexemplo, seria indicada como tarefas imediatas: luta contra os grandes proprietrios,contra as sobrevivncias feudais, contra as imposies fiscais, contra as empresas

    imperialistas que monopolizavam o comrcio e exploravam os camponeses, contra todaa trava a seu desenvolvimento, pela devoluo de terras s comunidades, pela aberturade crditos agrcolas e pela criao de organizaes para a distribuio e circulao de seusprodutos. Mais adiante seria consagrada um princpio que nortearia a atuao do PCB nasdcadas seguintes. Em funo de tal princpio acreditava-se que haveria para cada setordos trabalhadores do campo uma forma de organizao mais adequada: para osassalariados agrcolas recomendava-se a criao de sindicatos. J para as categorias no-assalariadas como pequenos proprietrios, posseiros, meeiros e camponesespropunha-se o estabelecimento de Ligas Camponesas. Porm importante que tambmse destaque o SSA/IC tambm destacava a necessidade do estabelecimento de alianas

    entre essas duas formas de organizao.14

    A IC e seus rgos continuavam a divulgar em 1930 teses e diagnsticos que j vinhamsendo amadurecidos h pelo menos dois anos, como o do papel central da classecamponesas nos movimentos revolucionrios do grupo de pases coloniais, semicoloniaise dependentes. No seu Projeto de Teses sobre o movimento revolucionrio da AmricaLatina, por exemplo, a IC afirmava entre outras coisas que das trs classes que tomam umaparte ativa no movimento revolucionrio na Amrica Latina pequena burguesia,camponeses e proletariado os camponeses pobres e o proletariado agrcolaconstituram-se, quase em toda parte, a mola mais possante do movimentorevolucionrio.15Tal idia informava explicitamente algumas das diretrizes contidas no

    projeto de Resoluo da IC sobre a questo brasileira, a serem adotadas pelo PCB. Acomisso da IC encarregada da redao do documento era enftica: Faam exignciasgenricas sobre revoluo brasileira, sobretudo luta contra imperialismo, confisco erepartio de terras estatais entre camponeses na base de soviets. Para os camponeses, apalavra de ordem tomada imediata da propriedade do solo.16Mas h significativamudana no tom das diretrizes: a insistente proposta de criao de soviets e grupos arma-dos de auto-proteo levava a considerar o movimento campons quase que unicamentecomo um vetor da insurreio armada.

    Tais diretrizes, transmitidas diretamente pela IC, certamente influram na mudanaverificada na imprensa e nos documentos do PCB em relao nfase com que eram di-

    14 La Corespondencia Sudamericana, agosto de 1929. p. 23.15 Apud CARONE, Edgar. op. cit., p. 282.

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    vulgadas as propostas de organizao dos trabalhadores do campo. Diferentemente dosanos anteriores, as menes s Ligas Camponesas passaram a ser mais constantes, mesmoque dissessem mais respeito inteno de cri-las do que propriamente de Ligas j exis-tentes. Ao mesmo tempo, os pronunciamentos do PCB passam a consagrar a idia dainsurreio armada como a mais eficaz soluo para os problemas do campo. Parece ter sidoesse o sentido de uma reportagem de julho de 1930, do jornal comunista Classe Operria,sobre os protestos de pequenos lavradores dos arredores de Nichteroy [atual Niteri]contra uma resoluo do governo do Estado do Rio, que determinava a cobrana de umimposto de viao. Revoltados, os pequenos lavradores decidiram suspender asvendas de suas mercadorias para o ento Distrito Federal e Nichteroy. Querendo mani-festar a sua solidariedade, o jornal dizia-lhes:

    Companheiros! Organizai-vos em comits de luta, em conselhos locaese na Liga dos Pequenos Lavradores e Camponezes!

    Companheiros! Organizai-vos e armai-vos! Lutai por todos os meios,com todas as armas, em prol dos vossos interesses, na defesa da vossavida e da vida dos vossos filhos! Lutai com energia e com deciso, expul-sando os grandes proprietrios e tomando para vs a terra que regaiscom o suor do vosso rosto.17

    Um pleno ampliado do SSA/IC fora marcado para maio de 1930 em Buenos Aires. Osbrasileiros neste encontro - Astrojildo Pereira, Octvio Brando, Plnio Mello e AristidesLobo seriam duramente criticados, sendo os dois ltimos expulsos do partido. Ficaria

    estabelecido que o Partido estava vedado a qualquer tipo de aliana com movimentos degrupos da pequena burguesia, em especial o prestismo18, sem falar da Aliana Libe-ral. Isso era certamente um duro golpe para a situao e a posio de Astrojildo Pereira ede todo o restante do grupo dirigente no interior do Partido. O pleno ampliado da direonacional realizado logo depois confirmaria isso.19

    Logo a seguir, o PCB passaria por uma grande crise. Pode-se dizer que os primeirostrs anos da dcada de 30 foram quase que tomados pelos conflitos internos em torno dalinha poltica de classe contra classe adotada desde o afastamento do antigo grupo di-rigente em 1930. O pleno do Comit Central de janeiro de 1932 confirmaria esta linha e aexcluso - algo freqente neste perodo - de vrios militantes identificados com os desvios

    de direita e com o prestismo.20O Partido encontrava-se, alm de paralisado, praticamentedesmantelado quando a IC nele interviu para reorganiz-lo no final de 1933. E duranteessas intervenes, que primeiramente formalizada numa carta dirigida direo do PCBno ano de 1930, a IC formularia propostas sobre a atuao do PCB no campo que acabariamvigorando at praticamente a dcada de 40. E a esse respeito, as formas de organizaojogavam um papel fundamental. No entanto, a forma como eram concebidas, sob o pris-

    16 WAACK, Willian: Camaradas: nos arquivos de Moscou: a histria secreta da revoluo brasileira de 1935. SoPaulo: Companhia das Letras, 1993. p. 30.

    17 A Classe Operria, 03/07/1930. p. 3.18 Termo que fazia aluso Luiz Carlos Prestes, principal lder do grupo de tenentes que percorreram 20.000

    quilmetros, atravs de doze estados do Brasil, durante os anos de 1924 e 1926, na chamada Coluna Prestes.19 DEL ROIO, Marcos. op. cit., p. 101.20 idem. Os comunistas, a luta social ..., p. 44.

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    ma da linha insurrecional, faziam com que fossem atribudas s Ligas Camponesas funesquase que exclusivamente militares. A idia da necessidade de organizao das massascamponesas comeava a ficar atrelada, e por isso pouco discernvel, da idia de tomadade poder pela via das armas.

    A primeira instruo da IC ao PCB era de que deviam se concentrar em duas regiesagrrias especficas - So Paulo e Nordeste, procurando recrutar militantes nesses dis-tritos, apoiar seu trabalho, distribuir literatura, organizar o movimento. Ao descrever omtodo por meio do qual tal trabalho teria que ser efetivado, a IC retomava o exemplochins como parmetro a ser seguido. A luta empreendida pelos comunistas chineses con-tra o Kuomitang se constitua aos olhos dos dirigentes da IC como um verdadeiro modeloinsurrecional a ser aplicado nos pases semicoloniais. Mas havia um elemento em parti-cular cuja implementao era insistentemente proposta ao PCB: a criao de comits deluta camponesa. Para a IC eram as melhores organizaes para liderar a luta doscamponeses.21Isso demonstra que uma das conseqncias da consolidao do exemplochins como um paradigma seria justamente reduzir (e confundir) a questo camponesaa um problema da constituio de guerrilhas rurais.

    A segunda instruo exortava o PCB a estabelecer contatos mais estreitos com omovimento cangaceiro, devendo ainda postar-se frente de sua luta, dando-lhe o carterde luta de classes, e em seguida vincul-los ao movimento geral revolucionrio do prole-tariado e do campesinato do Brasil.22

    Em princpios de 1934, o BSA/IC realizaria uma reunio sobre os problemas da Am-rica Meridional centrada na discusso da questo agrria. Ao fim do evento elaboraria umlongo documento sobre A situao dos camponeses no Brasil, que sublinhava o carterantifeudal e antiimperialista da revoluo democrtico-burguesa no Brasil e insistia emafirmar que o proletariado agrcola era o principal aliado da classe operria, mas insistiatambm que os pequenos e mdios proprietrios deveriam ser atrados para a luta con-tra o feudalismo e o imperialismo. Contudo, apesar de considerar o Brasil como a Chi-na do Ocidente, o prprio documento reconhecia que a penetrao do PCB junto aosetor campons ainda era muito fraca. Uma das razes, segundo o documento, teria sidoa subestimao do potencial revolucionrio do campo e das revoltas camponesas. 23

    A outra teria sido a conduo imprimida por Astrojildo Pereira e Octvio Brando nadireo do Partido.24

    A questo agrria voltaria a ser objeto de extensas discusses naIII Conferncia Co-munista da Amrica Latinaem outubro do mesmo ano. Mas antes de tratarmos desse even-to, necessrio que recuperemos alguns aspectos do (conturbado) contexto nacional e in-ternacional no qual o movimento comunista estava inserido.

    A ascenso dos nazi-fascistas obrigou a uma nova reflexo sobre a linha poltica daclasse contra classe. A reunio de grupos conservadores e reacionrios numa coalizode extrema-direita incitava os comunistas a pensar novamente na possibilidade de alianacom grupos socialistas, progressistas e at liberais com vista formao de uma providen-cial frente nica. Devido falta de debate no interior do movimento comunista quando

    21 WAACK, William. op. cit., p. 55.22

    ibidem, pp. 55-56.23 idem.24 DEL ROIO, Marcos .Os impactos da Revoluo ..., p. 107.

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    da implantao da ditadura stalinista na URSS, seria muito sinuosa a recuperao daquelalinha: a paralisia terica impedia que os delegados enxergassem que no plano da prxis,o prprio movimento operrio tinha rejeitado a linha ofensivista, que, entre outras coisas,pregava o isolamento do proletariado diante de outras foras, fossem progressistas ou no.O impasse criado no interior da IC a partir de ento fez com que a data do seu VIICongresso, inicialmente marcada para agosto de 1934, fosse adiada.25Mas como era gran-de o nmero de delegados sul-americanos que tinha se deslocado a Moscou para partici-par de conferncias preparatrias, o BSA/IC resolveu organizar uma reunio com delega-dos dos pases latino-americanos para discutir a situao poltica do continente e traarnovas diretrizes para a ao revolucionria no continente. Essa reunio ficaria conhecidacomo aIII Conferncia dos Partidos Comunistas da Amrica do Sul e do Caribe.26Atotalidade desses delegados tinha sido escolhida de acordo com a fidelidade demonstrada

    em relao linha da classe contra classe. Isso era um fator decisivo para que as propostasrelativas retomada da frente nica sofressem fortes resistncias. Por conseguinte,prevaleceriam as propostas pautadas no voluntarismo e no sectarismo, tpicas da linhaofensivista de ento.

    Entusiasmada com o fato do Brasil poder sediar em breve uma revoluo nos moldesda China, a IC elaboraria uma srie de instrues a serem implementadas pelos PCB de for-ma a concretizar tal projeto. A atitude da direo do Partido foi simplesmente incluir, semnenhum questionamento ou esforo de adequao, as instrues da IC em seus documen-tos polticos. Alm disso, a preocupao em cumprir risca tais instrues levou o Par-tido a considerar os cangaceiros como uma espcie de terceiro grupo do setor dos

    trabalhadores rurais, to importantes quanto os camponeses e assalariados agrcolas.Seriam esses trs grupos, segundo a Declarao do Comit Central de agosto de 1934, quedeveriam compor os comits armados (...) para resistirem aos despejos por falta de paga-mento de dvidas e arrendamentos, aos ataques dos capangas e polcias dos fazendeiros edo governo, bem como para garantir a posse de suas terras, tomar e dividir entre si as terrasdos grandes proprietrios.27

    Meses depois, em outubro, os delegados brasileiros presentes em Moscou, preocupa-dos em demonstrar seu esmero no cumprimento das lies da IC, centrariam as suas falasexatamente sobre a atuao do PCB no campo. Nos relatos de Miranda - os quais depoisdo malogro de 1935 ficariam conhecidos pelo sugestivo nome de informes-baluartes -

    era o campo o lugar em que seria evidente essa situao revolucionria, pois, asseveravaele,

    Em todos os estados do Brasil h camponeses, trabalhadores,vaqueiros, pees, ndios, negros, mestios e brancos, nas fazendas e usinas,que querem pegar em armas. Em todos os estados do Brasil somosexpulsos de nossas terras, stios e roas. Nosso territrio imenso e dentrodele h exemplo de Canudos, Contestado, Juazeiro do Padre Ccero, Prin-

    25 idem.26

    VIANNA, Marly: O PCB, a ANL e as insurreies de novembro de 1935. In: O Brasil Republicano o tempodo nacional-estatismo v. 2. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. p. 74.27 CARONE, Edgar. Op. Cit., p. 152.

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    cesa e milhares de outros lugares, h exemplo da gloriosa Coluna Prestes,sabemos lutar muito bem, nos defender e avanar.28

    Tal leitura insurrecional contribua para reforar um tipo de leitura sobre a QuestoCamponesa que j vinha vigorando desde o incio da dcada de 30 com a expulso doantigo grupo dirigente: a atuao do Partido no campo deveria se dar exclusivamente emfuno da promoo de movimentos insurrecionais com vistas tomada do poder. O grandeproblema que o PCB pouco atuava nesse sentido em termos prticos, resumindo-se a tentarfazer ver, com grande dose de voluntarismo, que as lutas existentes no campo ao que pa-rece, com quase nenhuma participao do Partido estariam confirmando a validade epertinncia das diretrizes sugeridas pela IC.

    Contudo, os relatos de Miranda certamente no seriam o nico motivo para que quela

    leitura tenha prevalecido. Assim como em muitos pases da Europa e da prpria AmricaLatina, o Brasil via crescer movimentos voltados para a formao de frentes popularescomo reao ao crescimento do fascismo. Segundo Del Roio, a crescente radicalizaopoltica e os seguidos conflitos de rua que opunham fascistas e antifascistas ofereceramcondies para uma ampla aglutinao de foras nacional-populares, que iria desembo-car na formao da Aliana Nacional Libertadora (ANL).29Na verdade, esta era umdesdobramento de uma Comisso Jurdica Popular de Inqurito (CJPI), criada emnovembro de 1934, com grande apoio do PCB, para a investigao das fontes definanciamento da fascista Ao Integralista Brasileira (AIB) e sua suposta responsabilidadepor aes violentas, algumas resultando em mortes. Em torno da CJPI, que era originaria-

    mente composta por juristas e por intelectuais, foram se alinhando vrias organizaesantifascistas e formando-se novos comits de frente nica envolvendo sindicatos, milita-res, advogados, professores, parlamentares, imprensa, estudantes, grupos espritas, atestase positivistas; mas j aqui se vislumbrava o papel hegemnico exercido pelos comunis-tas.30Foi certamente um fator relevante para que os comunistas conseguissem, quando dafundao da ANL em 23 de maro de 1935, imprimir seu programa antilatifundirio,antiimperialista e antifascista como a linha oficial da organizao recm-criada: por umarevoluo democrtica, pela nacionalizao das empresas imperialistas, pela suspensodas dvidas externas, pelo fim do latifndio e pela instaurao de um governo popular essas eram as bandeiras dos aliancistas, bandeiras pensadas como capazes de

    estabelecer uma unio entre organizaes e indivduos de vrias concepes poltico-fi-losficas, que ia do marxismo at o positivismo, do comunismo at o liberalismo. Uma se-mana depois, Lus Carlos Prestes j filiado ao PCB por imposio da I era proclamadoseu presidente de honra.31

    Segundo Del Roio, a ANL recuperava a perspectiva estratgica do BOC e do antigogrupo dirigente, ao realizar na prtica uma aliana entre parcelas da classe operria e dascamadas mdias urbanas.32Contudo, a sua direo insistia em no ver as diferenas entre

    28 VIANNA, Marly(org.): Po, terra e liberdade: memria do movimento comunista de 1935. Rio de Janeiro:Arquivo Nacional; So Carlos: Universidade Federal de So Carlos, 1995. p. 32.

    29 DEL ROIO, Marcos. Os impactos da Revoluo..., p. 110.30 idem, Os comunistas, a luta social..., p. 53.31 ibidem. p. 54.32 ibidem. p. 55.

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    a linha poltica de classe contra classe, com sua perspectiva insurrecional de curto prazo,e a da frente nica popular, que implicava um longo e rduo trabalho de articulao ede acumulao de foras, requisitos de uma consistente frente popular. Na verdade, o Par-tido tentaria concili-los num mesmo discurso. Por conseguinte, se a ANL insistia no temado respeito Constituio, ao mesmo tempo ela proclamava a tomada imediata do poder:Todo o poder ANL - era a sua palavra de ordem. Ou seja, na perspectiva dos dirigentescomunistas, a via liberal-democrtica e a via insurrecional de forte matiz leninistapassariam a ser faces de uma mesma moeda.

    Essa ambigidade (insurreio armada imediata/acumulao de foras) plenamen-te reconhecvel ao se ler as anlises do Partido sobre a questo camponesa. Mas im-portante que se frise que com o surgimento da ANL, o elemento campons passou a ter,como nunca visto antes, um papel central na estratgia revolucionria dos comunistas

    brasileiros. As insistentes analogias feitas tanto por pecebistas quanto por representantesda IC entre a ANL e o Kuomitang chins da dcada de 20, levavam a que fosse vista comoimprescindvel a entrada das mais largas massas camponesas nas lutas contra o imperia-lismo, o feudalismo e o fascismo.33Mas se em termos tericos o papel a ser desempenhadopelos camponeses numa revoluo era plenamente reconhecido, na prtica, os comunis-tas brasileiros sabiam que muito ainda tinha que ser feito para a efetiva incorporaodaqueles ao processo revolucionrio. Num documento de julho de 1935, o Partido exultavao fato de haver rompido com algumas incompreenses que predominavam no passadoem relao aos camponeses. Porm reconhecia que a sua atuao ainda era muito d-bil no campo, o que tornava imperativo a preparao de quadros de dirigentes e ativistas

    para desempenhar esta tarefa.34

    Aparentemente, o Comit Central se pautava na perspec-tiva de um trabalho de organizao e estruturao longo prazo. Aparentemente. Pois logoa seguir no mesmo documento afirmava no ser indispensvel, em algumas reas, acriao de organizaes (ligas camponesas, comits da ANL e sindicatos de assalariadosagrcolas). Os camaradas devem compreender, salientava a direo do PCB, que chegado o momento de romper com a tendncia de organizar os camponeses para esperara revoluo e desde j iniciar a luta em toda parte onde elas forem possveis, sem receionenhum de ir s lutas armadas e guerrilhas. Essa ambigidade aparecia de forma mais acen-tuada num documento anterior do ms de maio. Nele lemos que a primeira tarefa do par-tido era

    ir aos campos desde j, organizar amplos organismos de camponeses,ligas, comits, sindicatos de assalariados agrcolas, organizar edesencadear as lutas dos camponeses e dentro desses organismos de massae atravs dessas lutas ir, desde j, formando o Partido com comunistasque aprendam a trabalhar na organizar das massas e que se salientem nadireo das lutas.35

    Mas os comunistas brasileiros tinham plena conscincia das dificuldades de talempreendimento. E a IC tambm estava bem interada a esse respeito. Harry Berger, um ob-

    33 idem, Os impactos da Revoluo..., p. 112.34 apud VIANNA, Marly (org.): Po, Terra e Liberdade. pp. 76-77.35 ibidem, p. 52.

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    servador da IC, reconhecia que nas cidades, podemos dizer que estamos mais ou menosbem representados. Fraco , porm, o trabalho no campo. Este o decisivo ponto fraco detodo nosso trabalho. Todo o resto vai relativamente bem, em parte at muito bem.36

    Contudo, tal como os pecebistas, os homens da IC tambm formulavam anlises e diretrizesmuito ambguas, onde elementos da linha classe contra classe coexistiam com elemen-tos da linha de frente popular. Berger estava convicto, por exemplo, que os camponeses,na sua luta contra o feudalismo vo organizar ligas camponesas, comits camponeses edestacamentos de guerrilheiros que sero outro apoio do governo popular nacionalrevolucionrio.37

    Ao decretar a ilegalidade da ANL em julho de 1935, o governo Vargas contribuiriapara a sada dos aliancistas que ainda acreditavam na via institucional.Conseqentemente, os comunistas se viam fortalecidos. Mais do que nunca, a viainsurrecional ganhava fora e triunfava sobre a idia de frente popular. Outro fator queconcorreu para isso foi a grande leva de jovens militares que se filiaram ao PCB. Tal eventofez com que se amadurecesse a idia de que a ANL estava perto de conquistar o apoio damaioria do Exrcito. O que s aumentaria a crena de que j havia condies para odesencadeamento de uma insurreio popular.38E certos disso, os comunistas iniciariama insurreio em Natal (RN), no dia 23 de novembro, e em Recife (PE), no dia 25 seguinte.As conseqncias e repercusses j so por demais conhecidas. Em pouco tempo os co-munistas (incluindo o BSA/IC) e sua exgua base de apoio foram desmantelados. Contandocom valiosa colaborao da Gestapo, a polcia conseguiria em menos de seis meses efetuara deteno de praticamente todo o escalo dirigente do PCB e do BSA/IC.39

    Ainda em 1935, os poucos membros que ainda conseguiriam fugir ao cerco policialprocuravam elucidar os fatores responsveis pelo fracasso da Intentona de novembro. Paraa direo do Partido o principal fator residia no campo, onde o trabalho campons nossoainda muito dbil, pouco organizado mesmo nos lugares onde temos mais foras e ondese fez mais agitao. Temos que ir aos campos, desde j organizar as lutas dos camponesese passar das palavras e aes mais concretas no trabalho revolucionrio nos campos. Nessediagnstico, a linha insurrecional adotada pelo Partido no era objeto de qualquercorreo. Ao contrrio, propunham-se justamente medidas que garantissem sua efetivaimplementao como a eleio de zonas camponesas para que os comunistas pudessemconcentrar seus esforos no trabalho de arregimentao de camponeses.40Medida que por

    sinal se inspirava abertamente no exemplo chins de criao de sovietsde base camponesa.Logo aps a priso de Prestes em maro de 1936, a direo do PCB transferiria-se parao Nordeste. Em abril a palavra de ordem Todo o poder ANL era retirada. Aparentemente,a linha insurrecional era sepultada. Aparentemente, uma vez mais. O novo Comit Cen-tral tendo Lauro Reginaldo da Rocha (Bangu) como secretrio-geral de uma direocomposta por nomes como Honrio de Freitas Guimares (Martins), Decola dos San-tos (Tampinha), Osvaldo Costa (Tamandar), Eduardo Ribeiro Xavier (Abbora),

    36 Carta de Harry Berger Internacional Comunista (27-06-1935), apud VIANNA, Marly (org.). op. cit., p.431.

    37 ibidem. p. 427.38

    DEL ROIO, Marcos. Os comunistas, a luta social.... pp. 58-59.39 idem. Os impactos da Revoluo..., p. 114.40 apud VIANNA, Marly (org.). op. cit., 1935. pp. 179-80.

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    Elias Reinaldo da Silva (Andr), Jos Cavalcanti (Gaguinho) e Francisco Lira(Cabeo),41afirmaria que o Levante de novembro tinha sido na verdade um grandesucesso. Num tom abertamente triunfalista o Secretariado Nacional afianava que apopularidade do movimento de Novembro e da ANL, assim como a autoridade do PCBcrescia enormemente.42A ferocidade com que o Governo reprimia tanto o movimentocomo o Partido no passaria de um pequeno contratempo, nada que pudesse fenecer aconvico no seio das massas de que a ANL e a linha por ela adotada eram o caminho aseguir para a libertao do pas. O testemunho de janeiro de 1936 de Joo Lopes, o San-ta, a respeito do que tinha se passado no Rio Grande do Norte , no mnimo, revelador.Assim nos contava Santa:

    O que vi em toda parte muita satisfao do povo sobre esta arranca-da da ANL; nas cadeias todos animados e satisfeitos. Vi grandequantidade de jovens na cadeia alegres, dando vivas ANL, a Prestes eao PC (...) os camponeses lutando com armas na mo e leno vermelho nopescoo e fita vermelha no chapu; as casas dos camponeses enfeitadasde bandeiras vermelhas de papel nas portas.43

    A Questo Camponesa continuava tendo um papel estratgico na revoluo queparecia estar a caminho. Nesse sentido, alm da constituio de guerrilhas, os comunistasainda destacavam a importncia de se criarem Ligas Camponesas para pequenos sitiantese camponeses (pequenos, mdios e ricos). Diferente-mente dos anos imediatamenteanteriores, as Ligas no eram vista apenas como um simples instrumento voltado para fa-

    cilitar o levantamento de guerrilhas. Mesmo que ainda enfatizassem, ainda numa perspec-tiva insurrecional, a necessidade da derrubada de Getlio, Sales e seus comparsas, oscomunistas voltavam a se preocupar com a questo da defesa dos direitos dostrabalhadores do campo. Mais do que viabilizar o armamento puro e simples doscamponeses, as Ligas Camponesas deveriam possuir programas concretos de luta contraos altos impostos, as taxas sobre o produto, as altas tarifas e fretes das estradas de ferro, con-tra os intermedirios que lhes pagam uma misria pelo produto, contra os latifundiriosque lhes roubam as terras.44Retomava-se desse modo a antiga pauta de questes ereivindicaes camponesas ensaiada nos debates internos do Partido na segundametade da dcada de 20 e que estava bem mais prxima da realidade do campo e dos

    camponeses que tinha sido obscurecida pelo voluntarismo imprimido pelo grupo di-rigente que substitura aquele encabeado por Astrojildo Pereira. Alis, as linhas gerais detal pauta marcariam presena em vrios movimentos de trabalhadores rurais pelas dca-das seguintes.

    A partir de 1937, o Secretariado Nacional comearia a cogitar uma aproximao comVargas. Em maro desse ano, os principais dirigentes do PCB lanariam um documento

    41 DEL ROIO, Marcos: Os comunistas, a luta social.... p. 60; RODRIGUES, Lencio Martins. O PCB: osDirigentes e a Organizao. In:Histria Geral da Civilizao Brasileira, t. III, v. 3. So Paulo: Difel, 1986.p.379.

    42 apud PRESTES, Anita Leocdia:Da insurreio armada (1935) Unio Nacional (1938-1945): a virada ttica

    na poltica do PCB. So Paulo: Paz e Terra, 2001. p. 20.43 VIANNA, Marly. op. cit., p. 220-21.44 A Classe Operria, julho de 1936. p. 4.

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    intitulado Ganhemos as municipalidades para a democracia!. A fim de combater o sec-tarismo e o esquerdismo, criticariam as tentativas anteriormente empreendidas dedesencadear lutas guerrilheiras. A linha insurrecional dava lugar luta por objetivos quepudessem ser resolvidos nos marcos da democracia burguesa e no pelos soviets. Ovoluntarismo expresso nas aes armadas dava lugar a um discurso que enfatizava anecessidade de reeducao dos seus quadros no sentido do trabalho legal de massas e napreparao do povo para a luta pela democracia, contra o fascismo e o imperialismo.45

    Outro aspecto importante dessa nova orientao que o Partido deixava a QuestoCamponesa em segundo plano e passava a considerar a burguesia industrial como a prin-cipal fora motriz da revoluo brasileira. A luta que seria defendida nesse momento era ada industrializao.

    Mesmo franqueado apoio explcito a Getlio Vargas,a represso do Estado Novo con-tra os comunistas voltaria a toda carga no momento em que o regime demonstrava algumasafinidades com o eixo nazi-fascista. Em abril de 1940, todos os integrantes da direoseriam presos.46A Partido estava literalmente paralisado. Situao da qual se livraria ape-nas a partir de 1943, com a formao de um grupo dirigente encabeado por Lus CarlosPrestes ainda na priso. De certo modo esse grupo chancelaria a linha que comeava a sersinalizada pelo grupo do Nordeste desde os ltimos anos da dcada de 30 e que consistiano apelo unio nacional em torno de Getlio Vargas.

    1945-1947: AS LIGAS CAMPONESAS VO DO PAPEL PARA O CAMPO

    A linha insurrecional parecia ser algo de um passado bem remoto, devidamente sepul-tado por uma realidade que exigia bastante comedimento e muita reflexo antes dequalquer passo a ser dado. Os comunistas e muitos outros acreditavam realmente quese vivia em tempos de Paz: Com a vitria sobre o nazismo, entramos realmente numa novapoca. Terminou o perodo de guerra e comeou o perodo do desenvolvimento pacfico bradava o Guia Genial dos povos, Iosif Stlin.47O prprio Prestes em seu Projeto deDeclarao da ANL e do PCB de 1944, garantia que somos no momento radicalmentecontrrios a qualquer luta contra o governo constitudo e estamos certos de que esta tambm a opinio da maioria esmagadora da Nao.48

    Esta seria uma das faces mais visveis do discurso que os comunistas brasileiros

    sustentariam nos primeiros acordes da redemocratizao (outra crena intensamente di-fundida nessa poca) inaugurada com o fim do Estado Novo. Isso s vinha reforar a opopela linha da unio nacional para a democracia e o progresso, apresentada pelos comunis-tas como um gesto de lealdade e de superior patriotismo, pelo qual estendiam a mo a to-dos os homens honestos, democratas e progressistas sinceros, seja qual fosse sua posiosocial, assim como seus pontos de vista ideolgicos ou filosficos e seus credos religiosos.49

    O PCB passava a ser, portanto, o mais novo paladino da ordem poltica e da paz social.45 apud PRESTES, Anita L. op.cit., pp. 26 e 28.46 ibidem. p. 61.47 apud CARONE, Edgar. op. cit., p. 30.48 apud CORDEIRO, Sara Celeste Boechat: Comits Democrticos Populares de bairro e o Partido Comunista do

    Brasil na cidade do Rio de Janeiro: uma via de mo dupla. Niteri, UFF, Trabalho de concluso de curso, 2003.p. 13.

    49 Unio Nacional para a democracia e o progresso, apud CARONE, op. cit., p. 31.

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    Mas isso no impedia que o mesmo propugnasse por mudanas. E esta era a outra facevisvel do seu discurso: a luta pela eliminao, dentro da ordem e da lei, dos restos feudaise fascistas ainda existentes no pas, e que tinham o monoplio da terra como seu maioremblema. A seu ver, a terra na mo de uma minoria privilegiada impedia a elevao donvel de vida das grandes massas do campo.50O potencial desestabilizador dolatifndio, encarado como uma grande ameaa ordem e paz sociais to almejadas,permitia que os comunistas reivindicassem medidas que pudessem pr em xeque o cerneda estrutura de dominao que ainda vigorava no pas. Esse era o programa para o campo:maior controle do sistema fundirio por parte do Estado; maior fomento agriculturavoltada para o mercado interno; entrega de terras a famlias camponesas que secomprometam a explor-las imediatamente; apoio ao cooperativismo, pelo crdito ba-rato e, se possvel, sem juros; auxlio financeiro tcnico; fixao de preo mnimo paraa produo pelo governo etc.51

    De um lado a defesa da paz, do respeito intransigente ordem (apertando o cinto e abarriga se fosse preciso, como diria Prestes num comcio realizado em So Paulo em194552), da busca patritica da unio nacional. Do outro, os insistentes apelos por mudanase medidas contra o fascismo e os agentes do capital estrangeiro mais reacionrio. Masem meio s ambigidades presentes em seu discurso, o PCB implementava em diversospontos do pas uma agressiva poltica de arregimentao e incorporao de indivduos egrupos da sociedade civil na rede de organizaes polticas sob sua influncia, queabarcava desde as grandes confederaes sindicais at as pequenas clulas e comits debairro. Junto ao seu fortalecimento no plano dos movimentos sociais, seus dirigentestambm almejavam impulsionar o nome do Partido no plano poltico-eleitoral. De fato oPCB estava decidido a se transformar num partido de massas. Tendo isso em vista, o Parti-do passava a se preocupar no apenas com as grandes questes e desafios nacionais, mastambm com as reivindicaes locais (prticas e imediatas), restritas ao plano do bairro,da fazenda ou at mesmo de uma nica rua.

    As formas organizativas de base mais utilizadas para a implementao dessa polticano meio urbano seriam os Comits Democrticos Populares, que tinha como principaisobjetivos: organizar um plano de reivindicaes locais realizveis; coletar dinheiro; e, rea-lizar toda a propaganda a seu alcance.53Interessante observar que no caminho percorridopara a realizao do primeiro objetivo, os comunistas buscavam persistentemente articu-lar discusses gerais e locais: era comum nos encontros ou assemblias ali realizadosdebaterem-se lado a lado temas que iam desde a Unio nacional, eleies livres e hones-tas, desenvolvimento industrial das naes, campanha anti-integralista, at temas deinteresse restrito ao mbito do bairro como a necessidade de concerto de estradas,calamentos e encanamentos dguas, limpeza das ruas; a construo de escolas, mater-nidades, ambulatrios, mercados locais, escadinhas, pontes; a organizao de feiras-livres;o problema da falta de gua e leite; a criao de linhas de nibus etc.

    50 VINHAS, Moiss: O Partido: a luta por um partido de massas 1922-1974. So Paulo: Hucitec, 1982. p.109.

    51 apud CARONE, Edgar. op. cit., p. 33-35.52 (...) o Partido Comunista no deixou de apontar ao povo o caminho da ordem e da tranqilidade. Mostrava e dizia

    aos operrios: - prefervel, companheiros, apertar a barriga, passar fome do que fazer greves e criar agitaes(...).,in RODRIGUES, L.M.R. op. cit., p. 409.53 Comits populares democrticos, apud CARONE, Edgar. op.cit., p. 57.

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    Igualmente interessante era a tentativa dos diretores desses Comits em harmonizar otrabalho de formao poltica com a promoo de servios assistenciais e de lazer. Juntoaos debates polticos, os Comits viabilizavam a prestao de servios populao comocursos de corte e costura, formao de bibliotecas, cursos de alfabetizao, teatro, mini-ambulatrio mdico, festas, conferncias e palestras sobre Constituinte, democracia, funodos comits populares, imprensa popular etc.54Significativa dessa postura eram as cons-tantes chamadas do Comit Democrtico Popular de Jacarepagu para dois eventos por elepatrocinados em julho de 1946: um era a solenidade promovida em comemorao To-mada da Bastilha pelos revolucionrios franceses, no dia 14; o outro era a festa junina aser realizada no dia 29.55Meses depois, o mesmo Comit convocaria todos os moradoresdo bairro para a inaugurao de um Posto eleitoral apartidrio destinado a armar todo equalquer cidado com um ttulo eleitoral. Logo em seguida haveria um baile edistribuio de brinquedos s crianas.56

    Empreendimentos muito parecidos seriam verificados no meio rural. O resolutoempenhono sentido de fortalecer a posio do Partido tanto no plano poltico-institucionalquanto no dos movimentos organizados da sociedade civil, e a prpria maneira como oproblema do latifndio/monoplio da terra era entendido comumente associado aosresqucios fascistas da sociedade levava a que o PCB novamente recolocasse a questocamponesa como um dos pontos prioritrios de sua pauta. Retomava-se ento a tese daclasse camponesa como o aliado fundamental da classe operria na revoluo democrti-ca-burguesa. Mas, conforme dizia Engels num dos seus ensinamentos, era preciso emprimeiro lugar que o partido sasse da cidade para o campo. Uma novidade em relaoaos outros perodos que o PCB parecia estar realmente decidido a tirar aqueleensinamento do papel.

    Um claro indcio dessa atitude se verificaria no Pleno de janeiro de 1946, que, acatandoalgo que j tinha sido sugerido no Pleno de agosto de 1945, criaria uma Comisso Agrriaencarregada de estudar a fundo o problema agrrio no Brasil. Outro fato significativoera o fato do rgo noticioso do Partido, oClasse Operria, reservar uma seointeiramente dedicada s questes do campo. De forma a viabilizar tal iniciativa, a direodo jornal solicitava a seus leitores em abril de 1946 que enviassem uma correspondnciaregular sobre aspectos do campo redao dA CLASSE. Outro ponto que o jornal faziaquesto de salientar era importncia dos membros, simpatizantes e amigos do Partidose manterem em comunicao com a Comisso Agrria criada em janeiro ltimo, paracuja sede, rua da Glria, 52, deviam ser enviados os elementos de intersse sobre oassunto.57

    Igualmente significativas foram as mudanas no plano da orientao poltica. Enviaros melhores e mais hbeis militantes para o campo, passava desde j a ser imperativo exortava a Comisso Executiva no Pleno de janeiro de 1946.58Outra questo premente,isto , uma tarefa imediata do Partido e do proletariado era a organizao dos

    54 CORDEIRO, Sara C.B. op. cit., p. 40.55 Tribuna Popular, 10/07/1946.56 Tribuna Popular, 09/11/1946.57 AClasse Operria, 06/04/1946. p. 3.58

    Classe Operria, 30/03/1946. p. 15. A esse respeito ver tambm GRYNSZPAN, Mrio:Mobilizao camponesae competio poltica no estado do Rio de Janeiro (1950-64) . Rio de Janeiro, PPGA/MN/UFRJ, Dissertao demestrado, 1987. pp. 98-99.

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    assalariados agrcolas e principalmente das grandes massas camponesas, que representama grande maioria da nossa populao rural e sertaneja. A prioridade, portanto, recaia so-bre as categorias no-assalariadas nesse momento. Algumas declaraes de Prestes numdos seus vrios comcios tambm permitem deslindar outra importante baliza da leituraque o PCB fazia sobre o campo. Retomando em parte uma perspectiva cujas razesremontavam dcada de 20, o Partido julgava que para cada setor dos trabalhadores docampo corresponderiam formas especficas de organizao. As categorias no-assalariadascomo colonos, moradores, agregados, meeiros, posteiros (vigias de gado),posseiros, vaqueiros, pees de estncia, trabalhadores do eito, deveriam sermobilizadas por meio de clubes, Ligas Camponesas, irmandades, clulas rurais,associaes, cooperativas e sociedades de amigos do povo do lugar. J os trabalhadoresdo caf, da cana, do algodo, do fumo, da borracha, da erva-mate, da castanha, deveriamser reunidos em sindicatos.59

    A primazia conferida ao setor campons impulsionaria um maior investimento nasprimeiras formas de organizao, ou seja, as sociedades civis, que se comparadas aos sin-dicatos eram bem mais acessveis, pois exigiam apenas um simples registro em cartrio.Acreditava-se que eram formas mais familiares aos camponeses, mais prximas doscostumes locais, o que facilitaria o trabalho do Partido entre eles.60Mas dentre elas a quemais se sobressairia foram sem dvida alguma as Ligas Camponesas.

    Em poucos meses, a partir do final de 1945, os comunistas as disseminariam por vriospontos do pas. A primeira delas a ser criada teria sido a Liga Camponesa de Dumont (umdistrito de Ribeiro Preto), conforme depoimento de um antigo militante do partido, IrineuMoraes, que por sinal tinha sido o seu criador.61Podemos mencionar tambm as Ligas

    Camponesas de Escada, Goiana, Pau DAlho e Iputinga (Pernambuco);62Bauru, Cruzeiro,Fernandpolis, Suinama (So Paulo);63Nova Iguau e So Joo de Meriti (Estado do Riode Janeiro);64Jacarepagu, Vargem Grande e Distrito Federal (cidade do Rio - DF);65

    Catalo, Nova Aurora, Uruta, Pires do Rio, Orizona e Goiandira (Gois).66H tambminformaes que do conta de sua forte incidncia no Tringulo Mineiro,67e no Paran.68

    Infelizmente, ainda no h informaes mais detalhadas sobre a atuao e composiode boa parcela dessas Ligas. Neste trabalho, as informaes que possumos dizem respeitoapenas s Ligas de Dumont, do Distrito Federal, de Iputinga e as de Gois citadas acima.69

    59 idem.60 COSTA, Luiz Flvio Carvalho: Sindicalismo rural brasileiro em construo. Rio de Janeiro: Forense/ UFRRJ,

    1996. pp. 2 e 15.61 WELCH, e GERALDO, Sebastio:Lutas camponesas no interior paulista: memrias de Irineu Lus de Moraes.

    Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 86.62 AZEVEDO, op. cit., p. 56; CHILCOTE, op. cit., p. 231-32.63 A Classe Operria, 01/05/1946. p. 10; 16/03/1947. p. 7; 02/04/1947. p. 6.64 Revista Problemas, agosto-setembro/1949. p. 30.65 SANTOS, Leonardo Soares dos. pp. 126-28. Jacarepagu e Vargem Grande eram localidades da zona rural carioca

    (tambm chamada de Serto Carioca). Suas Ligas eram na verdade Ligas subsidirias da Liga Camponesa doDistrito Federal.

    66 MORAES, Jadir de:A revanche camponesa. Goinia: Editora da UFG, 1999. p. 6167 idem. Para o autor, as Ligas Camponesas dessa regio teriam sido as principais fomentadoras de suas congneres

    goianas, especialmente aquelas localizadas em cidades mais prximas.68 AClasse Operria, 10/08/1946. p. 7.

    69 Tais informaes esto presentes em COSTA, Luiz Flvio Carvalho. Op. cit., p. 20; MORAES, Jadir de. Op. cit.,pp. 61-62; SANTOS, Leonardo Soares dos. Op. cit., pp. 126-28; WELCH, Cliff & GERALDO, Sebastio. Op.cit., pp. 86-89.

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    Por acaso, conseguimos levantar ainda um documento a respeito da Liga Camponesa deCruzeiro dos Peixotos, uma pequena cidade do interior do estado de Minas Gerais. Emboraconstitudo um universo de anlise muito pequeno, os dados sobre suas atuaes revelamimportantes traos em comum entre elas (importante tendo em vista que pertenciam a es-tados diferentes). A propsito, interessante notar que alguns aspectos dessas Ligaspermaneceriam presentes na trajetria das organizaes camponesas das dcadas de 50e 60 incluindo-se as outrasLigas, comumente associadas figura de Francisco Julio.

    Um primeiro aspecto que salta aos olhos a importncia que as Ligas comunistasdavam ao fornecimento de assistncia jurdica aos seus associados, em clara sintonia como lema do Partido, pelo qual a resoluo de todo e qualquer tipo de conflito deveria se darpela via legal. Nas Ligas de Iputinga e do Distrito Federal, havia at mesmo um depar-tamento jurdico que disponibilizava esse tipo de assistncia aos seus associados. Por sinal,

    o responsvel por esse departamento na Liga Camponesa do Distrito Federal, o advogadoPedro Coutinho, era tambm o seu presidente. Outro ponto em comum - que se devia aofato de todas essas Ligas reunirem arrendatrios - seriam os esforos de seus advogadosem estabelecer melhores condies de arrendamento. Mas h que se destacar que em Gois,as Ligas puderam contar com o apoio de dois deputados do PCB Abro Isaac Neto e PauloAlves da Costa na luta pela baixa do arrendo, que variava entre 40% e 70%. Fator deci-sivo para que a reduo da taxa de arrendo para 20% fosse includa na Constituioestadual.70

    Outras aes judiciais recorrentes tinham a ver com violncias praticadas porfazendeiros e grileiros, como tomada de terra e queima de lavoura. No raro os

    arrendatrios se diziam prejudicados por essas aes, contudo elas atingiam com muitomaior freqncia os posseiros. Os quais eram maioria entre os membros da LigaCamponesa do Distrito Federal.71

    Alm da ao judicial propriamente dita, tais Ligas buscavam exercer outras formasde presso, especialmente dirigidas aos poderes pblicos como envio de memoriais a juzes(Liga Camponesa de Suinama SP), vereadores, deputados e senadores (Liga Camponesado Distrito Federal). No custa lembrar que esta tinha a seu favor o fato de estar localizadano principal centro poltico do pas, o que lhe permitia exercer uma presso frente ainstituies de maior abrangncia: os memoriais feitos em seu nome, por exemplo, eramentregues pessoalmente por meio de comisses que compareciam Cmara de Vereadores,

    Cmara Federal e ao Senado. Mas um detalhe que deve ser frisado que essas Ligassempre tencionaram estabelecer relaes de aliana com grupos e personalidades polti-cas de insero extralocal, procurando, com o apoio fora das fazendas, comprometeroutros setores da sociedade com os seus movimentos reivindicatrios.72Cabe assinalar que

    70 Perspectiva semelhante pautaria a atuao das Ligas Camponesas criadas em Pernambuco na dcada de 50,conforme nos mostra AZEVEDO, op. cit., p. 60 e ss. Ela tambm pode ser vista, embora com menor intensidade,na atuao de algumas Ligas Camponesas da Paraba ver AUED, Bernadete Wrublevski:A vitria dos vencidos:PCB e Ligas Camponesas. 1955-1964. Florianpolis: UFSC, 1986. p. 53.

    71 Mesmo aqueles que eram de fato arrendatrios, passaro a reivindicar a condio de posseiros a partir da dcadade 50. Esse fenmeno se verificaria, por exemplo, tanto no Serto Carioca como na Baixada Fluminense, no estadodo Rio.

    72

    Como bem mostra AZEVEDO, op. cit., pp. 61-61, empreendimento semelhante seria realizado - sob orientao doseu advogado e tambm deputado socialista Francisco Julio - a partir de meados da dcada de 50 pela SociedadeAgrcola e Pecuria dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP), conhecida mais tarde como Liga Camponesa do

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    Mas antes desse, um golpe anterior - a decretao da ilegalidade do PCB em maio de1947, poria cobro a toda uma srie de experincias que o Partido vinha vivenciando a partirda redemocratizao. Os debates e discusses surgidas dentro e fora do Partido a partir daatuao que ele comeava a implementar no campo foram subitamente abortados. E comeles uma determinada leitura que se fazia da Questo Camponesa, cuja resoluo - assimera entendida no se daria por um simples assalto ao poder. O trabalho no campo entodesenvolvido pelos comunistas sugeria que o problema era bem mais complexo, poispassava por um sistemtico trabalho de mobilizao e organizao dos trabalhadores emorganizaes camponesas, acumulando foras por meio de alianas com outros setoresda sociedade (inclusive com os da cidade); por esse prisma, o PCB acreditava queestavam sendo criadas condies para que a classe camponesa pudesse atuar como umagente capaz de alterar a correlao de foras polticas do pas.

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