barros duarte - 1964 - barlaque

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EMAIL Bestelldatum: 2013-01-09 09:16:11 NORMAL Kopie QÇUEI Bayerische LAJEIO StaatsBibliothek SUBITO-2013010900371 IIIIIIIIII111111011111111111111111111111111111111111111111111111111 Univerdade da Coruna. Servido de Biblioteca. Prestamo Inter Campus de Elvina, s/n Ms Mercedes Corrales Lorenzo Edificio Xoana Capdevielle, 2 andar 15071 A Coruna SPANIEN Ben.-Gruppe: USER-GROUP-8 Tel: +34 981 167000 Mail: [email protected] Fax: +34 981 167015 Subito-Kundennummer: SLI06X00148E Subito-Bestellnummer: SUBITO-2013010900371 Z 60.420,NS Jahrgang: 1964 Band/Heft: 2 (); Seiten: 92-119 Verfasser: Barros Duarte, Jorge Titel: Barlaque Seara ISSN: Bemerkung: sod 13125900 Beschreibung: Die Abrechnung dieser Lieferung erfolgt Über die subito-Zentralregulierung Bei Rückfragen wenden Sie sich bitte innerhalb von 10 Tagen an die Bayerische Staatsbibliothek, Direktlieferdienste Tel. ++49 89 28 638-26 43, [email protected] Wir weisen den Empfãnger darauf hin, dass Sie nach geltendem Urheberrecht die von uns Übersandten Vervielfãitigungsstücke ausschlieBlich zu Ihrem privaten oder sonstigen Gebrauch verwenden und weder entgeltiich noch unentgeltlich in Papierform oder ais eiektronische Kopien verbreiten dürfen.

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Subito-Kundennummer: SLI06X00148E Subito-Bestellnummer: SUBITO-2013010900371

Z 60.420,NS

Jahrgang: 1964

Band/Heft: 2 ();

Seiten: 92-119

Verfasser: Barros Duarte, Jorge

Titel: Barlaque

Seara ISSN:

Bemerkung: sod 13125900

Beschreibung:

Die Abrechnung dieser Lieferung erfolgt Über die subito-Zentralregulierung

Bei Rückfragen wenden Sie sich bitte innerhalb von 10 Tagen an die Bayerische Staatsbibliothek, Direktlieferdienste Tel. ++49 89 28 638-26 43, [email protected]

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BARLAQUE

1 — NOÇÕES GERAIS.

E tarefa nada fácil precisar, com relativa segurança, em que consiste o código tradicional timorense, mesmo no que apenas diz respeito ao casa-mento. Pois quando se fala de Timor, a realidade desencorajante que se nos apresenta é a de uma linguística e antropologia social inextricáveis.

No entanto Vamos tentar recolher, nestas páginas, algumas notas sobre o «Barlaque», conforme ele é praticado na zona «tétum» de Samoro, Ba-rique e Fatuberliu•

Antes de mais nada, tenha-se presente que o termo barlaque não é usado pelo timor senão quando fala ao malae, indivíduo particular ou enti-dade oficial.

Cândido Figueiredo regista-o com o seguinte significado: «Compra de mulher segundo rito g r-itàico». E deriva-o do inalai° «berlaki».

Artur Basílio de Sá em «Textos em Teto da Literatura Oral Timo-rense», Vol. 1, pg. 151, 152 —refere-se ao casamento gentílico timorense, nestes termos : Berlaki é o casamento gentílico, celebrado pelos não cris-tãos. Etimolôgicamente formou-se da contracção de dois vocábulos malaios: bere «tomar», e laki, «mari to». Emprega-se como substantivo, significando o casamento celebrado só entre gentios, ou o dote dado aos pais da noiva, sendo, por isso, sinónimo de foli: este termo, mais clássico, é usado na zona própria do teto; berlaki, mais popular, é conhecido em todo o Timor Português. Digamos ainda que grande número de cristãos, dum modo ou doutro, celebram também as cerimónias do berlaki, respeitantes à com-pensação devida aos pais da noiva, uma espécie de casamento civil gentí-lico, antes do casamento religioso. Outros, menos instruídos, ficam-se por ali, colocando-se assim numa situação ilícita de mancebia. Deste facto deri-varam os termos, correntes em português de Timor, barlaque e barla-quear-se, para designar ali as uniões simplesmente maritais entre indígenas ou entre europeus».

O termo barlake vem também recenseado no «Dicionário Tétum-Portu-guê60,49- Cónego Manuel Patrício Mendes: «Barlake, s. casamento entre

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gentios ; v. casar-se ao modo gentio ; (palavra de origem estrangeira e pouco usada entre os timorenses). Cf. cdben, hafée, hafóli».

Presentemente, este termo tanto pode significar uma união matrimonial válida (orno pode traduzir um mero concubinato. Normalmente, porém, é tomado em sentido pejorativo.

Por estensão, significa o «preço» fólin, da noiva, no .casamento gentk, lico timorense. Diz-se, com frequência: «Fulano pagou já o barlaque; crano não pagou barlaque».

Para o nativo, o seu regime matrimonial costumeiro é definido pelos termos «jurídicos» «Haf6/1» e «Habdni».

Hafóli (da forma sincopada do factitivo halo, «fazer», aglutinada' com ptin, «preço», que sofreu queda da característica nominal n, ao entrar no composto verbar haf510 é um Verbo que significa apreçar,- combinar o preço de, adquirir por compra. Como termo «jurídico», na expressão hafôt( feto, «comprar mulher», quer dizer: «contrair casamento gentílico, me. diante compra da mulher, ficando esta na absoluta dependência do marido e respectiva família».

Habdni (do factitivo halo sincopado, mais a forma apocopada de bdnin, «sogro» ou «sogra») também é verbo e significa: «contrair casamento gen-tílico, sem a obrigação de pagar o «fólin» da mulher, indo o nubente viver para casa da nubtnte».

Em Mil e nas regiões. onde o tétum não é língua nativa ou perdeu notà-velmente a sua pureza, também se usa, em vez de habdni, o termo hafé (de halo aglutinado com fén, «mulher», «esposa) em tétum de Mi) que quer dizer: «contrair casamento gentílico, sem a obrigação do «fôlín» ou simplesmente entrar em contubérnio com uma mulher».

Os vocábulos fén e hafé soam mal nas regiões onde se cultiva bom tétum. Nessas regiões o seu emprego denota falta de urbanidade, pois se trata de expressões relegadas à concubinagem.

Com melhor aceitação do que hafé, usa-se também, nas zonas do tétum, em vez de habdni, o sinónimo ha-êtu (de halo sincopado, mais êtun, «sustento», «quinhão», sem a característica n), cujo significado é,: «contrair matrimónio com uma mulher. apenas com a obrigação de a sustentar a ela e aos seus e de levar aos pais ou parentes dela uma simples prenda pré-nupcial (muito mais modesta do que o fôlinl.

Correlativo de fén é o vocábulo /a'in, «marido» ou simplesmente «amásio», usado nas mesmas regiões onde se emprega fén, e onde, para se distinguir o cônjuge legitimo do que o não é, se acrestenta a um e outro termo a palavra cdben que significa «casar» e «cônjuge». Dai as expressões: ha'u nia la'in cdben, «o meu marido»; ha'u nia fén cdben, «a minha esposa».

O termo cdben é de uso corrente e tem uma acepção bastante lata, abrangendo todo e qualquer casamento, seja cristão seja gentílico, quer se celebre por hafóli quer se contraia por simples habdni.

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2— PRENDA PRÉ-NUPC1AL

O casamento gentilico, seja qual for o seu regime — hafdli ou habáni —é sempre precedido de urna prenda antenupcial que, embora não obedeça a um cânon rigidamente taxativo, está contudo sujeita a uma pragmática tradicional, culkts exigências se costumam aferir pelas possibilidades do pre-tendente e sua família.

Quando se trata de casamento de liurai ou liurai-oan, «régulo» ou principe» ou de dato, «principal», «nobre», a prenda antenupcial é normal-mente constitulda por duas partes, constando cada uma delas de 4 «peças».

As 4 peças da primeira parte são sempre 2 cavalos e 2 búfalos; as da segunda 2 «luas» ou meias «tuas» de oiro e 2 mortén (Lufares fritos de contas de certa variedade de coral) ou espadas de guerra, «surfe» e colares de oiro. Tanto os animais como as jóias podem ser substituídos por dinheiro no mesmo valor.

A dualidade que se constata na prenda antenupcial reflecte bem o sentido paralelistico do gosto e do espirito oriental e é designada em tétum pelas expressões consagradas: ápan-cain rua, «dinheiro» ou «prenda bí-fida», e rkan-útun rua, *dinheiro» ou «prenda bicéfala».

Pela. 1.» parte da. prenda, o pretendente e sua familia adquirem o direito de «encostar a escada», láti odan, à casa da futura consorte, para. o. inicio das conversações ou negociações do casamento; e pela 2.» parte, é-lhes reconhecido o direito de *desatarem a corda- ou cordel da porta», core ilipa-matan, para entrarem em casa dos futuros sogros, e combinarem o casamento.

Rigorosamente, a. cada urna. das 8 peças da prenda correspondem as seguintes expressões, consagradas pela praxe e distribuídas em dísticos, de sabor paralelistico:

Láti ádan Encostar a escada (alusão às casas construídas sobre colunas ou estacas). Abrir a porta, desatando-lhe a corda. Toros que alimentam o lume com que se aque-ce a parturiente. Água quente, com que se lava a criança recém- -nascida. Espécie de surrão ou cesta de viagem. Saquinho de palmeira, de forma especial. Pequeno recipiente para a cal que se usa na « masca ». Pente.

Core lior-mátan. Al-crldun

&km:nas

Cofie-ldlin Cohe-cnác iiku-cnuarr

Sassúit

Transparece aqui o sentido alegórico das várias peças da prenda pré-

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Nas famílias mais modestas, ai-cúdun e ué-manas confundem-se com o fôlin da noiva e nada mais se lhes exige.

3 —FÔLIN, «preço» do casamento.

Nos casamentos celebrados com fôlin, portanto no regime de hafôli, recebida a prenda antenupcial, os membros mais preponderantes da família da noiva reunem•se e discutem entre si o preço a exigir à família do preten-dente. Uma vez acordado o fôlin, significam-no aos representantes do noivo por grãos de milho, cada um dos quais vale, por convenção tradicional, 1 cavalo ou 1 búfalo ou 1 «lua» de oiro.

Se a proposta é aceite, combina-se, em seguida, a forma de liquidação do «barlaque» e a data do casamento. Não o sendo, prolonga-se a discussão por dias inteiros e até semanas inteiras, em termos pouco elogiosos e mui-tas vezes declaradamente insultuosos e objurgatórios em relação ao preten-dente e seus parentes.

Logo que se assente nos termos do «barlaque» a pagar, retiram-se os emissários do noivo para suas terras ou casas e ficam, depois, em casa do noivo à espera de que emissários qualificados da família da noiva vão rece-ber o fôlin. Cada um desses enviados pode livremente escolher 1 cavalo ou 1 búfalo a seu gosto além do «barlaque» própriamente dito, obrigando-se, porém, a retribuir com 1 porco (não pode ser outro animal) e 1 tais, pano timor para homem» ou 1 serón, «pano timor para mulher, cosido em saia».

8 norma que, na composição do «barlaque», a cada cavalo se junte 1 cão, e a cada búfalo 1 cabra, que são respectivamente designados pelas expressões : cuda-tdlin, «corda do cavalo», e carau-tdlin, «corda do búfalo». Quer dizer: o cão e a cabra são, simbólicamente, o preço da corda com que se prende o cavalo e o búfalo.

O barlaque pode ser pago todo de uma vez ou em prestações, confor-me se tiver acordado.

4 JUROS DO «barlaque».

Se o «barlaque» ou o fôlin, não é pago dentro do prazo estipulado, fica sujeito a juros, pela seguinte norma. Se se trata de animais machos, os anos de atraso na liquidação são contados, no cavalo, pelos dentes do ani-mal, e, no búfalo, pelos pardaus das hastes. Quer dizer: em Vez de pagar 1 cavalo de 5 anos de idade, que se ajustou nas negociações do «barlaque», terá o devedor que pagar um cavalo de 6 anos de idade, se o atraso foi só de 1 ano; e em vez de 1 búfalo de 2 pardaus, terá que pagar um outro de 3 pardaus, se o atraso foi de 1 ano.

Se se trata de fêmeas, a cada ano de moratória corresponde 1 cria, além da mãe.

À mesma lei de juros ficam obrigados os «presentes de retorno» ou «retribuição», i.e., os porcos que a família da noiva deve ao seu preten-dente.

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Sucessivas moratórias costumam originar rixas entre as famílias contra-tantes.

5— Lei da abstinência.

Uma nota curiosa do barlaque é que os animais que se permutam na sua celebração obrigam à abstinência da respectiva carne aos que os pa-garam. Assim, quer no banquete nupcial, quer em outras reuniões comuns às duas famílias, o noivo e os da sua familia não podem comer búfalo nem cão, nem cabrito; a noiva e os seus não podem comer porco.

G —Instituto do úhi-kin, talas-ícin.

Uma das implicâncias do regime matrimonial do hafôli é ficarem todos os filhos do casal pertencendo à linha paterna, ao contrário do que sucede no regime do habdni, em que apenas 1 filho, geralmente o segundo, pertence ao pai, passando a ficar com os avós paternos. E nisto que consiste o instituto do Uhi-ícin talas-kin, «batata doce» ainhamer, a favor da linha paterna. A expressão consagrada é: Fd bá úhi-kin, fó bá talas-ícin». Ou mais vulgar-mente: fó bá aman rin ou fó bá dman fátin, i.e., «dar para arrimo do pai», «dar para o lugar do pai».

7—PARENTESCO DE FETO-SÁ-UMANE.

O «barlaki» ou «fôlin», mesmo só acordado, inicia entre as famílias contratantes (incluindo os simples afins de um lado e doutro) um parentesco assaz curioso, designado pela expressão : feto-sá-umane. A realização do casamento consumará este parentesco, pelo qual os consanguíneos e afins da mulher passam a ser umane do marido e de todos os seus consanguí-neos e afins; por outro lado, estes passam a ser feto-sán ou feto-sd da mulher e de todos os seus.

O parentesco que se contrai, pelo instituto do f to-sd-umane, é de afinidade. Mas o sentimento e a obrigação de solidariedade, que envolve, para todos os que nele entram, superam tudo o que um ocidental possa imaginar. Estende-se até aos indivíduos que, por simples parentesco espiri-tual contraído pelo apadrinhamento do baptismo, ingressam na família do padrinho ou da madrinha.

O parentesco de feiosá-umane radica num conceito e sentimento de familia muito mais Vasto e profundo no timorense do que no ocidental. Conceito e sentimento que reflectem a necessidade e o instinto da própria conservação e defesa, numa sociedade primitiva, alveolar, que se axadre-zava em tribos demarcadas por fronteiras naturais muito ingratas, por fron-teiras políticas demasiadamente frágeis e separadas entre si por uma ara-nheira de línguas ou dialectos e subdialectos que necessàriamente concor-riam mais para dificultar do que facilitar relações de boa vizinhança. Uma sociedade, assim compartimentada, tinha que se sentir bastante exposta a

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guerrilhas, saques e depredações. De sorte que, quanto mais se consolidasse e ramificasse a família, mais garantida se tornava a sua defesa, não só den-tro da própria tribu, «ião ou reino, mas ainda além-fronteiras.

O sistema de defesa da sociedade primitiva timorense, baseado no có-digo de feto-sd-umane, oferecia tais vantagens e garantias que se tornava uma das principais razões do encarecimento do barlaki que deixava assim de ser apenas o «preço» da noiva.

Era ainda do interesse da mesma sociedade que o código de feto-sd--umane protegesse eficazmente o próprio casamento, na sua unidade e con-tinuidade (indissolubilidade). Para tanto mais poderosamente concorria um «preço» mais elevado do que um fôlin insignificante.

Certamente que, com o decorrer dos tempos, se veio a imiscuir neste sistema de defesa da sociedade familiar e política timorense a cobiça tantas vezes insaciável dos homens, mormente antes da influência crstã, tornando inacessível a grande parte dos jovens de uma determinada região o próprio matrimónio e aviltando sordidamente a dignidade da mulher e o careter sagrado do instituto matrimonial.

O fôlin revestia e reveste também o carácter de compensação pelos trabalhos e sacrifícios dos pais da mulher.

8 — ETIMOLIA de fetosá-umane.

A expressão feto-sd umane ou feto-sau-umane, cuja equivalente é fe-to-oan — na't-hun, deriva destes 4 elementos vocabulares: feto, «mulher»; sau, «ligar», «aparentar», «relacionar», «consagrar»; uma, «casa», «família»; mane, «homem», «Varão».

Da aglutinação de sau com umane resultou, por exigência fonética, a sinalefa ocorrida entre o u final de sau com u inicial de umane, que origi-nou o composto fetosd ou feto-sd Tanto feto-sd como feto-sau quando em-pregados autonomamente e sobretudo quando afectados por um possessiVo ou determinativo, sofrem alteração morfológica por simples desinenciação em a. dando respectivamente: feto-sdn e leto-saun.

O elemento sau aparece nas seguintes expressões: fdtue-saun, «pedra + ligada» (pedra usada como ãncora); dhi-saun, «fogo ou lume» ralaciona-do com» (expressão usada para designar o rito de aliança entre reinos ou a própria aliança ou ainda os intervenientes nela); batar-saun e hudi-saun, «milho» + «dedicado» ou consagrado e «banana» — (dedicada ou consagrada» (alusão ao rito das primícias que tornava livre ou permitida a colheita do milho ou das bananas).

Em galole a expressão equivalente a feto-sau é batsau, (de babaca -sau, «mulher-ligada». O vocábulo galole sau é verbo e substantivo. Como verbo significa trazer ao colo ou trazer no ventre; e como substantivo, quer dizer esposa mulher. A expressão sart-ôbun quer dizer pessoa casada. Em qualquer destas acepções se percebe um conceito de relação, de ligação.

Em mambae sao quer dizer simplesmente parente, o mesmo que o termo tétum mdluc, Em Uaikênu casar-se é mat-sau. Finalmente em ma laio, o parentesco é designado pela palavra saudara.

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Em todas estas línguas, se nota urna semântica similar, no étimo sau, como que uma linha constante de relação, parentesco.

Quanto ao composto umane, ocorreu na sua formação uma síncope que eliminou a sílaba final de uma. Rigorosamente, porém, deveria dizer-se e escrever-se um'-mane.

E quanto ao seu verdadeiro sentido?... Estar-se•á diante de um pro-cesso semântico parecido com o que se surpreende em táci-mane em opo- sição a tacl-feto? Não o sabemos.

Resta-nos urna apostila sobre a fórmula feto-oan (mulher-filho, melhor ainda, geração, descendência da mulher) na'i-hun (senhor-estirpe, tronco ou ascendência; mais rogorosamente, o tronco, a árvore-mãe donde hão-de nascer os frutos, a prole).

Ela explica melhor o sentido um tanto enigmático do instituto costumei-ro de fetosá-umane, ao mesmo tempo que põe em evidência a preponde-rância da linha matrinal na sociedade timorense.

O mesmo sentido de primordíalidade matrinal transparece na inflexibi-lidade com que o thnorense enumera sempre a mulher antes do homem, em expressões como: feto hó mane, fé,* hó catuas, inan hó aman (mu-lheres e homens, velhas e velhos, mãe e pai), ao contrário do que faz o ocidental.

O mesmo se pressente em expressões como: fátuc-inan; ai-man; ué--inan (pedregulho; um toro grande; lago ou lagoa ou grande nascente de água).

No parentesco «fetosá-umane» ou «feto-oan-na'i-hun», as peças mes-tras que estabelecem a «ponte» são a feto-foun (nora) e o mane- foun (genro).

Do que aqui deixamos dito sobre os vocábulos fetosá e umane se pode fácilmente rectificar uma ou outra inexactidão que nos tenha escapado em referências anteriormente publicadas nesta revista sobre a mesma matéria.

9— «HAFÓLI LIURAI.

Para se medir todo o alcance do sistema defensivo estruturado no «bar-laque», não será extemporâneo fazermos aqui uma rápida referência a um sistema paralelo, designado pela fórmula «hafôli liurai» (apreçar, <com-prar» régulo).

Noutros tempos, quando, num reino, não havia quem pudesse assumir o regulado, ia-se a outro reino procurar um príncipe que pudesse empunhar o de, «rota» (ceptro) do reino acéfalo. Pagava-se então ao regulado de origem um «preço» elevado que era o fôlin do príncipe eleito ou adoptado. Daí as expressões paralelas: hafôli feto e hafôli liurai. Consequentemente, se entendem como paralelas estoutras: fetosá ou feto-sán e lorosá ou loro--sán, mais breve, lorsá ou lorsán, tomando-se loro como sinónimo de liurai, em tétum clássico.

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E quais eram os beneficios ou vantagens do h2fôli liurai, além de, por ele, se dar ao regulado um chefe de estado? Estabelecia-se, entre o reino de origem do príncipe «comprado» e o reino que o adoptava, uma espécie de, aliança tão sólida como o parentesco de fetosd-umane. Desapareciam as fronteiras, no sentido de que se podia, livremente, sem perigo algum, sem quaisquer formalidades, passar de um reino para o outro. As «tuaquei-ras» eram comuns, podendo livremente súbditos de um lado e outro tirar, em viagem, «tua-ara» das palmeiras que lhes ficassem no caminho. O mes-mo com as hortas. Dtviam aefender-se os dois reinos um ao outro, socor-rer-se mutuamente.

Perante todas estas vantagens fãcilmente se percebe que não deveria parecer exorbitante o «preço» do novo régulo. Era assim que também se estimava o «preço» da noiva.

Num e noutro caso, não se tratava já, rigorosamente, do «preço» da noiva ou do «livrai» apenas, mas sobretudo do «preço» da defesa de uma sociedade, de um reino.

10 — Relação entre fôlin e casamento gentílico.

Qual é a exigibilidade da liquidacão, no todo ou em parte, do lôlín em relação com o próprio casamento? Será necessário que se liquide totalmen-te ou ao menos em parte o «barlaque», para que se considere válido o ca-samento gentílico? Não. Apenas se exige, para a sua realização, que se pa-gue pelo menos uma parte do «barlaque», o que equivale a dizer que se trata tão somente de um requisito preliminar, ou, o máximo, de um impedi-mento impediente, mas não de um impedimento dirimente, como acontece no Kénia e numa parte da Nigéria. A liquidação do «barlaque» pode consti-tuir prova da celebração do casamento, como sucede no Direiro consuetu-dinário de Natal (cf. de Reeper, em «The Sacramenta on the Missions, ppg. 234,235).

11 — IMPEDIMENTOS,

O Direito consuetudinário da zona, que estamos estudando, prevê o impedimento de consanguinidade e o de afinidade.

Os consanguíneos, que não podem contrair matrimónio entre si, são:

1.° — os situados em linha recta. 2.° — os descendentes de dois irmãos (varões), até ao 3.° grau. 5.°— os descendentes de duas irmãs até ao 3.° grau.

Entre os descendentes de um irmão varão e os de sua irmã não existe Impedimento nenhum, no direito tradicional timorense da zona em estudo.

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Quanto aos afins, não pedem consorciar-se:

1.° — nenhum dos contraentes com os consanguíneos em linha recta da outra parte.

2.° --os varões da linha colateral da mulher com as fêmeas da linha colateral do marido.

Não existe, porém, impedimento algum entre os Varões da linha colate-ral do marido e as fêmeas da linha colateral da mulher.

Se se pretender saber se estes impedimentos são dirimentes ou sim-plesmente impedientes, apenas podemos responder que é certamente diri-mente o impedimento de consanguinidade ern linha recta.

A respeito dos impedimentos de impotència, i Jade e «ligamen», o có-digo costumeiro é totalmente reticente. E até, no que se refere ao ligamen, era, há umas décadas, prática assaz vulgarizava a peligarnia, embora dentro da Werarquia de feto-bot, «mulher grande» e uma ou mais feto «mu- lheres pequenas», estas com menos direito=s, prerrogativas e preponderân-cia familiares e sociais do que aquela.

Mas não se esqueça que onde os «costumes» são reticentes o direito natural é claro e continua a obrigar.

12— CONSENTIMENTO.

Atento o carácter amplamente «social» do contrato matrimonial, se-gundo .o direito costumeiro timorense, importa considerar, na sua realização, duas espécies de consentimento: a) o dos pais ou tutores de cada um nu-bentes; b) o dos próprios nubentes.

a) —O consentimento dos pais ou tutores é necessário, não precisa-mente como elemento essencial para a valhiade do casamento, aias, sim, como condição prelimilmr uo hafôli. 111- ide mais sobre o «contrato colec-tivo» do que sobre a essência do conj./4.7/o que, por definição, é UM vínculo entre dois individtros (homem e mulher) e não entre duas colectiVi-ades. O acatamento da vontade cks pais e tutores implica mais a liceidade do que validade do contrato matrimonial. E quando esse consentimento exorbita dos limites da lei natural, deixa até de obrigar, mesmo sob o aspecto de liceidade.

b) - O consentimento dos próprios contraentes é da essência do matri-mónio. E como é que ele se manifesta no casamento gentílico timorense? Damos a palavra a um nativo evoluído a quem fizemos a pergunta, ao Sr. Paulo Quintào: «Os nubentes não exprimem, verbalmente, o seu consen-timento na altura do cas,mento perante os velhos. Manifestam-no aze{ nas aos pais, antes e depois do pedido casamento, quando os pais dele mandam aos pais dela os primeiros presentes como sinal de proibição de que ela aceite outros pedidos posteriores,.

Além disso, no decorrer do rito, (lhe diríamos ser a liturgia do barlaki, esse mesmo consentimento .ésuficientemente expresso por atitudes e gestos.

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litúrgicos que não consentem outra interpretação, como adiante veremos. O consentimento, no barlaki, é algo parecido com o consentimento, nos

casamentos de príncipes reais, na Europa.

15 — «LITURGIA» DO «BARLAKI»

Existe algum rito especial, na celebração do «barlaki», uma espécie de «liturgia» gentílica, inspirada na religião natural?

Entre o povo simples dos nos,,os dias, ficou reduzido ao mínimo o rito que outrora solenizava o casam-nto gentílico; e, sem isso, o homem'e a mu her que se juntem são inexuràvelmente estigmatizados com o ferrete da mancebia por todos, segundo a expressão tétum: hola-indlu iha h'ur, «jun-taram-se fora de casa».

Com os dolos e sobretudo os /lurais, ainda se executa com bastante rigor o rito completo que, pelo código tradicional, deve realizar.se em casa do noivo, quando o casame3to é por hafôli, assistindo então ao acto, mas sem primacialidade, os umane.

A cerimónia, de elevado simbolismo e profundo sentido poético, desen volve-se dentro das 'rubricas» que vamos ver.

Cumpre-nos no entanto prevenir que o rito matrimonial do barkki não é inflexivelmente seguido em todas as regiões. Pelo contrário, apresenta va-riantes de reino para reino, de povo para povo. O que Vamos aqui descre-ver é o que se pratica em Samoro, sem a intervenção dos lúlic-na'ins (es-pécie de sacerdote gentílico, à letra, «ídol ,-dono ou guardião»). Dizemos sem a intervenção dos lúlic-na'in, porque o rito em que estes «oficiam» é diferente: nele é essencial, a oblação de bétel e areca aos lúlics. Este rito é mais raro.

No outro apenas intervêm os velhos das duas famílias que contraem pa-rentesco de fetosd-umane.

A noiva, vestindo o seu melhor serón e enfeitada com as suas melhores jóias, fica sentada junto à lareira, rodeada de todos os membros da sua fami-lia, e ali aguarda o noivo que, trajando o seu melhor tais e usando os seus melhores adereços, para lá se dirige, acompanhado de todos os membros da família.

É da praxe que a comitiva do nnlvo leve uma segunda prenda a car-ne e o arroz que se há-de gastar no banquete nupcial. Se a distância entre as duas caras implica uma viagem longa, manda o uso que a família da noiva ocorra aos seus futuros feto-oan com vinho, porcos e frangos assados e outra vitualha.

Uma vez todos em casa da noiva é que se desenrola a cerimónia que, por assim dizer, ó a «liturgia» do casamento entre pagãos.

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O noivo é convidado a ocupar o lugar reservado aos nubentes. Nesse mo-mento, levanta-se a noiva da laleira e vai colocar-se ao lado do seu futuro mari-do, roeados por toda a parentela dos dois lados. Diante dos nubentes esten de-se uma esteira rendilhada nas margens, fe ta de palmeira. S-ntam-se ambos nela e todos os mais se sentam igualmente nos seus lugares. Procede-se, então, à oferta da segunda prenda, que se poderia denominar prenda nup-cial, de feto-oan ao seu emane (da família do noivo à família da noiva) e que consiste em: I serón, 1 cabaia, 1 lipa e dinheiro, tudo acomodado nu-ma espécie de saco de viagem. que se chama

Ao apresentar a prenda, um velho lia na'in, «orador reconhecido», da comitiva do noivo, dirige-se aos de casa da noiva nestes termos:

Na'i ina, na'i ama sira, Na'i ria, na'i sain sira, Na'i fêric, na'i tatuas sira.

Ami houci lor mai, Ami hnuci bálu mai. Ami hôdi cohe hícu ida, Ami hôdi cohe lálin ida, Lahan la dun cmánec,

Lahan la dun di'ac: Hôdi mai lênu, Herdi mai hatúdu Ba ami rian sira, ba ami sain sira,

Ba ami feton sira, ba ami inan sita;

Tomatómac atu hôdi matan haré,

Tomatómac atu hôdi tílun rona, Atu tada hó málu, Atu hatene hó málu. Ha'e be ami rian sira, ami sain sira,

Ami feton sira, ami inan sira

Senhoras mães, senhores pais, Senhor s cunhados, senhores primos, Senhoras valhas, senhores velhos.

Nós viemos lá de baixo, Nós viemos da outra banda. Trouxemos um saco de viagem, Trouxemos uma bolsa de viagem ; A linha (com que se fizeram) é mo-

desta, A linha não é muito boa; Para revelar, Para mostrar Aos nossos cunhados, aos nossos

primos, Às nossas primas, às nossas mães;

Para que todos Vejam com os seus olhos

Todos oiçam com os seus ouvidos; Para nos conhecermos, Para nos relacionarmos. Pois que os nossos cunhados, os

nossos primos As nossas irmãs, as nossas mães

Sei te'an cárie ona, Sei badan cárie ona Anil rua, ami tôlu sa lha lerec ne'e môlin, lha lerec ne'e cies: Fátuc la nêli, ai la natau.

Terão já adivinhado talvez, Terão já calculado porventura A que (vimos) nós dois, nós três Assim a descoberto, Sem intenções ocultas: Nem pedra o oculta, nem árvore o

impede.

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SEARA 103

A isto responde um lia-na'in da familia da noiva:

Na'i ina, na'i ama sira, etc., etc.

Sarac ita rua, Ria nó ria, sain no saiu,

Mai libur mutu malu, Mai souru mutu malu, Hôdi haneçan ita rua ibun,

Haneçan ita rua lian, Halo ibun naué, lian naué,

Senhoras mães, senhores pais, etc., etc.

Neste dia, nesta data, Por causa da filha, por causa do fi-

lho Nós, duas pontas, duas extremidades Nos encontramos, Nos reunimos. Nossos cunhados, nossos primos, Trouxeram-nos já um saco de via-

gem, Trouxeram-nos já uma bolsa, Para no-lo revelar, no-lo mostrar, Para que todos o saibam, Para que todos sejam informados.

Neste momento, estão todos infor- mados

Sabem já todos: Quer este saco, esta bolsa, Seja de boa linha, Não o rejeitamos, não o recusamos: Quer seja de mau fio, Também o não rejeitamos, não re-

cusamos.

Basta que nós dois, Cunhado com cunhado, primo com

primo, Nos reunamos, Nos encontremos, Para levar a acordo as bocas de nós

dois Harmonizar a' voz de nós dois, Fazendo a boca suave, a palavra

doce.

Loro ida ôhin, uain ida ôhin, Tan oa-feto, tan oa-mane,

Ita súdin rua, ita róhan rua, Sôuru mútu málu, Libur mútu málu. Ami rias, ami sain, Rôdi ona cohe lálin ida,

Rôdi ona cohe hícu ida, Rodi mai lênu, rodi mai ratúdu, Nôbu-nôbu atu tada na'e, Nôbu-nôbu atu ratene ha'e.

Oras ne'e nôbu-nôbu tada naha,

Nôbu-nôbu ratene naha: Cohe hícu ne'e, cohe lálin ne'e Atu lahan cmánec be Ami la neca, ami la suit; Atu lahan at be, Ami la neca, ami la suit.

Naha ruma Ita rua hôdi hassa'e ona oa-feto,

Ita rua hôdi hatur ona oa-mane Ba fafata-rohan, ba ai lain tútun

Alguma prenda Com que nós dois coloquemos já a

filha Coloquemos já o filho Nas extremidades da viga, na ár-

vore,

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104 SEARA

Atu rôdi raré nêtic, Ba calan è ba lolon, Ita rua, ria no ria, saiu no saín,

Ba lêçu-matan mnáruc, 8a oda-fuan mnáruc. Naha ruma, ita rua hôdi hu is bá,

Hôdi hu suhan bá, Halo sira icin, halo sira lolon, Atu namata cmane-manec, Atu malirin didi'ac, Atu radíkí nu'u málus, Atu rassare nu'u bua, Radiki ralo ua'fn, Rassare ralo ua'in, Naneça ué ne'e lan-máran, Naneça ahi ne'e lan-mate; Nalo hiban o nacônu,

Nalo batac o nacônu, Rôdi tur nêtic ba ita súcum, Tur nêtic bata ué-matan,

Rôdi belar iha ita reino, Belar iha ita raia.

Para que olhem, ao menos, Noite e dia, Por nós dois, cunhado com cunhado,

etc. (Ajudando-nos) a subir a porta alta, A subir os degraus altos. Alguma prenda Com que nós dois lhes insuflemos

vida Lhes sopremos «espirito», Fazendo-lhes o corpo, o organismo Ficar bem fresco (sem febre), Ficar bem arrefecido (sem febre), Para produzir rebentos como o bétel, Para florir como a areca, Vergonteando em abundância, Florindo em quantidade, Sem se esgotar, corno esta água, Sem se extinguir como este fogo ; Fazendo que o talhão da várzea se

encha Tornando cheio o camalhão Para que habitem no nosso suco, Para que se fixem junto da nossa

fonte (suco) Propagando-se no nosso reino, Multiplicando-se na nossa terra.

Seguidamente, uma velha de maior prestígio na família da noiva coloca num han-matan (tampa cónica, feita de folhas de palmeira, para cobrir pra-tos) 2 folhas de bétel e dois bocados de areca seca e entrega-os ao ancião de maior destaque entre as duas famílias reunidas. Este, por sua vez, apre-senta as folhas de bétel e a areca a cada um dos anciãos presentes que, sem proferirem palavra, sopram neles, como que para lhes insuflar uma vir-tude oculta. Prosseguindo, o oficiante, emitindo uni sopro sobre o malas e bua, dirigi-se aos noivos, nestes termos:

«Ha'u cu is ba malus tahan ne'e, Cu is ba bua bálun ne'e, Atu hôdi ba hafôti ba sira ruas, Feton nó nán, Cnuhas atu tun ba sira icin,

Is atu tun ba sira lolon,

Atu lia hotar rai rai, ibun botar rai rai,

La tona ba sira, la ca'i ba sira ;

Eu sopro nestas folhas de bete!, Sopro nestes bocados de areca, Para lhos meter na boca a ambos, Irmã e irmão, Para que o hálito lhes entre no

corpo Para que o sopro lhes penetre o or-

ganismo, De sorte que nenhuma praga, De sorte que nenhuma boca pra-

guenta Os atinja, ou se lhes prenda;

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SEARA 105

Atu nanlele tiha, atu nanloin tiha,

Nu'u turis cacuri, nu'u ahan cácun,

Sira icin atu cuér, eira lolon atu cuer Nu'u rai sêkin cmanec, Nu'u rai-tén di'ac, Atu nu'u malus be rôdi radiki, Atu nu'u bua be rodi rassare, Tahan halo ua'in, saren halo ua'in Halo hiban o nacônu ha,e, Halo batac o nacônu ha'e, Rodi tur netic ba ita sucun, Rodi tur netic ba ita ué-matan, Rodi belar iha ita reinun, Rodi belar iha ita rain.»

Que fique suspensa, que se des-prenda,

Como a vagem de turis, a vagem de feijão

Para que tenham os corps sãos, Como o bom terreno, Como apreciado nateiro, Para darem rebentos como o bétel, Para darem flor como a areca, Enchendo-se de folhas, de flores, Enchendo os talhões do arrozal, Enchendo os camalhões do arrozal, Para se manterem no nosso suco, Para se fixarem junto da nossa fonte, Propagando-se no nosso reino, Multiplicando-se na nossa terra.»

Finda esta espécie de fórmula consecratória, o ancião, de joelhos, me-te-lhes na boca a cada um dos nubentes uma folha de betel e um bocado de areca acabados de «consagrar», proferindo estas palavras;

«Emi rua simu ba malus tahan ne'e, Emi rua bola ba bua balun ne'e, Cnuhas no is atu tun ba imi icin,

Tun ba imi lolon».

Recebei ambos estas folhas de bétel, Tomai estes bocados de areca, Para que o hábito e o sopro Vos pe-

netrem Vos entrem no corpo.»

A fórmula prossegue ainda, repetindo as bênçãos e votos expressos na anterior, enquanto noivo e noiva mascam o bétel e a areca consagrados.

Esta é a primeira parte do «ritual» matrimonial, a que se segue o ban-quete nupcial que se pode dilatar por dias.

A segunda parte consta de uma libação, e uma exortação aos nubentes.

Para a libação, o «oficiante» deita vinho num copinho a cada um dos nubentes, distribuindo o remascente pelos anciãos presentes. Depois, faz aos recém-casados a seguinte exortação:

«lha loron hirac ne'e, lha uain hirac ne'e, Ami rohan rua, ami sudin rua Souru mútu málu, halíbur hamútuc, Hôdi hcissa'e ona êmi rua, Hôdi hatur ona êmi rua Ba fafata rohan, Ba ai lain tutun,

Nestes dias, Durante este tempo, Nós das duas partes, dos dois lados Nos reunimos, Para vos colocar a ambos Para vos implantar a ambos Nas extremidades da viga, No cimo da árvore,

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106 SEARA

Halo emi rua ici ida ona, Halo emi rua lolo ida ona, Oras ne'e, ami, fêric no catuas, Atu húhi ona a, dada ona a Ba cboça laran, ba tua hun. Ne'e duni ami atu cabahan hela,

Ami atu hanourin hela Emi rua feton no nán, Emi rua atu tau lerec ba emi fuc

lahan, Emi rua atu sicat lerec ba emi noce

dalas, La'a hodi hanoin nafatin, Tur hodi hanoin beibeic Ami fêric, ami catuas, Ami ibun hanourin ida ne'e, Ami lian cababan ida ne'e: Oras ne'e emi rua ici ida ona, Emi rua lolo ida ona; Saran ona de, saran ona tált Ba emi rua liman, Atu hodi ucun malu, Atu hôdi hanourin malu.

Tornando-vos um corpo único, Fazendo-vos uma só pessoa, Agora, nós, velhas e velhos, Vamos já partir Para a horta, para junto da tuaqueira, Por isso, vamos deixar-vos um ensi-

namento Dar-vos um conselho A vós, irmã e irmão, Para que o escondais no cabelo,

O guardeis nas pregas do «tais»,

Para que, andando, sempre penseis, Sentados, sempre vos lembreis, Que nós, velhas e velhos, Vos ensinámos isto, Vos aconselhámos isto : Sois já um corpo único, Sois já um todo só ; Depusemos-Vos já a rota e a corda Nas mãos de vós ambos, Para vos governardes, Para vos conduzirdes um ao outro.

ó, mane, atu sa'e, Kêci nêtic ba 6 fôli icun, Atu tun, Futu nêtic ba ó tais ninin ; Má, labele maluha, Mêmu, labele maluha. Tá, môdi mahan,

Soça, môdi mahunuc. Ba calan, ba loron, Ó sei maré lha ne'e cmanec, Ó sei bali lha ne'e moras.

Ó, feto, ó sei mato mós nanu'u Ba nia mane, Ó sei tuir nia, Ó sei mala'a nia, lha lia ki'ic, lha lia cbót.

Emi rua sei hanoin tan, Emi rua sei hacbadan tan Ha' ac emi rua MI ida ona,

Tu, ó homem, quando subires, Ata-a à ponta do teu langotim, Quando desceres, Prende-a à extremidade do tais; Quando comeres, não a esqueças, Quando beberes, não a olvides. Trabalha, para lhe dares uma som-

bra, Mercadeja, para a vestires. Noite e dia, Hás-de ver se (ela) passa bem, Cuidarás se (ela) está doente.

Tu, mulher, farás o mesmo A ele, homem, Terás que o seguir, Terás que o acompanhar, Nos acontecimentos pequenos e nos

grandes.

Tereis ambos que pensar ainda, Tereis ambos que considerar também Que partilhais uma só esteira,

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SEARA 107

Que usais um travesseiro comum, Sois panela e seu testo; Habitais uma mesma casa, Vos abrigais sob o mesmo tecto , O homem não deverá pensar nou-

trem, A mulher não nutrirá sentimentos

diferentes.

Emi rua cluni ida ona, Sassanan ida, san'-tacan ida ; Mor iha uma ida nia laran, Tur iha cacúluc ida nia ocos; Mane labele neon sêluc,

Feto labele neon sêluc.

Emi rua, feto mane, hacsi'a carie malu,

Emi rua hacanas cáric malu, Houri têmi emi ca'ut, Labele têmi êmi cnuc. Emi rua sei hamatan málu-Halo cmane-manec, Sei haré malu, Halo didi'ac ; Haré houci mane nian to'o feto nian,

Haré houci feto nian to'o mane nian,

Haré nêtic ba lêçu-matan mnáruc, Haré nêtic ba oda-fuan mnáruc, Atu sira ibu botar, sira lia botar Nu'u códoc, nu'u carui, La cona ba emi, la ca'i ba emi,

Atu nanlele tiha, atu nanloin tiha, Nu'u turis cacun, nu'u ahan cacun,

Emi lolo atu cuer, emi icin atu cuer,

Nu'u cuci lolon, nu'u bicar' lolon, Nu'u hudi rai-tén, tohu rai-tén,

Nu'u ral sêkin cmanec, Nu'u rai-tén di'ac, Atu hadiki nu'u malus, Atu hassare nu'u bua, Dikin halo ua'in, Saren halo ua'in, Halo hiban o cai nacônu ha'e, Halo batac o cai nacônu ha'e

Atu rodi radau ita sucun, Atu radau ita ué-matan,

Se, os dois, mulher e marido, alter- cardes uma com o outro,

Se berrardes uma para o outro Não nomeeis o vosso saco, Ou o vosso ninho. Tereis ambos que cuidar um do outro, O melhor possível, Tereis que vos dar, No melhor entendimento; Cuidareis dos parentes do homem

e da mulher Cuidareis dos da mulher e dos do

homem, Ajudando-os a chegar à porta alta, A subir os degraus altos, Para que as suas pragas e maldições, Como a sarna e a urtiga, Vos não toquem, nem se vos agar-

rem, Mas se suspendam, se desprendam, Como a vagem de «turis», a vagem

de feijão, Para que os vossos corpos sejam

lisos Como a bilha, como o prato, Como a boa banana, como a boa

cana doce, Como o bom terreno, Como o apreciado nateiro, Para se propagarem como o bétel Para florirem como a areca, Com rebentos abilndantes, Com farta floração, Com talhões no arrozal cheios, Com camalhões na várzea carre-

gados, Para manter o nosso «suco», Para conservar a nossa fonte (suco),

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Rodi belar iha ita reinun, Propagando-se no nosso reino, Rodi belar iha ita raia. Multiplicando-se na nossa terra.

15—SIMBOLISMO.

A cerimónia que se acaba de descrever é pletórica em simbolismo : nas figuras que intervêm, na «matéria» que se emprega, nos utensílios que se usam, no texto das fôrmulas.

Protagonistas: o noivo e noiva, ou, ao sabor timorense. a noiva e o noivo que Vão assumir, «pública e oficialmente>, a responsabilidade, a mis-são de transmitirem a vida que receberam. Estão, por isso, sentados na mesma esteira.

Cingindo-Os, está a roda encanecida das fêric e dos catuas. A estes cabe a função de lhes insuflar o. spiraculun vitae, «o sopro de Vida» (Gen., 2, 7), através das folhas de bétál é dos bocados de areca que lhes são intro-duzidos na boca. Com o «Sopro vital», os catuas, que se crêem mais perto da origem da vida, transmitem igualmente aos nubentes a sabedoria das gerações passadas, compendiada na exortação final. E porque a missão e função, que os nubentes assumem, os colocam no vértice em que passado e futuro se encontram numa linha indivisível, o ancião, que lhes fala e lhes oferece o bétel e a areca, está diante deles, não em atitude vertical, mas genuflectido.

No início da cerimónia, a noiva está sentada à lareira. É o lugar da mu-ler. Dali é convidada para se ir sentar ao lado do seu futuro marido, ambos numa mesma esteira.

Na lareira há lume aceso e uma panela com água. O fogo e a água: dois elementos que sempre intervieram em toda a Vida do Homem na terra ; deles despontará no texto ritual a linda comparação: não secará como esta água, não se extinguirá como este fogo.

A matéria que se emprega: bétel e areca, dois símbolos de perenidade, para o timorense, como para outros povos o é a palmeira. É por isso que entram na contextura de umas quantas lendas sobre a origem da humanidade. Será também, por isso, que o timorense gasta quase tanta «masca» como o próprio alimento ?!... Sejá como for, a verdade é que é com malas e bua que ele recebe as visitas, passa as suas longas horas de cavaqueira durante o dia e sobretudo à roda de uma fogueira em noites de «bazar», ou outras reuniões nocturnas. E ainda 'COM bétel e areca que ele± aplaca as iras dos antepassados e do rai-ndin nos sacrifícios que lhes oferece, como se se tra-tasse de qualquer coisa tirada do seu próprio ser.

Depois, o texto -ritual, pejado de mataforismo oriental, cuja sentido se torna pertinente esclarecer, em função dos valores contidos no instituto do barlaki. Percorramos as principais metáforas :

Hassa'e ba fafata rohan: Colocar na extremidades da viga. Alusão aos casais de pássaros que

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fequentemente se vêem poisados. nas casas, nos telhados : símbo-lo do lar formado pelo homem e pela mulher.

Hatur ba ai lain Will! : Colocar no cimo da árvore: alusão ao ninho das aves colocado nas árvores, simbolizando o novo, lar.

Haré ba lepu-matan mnáru,... oda- Olhar à porta alta e aos degraus al- -fuan mndru : tos... Alusão às casas timores,

construídas sobre estacas ou coluz. nas, às quais se sobe por uma es-cada de bambu, cujas travessas são bastante distanciadas entre si, dificultando o acesso à porta, ge-ralmente atada com uma corda. O dístico, que interpretamos, é uma recomendação aos nubentes para que auxiliem os parentes, sobre-tudo os velhos, nas necessidades da vida.

Hu is:

kin namata, kin malirin:

Illáks ;10 bua :

Hiban... bdtae naeánu :

Insuflar o sopro Vital: simbolismo alusivo ao spiraeulum vitae, de cuja origem se crêem mais próxi-mos os anciãos das duas famílias.

Expressão tétum alusiVa à. ausência de febre, que aqui Simbófiza tona a espécie. de enfermidade.,,

Bétel e areca: símbolos de pereni-dade; e de unidade e indissolubi-lidade do matrimónio. É que a fo-lha de bétel e o bocado de areca, uma vez mascados, tornam-se urna pasta única, produzindo saliva en-carniçada, da cor do sangue que o novo casal deve transmitir à sua descendência.

Talhões... camalhões cheios: alu-são metafórica à fecundidade, pro-le numerosa.

116-matara: Expressão clássica, sinónima de «ter- ra natal».

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Nanlele... nanloin nu'u taris cá- Que se soltem, se desprendam, como cun, áhan cácan:

a Vagem seca do «turis» e do fei- jão se solta e se separa do grão. Alusão ao voto de que as pragas e maldições proferidas contra os noi-vos os não afectem.

lcin cuér: O corpo liso, são, sem ferimentos, sem sinais de qualquer doença.

Taa iha fac-lahan ; Sicat iha noce-datas:

Saran de..., saran táli :

Sa'e, Hei ba fôli 'can;

Tun, !Cita ba tais ninin :

Guardar no cabelo e esconder nas dobras da lipa ou do «tais». Alu-são ao costume de a mulher na-tiva cravar no cabelo a longa haste dos alfinetes de cabelo que usa e ao hábito de o homem timor guardar nas dobras da lipa certos objectos. Devem ambos guardar assim os ensinamentos que rece-bem dos velhos.

Entregar a rota..., entregar a corda. Alusão ao mando simbolizado na «rota», confiada ao homem; alu-são à obediência e sujeição que lhe deve a mulher, tudo simboliza-do na «corda» com que a liga a si.

Subindo, ata-a à ponta do teu lango-tim ;

Descendo, ata-a à ponta do tais. São expressões alusivas ao costume de o timor, quando sobe às árvores sobretudo, atar ao corpo a ponta do langotim ou do «tais», para ter os movimentos mais desembara-çados, ficando o langotim e o tais a fazer um todo único com o cor-po que os usa, nessas ocasiões, quase exclusivamente para cobrir o pudendo. Ambas as expressões têm sentido metafórico alusivo à unidade do matrimónio e querem dizer : tanto na prosperidade (sa'e, «subindo») como na adversidade (tun, «descendo») deve o homem ter a mesma mulher que seja a única a conhecê-lo (como a ponta do langotim ou do tais).

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Md, tabele haluha; Mêmu, tabele haluha:

Td, môdi mahan; Soca, môdi mahúnuc:

Maré ne'e cmanec ; Maré ne'e moras:

Quer comas, quer bebas, não te es-queças da tua mulher. Alusão à comunhão de bens, mais concre-tamente, à comunhão de mesa, .e ao dever de prover ao sustento da mulher e de toda a familia que se acaba de constituir.

Expressões alusivas ao dever que impende sobre o homem de pro-ver à habitação e sustento da fa.- mílía.

Conselhos alusivos ao dever de o homem velar pela saúde da mulher e dos filhos.

Mala'a nia iha lia ki'ic, lha lia Exortação à mulher para que acom- cbot : panhe sempre o marido em todas

as vicissitudes da vida.

Bill Ida, cluni ida: Uma esteira, um travesseiro. Alusão à unidade de «toro».

Sassanan ida, san'-matan ida:

Houri têmi emi ca'ut; Labele têmi emi cnuc:

16 — INFLUÊNCIA CRISTÃ E PORTUGUESA

Cada panela, a sua tampa: Alusão à unidade do Matrimónio. O sentido é: cada panela, a sua tampa, cada mulher, o seu marido.

Não nomear o vosso «saco», o vos-so «ninho»: Expressão metafórica, alusiva ao ramo masculino (ca'ut, saco) e ao ramo. feminino (cnuc, ninho) da ascendência e que tem sentido edeogrdfico, relacionado com o vicio inveterado, entre os nativos, de dirigirem-obscenidades à ascendência dos seus conten-dores.

Sem esforço, se nota, no rito que atrás se descreveu, a presença cristã e a acção exercida pelo colonizador português, quer em certos vocábulos introduzidos no tétum, quer ainda em expressões e atitudes do código do «barlaque».

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Assim, temos os vocábulos: Neca (do português negar); Mor (do por-tuguês morar); Reinun (do português reino), todos do texto ritual.

As expressões: Nu'u rai sékin; nu'u rai-tén («como terras de aluvião, como nateiros») lembram o texto bíblico. «Det tibi Deus. . de pinguedine terrae», («Deus te dê.... da «gordura» da terra — Gen. 27,28).

Talvez também estoutra: Emt rua icin ida ona, tolo ida ona («vós dois sois já um só corpo, um só tronco») seja um decalque do versículo do Génesis: erunt duo in carne una (Gen. 2,24).

O que não parece oferecer dúvida, quanto à influência sofrida do cris-tianismo, é a atitude do ancião que, ao introduzir o bétel e a areca na boca dos noivos, se lhes dirige de joelhos. Entre povos desta zona, a genuflexão era usada só na corte, quando um ata oferecia ao liurai o material da «masca» ou vinho, água ou alguma iguaria ou mesmo qualquer outra coisa. A genuflexão simples (de um só joelho) também se usava, quando algum ata oferecia o joelho erecto ao liurai para este se apoiar ao montar a ca-valo. Como atitude ritual, afigura-se ser cópia de cerimónias cristãs.

E o alto padrão moral, que se surpreende no código do barlaki, não será também reflexo da acção missionária exercida pelos Dominicanos e Jesuítas nos povos da cultura que estamos estudando? Influência, certamen-te a houve. Mas até que ponto?...

Após uma acção missionária e uma presença euro-cristã, de mais de 400 anos, em Timor, necessàriamente se há-de reconhecer que é extrema-mente difícil recorrer o veio de influência que daí veio para a cultura timo-rense, mensurando-lhe, com segurança apodíctica, toda a profundidade e estensão que poderá ter atingido. Sobretudo, se se atentar em que muito pouco existe escrito sobre uses e costumes timorenses, de épocas de fraca influência cristã e, ainda menos de épocas anteriores a essa influência.

III O BARLAKI E O PENSAMENTO DA IGREJA

17 —O pensamento da Igreja sobre o casamento gentílico, em geral, está compendiado nas respostas e instruções, que a seguir transcrevemos, emanadas de Roma.

A S.C. de Propaganda Mele, em documento de Setembro de 1821, de-clara peremptáriamente: «...0s príncipes seculares, quer fiéis quer in-fiéis, têm ateníssimo poder sobre o matrimónio dos seus súbditos infiéis, de tal forma que os impedimentos por eles estabelecidos, que não con-trariem o direito natural ou o direito positivo divino, anulam absoluta-mente tais matrimónios, não só nos efeitos civis, senão também no pró-prio vínculo coniugal.... • .; e o que, neste caso, se diz da lei de uni príncipe secular, ENTE.VDE-SE IGUALMENTE DO COSTUME LEGI-TIMO, que adquiriu força de lei para súbditos infiéis».

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SEARA 113

Em 22 de Agosto de 1860, declarava o Santo Ofício: «Matrimoniam validam ao firmam consistere quoties natas vel cerimoniae coram testi-bus praestitae, iuxta communem regionis existimationem mutuam spon-sorum de praesenti consensum sufficienter exprimunt» («o matrimónio permanece válido e firme, todas as vezes que o consentimento ou as ceri-mónias havidas perante testemunhas suficientemente exprimem, no conceito geral da região, o matuta consentimento actual dos nubentes».

Já em documento da S.C. de Propaganda Fide, do ano de 1659, se lia esta instrução : «Tenha-se grande cuidado em não os (aos pagãos) levar a mudar os seus ritos, usos e costumes, quando clàramente se veja que atro contrariam a religião nem os bons íostumes» (Coll., n. 135).

Vejamos em que medida são aplicáveis ao caso de Timor estas normas gerais traçadas pela Santa Sé. Para maior clareza, trataremos distintamente os aspectos mais importantes do abarlaki» : A) o fôlin do casamento gentí-lico timorense; B) o consentimento que nele intervém ; C) os impedimentos que nele interferem; D) o rito que ele prescreve; E) qualidades essenciais.

A) — FOLIN.

Em certas dioceses da África negra, as exorbitâncias do alambamento (espécie de barlaque praticado em África) chegaram a tal ponto que a gran-de maioria dos rapazes e raparigas, em idade núbil, se viam na necessidade de desistirem do casamento legitimo para se refugiarem no concubinato. Tal situação obrigou o episcopado africano dessas mesmas dioceses a ful-minar excumnhão contra os responsáveis desta espécie de tirania do alam-bamento, que é, por definição, preço da noiva.

Será o barlaki timorense o mesmo que o alambamento africano? Po-demos já avançar que não, por aquilo que já atrás se expôs e pelo que adiante acrescentaremos.

O barlaki timorense não parece menos legitimo que o môhar dos he-breus mencionado em várias passagens de Antigo Testamento (Gen. XXIV, 53; XXIX, 18; XXXI, 15; Exod. XXII, 16,17). Ora vejamos o que sobre o môhar nos diz o autorizado comentarista Albert Clamer: «L'hébreu MOHAR est dificil à définir. (Ce n'est ni un prix d'arhat ni une dot, mais un des elements du système de compensation qui consacre, dans un mariage, funion de deux familtes» (La Sainte Bible, Gen. 1 vol. pg. 200). E mais adiante: «Le Môhar peut prendre la forme de services rendas par le fiancé à SA BELLE-FAMILLE, ainsi jacob dans ia maison de Laban. II apparatt moins comme la contre partie en argent de la valeur suppo-sée de la femme que comme L'INSTRUMENT LEGAL DU LIEN QU! SE CRÉ ENTRE LES DEUX MA !SONS» ( lb.).

Assim, tanto o «barlaque» timorense como o «môhar» hebreu tomam aspectos novos que os distinguem nItidamente do «alambamento» africano ou ainda do «môhar» praticado pelos maometanos, um e outro, verdadeiros preços da noiva.

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Na prática, o comportamento >mais indicado é o da tolerância, logo que não se trate claramente de alguma forma de tirania do «barlaqueamento», que tolha o direito natural.

É no mesmo sentido que se pronuncia o conhecido canonista J. de Reeper em seu precioso trabalho «The Sacraments on The Missions», pg. 237,238: «Experiente has, taught us that any interferente by the eccle-siastical authorities in the matter of the bride-price is strongly resented by the heathens (and often not less by our own faithful) as interference in mat-ters which do not belong to' the priest's domain and by Catholics as placing theni in, a disadvantageous position relative to the heathens No' hard and fast rüle can be lald.down concerning the importante of bride--price. Per se it is not against the natural law and, as long as it remains within reasonable bounds, it can be tolerated as a licit custom If it has been paid, this cafithe considered as positive proof that a valid customary marriage (suppositis supponendis) has been contracted, but from its absence one cannot assume'the invalidity of the marriage. On account of lis traditional nature and lis stabilizing ef!ect of native marriages, IT CAN ALSO BE TOLERATED IN A MODERATE FORM AMONG CA-THOLICS ».

B) — CONSENTIMENTO.

O consentimento de que aqiii se trata é o consentimento própriamente matrimonial, aquele do qual depende a validade do casamento.

Tal -consentimento, para sei eficaz, terá que ser; a) —genuíno, e não fictièio; b)—livre, e não coagtd&; c) -- mútuo, por isso mesmo que se trata de um contrato bilateral; manifestado por sinais externos, uma vez que se trata deuni,contrato bilateral social.

Dada a grande interferência que costumam os pais e tutores ter no «barlaque», pode pôr-se a pergunta: até que ponto permanece eficaz o consentimento dós nubentes e portanto válido o seu casamento?

l'sto leva-nos a tratar dos 'casamentos forçados. É aplicável ao casa-menW gentílico a doutrina do "can. 1087, § 1.° «Invalidam quoque est ma-trimoniam initum ob vim vel Metum GRAVEM AB EX7'RINSkCO ET INIUSTE incússum, a quo ut'quis .se liberet, eligere eozatur matrimo- nium»• § «Nullus alias metas, IAMSI Der CAUSA/ 1,1 CONTRAC- TUl nullitatem secumfert».

i Admitindo-se que a influência exercida pelos pais ou tutores na vontade dos nubentes produz nestes um medo reverenciai que os leva a contrairem o casamente por aqueles combinado, procuremos saber se tal medo é sufi-cientemente grave e injustamente incutido para invalidar o casamento.

Para ser eficazmente grave e injusto, «o medo reverenciai, diz J. de Reeper (op. cit. pg. 224), deve ser acompanhado de sérias ameaças, por exemplo de deserdamento, ou acompanhado de despimento das roupas, maus tratos e vioUncia».

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O Tribunal da Sagrada Rota, num caso de 2 de Junho de 1911, perfilha a doutrina de Sanchez de que «a continua indignação de um pai não in-terfere, só por si, na liberdade de um filho ou filha de tal forma que, em direito, se possa considerar o consentimento, no matrimónio, ine-xistente».

Tudo, o que acabamos de transcrever e expor, deve entrar em conside-ração, para, em casos concretos, se poder aferir o grau do medo reveren-ciai que possa exercer o seu influxo na vontade dos contraentes.

De um modo geral, pode dizer-se que raramente se verifica no barlaque uma coacção tão eficazmente injusta e grave que possa anular o verdadeiro consentimento, exigido no casamento válido.

Quanto ao consentimento dos pais ou tutores no matrimónio dos seus filhos ou tutelados, é certo que não é condição de validade do mesmo ma-trimónio, com se infere desta declaração de Inocêncio 111, datada de 15 de Julho de 1198: «Sufficlat acl matrimonium solas consensus de quorum quarumque conlanctionibus agitar» (Denz. n. 404).

Resta-nos dizer um palavra sobre a exteriorização do consentimento matrimonial no barlaque.

Pelo que acima se descreveu na II parte deste trabalho, podemos afir-mar que o consentimento dos nubentes é, no barlaki, suficientemente mani-festado para não suscitar dúvidas acerca da sua existência.

O facto de um e outro manifestarem antes e depois das negociações do fólin o seu consentimento aos pais e o renovorem, no gesto de se sentarem ambos na mesma esteira e mascarem as simbólicas folhas de batel e os dois bocados de areca que o ancião lhes oferece no han-tacan, é bastante para se provar aquele seu consentimento.

C) — IMPEDIMENTOS

Vimos atrás que o «costume legitimo, que adquiriu força de lei para súbditos infiéis», pode impor impedimentos ao casamento gentílico desde que estes não contrariem o direito natural ou o direito positivo divino.

Por outro lado, sabemos que o direito costumeiro timorense da zona de Samoro, Barlaque e Fatuberliu, que estamos analisando, só impõe duas es-pécies de impedimentos: consanguinidade e afinidade; aquele em toda a linha recta e na linha colateral, até ao 3.° grau, entre os descendentes de dois irmãos (varões) ou de duas irmãs; e este, em toda a linha recta Coa-traída ou adoptada (pelo casamento) e, na linha colateral, até o 3.• grau, entre varões do lado da mulher e fêmeas do lado do marido.

Será qualquer destes impedimentos contrário ao direito natural ou di-reito positivo divino?

Respondemos que não. Logo, peia declaração, acima citada, da S. C. de Propaganda Fide, esses impedimentos «obrigam» em relação aos infiéis da zona em questão.

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Quanto à sua razão de ser, percebe-se, neste sistema de impedimentos, a preocupação de um alargamento do círculo de consanguinidade, pela re-dução, ao mínimo, de casamentos entre consanguíneos. Com efeito, das três possibilidades de casamentos consanguíneos (entre descendentes de 2 ir-mãos varões; entre descendentes de duas irmãs; entre descendentes de um irmão e os de sua irmã), apenas uma (a terceira hipótese) é consentida pelo direito costumeiro timorense que estudamos. Pressente-se nisto o instinto de conservação e propagação da espécie (fim primário do matrimónio), atra-vés de uma forma legal de expansão bio-social.

Não deixa de estar também subjacente a tudo isto uma preocupação de natureza económica, fácil de adivinhar.

D)— RITO

Passemos à análise da cerimónia ou rito que soleniza o «barlaki», como casamento gentílico legítimo. O objecto da nossa análise é: a ► qual é a parte essencial desse rito, aquela da qual depende a validade do matrimó-nio em causa ?; b) terá algum carácter sagrado esse rito, quando executado pelos anciãos, sem a intervenção de lulic-na'ins?.

a) — Prevenimos já que é assaz complexo precisar em que consiste a essência de todo o rito matrimonial gentílico, conforme atrás o deixámos descrito. Sabemos, no entanto, que, no sentir unânime dos povos da região estudada, há um mínimo desse rito que se considera imprescindível para que qualquer união matrimonial se não repute contraída iha li'ur (à margem do direito costumeiro), consoante se viu acima.

Mas qual será esse minímo?!...

Recordemos a doutrina do Santo Ofício, na Instrução de 22 de Agosto de 1860, acima transcrita: «Matrimoniam validam ac firmam conszstere quoties natas V81., ceremoniae coram testibus praestitae, iuxta commu-nem regionis existzmationtm mutuum sponsorum de praesenti consensum sufficienter exprimunt».

Comentando este texto da Instrução, escreve J. de Reeper: «Notice well that here the word VEL has been used, making it clear that the mutual con-sent can consist in one or other gesture or in the ceremonies. Not necessa-rily, therefore, and not exclusively in the ceremonies» (op. cit. pg. 231).

De qualquer forma, porém, o consenso comum dos povos da região, em causa é tomado como padrão ziuxta conzmunern re'ionis existimationemr de aferimento da eficácia de expressão da vontade mútua dos contraentes. Ora, sabemos, por inquirições feitas na zona estudada, que, no sentir comum dos respectivos povos, não se considera legalmente manifestado o mútuo consentimento dos nubentes, se o não for através de unia determinada sole-nidade, imposta pelo direito consuetudinário timorense, que, por força do Decreto n.° 43.897, de 6 9/1961, foi adoptado pelo Direito Português (art.° 1, art.° 2.'-enf. SEARA-janeiro-Abril-1964, pg 31), e tem força de lei. segundo doutrina da Igreja, já oportunamente exposta, neste estudo: que «os prin-

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cipes seculares, quer fiéis quer infiéis, têm plenissimo poder sobre o matri-mónio dos seus súbditos infiéis».

A ausência desta manifestação legal do consentimento mútuo dos con-traentes coloca a união matrimonial gentílica fora da lei (iha ll'ur), sem Va-lidade. E aqui que reside o aó do problema, e vamos tentar resolvê-lo atra-vés da análise da expressão tétum «bola mdlu iha li'ur», cuja versão por-tuguesa se deu já.

Esta expressão soa quase o mesmo que estoutra: «bola mdlu iha ai--laran» (acasalarem-se no mato por mero ímpeto fisio-passional). Uma e ou-tra são cruamente indicativas de ilegitimidade. Ora tanto li'ur como ai-la-ran contrapõem-se a uma-laran (dentro de casa; em casa; fig. «dentro da lei» ; «com reconhecimento da sociedade tribal»). Paralelas a estas expres-sões usam-se também estoutras «Hôuci oin» (pela frente, perante os Ve-lhos) e «houci côtuc» por trás, sem testemunhas).

Entende-se, assim, que, para a validade do «barlaque», como Verdadeiro casamento gentílico, se requer a presença dos Velhos que são, a bem dizer, o «oin» «rosto», da sociedade tribunal timorense. E isto está de harmonia com o conceito matrimonial timorense (conceito aliás legitimo) que define o casamento como contrato bilateral, implicitamente

De sorte que, tida em conta a instabilidade das cerimónias ou rito que acompanham o «barlaque», e admitido, por outro lado, o que é estritamente imprescindível para a validade do conjúgio, segundo o que se acaba de ver, podemos já assentar um critério: Para a validade do casamento gentílico timorense, requere-se como forma, QUE O MÚTUO CONSENTIMEN-TO DOS NUBI VTES SE MAVIFESTE de praesenti PERANTE OS VE-LHOS reconhecidos pelas famílias «contraentes», quer o referido consen-timento se produza por um gesto quer por palavras quer ainda através de cerimónias ou ristos».

Assim, no rito que ficou atrás descrito, julgamos que seria suficiente para a validade do «barlaque»-casa.uento o facto de, na presença dos ve-lhos, se levantar a noiva da lareira e vir sentar-se ao lado do noivo, ou o mascarem sim ultâneamente, ca , lu uni uma das duas folhas de bétel e um dos dois bocados de areca insuflados pelos velhos e colocados no hdn-matan, desde que nenhum outro sinal desmentisse claramente o seu assentimento interior.

b) — Vejamos agora se, no referido rito, aflora alguma característica re-ligiosa, suficientemente indicativa de um propósito de culto religioso.

Não se depara, em toda a sua sequência, nenhuma invocação a pode-res ou forças preternaturais, a espíritos de antepassados, a «génios» tute-lares.

Não se utiliza nele ídolo ou qualquer oljecto que envolva sentido reli-gioso ou supersticioso. N?an tampouco oficia nele qualquer lillic-na'in.

O único acto que pode. de algum modo, despertar dúvidas sobre o seu sentido espiritual é a insuflação dos velhos no material da «masca» a ofe-recer aos nubentes. Tratar-se-á de um gesto ou acto religioso, particular-mente no caso do velho-oficiante .ou presidente ?. .

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Certamente que, per se, a insuflação é como a genuflexão, como o ósculo, como qualquer outro sinal para exteriorizar uma intenção, um sentimento. Pode apenas ser a expressão de um voto ou desejo, a que se não considera ligada nenhuma eficácia de caracter mágico ou preternatural, embora se faça acompanhar de certas fórmulas convencionais ou tradicionais. Dizemos per se. Porquanto as palavras que, no rito do «barlaque», acompanham a insuflação do «velho», atraiçoam uma intenção imediata, como que «sacra-mental» sobre o malas e o bua.

Na prática, haverá que se ter em conta a verdadeira intenção da pessoa ou pessoas que insuflam, para se poder, com relativa segurança, afirmar se há ou não acto supersticioso. Se, portanto, alguém produzisse a insuflação ritual acompanhada da respectiva fórmula, acima reproduzida, mas decla-rasse não . ter nisso mais que um simples meio ou sinal de Exprimir bons desejos ou votos, sem intenção mágica ou preternatural, poderia permitir-se em certas circunstâncias, e dentro de certas cautelas, aos próprios catecú-menos o rito do «barlaque».

É nesse sentido que se deve interpretar a Instrução da S. C. de Propa-ganda Fide, de 1659, que já citámos no fnicío deste capítulo: «Tenha-se grande cuidado em não os levar a mudar os seus ritos, costumes e USOS,

quando claramente se vê que não são contra a religião ou os bons cos-tumes».

A propósito, transcrevemos o já citado canonista J. de Reeper: «When catechumens wish to marry and cannot possibly deter the marriage until af-ter baptism («qui maxima argentar necessitate inter se quamprimum et iuxia ritum gentilium contrahendi») the missionary could allow them to go through the customary, civil. ceremonies, «praetermissis sollicite caeremo-niis idololatricis». Such a marriage would be positis ponendis a valid pa-gan marriage, «matrimoniam legitimam». After their baptism the couple should receive the nuptial blessing» (op, cit. pg. 226,227).

E)— Qualidades essenciais.

Depois de. tudo o que se ventilou, no presente trabalho, perguntemos: estarão suficientemente respeitadas, no barlaki, RS qualidades essenciais do Verdadeiro matrimónio — Unidade e indissolubilidade?

A resposta serã : SIM.

A Unidade está bem expressa na unidade da esteira onde ambos os nubentes se sentam durante a cerimónia. O mesmo se dá no malas e bua do ritual. Confirmam-no igualmente várias sentenças da fórmula. Por exem-plo: «Calã panela, a sua tampa; cada mulher, a seu marido» ; emi rua teia ida ona; emi rua lolon ida ona».

A indissolubilidade não está menos claramente incutida no rito.

A Imagem da pasta ou massa, homogénea da «masca» formada pelo bé-tel e pela areca é eloquente. Outio,o4o é o sentido das sentenças: «Ó (teto)

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sei mala'a nia iha lia ki'ie, iha lia cbot» ; «O mane, ata sa'e, keci nettc o fôli ican; ata tan, fula netic o tais ntnin».

Não é nosso propósito tratar aqui o divórcio nem o código de multas que o direito tradicional timorense estipula para casos de infidelidade ou outros delitos atentatórios da dignidade da mtilher. É matéria assaz vaga e complexa e por isso mesmo requer estudo separado.

Para os que desejarem uma informação mais longa e exacta da legisla• ção escrita, que protege o casamento gentílico timorense, sugerimos a co. ectânea que disso fizemos em SEARA, Jan. — Fev, 1964, pg. 20-36).

J. Barros.