caderno de artes .s 22

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3 | JUN | 2010 • Nº 22 • Mensal • Este caderno faz parte integrante da edição nº990 do POSTAL do ALGARVE e não pode ser vendido separadamente Arquipélago Allgarve’ 10 p. 14 e 15 Caderno de artes >> Postal Juan Martinez pinta poesia p. 12 e 13 13 exposições fazem uma retrospectiva de 1000 anos da história e da cultura na região

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.S edição nº 22 de 3 de Junho de 2010

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ArquipélagoAllgarve’ 10

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O Algarve do Reino à Região p. 4, 5, 6O Algarve do Reino à Região p. 4, 5, 6O Algarve do Reino à Região

Juan Martinezpinta poesia

p. 12 e 13

p. 4, 5, 6

13 exposições fazem umaretrospectiva de 1000 anos da história e da cultura na região

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Ficha Técnica

Director: Henrique Dias FreireEditor: Salvador SantosDesign e paginação: Mário Coelho, André Navega/Profissional Gráfica

Colaboram no .S: Adelto Gonçalves, Graça Cunha, Jorge Queiroz, José António Barreiros, José Bívar, José Luís Fernades, Manuel Madeira, Paula Ferro, Pedro Afonso, Pedro Santos, Pedro Bartilotti, Ricardo Claro, Sandra Boto, Susana Martins, Vasco Vidigal, Vítor Cantinho

e-mail de contacto: [email protected]

Os artigos de opinião e as opiniões expressas ou por terceiras pessoas em citação ou entrevista, são da exclusiva responsabilidade das pessoas que as proferiram, não reflectindo necessariamente a posição do .S.

Tiragem: 11.077 exemplares

notas

resente é um tempo entre passado e futuro. Este é o presente do tempo histórico, do quotidiano. O do tempo psicológico pode ser um presente do passado, recordação ou memória. Também pode ser um presente do futuro, imaginação ou ilusão.

Confundir estes tempos torna-se um pro-blema quando conduz à indistinção dos

diversos planos e níveis da realidade. Proble-ma grave quando se realiza em responsáveis pela coisa pública. Problema gravíssimo quando se transforma na linha de orientação de governo de um país.

Em Março, responsáveis governamen-tais anunciaram que «a cultura já repre-senta 2,8% do PIB e dá trabalho a 127 mil pessoas». Em época de crise, o anúncio soou prometendo a salvação ao país. Mês e meio depois, o Presidente da República confirmou: o segundo desígnio do país era as «novas indústrias criativas». O futuro era como se fosse presente. Portugal en-contrara o rumo para vencer a crise. O presente era o futuro. E cultural. Um maná! Mais sebastiânico do que bíblico, como se veria.

Três meses após vieram outros responsá-

veis da mesma governação dizer que a crise não só era mais grave, do que tinham dito até então, como só tinha uma solução. A mesma do passado: expropriar mais o cida-dão. O presente é o passado. Sem futuro, a não ser o do passado.

E a cultura? O que lhe aconteceu, nesta aparência de diálogo da governação no es-paço público? É do passado ou do futuro? Ou é o presente de quem tão ligeiramente promete, nega, diz e desdiz, lança palavras ocas e ideias de areia para o crer dos cida-dãos? Será que a cultura adveio palavra sem significado? Como a crise, a palavra, que é motivo, pretexto e justificação de tudo ou quase tudo. Uma abstracção, sem causas nem responsáveis.

A cultura em Portugal no futuro próximo será tão maltratada como sempre foi, de

modo constante ao longo dos séculos e só fugazmente interrompido. Quando convém aos poderosos é um desígnio ou substantivo semelhante, mas nunca deixam de a consi-derar um adjectivo do poder.

Foi neste contexto de um presente memó-ria do passado e ilusão de futuro, de desorien-tação e engano, que se efectuaram no Algar-ve dois cursos de jornalismo de cultura com mais de 50 participantes. Muitos dos quais produziram matérias publicadas neste suple-mento e noutros órgãos de comunicação social. Cursos exemplares de como a inicia-tiva dos cidadãos e das suas organizações em diálogo com instituições públicas pode gerar efectivos actos de cultura. Actos enraizados no passado, vivendo o presente, olhando para o futuro.

José Luiz Fernandes

l CuLTura

Diálogos 3

Pl EnSino arTíSTiCo E paTrimónio

Lugares Mágicosnot

a

econhecendo sempre o direito pleno de to-dos os cidadãos à cultura, a Direcção Regio-nal de Cultura do Algarve não quis deixar de assinalar o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social (aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia em 2008), promovendo um projecto que possa contribuir para a Educa-ção Artística e fruição de monumentos, por parte de jovens de famílias economicamen-te mais desfavorecidas

Lugares Mágicos é um projecto de Edu-cação Artística e Patrimonial da Direcção Regional de Cultura do Algarve em parceria com o Atelier Educativo (Associação para o Desenvolvimento da Educação pela Arte).

O projecto contempla quatro monumen-tos afectos à Direcção Regional da Cultura do Algarve: Ruínas Romanas de Milreu e Castelo de Paderne na 1.ª fase (de Abril a Junho), e Monumentos Megalíticos de Al-calar e Ermida da Nossa Senhora de Gua-dalupe, na 2.ª fase (de Outubro a Janeiro).

Neste momento estão 15 jovens a parti-cipar no Atelier das Ruínas Romanas de Milreu, onde se está a desenvolver a técnica

da majolica, cerâmica e estampagem têxtil, orientado pelo artista Miguel Cheta. Cinco jovens são do Banco Alimentar da Casa do Povo de Estói, cinco da Casa de Protecção à Rapariga de Faro e cinco da Casa da Pri-meira Infância de Loulé. Em simultâneo, no Lar da Gaivota da Santa Casa da Miseri-córdia de Albufeira, 10 jovens estão a desen-volver um atelier em torno da fotografia,

enquadrado pela história e paisagem do Castelo de Paderne, sob orientação do foto-grafo Vasco Célio.

Na 2ª fase do projecto Lugares Mágicos, irá ser desenvolvido um trabalho em torno da dança para um grupo de 14 deficientes da instituição NECI (Núcleo de Educação da Criança Inadaptada) em Lagos. Este atelier irá decorrer na Ermida da Nossa Se-

nhora de Guadalupe e será orientado por Maria Alcobia. Está também programado um atelier, que será orientado pelo Ceramis-ta Ricardo Lopes, para um grupo de 14 jo-vens da instituição Bom Samaritano (Por-timão), onde as ruínas de Alcalar serão pretexto e contexto para a iniciação da aprendizagem da cerâmica.

S.S.

R

Jovem a participar no Atelier das Ruínas Romanas de Milreu

D.R.

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notas

| EXPOSIÇÃO| Paulo Tomé, fotógrafo nascido em Faro, no ano de 1964, teve em exposição no edifício da CCDR Algarve, uma mostra de trabalhos analógicos que o autor realizou com

utentes de um lar de idosos. As foto-grafias, por vezes de uma crueza atroz, atentam na debilidade que o corpo ganha com o acumular do tempo. Uma fragilidade que é também da alma como

se pode ler no olhar vazio de muitos dos retratados. A eminência da mor-te ou a ausência de novidade marcam os rostos captados pela objectiva do fotógrafo.

coluna do editor

O programa «Allgarve» que vai na quarta edição, na sua vertente de arte con-temporânea e de música erudita, e o pro-jecto «O Algarve do Reino à Região», iniciativa conjunta e pioneira da Rede de Museus do Algarve que percorre mil anos da história e da cultura algarvia, são dois exemplos da dinâmica cultural que toma a região.

Para quem olha o fenómeno ao largo, a satisfação não pode deixar de ser evidente. As exposições, as peças de teatro, os con-certos, o cinema e a edição de todo o gé-nero de literatura, sucedem-se a um ritmo difícil de acompanhar e em toda a exten-são do território.

Ainda recentemente, como prova da excelência das boas práticas que por cá se cultivam, o Museu de Portimão foi dis-tinguido como Melhor Museu da Europa, pelo Conselho da Europa.

Seduzidas pelo discurso das indústrias criativas, as autarquias tomaram os objec-tos culturais como uma prioridade ainda que sejam os primeiros a sofrer com as crises fi nanceiras.

Aquilo que se poderia considerar como uma época de amadurecimento cultural da região teve, no entanto, com o encer-ramento do Museu da Cortiça de Silves, na Fábrica do Inglês, a sua mais pura ne-gação. Ainda se tentou uma solução onde a Câmara de Silves teria papel preponde-rante mas, ao que parece, guerras políticas inviabilizaram o processo.

A verdade é que todos os projectos cul-turais que vão tendo protagonismo na região estão sob a alçada fi nanceira das autarquias ou do governo. A iniciativa privada não conquista espaço, não conse-gue impor projectos que não estejam su-bordinados a tutelas autárquicas ou gover-namentais.

O amadurecimento, julgo, é apenas ilu-sório. A ausência de públicos mantêm os agentes culturais reféns dos subsídios, e entre os governantes a cultura só é priori-tária em caso de desafogo económico. Parece legítimo pensar que ao mínimo abanão todo este surto cultural possa ruir se o paradigma continuar a ser o do corte no fi nanciamento das artes e das letras em situação de crise.

Como se lê no poema Bernardo Doa-res de José Carlos Barros «...pobre/ de quem vê o que os seus olhos vêem/ As vezes/ é como se tudo tivesse uma alma um/ destino superior às vogais do seu nome/ um espaço onde a eternidade vem para morrer».

Um equilíbrio precário

Salvador Santos

deca

lque

Custa-nos imenso, a nós por-tugueses, porque continua-mos no labirinto da saudade, aceitar a nossa escala, aceitar que somos um país com 10 milhões de pessoas, que não

teve revolução industrial; uma potência sem potência, de-mográfi ca, militar e economi-camente débil.

Pedro Rosa Mendes in ípsilon

|LIVROS| Uma cobra tenta hip-notizar um escritor. A um de-putado falta um bocado da ca-beça. Uma borboleta pode ter dentro dela o terrível imperador Ming. Um lagarto aparece com a cauda em forma de clave de sol. E muitas, muitas outras coi-sas: por exemplo, um javali que, de forma enigmática, sorri. São as primeiras aventuras do pe-queno Tukie, pelos montados do Alentejo. Assim se apresenta no respectivo blogue (javalismi-le.blogspot.com) o mais recente livro de António Manuel Ven-da, «O Sorriso Enigmático do Javali». A edição é da Quetzal assim como «Uma Noite com o Fogo», de 2009.

O Sorriso Enigmático do Javali

LITERATURA

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| ZZZZZZZ | No ano da celebração do centenário da Implantação da Repúbli-ca, o Quorum Ballet promove, «Dois Séculos», um encontro renovado com a vida e obra de Manuel Teixeira Go-mes, representando alguns momentos capitais do seu percurso.

A obra, uma criação de Daniel Car-doso para o Quorum Balle, é um traba-lho que vai ao encontro de outras formas de arte que agitaram a sensibilidade de Manuel Teixeira Gomes: a escultura e a pintura.

Quorum Ballet DANÇA

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D.R.

Fotografi a

A Última Fronteira

D.R.

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primeiro plano

uando no ano de 1607, aos 19 dias de Novem-bro, Henrique Fernandes Sarrão dirigiu ao mui-to ilustre senhor D. Manuel de Lencastre, go-vernador e capitão geral do reino do Algarve e comendador-mor da Ordem de Santiago, a História do Reino do Algarve por si ordenada invocou como uma das primeiras razões para se entregar a semelhante esforço «a pouca notícia, que os estrangeiros, e ainda os naturais, têm das antiguidades e grandezas do reino do Algarve, sepultadas no silêncio de tantos anos». Passados quatro séculos ainda se fala à boca pequena, que isso é matéria de interesse de pouca gente, da ausência de uma história do Algarve. Coisa tan-

to mais grave quanto maior é o sentimento de autonomia identitária que aqui se vive.

A exposição levada a cabo pela Rede de Museus do Algarve, «onde pela primeira

vez, se abordam os últimos mil anos da história e da cultura algarvia (…) numa cooperação pioneira entre autarquias, museus, instituições públicas e privadas, universidades, centros de investigação e especialistas de diferentes áreas científi cas e culturais», constitui um subsídio impor-

tante para a construção de um discurso histórico e cultural sobre a região. Discurso

importante para uma perspectiva de futuro e que necessariamente sairá enriquecido da reconfiguração expositiva do material, dos

textos de investigação reunidos em catálo-go, das problemáticas e das novas ava-liações que a execução da exposição

proporcionou.

O Algarve e os Descobrimentos

Das exposições já inaugura-das a que mais se atrasa no tem-

po é a que está patente no Museu Municipal de Lagos «O Reino dos Algarves de Áquem e para Além Mar», que recua ao período henriquino.

D. Henrique, personagem controversa, con-siderado por alguns historiadores um homem medieval cujo interesse na exploração da costa de África tinha apenas como objectivo a acu-mulação de riqueza com o tráfi co de escravos e a união de Portugal ao reino cristão do Pres-tes João, é uma das fi guras centrais no papel que o Algarve assumiu durante o século XV nos Descobrimentos.

A valorização das rotas comercias marítimas que se verifi cou no século XV com a transferên-cia do comércio marítimo do Mediterrâneo para o Atlântico, com as primeiras viagens de con-torno de África, reforçou a posição do Algarve que se liga assim aos principais centros de co-mércio internacional. Pela costa da região pas-savam produtos que Veneza transportava das cidades do Levante para Ocidente.

Com a conquista de Ceuta, em 1415, e a de-cisão de manter a base cristã em território mu-çulmano, D. João I confi a a D. Henrique o pro-vimento e a manutenção de Ceuta que teriam de ser feitos a partir do litoral algarvio. As res-ponsabilidades militares com a praça no norte de África foram a razão dos primeiros contactos de D. Henrique com o Algarve. Com a frequên-cia da região foi-se apercebendo da importância do mar como fonte de rendimento e paralela-mente às responsabilidades com Ceuta, os na-vios henriquinos começam a ocupar-se da pesca, com o comércio e a pirataria.

A frequência do litoral atlântico de Marrocos e as incursões cada vez mais longínquas dos na-vios pela costa ocidental africana suscitaram o interesse de D. Henrique pela exploração das regiões costeiras de África.

A actividade de D. Henrique centrou-se em

Lagos, onde se supõe ter existido uma Casa da Guiné.

Focando o mesmo período, e em profunda complementaridade com a exposição de Lagos, no Museu Marítimo Almirante Ramalho Or-tigão, em Faro, evocam-se os desenvolvimentos técnicos e tecnológicos que permitiram realizar com sucesso a empresa dos descobrimentos.

Logo no dealbar do século XV as primeiras viagens de exploração revelaram a inadequação dos navios para circular no Atlântico. A solução técnica encontrada foi a caravela latina cuja ro-bustez e o pequeno calado permitiam enfrentar alterosas condições de mar. No entanto foi do seu aparelho vélico, aparelhava com o pano lati-no que lhe permitia navegar com vento contrá-rio, que se tirou mais proveito.

Adquirido o conhecimento dos ventos no Atlântico, o pano redondo foi adaptado à cara-vela latina para melhor aproveitamento dos ventos favoráveis.

Com a «Carreira da Índia» surge, a nau, um novo navio pensado para transporte de elevadas quantidades de produtos. Já no século XVI, apa-recem as primeiras referências ao galeão, um navio de acentuada componente bélica e projec-tado para garantir a hegemonia portuguesa no Índico.

A par dos desenvolvimentos técnicos na cons-trução dos navios, a cartografi a também revela mudanças. Perde o seu carácter mitológico e ganha em importantes informações como as escalas de latitudes e o registo de sondas. As cartas e planisférios serviram também, fazendo uso da ilustração, para divulgar as novas realida-des contactadas.

A necessidade de procurar ventos favoráveis em alto mar obrigou os navios a abandonar a linha de costa. Para o cálculo do posicionamen-to dos navios e introduzida a navegação astro-

EXPOSIÇÃO

Do Reino à Região: uma leitura histórica e cultural do Algarve

Q

primeiro plano

EXPOSIÇÃO

ausência de uma história do Algarve. Coisa tan-to mais grave quanto maior é o sentimento de

autonomia identitária que aqui se vive.A exposição levada a cabo pela Rede de

Museus do Algarve, «onde pela primeira vez, se abordam os últimos mil anos da história e da cultura algarvia (…) numa cooperação pioneira entre autarquias, museus, instituições públicas e privadas, universidades, centros de investigação e especialistas de diferentes áreas científi cas e culturais», constitui um subsídio impor-

tante para a construção de um discurso histórico e cultural sobre a região. Discurso

importante para uma perspectiva de futuro e que necessariamente sairá enriquecido da reconfiguração expositiva do material, dos

textos de investigação reunidos em catálo-go, das problemáticas e das novas ava-liações que a execução da exposição

proporcionou.

O Algarve e os Descobrimentos

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ATLAS DE DIOGO HOMEM E NAU S. GABRIEL NO MUSEU DA MARINHA EM FARO LUZ E SOMBRA, O SÉC. XIX NO MUSEU DO TRAJO EM S. BRÁS DE ALPORTEL

Colecção de M. Teixeira GomesD.R.

FOTOS D.R.

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primeiro plano

EXPOSIÇÃO

Do Reino à Região: uma leitura histórica e cultural do Algarvenómica e um novo instrumento de medição, o astrolábio português.

A exposição «Os Descobrimentos Portugue-ses, do Museu da Marinha exibe, para além dos modelos dos navios e dos instrumentos de na-vegação, nove dos 16 fólios que compõem o atlas de 1561 do cartógrafo Diogo Homem.

O século XIX e XX

«Sombras e luz» é a proposta do Museu do Trajo, de São Brás de Alportel, para uma retros-pectiva do Algarve no século XIX. Partindo da indumentária, de alguns acessórios e objectos de uso doméstico, e do natural edifício oitocentista em que está instalado o museu, procura-se re-criar o ambiente da época, as vivenciais íntimas, sociais e laborais.

Um dos problemas com que uma exposição do género se depara está ligado à carência de objectos de classes pobres o que em comparação com o legado das classes burguesas desequilibra a leitura que se pretende oferecer da época. Para aliviar a situação e para restabelecer alguma jus-tiça na análise do século, do qual o legado de famílias como a dos Pestana Girão, que vestia em Paris, só pode ser considerado representati-vo do seu contexto social, ao longo de toda a exposição o visitante é confrontado, sobretudo, com notícias de jornal, que dão uma visão mais alargada do que foi o século XIX na região.

De famílias da burguesia é também Ma-nuel Teixeira Gomes, escritor e antigo Presi-dente da República, em destaque no Museu de Portimão.

De Teixeira Gomes escreveu José Júdice, num texto síntese sobre a vida e a obra do escritor, que «viajou toda a vida, incansável até aos 50 anos, percorrendo a cinzenta Europa do Norte, a Bél-gica, a Flandres, a Prússia renana por puras ra-

zões de interesse, obrigações de negócio, dizia, vendendo os seus frutos secos do Algarve, e de-morando-se lentamente durante meses e meses no regresso a Portimão, fl anando pelas costas do Mediterrâneo em peregrinação a Constantino-pla, à Grécia, a Itália, à Tunísia, a Marrocos e à Argélia, sem planos e sem horários, apa-nhando vapores daqui para ali em esquecidos portos do Levante e do Magreb, sem destino, só, percor-rendo passo a passo a paisagem pagã da civili-zação grega e romana. Ao aproximar-se dos 50, re-solveu reformar-se de via-gens e negócios e insta-lou-se nas suas fazendas de Portimão com o bucólico e ruinoso entusiasmo de se tor-nar lavrador».

Com o advento da República é convidado para Embaixador de Por-tugal em Londres. Em 1923, é eleito Presidente da República. Dois anos depois demite-se e embarca no car-gueiro Zeus que o conduz a um exílio voluntário que duraria até à morte no norte de África.

«No Algarve, no seu território, diz José Júdice, se é que o mais viajado e o mais cosmopolita de todos os nossos escri-tores tinha um territó-

rio, atraiam-no as jovens adolescentes a quem, dizia, colhia as primícias, e se lhe entregavam com o desejo animal do sal, do sol e do sul (…) É agora, dizia, quando se sentava no terraço de bouganvíleas do hotel de Bougie contemplando o Mediterrâneo e fumando o seu charuto com

uma taça de champanhe, que eu tenho beijado, abraçado e gozado as mais belas mulheres do mundo».

A exposição «Manuel Teixeira Go-mes entre dois séculos e dois regi-mes» reúne uma série de objectos

pessoais do escritor e da sua colecção de arte a par de uma interessante re-constituição, à época,

de um posto de telégra-fo através do qual lhe foi anuncia-da a Implantação da República em Lisboa.

Os objectos que Teixeira Go-mes coleccionou vão desde a es-

cultura greco-romana, à arte japo-nesa, às medalhas antigas e à pintura. Peças geralmente de pe-quenos formatos e de fácil trans-

porte. Na pintura era notório o seu gosto pelo Naturalismo. O Romantismo tinha entra-do tardiamente em Portugal fruto de algumas vicissitu-des que atingiram o mece-nato artístico como as inva-sões francesas, a fuga da família real para o Brasil e a guerra civil. Teixeira Go-mes apreciava a vanguarda que, à época, na pintura portuguesa era o Naturalis-mo que irrompera em Por-

tugal em 1879, com Silva Porto e Marques de Oliveira.

No entanto tinha também um gosto mundano, o que o levou a adquirir nas viagens que fez ao Norte da Europa obras de relevância europeia.

Teixeira Gomes está a par das tendências e da vanguarda ao ponto de receber um convite da Rainha Alexandra para decorar o seu gabi-nete de antiguidades orientais no Palácio de Bukingam.

Compra os pintores mais importantes da so-ciedade vitoriana como o paisagista e retratista Alfred Stevens, Rossoff , pintor polaco emigrado em Paris, Henri Fontin-Latour, Henri Loire, William Etty entre outros.

Na exposição «Portimão nos alvores do sécu-lo XX», o olhar recai sobre a evolução da antiga Vila Nova no primeiro quartel do século XX, aquele em que se assiste à transição da monar-quia para o regime republicano.

O principal objecto da exposição são as trans-formações ao nível das infra-estruturas públicas. Logo à entrada, numa das duas visões que se dão a ler sobre a realidade de Portimão, registada no semanário independente «A Verdade» de 3 de Agosto de 1902, diz-se que o estado em que se encontra Portimão é «retrógrado». «Portimão não oferece aos seus habitantes as mais necessá-rias como as mais simples comodidades públicas. Portimão não tem mercado, Portimão não tem matadouro, Portimão não tem canalização de esgotos; Portimão não tem iluminação capaz, Portimão não tem teatro digno desse nome; Portimão não tem urinóis, nem serviço de lim-peza que possa classifi car-se de tal».

Um carro de tracção animal cheio de bilhas para transporte de água dá-nos a medida das condições de vida da população antes das obras

primeiro plano

vendendo os seus frutos secos do Algarve, e de-morando-se lentamente durante meses e meses no regresso a Portimão, fl anando pelas costas do Mediterrâneo em peregrinação a Constantino-pla, à Grécia, a Itália, à Tunísia, a Marrocos e à Argélia, sem planos e sem horários, apa-nhando vapores daqui para ali em esquecidos portos do Levante e do Magreb, sem destino, só, percor-rendo passo a passo a paisagem pagã da civili-zação grega e romana. Ao aproximar-se dos 50, re-solveu reformar-se de via-gens e negócios e insta-lou-se nas suas fazendas de Portimão com o bucólico e ruinoso entusiasmo de se tor-

Com o advento da República é convidado para Embaixador de Por-tugal em Londres. Em 1923, é eleito Presidente da República. Dois anos depois demite-se e embarca no car-gueiro Zeus que o conduz a um exílio voluntário que duraria até à morte no

«No Algarve, no seu território, diz José Júdice, se é que o mais viajado e o mais cosmopolita de todos os nossos escri-

dizia, colhia as primícias, e se lhe entregavam com o desejo animal do sal, do sol e do sul (…) É agora, dizia, quando se sentava no terraço de com o desejo animal do sal, do sol e do sul (…) É agora, dizia, quando se sentava no terraço de com o desejo animal do sal, do sol e do sul (…)

bouganvíleas do hotel de Bougie contemplando o Mediterrâneo e fumando o seu charuto com

uma taça de champanhe, que eu tenho beijado, abraçado e gozado as mais belas mulheres do mundo».

A exposição «Manuel Teixeira Go-mes entre dois séculos e dois regi-mes» reúne uma série de objectos

pessoais do escritor e da sua colecção de arte a par de uma interessante re-constituição, à época,

de um posto de telégra-fo através do qual lhe foi anuncia-da a Implantação da República em Lisboa.

Os objectos que Teixeira Go-mes coleccionou vão desde a es-

cultura greco-romana, à arte japo-nesa, às medalhas antigas e à pintura. Peças geralmente de pe-quenos formatos e de fácil trans-

porte. Na pintura era notório o seu gosto pelo Naturalismo. O Romantismo tinha entra-do tardiamente em Portugal fruto de algumas vicissitu-des que atingiram o mece-nato artístico como as inva-sões francesas, a fuga da família real para o Brasil e a guerra civil. Teixeira Go-mes apreciava a vanguarda que, à época, na pintura portuguesa era o Naturalis-

LUZ E SOMBRA, O SÉC. XIX NO MUSEU DO TRAJO EM S. BRÁS DE ALPORTEL PEÇAS DA COLECÇÃO DE MANUEL TEIXEIRA GOMES E ASPECTOS DE PORTIMÃO NO SÉC. XIX

Colecção de M. Teixeira Gomes

Do Reino à Região: uma leitura histórica e cultural do Algarvetugal em 1879, com Silva Porto e Marques de Oliveira.

No entanto tinha também um gosto mundano, o que o levou a adquirir nas

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FOTOS D.R.

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primeiro plano

de abastecimento de água, da iluminação públi-ca, da ponte e caminhos-de-ferro, do mercado do peixe e da verdura, do matadouro, das praças e jardins que se registaram neste período.

Os clubes desportivos, as colectividades e cafés, o cinema e o Casino da Praia da Rocha trouxe-ram à cidade uma cultura de lazer e de tempos livres consentânea com os novos valores da Re-pública. As primeiras fábricas de conserva e de cortiça marcam a rotura entre a feição rural de Portimão e o novo carácter industrial e urbano.

A República

Tal como Manuel Teixeira Gomes também José Mendes Cabeadas, fi lho ilustre de Loulé, exerceu a chefi a do governo no conturbado ano de 1926.

A exposição que está patente no Convento de Santo António de Loulé toma Mendes Cabe-

çadas como figura de partida para abordar a primeira república no Algarve. A abrir a expo-sição encontram-se docu-mentos que espelham a pro-paganda republicana em período monárquico. Uma fotografi a de correligionários algar-vios do Partido Republicano, onde se vê o Dr. Alexandre Braga, tirada após o julga-mento de Paulo Madeira, traz à memória a contenda judicial que opôs o director do jornal republicano «O Povo Algarvio» ao padre Basílio Correia director do jornal «Notícias de Loulé», semanário monárquico e revela a acérrima dis-puta política que se travou na época.

Pedro de Freitas referindo-se à propaganda republicana refere que ela «engrossava por todo o país. Loulé, embora apegado ao sentimento

monárquico, im-pelido pela curiosi-

dade de espírito dos louletanos de todos os

credos políti-cos, assiste, logo no dia

29 de Março, ao primeiro comício

público que os republi-canos levaram a efeito na fazenda de José Ascensão (o republicano mais activo de

Loulé), depois bairro do Cadoiço. (…) as centenas de assistentes fi caram a compreender melhor o que era a ideia republicana».

Já implantada a republica, «O Povo Algarvio» de 6 de Maio de 1911 apresentam os candidatos às Constituintes pelo círculo de Silves, onde se inclui Loulé, entre ois quais fi gura o nome de José Mendes Cabeçadas.

Ofi cial da Marinha, Mendes Cabeçadas, as-sumiu uma acção decisiva na preparação do 5 de Outubro, assumindo na noite de 3 para 4 de Outubro o comando do cruzador «Adamastor», dando o sinal para o início da revolta. No entan-to foi também um dos mais convictos conspira-dores contra a situação vigente nos anos de 1925 e 1926. A 19 de Julho de 1925 insubordina-se a bordo do Vasco da Gama e percorre o país or-ganizando o movimento militar de 28 de Maio de 1926. Distituido por Gomes da Costa da presidência do Ministério que lhe foi entregue passa à oposição à Diatdu-ra Militar e depois ao Estado Novo. Em 1949 é julgado em Tribunal Militar por ter sido um dos princi-pais dirigentes de uma intentona contra o regime.

A República trouxe um novo fôle-go às actividades culturais. A moder-nidade entra em Portugal e no Al-garve essa dinâmica terá refl exo em autores como Roberto Nobre, Carlos Porfírio, Lyster Franco, José Dias San-cho e Mateus Moreno entre outros. O núcleo dedicado à cultura e formas de sociabilização na República abre com um óleo de Cândido Guerreiro assina-do por Raul Carneiro, caricaturas de Fernandes Lopes e Bernardo de Pas-sos, e pinturas de Roberto Nobre. Ex-põem-se exemplares de «Portugal Fu-turista», dirigido por Carlos Porfírio, o «Orpheu», o «Manifesto Anti-Dantas», de Ama-

deu de Sousa Cardoso, «Ídolos de Barro» de José Dias Sancho, «A Ceia dos Cardiais» e uma série de reacções paródicas à obra de Júlio Dantas como a «Ceia dos Pobres» de Campos Lima ou a «Ceia dos Pardais» de José Fer-

reira da Silva.O núcleo dá destaque ao Congresso Regional

Algarvio e sublinha a intervenção de � omaz Cabreira sobre as «Tarifas Ferro-viárias».

A educação, a vida burguesa, anticlericalismo e a questão religiosa e a participação na 1ª Gran-de Guerra são outros dos eixos estruturantes da exposição.

Salvador Santos

çadas como figura de partida para abordar a primeira república no Algarve. A abrir a expo-sição encontram-se docu-mentos que espelham a pro-paganda republicana em período monárquico. Uma fotografi a de correligionários algar-vios do Partido Republicano, onde se vê o Dr. Alexandre Braga, tirada após o julga-mento de Paulo Madeira, traz à memória a

monárquico, im-pelido pela curiosi-

dade de espírito dos louletanos de todos os

credos políti-cos, assiste, logo no dia

29 de Março, ao primeiro comício

público que os republi-canos levaram a efeito na fazenda de José Ascensão (o republicano mais activo de

de 6 de Maio de 1911 apresentam os candidatos às Constituintes pelo círculo de Silves, onde se inclui Loulé, entre ois quais fi gura o nome de

Ofi cial da Marinha, Mendes Cabeçadas, as-sumiu uma acção decisiva na preparação do 5 de Outubro, assumindo na noite de 3 para 4 de Outubro o comando do cruzador «Adamastor», dando o sinal para o início da revolta. No entan-to foi também um dos mais convictos conspira-dores contra a situação vigente nos anos de 1925 e 1926. A 19 de Julho de 1925 insubordina-se a bordo do Vasco da Gama e percorre o país or-ganizando o movimento militar de 28 de Maio de 1926. Distituido por Gomes da Costa da presidência do Ministério que lhe foi

Militar por ter sido um dos princi-pais dirigentes de uma intentona

A República trouxe um novo fôle-go às actividades culturais. A moder-nidade entra em Portugal e no Al-garve essa dinâmica terá refl exo em autores como Roberto Nobre, Carlos Porfírio, Lyster Franco, José Dias San-cho e Mateus Moreno entre outros. O núcleo dedicado à cultura e formas de sociabilização na República abre com um óleo de Cândido Guerreiro assina-do por Raul Carneiro, caricaturas de Fernandes Lopes e Bernardo de Pas-sos, e pinturas de Roberto Nobre. Ex-põem-se exemplares de «Portugal Fu-turista», dirigido por Carlos Porfírio, o «Orpheu», o «Manifesto Anti-Dantas», de Ama-

exposição.Salvador Santos

dade de espírito dos louletanos de todos os

credos políti-cos, assiste, logo no dia

29 de Março, ao primeiro comício

público que os republi-

deu de Sousa Cardoso, «Ídolos de Barro» de José Dias Sancho, «A Ceia dos Cardiais» e uma série de reacções paródicas à obra de Júlio Dantas como a «Ceia dos Pobres» de Campos Lima ou a «Ceia dos Pardais» de José Fer-

reira da Silva.

Reconstituição de uma ofi cina de sapateiro

A PRIMEIRA REPÚBLICA NO MUSEU MUNICIPAL DE LOULÉ SALVADOR SANTOS

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Perímetro da Cidade de Tavira

AF_Imprensa_SILVIA_210X285mm.pdf 2/22/10 11:52:03 AM

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Auditório Municipal de Olhão

05 de Junho às 21h30

A COMPANHIA DE TEATRO DO ALGARVE

Mecenas:

A COVA DOS LADRÕESDe Luís CampiãoEncenação Paulo MoreiraM/16 anos

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Page 8: Caderno de Artes .S 22

.S caderno de artes >> Postal - 03.06.108

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om edição de Nelson de Matos, foi apresentado, no passado dia 27 de Maio, o livro de memórias de Carlos Brito, «Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos do Combatente», onde o escritor dá conta das suas relações com o históri-co dirigente do Partido Comunista Português.

A apresentação, que decorreu na Livraria Buchholz, em Lisboa, esteve a cargo do deputado e poeta Manuel Alegre e do historiador António Bor-ges Coelho.

Apesar de tudo aquilo que já se dis-se nos cinco anos que passaram sobre a sua morte, 13 de Junho de 2005, Carlos Brito entende, depois de sarar as feridas dos combates internos no PCP, que é necessário que a « história conserve a justa memória de uma fi -gura marcante e das mais polémicas do século XX português, com infl u-ência reconhecível e reconhecida nos acontecimentos e nos protagonistas, com especial incidência, naturalmen-te, na construção do Partido Comu-nista Português e nas sucessivas gera-ções dos que abraçaram o ideal comunista». A principal motivação do livro, afi rma, é «preservar essa memó-

ria, quer das falsas construções apolo-géticas, dos entorses sectários e mes-quinhas apropriações partidárias, dos alegados amigos, quer das sequelas rancorosas de afrontamentos políti-cos e ideológicos e de póstumos ajus-tes de contas demolidores, dos pro-clamados ou encobertos adversários e inimigos».

Na introdução, o autor revela que desde muito cedo pensou em escrever sobre Álvaro Cunhal e que este teria achado natural que isso acontecesse, pois por diversas ocasiões lhe fez «inesperadas confi dências inusuais».

A convivência de mais de três dé-cadas, começou com um encontro entre os dois, em Paris, num café da Place de Clichy, nos fi nais de Outubro de 1966 e estendeu-se até 1999, quan-do Álvaro Cunhal regressa ao coman-do do Partido, «impondo a férrea obediência da ortodoxia conservado-ra à Direcção então vigente», o que culminou com «o agravamento da crise interna, a divisão, a dissidência e o declínio do PCP».

A impressão que esse primeiro en-contro provocou em Carlos Brito aumentou a sua admiração pelo secre-tário-geral e reforçou a sua ligação ao partido. Meses mais tarde, voltaria a encontrá-lo em Praga, no processo de preparação da conferência dos Partidos Comunistas e Operários da Europa que se realizou na Primavera de 1967. Por esta altura, Cunhal pra-ticava uma «liderança sem brechas» como pôde comprovar numa reunião do Comité Central que «foi ampla-mente esclarecedora do papel abso-lutamente dominante de Álvaro Cunhal no trabalho da direcção cen-tral do partido».

Neste período, a linha política do

PCP para o derrubamento da ditadu-ra fascista suscitava reservas no movi-mento comunista europeu, na medida em que compreendia o recurso à vio-lência e às armas numa altura em que os seus congéneres tinham consagrado a via pacifi sta na luta contra as forças reaccionárias. Apesar dessa situação, o prestígio de Cunhal entre os dirigentes comunistas não era afectado.

No livro, o autor coloca-nos perante a importância que uma das propostas de Álvaro Cunhal teve para a formação de uma consciência revolucionária dentro das forças armadas portuguesas ao defi nir como orientação geral que os militantes comunistas deviam tra-balhar para estimular e organizar as deserções, continuando o seu trabalho

revolucionário nas forças armadas. Teve que se empenhar para provar que os comunistas não deveriam ser os pri-meiros a desertar em sinal de oposição da juventude à guerra colonial. O 25 de Abril e as orientações que acabaram por vingar no Movimento dos Capi-tães vieram dar-lhe razão.

Apesar do que deu a entender, não foi um incondicional da invasão da Checoslováquia, nem das justifi ca-ções dos invasores, apesar da direcção do PCP tornar público o seu apoio à invasão.

Sobre as posições de Cunhal em relação a Mário Soares, Carlos Brito revela que lhe «pareceram sempre mar-cadas, tal como acontecia com Santia-go Carrilllo, por uma carga subjectiva que nunca percebi bem se era descon-fi ança, antipatia, rivalidade, despeito, ou tudo junto, que lhe difi cultava avaliar objectivamente o papel de qualquer deles nos respectivos quadros de luta».

Os aspectos que sublinhamos são apenas uma pequena relação dos acon-tecimentos que os primeiros anos de contacto entre os dois responsáveis proporcionaram. O testemunho de Carlos Brito desenvolve-se no período anterior à revolução, altura em que a prioridade dos comunistas portugueses era o derrube da ditadura até à última conversa com Cunhal em 2000, em plena convulsão do PCP.

«Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos de um Combatente» propõe uma viagem com o líder histórico «ao longo dos anos, dos avanços e reveses da sua luta, das peripécias dos seus fôlegos revolucio-nários, dos gostos e das aversões, das recepções e tristezas, e também das alegrias e esperanças» que no livro se documentam.

S.S.

CARLOS BRITO

Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos do Combatente

C

livros

um dos fragmentos de «As cidades Invisíveis», Italo Calvino refere-se à coincidência entre o desejo de um homem e Isadora, cidade com prédios de escada de caracol incrustadas de búzios, onde se fabricam artísticos óculos e violinos, as lutas de galos de-generam em lutas sangrentas e onde

há sempre uma terceira mulher para o forasteiro que se encontra indeciso entre duas. «Era em todas estas coisas que ele pensava quando desejava uma cidade. Assim, Isadora é a cidade dos seus sonhos: com uma diferença. A vida sonhada continha-o jovem: a Isadora chega em idade tardia. Na praça há o paredão dos velhos que vêem passar a juventude; ele está sen-tado em fi la com eles. Os desejos são já recordações.

A leitura de «Faro Cidade Possível» deixa-nos a impressão de uma certa urgência, cuja metáfora se pode en-contrar nesta passagem do livro de Italo Calvino.

Com este livro, Viegas Gomes, que refere-se a si próprio como um obser-vador comprometido, pretende agitar ideias, ajudar a encontrar um bom

sentido para a cidade. O livro enten-de-o como parte desse compromisso, dessa esperança.

«Faro Cidade Possível» opera sobre três ideias fundamentais: a cultura urbana, a cidadania activa e a gestão da mudança, e através delas explica como Faro pode ser uma cidade cos-mopolita, sustentável, criando mais emprego e gerando mais riqueza.

A cidade de que Viegas Gomes parte, é uma cidade que nos anos 60 e 70 capitulou aos interesses dos es-peculadores, dos fabricantes de au-tomóveis. Uma cidade a quem a via administrativa e burocrática tolhem os movimentos e o pensamento. Uma cidade a pedir urgentemente pensamento criativo. Que voltou costas contra o destino e optou por uma concepção produtivista do uso

da terra, por uma política de mais-valia imediata. Uma cidade que no Plano Estratégico de 1996 estava consciente das suas debilidades, como o crescimento periférico, a de-fi ciente articulação Faro-Montene-gro-Gambelas, o isolamento em re-lação à Ria Formosa, a incipiente estrutura verde urbana. Passados 14 anos, os problemas persistem, não por inconsciência dos factos, mas por não ter havido vontade política para os resolver.

Acentuou-se a característica expan-siva da cidade e a tendência para se privilegiar a periferia em relação à centralidade história. Faro é hoje uma cidade constituída com base em bolsas urbanas. Diz Viegas Gomes, que «criar novas centralidades, não conso-lidando a centralidade histórica, é

VIEGAS GOMES

Faro cidade possível

Carlos BritoNasceu em 1933 em

Moçambique. Veio para Portugal com três anos de idade. Viveu com a famí-lia, a infância e parte da juventude, em Alcoutim, no Algarve.

A sua actividade literá-ria principiou em Lisboa, quando já frequentava o Instituto Comercial (actu-al ISCAL) onde, com ou-tros jovens, organizou re-citais e colaborou em vários jornais e revistas.

Aos 20 anos foi preso pela PIDE, pela primeira vez. Voltou a ser preso mais duas vezes, tendo cumprido um total de oito anos de prisão. Em 1967 passou a participar na direcção do Partido Comunista Português. No dia 25 de Abril de 1974 estava em Lisboa, clandestino, e era respon-sável pela organização partidária na capital.

Em 1975 foi eleito de-putado à Assembleia Constituinte pelo Algarve. De 1976 a 1991 exerceu sem interrupção o manda-to de deputado, tendo de-sempenhado durante 15 anos as funções de presi-dente do Grupo Parla-mentar do PCP. Em 1980 foi candidato à Presidên-cia da República.

Entre 1992 e 1998 foi director do jornal Avante!. Em 1997, foi agraciado com a Grã-Cruz da Or-dem do Infante D. Hen-rique e, em 2004, com a Ordem da Liberdade (Grande-Oficial). Tem colaboração dispersa em várias publicações nacio-nais e estrangeiras. Publi-cou até hoje nove livros, todos após ter deixado de ser deputado.

N

Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos do Combatente MemóriasAutor: Carlos Brito,Editora: Edições Nelson

de Matos,Nº pág : 376Preço: 25,00 €

deserções, continuando o seu trabalho go Carrilllo, por uma carga subjectiva que nunca percebi bem se era descon-fi ança, antipatia, rivalidade, despeito, ou tudo junto, que lhe difi cultava avaliar objectivamente o papel de qualquer deles nos respectivos quadros de luta».

apenas uma pequena relação dos acon-tecimentos que os primeiros anos de contacto entre os dois responsáveis proporcionaram. O testemunho de Carlos Brito desenvolve-se no período anterior à revolução, altura em que a prioridade dos comunistas portugueses era o derrube da ditadura até à última conversa com Cunhal em 2000, em plena convulsão do PCP.

Combatente» propõe uma viagem com Álvaro Cunhal, Sete Fôlegos

D.R.

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construir uma cidade ao avesso. No seu entender, é preciso travar a

cidade expansionista e devolvê-la à Ria. Aproximar, no contexto de um novo Plano Estratégico, os cidadãos à gestão municipal.

Lembra como Faro vivia junto à ribeira antes do crescimento desafo-rado que assolou as cidades nas déca-das de 50, 60 e 70. Era aí que se aco-tevelavam as esplanadas, que os farenses passavam as noites, que tinha lugar o mercado municipal. A lota fazia-se junto às Portas do Mar, as barcas encostavam-se ao parapeito da doca, os mergulhos enchiam de fres-cura a noite. Junto à muralha, o Café Marítimo estava aberto até ao romper da aurora. O prazer de usufruição da cidade existia. A modernidade foi in-capaz de manter essa lógica urbana anterior, o que torna necessário o re-gresso da cidade à sua naturalidade.

Como parte integrante da estraté-gia de desenvolvimento da cidade em «Faro Cidade Possível» salientam-se elementos de ordem cultural. Assim, destacamos a chamada de atenção para a importância da literatura como motivação para o desejo da visita e aconselha a que se inicie o projecto de turismo de natureza pelo combate pelo vazio de informação. O viajante que chegue a Faro vagueia hoje por

entre uma pobreza documental. Falta uma literatura de emoções, uma his-tória singular.

Apesar de Viegas Gomes entender a cultura como um complemento do turismo, afirma que Faro tem boas potencialidades para desenvolver uma boa política cultural. Para evitar a ges-tão errada do programa Faro Capital Nacional da Cultura 2005, que não deixou vestígios nem herança, propõe

a criação de uma agência de especia-listas para que daí possa sair uma es-tratégia neste domínio.

Salienta que nenhuma cidade cos-mopolita prescinde de bons café e de boas livraria. Considera o café Alian-ça, encerrado de momento, como o bilhete de identidade de uma cidade com um longo passado cultural. As livrarias são lugares estruturantes que facilitam o combate contra a desuma-nização. Falta na cidade uma grande livraria comercial para públicos dila-tados, que a ser localizada na baixa altere o ritmo de horários.

No seu entender, o Atrium é um bom espaço de cultura. A sua solução não está nos bancos mas no exemplo do Palácio Chalot, na cidade da arqui-tectura e património parisiense, onde funciona um pequeno centro comer-cial com salas de cinema ligadas a ci-nemateca francesa, livrarias, bibliote-ca e restauração temática.

Considera o Mercado Municipal desproporcionado, que há que encher de qualquer forma, cada vez menos mercado e mais bazar, inócuo, ino-cente. Quando se entra nele tem-se a convicção de entrar numa enorme gare de onde, porém, não partem comboios. Diz não exalar sentimen-to de pertença e que a admição de actividades que nada o caracterizam

lhe retiram o ADN. Observa a per-da da sua ligação ao mundo rural farense, às campinas.

A cidade desejada por Viegas Go-mes é um lugar onde a museologia será uma forte componente do pro-jecto de turismo urbano. Com desta-que para o museu de arte contempo-rânea que terá de contar com o apoio do mecenato e conseguir dar resposta à crescente tentativa dos colecciona-dores privados de institucionalizarem as suas colecções.

Sobre o conteúdo para o museu, levanta a hipótese de contar com obras de artistas residentes no Algarve. Lembra a colecção do pintor Carlos Porfírio e de Augusto Lyster Franco, e se a solução for a criação de uma rede de museus temáticos a possibili-dade de criar o museu do futurismo, do cartaz, lembrando a colecção de Joaquim António Viegas e do Móvel, tendo como núcleo a colecção de Fer-reira de Almeida.

Outra das soluções seria a criação de um centro de artes onde houvesse a possibilidade de realizar exposições de arte contemporânea.

No que respeita ainda à museologia foca a necessidade de um Museu da Ria que se poderia localizar no Cais do Neves Pires.

S.S.

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livros

Viegas GomesNasceu, em Faro, em 1937.

Cursou Direito em Lisboa onde viveu 30 anos. O tempo dividiu-o entre a Rua da Es-cola Politécnica, onde estava a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, sede da sua acti-vidade, e o Saldanha, onde se reunia a sua tertúlia e Her-berto Hélder. Colaborou em quase toda a imprensa nacio-nal.Publicou, entre outros os títulos « O Sistema Desporti-vo» e o roteiro «Onde se come bem no Algarve». Depois do regresso a Faro, dedicou-se ao «espírito do lugar», à cidade, numa literatura funcional pu-blicando então o livro «Faro Cidade Possível».

Faro Cidade Possivel,Autor: Viegas GomesEditora: Pop SulNº pág : 87

a criação de uma agência de especia-listas para que daí possa sair uma es-tratégia neste domínio.

mopolita prescinde de bons café e de boas livraria. Considera o café Alian-ça, encerrado de momento, como o bilhete de identidade de uma cidade com um longo passado cultural. As livrarias são lugares estruturantes que facilitam o combate contra a desuma-nização. Falta na cidade uma grande livraria comercial para públicos dila-tados, que a ser localizada na baixa altere o ritmo de horários.

bom espaço de cultura. A sua solução

D.R.

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espaço agecal

As bibliotecas públicas são uma realidade que, nos últimos vinte anos ,sofreu uma revolu-ção silenciosa, que levou a uma altera-ção profunda do seu conceito de base, na sua relação com o público e com a co-munidade em que está inserida.

Orientando a sua actuação pelo mani-

festo da Unesco, assumiu o papel de centro local de informação, tornando acessíveis aos seus utilizadores o conhecimento, informação e cultura, através da prestação de serviços ofe-recidos com base na igualdade de acesso para todos.

Concentrada no seu alvo principal, o público, contribui diariamente para uma aprendizagem ao longo da vida, para uma tomada de decisão independente e para o desenvolvimento cultu-ral do indivíduo e dos grupos sociais que a ro-deiam, criando condições para que os cidadãos possam actuar de forma cívica e consciente, na dimensão pessoal, profissional e social da sua

vida quotidiana. Estamos perante bibliotecas que disponibi-

lizam serviços gratuitos e inclusivos, dedicados a todos na generalidade, mas também atentas aos que apresentam necessidades especiais. Bibliotecas inclusivas, onde todos têm um lu-gar, onde todos poderão encontrar algo que lhes pode interessar, tendo em vista a educação, a informação, o desenvolvimento pessoal, a cultura e o lazer.

Com um trabalho assente em objectivos gerais e comuns a todas, cada uma destas bibliotecas está integrada numa comunida-de com especificidades, necessidades e cul-tura próprias, aspectos sistematicamente consideradas e reflectidos no seu trabalho diário.

Nesta perspectiva as bibliotecas públicas têm feito uma aposta clara em serviços e projectos que vão ao encontro das necessidades reais dos utilizadores e da comunidade.

Por um lado, encontramos uma biblioteca de portas abertas, disponível para receber e apoiar os conteúdos produzidos por indivídu-os e instituições, assumindo um papel impul-sionador das dinâmicas culturais locais e indu-tor de partilha entre pares.

Numa outra perspectiva, a Biblioteca ultra-passa os seus limites físicos e fora de portas,

procura a comunidade na sua diversidade, atin-gindo populações “isoladas”.

São inúmeras as estratégias encontradas para chegar aos diferentes públicos. Projectos nos hospitais, leituras nas prisões, bibliotecas itine-rantes, serviços domiciliários e outros, que a imaginação concebeu, levam a biblioteca para fora dos seus limites e proporcionam leituras e informação a populações isoladas ou com fraca mobilidade.

O Algarve apresenta hoje uma rede de bi-bliotecas públicas que cobre a quase totalida-de do seu território e onde projectos como os anteriormente mencionados são desenvolvi-dos, muitas vezes, sem a merecida projecção e reconhecimento, num trabalho discreto mas que modifica diariamente a vida de muitos. A grande maioria vai ficar esquecida, no en-tanto não posso deixar de referir alguns: • Baú das Histórias (BM de Faro – dirigido

ás escolas do meio rural); • Um Escritor na Biblioteca Escolar (BM de

Portimão); • Uma palavra, uma rima (BM de Lagoa em

parceria com a escolas do concelho); • C@minet: Biblioteca sobre rodas (BM de

Faro – dirigido às escolas do meio rural); • Brincar a Ler (BM de Faro – intervenção

precoce dos 0 aos 5 anos)

• Biblioteca Itinerante (BM de Loulé); • Biblioteca vai às Freguesias (BM de

Olhão); • Livros sobre rodas (BM de S. Brás de Al-

portel – projecto itinerante); • Estórias no Hospital (BM de Faro em par-

ceria com a pediatria do Hospital de Faro); • A poesia está na rua (BM de Silves – dirigi-

do aos funcionários da autarquia); • Leituras na Prisão (BM de Faro em parceria

com o Estabelecimento Prisional de Faro); • Histórias contadas por pais e avós (BM de

Albufeira – encontros intergeracionais); • Do outro lado: a saúde mental dos mais ve-

lhos (BM de Tavira em parceria com a As-sociação Âncora);

• Internet: Nunca é tarde para aprender (BM de Faro, informática para maiores de 55 anos);

• Internet Sénior (BM de Castro Marim, in-formática para maiores de 55 anos)

• Tertúlia no Baixo Guadiana: Temas da ac-tualidade local (BM de V.R. Sto António em parceria com o Jornal do Baixo Guadiana) A Biblioteca pública mudou, assumiu em

pleno o seu papel na área da intervenção social, contribuindo decisivamente para o desenvol-vimento da comunidade em que se insere, e transformou a vida de muitos.

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O papel social da biblioteca pública

SaloméSócia da AGECAL Chefe de Divisão de Bibliotecas e Arquivos da Câmara Municipal de Faro

AGENDACULTURAL

JUN.2010

N.06

01 > 30.JUN

HORA. 10h30 (ter//qua//qui)LOCAL. Biblioteca Municipal Vicente CampinasP/ marcação na Biblioteca ou T. 281 510 050

01 > 30.JUN (ter//qua//qui)

P/ marcação na Biblioteca ou T. 281 510 050

01.JUN

Pelos alunos da Escola D. José IHORA. 21h00LOCAL. Centro Cultural António Aleixo

HORA DO CONTO“CONTA LÁ! - A ZEBRA CAMILA”

VISITAS GUIADAS À BIBLIOTECAMUNICIPAL VICENTE CAMPINAS

“PORQUE TODOS SOMOS CRIANÇAS”

01 > 30.JUN

Pelo FranchitoHORA. 9h30 > 18h30 (seg > sex)14h00 > 18h30 (sáb)LOCAL. Biblioteca Municipal Vicente Campinas

01 > 30.JUN (seg > sex)

HORA. Público geral. 9h30>13h / 14h>16h30Escolas do Concelho. 9h30>13h / 14h>17hLOCAL. Centro de Investigação e Informaçãodo Património de CacelaINSCRIÇÕES / INFORMAÇÃO. T./F. 281 952 600 //Turmas do concelho - Com marcação prévia(inscrições limitadas com transporte incluído)

01 > 30.JUN

HORA. 9h30 > 16h30 (seg > sex)INSCRIÇÕES / INFORMAÇÃO. Centro deInvestigação e Informação do Patrimóniode Cacela // T./F. 281 952 600

EXPOSIÇÃO DE AZULEJARIA “O PAÍS DOFRANZULEIJO”

VISITAS ACOMPANHADAS À EXPOSIÇÃO“PLANTAS QUE CURAM. USOS E SABERESNA MEDICINA POPULAR”

VISITAS ACOMPANHADASA CACELA VELHA

03 > 13.Jun

LOCAL. Restaurantes do centro da cidade

04 > 27.JUN

04.JUN

de Inocêncio CostaPelo Dr. Teodomiro Cabrita NetoHORA. 17h30LOCAL. Biblioteca Municipal Vicente Campinas

05.JUN

HORA. 9h00LOCAL. Praia Santo António

05.JUN

Hora: 10h00> 17h00Local: Praça Marquês de Pombal

06.JUN

Hora: 9h00> 17h00Local: Praça Marquês de Pombal

08.JUN

ORADORA. Dr.ª Ana BrásHORA. 17h00LOCAL. Biblioteca Municipal Vicente Campinas

09.JUN

HORA. 21h00LOCAL. Centro Cultural António Aleixo

IV MEMORIAL GASTRONÓMICODE VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO

2.ª MOSTRA GASTRONÓMICA DE CACELA“ENTRE A SERRA E O MAR”Restaurantes aderentes: Casa Azul, Cacela Velha //Rios, Praia da Manta Rota // Finalmente, Praia daManta Rota // Chá com Água Salgada, Praia daManta Rota // Sem Espinhas, Praia da Manta Rota //Sabores, Vila Nova de Cacela // Sabinos, Vila Nova deCacela // Vistas, Monte Rei Golf & Country Club

APRESENTAÇÃO DO LIVRO“VENTOS DO SUL”

DIA MUNDIAL DO AMBIENTEACÇÃO DE LIMPEZA SUBAQUÁTICA

MOSTRA DE ARTESANATO

MERCADO MENSAL DE VRSA

MÊS DA PROMOÇÃO DE UMA VIDA SAUDÁVELPALESTRA “ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL VSVIDA SAUDÁVEL”

AUDIÇÃO DE FIM DE ANO DOCONSERVATÓRIO REGIONAL DE VRSA

ATÉ 23.JUN

Crianças dos 6 aos 12 anosLOCAL. Junta de Freguesia de VRSA

01 > 30.JUN // EXPOSIÇÕES

HORA. 9h30>12h30 / 14h00>16h45 (seg>sex)LOCAL. Arquivo Histórico Municipal

INSCRIÇÕES FÉRIAS EM MOVIMENTO

“MEMENTO MAR MEMOR”“INDÚSTRIA CONSERVEIRA EM VRSA”“ARTES LITOGRÁFICAS”

02.JUN

Pelo Bica TeatroHORA. 10h00 // 14h30LOCAL. Biblioteca Municipal Vicente Campinas

ESPECTÁCULO INFANTIL“LER, OUVIR E CANTAR”

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l Al-MAsrAh

O teatro em tempos de crise

onversamos com os fundadores da companhia AL-MaSRAH Susana Nunes, actriz e produtora executiva e Pedro Ramos, actor e encenador, so-bre estes temas e os planos para en-frentar este momento de crise.

Por que escolheram Tavira?PEDRO: Isto começou porque no

Algarve só havia uma companhia pro-fissional de teatro e nós achámos que havia a necessidade de formar uma outra. Achámos que devíamos insta-lar-nos numa cidade de menores di-mensões que ainda mantivesse carac-terísticas de preservação de património, com um ambiente agradável e propí-cio para a criação, e onde existisse interesse em se investir na cultura.

SUSANA: Ou seja… não elegemos Tavira, mas encontrámos aqui as cir-cunstâncias e condições de receptivi-dade para aquilo que propusemos.

PEDRO: Nunca nos instalámos em Tavira numa perspectiva de tra-balharmos apenas nesta cidade. Que-ríamos fazer uma trabalho para a re-gião mas que, na verdade, se tem revelado ser mais para o país do que para a região.

Apesar de não ter sido uma es-colha é possível ver um grande envolvimento do Al-MasrAh com a comunidade. Como foi que isso aconteceu?

PEDRO: Tavira é uma cidade com pouca tradição teatral. Na medida em que nos cederam um espaço para traba-lhar nós resolvemos dedicá-lo não ape-nas às nossas próprias peças, porque senão estaríamos fechados sempre que estivéssemos em processos de criação… ,resolvemos todos os meses promover, além da nossa criação ou acolhimento a outros grupos profissionais, alguma programação feita com ou para outros intervenientes locais. Acabámos por atingir grupos de diferentes origens, interesses e de diversas faixas etárias.

É justo então pensar que o AL-MasrAh passou a funcionar também como uma espécie de plataforma social?

SUSANA: Sim, sim, decidimos

abrir o Espaço da Corredoura a este tipo de iniciativas, desde que sejam ligadas às artes performativas, sejam de carácter escolar, amador ou profis-sional. Passaram a fazer parte da nos-sa programação regular.

E nesses cinco anos em que es-tão em Tavira, entre todas as ex-periências que vocês acolheram vindas da comunidade qual a que consideram ter sido a mais mar-cante?

PEDRO: Lembro-me logo das apresentações de Dança Inclusiva da Fundação Irene Rolo. A primeira vez que vi fiquei mesmo emocionado. O trabalho em si era muito forte, com uma grande entrega daquelas pessoas

e via-se o orgulho que eles tinham de poder vir apresentar o trabalho publi-camente ali naquela sala de teatro da sua cidade.

SUSANA: E é importante dar vi-sibilidade perante a comunidade a este tipo de trabalho que resulta numa obra de expressão artística, porque há pessoas que sabem o que é feito na Fundação Irene Rolo, mas que não teriam oportunidade de ver o resulta-do de outra forma. Muitos outros nem têm ideia… é preciso mostrar.

Quais são as dificuldades para a sobrevivência do vosso grupo numa cidade desta dimensão, nesta região do sul de Portugal?

PEDRO: Uma das dificuldades tem sido vender espectáculos na pró-pria região, pois parece não haver es-

paço financeiro suficiente das autar-quias para acolher espectáculos de mais de uma companhia do Algarve.

SUSANA: Achamos que seria pos-sível reverter essa situação, porque sabemos que há público para o traba-lho que fazemos. Mas ainda temos que convencer os programadores lo-cais. Até hoje conseguimos apresen-tar-nos em doze dos dezasseis muni-cípios do Algarve, embora sem qualquer regularidade.

Notaram algum crescimento de público nestes cinco anos em Tavira?

SUSANA: O público irá sempre aumentando na medida em que hou-ver oferta.

PEDRO: Com oferta o público irá adquirindo o hábito de ir ao teatro.

SUSANA: Nós nunca duvidámos que o público haveria de se manifestar e de aderir. Mas ele também tem que ser cativado…

PEDRO: A regularidade é muito importante, e confiamos que vamos conseguir assinar protocolos com as autarquias focando também o teatro para a infância, como já fazemos em Tavira, porque para criar novos públi-cos é preciso trabalhar hábitos cultu-rais junto a faixas etárias mais jovens.

E se conseguissem vender mais espectáculos, isso poderia di-minuir a dependência dos sub-sídios e apoios de dinheiros pú-blicos?

PEDRO: Com certeza, mas a de-

pendência é sempre grande para todo o teatro sem características comerciais, que é aquele que nós fazemos. Preci-samos de subsídios do Ministério da Cultura e da autarquia onde estamos inseridos para desenvolver este traba-lho, que é considerado um serviço público cultural.

SUSANA: Somos um grupo de te-atro profissional que desenvolve um trabalho experimental na sua forma e com preocupações sociais no seu con-teúdo e temos uma formação que nos dá ferramentas para garantir a quali-dade do projecto.

O Al-MasrAh participou na gé-nese de uma rede independente de programação entre compa-nhias que se auto-promovem assim como às suas cidades. Como é que funciona essa rede?

PEDRO: Temos protocolos com várias companhias profissionais do País e adoptámos um sistema de tro-ca de espectáculos. O festival Teatro no Inverno em Tavira, por exemplo, traz anualmente várias companhias à cidade, e vamos depois “pagar” essas participações com apresentações do AL-MaSRAH em festivais que es-sas companhias organizam nas suas terras.

SUSANA: Mesmo essa rede não pode viver sem o apoio das autarquias, pois há que pagar as despesas de des-locação, alimentação, alojamento e produção.

PEDRO: A venda de bilhetes não seria suficiente para cobrir tais despe-sas. Mas a possibilidade de difusão da imagem institucional da cidade, bem como a dos nomes de patrocinadores privados que queiram colaborar com a companhia fica assegurada em todas as cidades por onde o AL-MaSRAH passar. Já representámos em todos as regiões de Portugal continental e a regularidade dessa presença tende a aumentar.

SUSANA: Trata-se de uma equa-ção que embora não ideal, pode ser considerada bastante apropriada para momentos de crise como o que se vive.

Quem quiser mais informações sobre como ligar seu nome ao do AL-MaSRAH pode contactar com a companhia através do email: [email protected], e para conhecer a pro-gramação visite o al-masrahteatro.blogspot.com.

Tela Leãono âmbito do 2º curso de jornalismo de cultura

C

teatro

AL-MaSRAH é uma companhia profissional de teatro, formada em 2004 e sediada em Tavira. Apresenta textos do repertório dramatúrgico contemporâneo, mas também cria as suas próprias peças reflectindo colec-

tivamente sobre temas de interesse social, com uma abordagem aberta e pouco ortodoxa utilizando livremen-te, mas de forma coerente, um cruza-mento de várias disciplinas das artes do espectáculo. Mesmo enfrentado

dificuldades de sobrevivência e traba-lhando num espaço precário, tem conseguido dar voz a várias comuni-dades da região e a sua participação em muitos festivais pelo país colocou Tavira no mapa teatral de Portugal.

Cena da peça Sadow Play, criação do Al-Masrah Teatro em co-produção com o pro-jecto Ruínas e o Espaço do Tempo

d.r.

O grupo de dança Se7e Luas já se apresentou algumas vezes no Espaço da Corredoura, e integrou com a Banda Filarmónica de Tavira, um espectáculo apresentado no festival Cenas na Rua 2009, pela Vo’Arte .

Os Al-Masrah já trabalha-ram com a coreógrafa brasileira Rita Alves com um grupo de jovens e crianças frequentadores da Fundação Irene Rolo, uma Instituição Particular de Solidariedade Social com sede em Tavira, criada por doação de Irene Rolo em 1982, que desenvolve seu trabalho no âmbito da prevenção, reabilitação/ formação e integração pessoal, profissional e social de pessoas com deficiência.

Cena da peça Carne para Cargueiro criação colectiva AL-MaS-

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que interessa é a força que habita den-tro de um corpo.

A exposição que se encontra no Centro Cultural de S. Lourenço até 24 de Junho, não tem título, é como um capitulo entre duas exposições, uma que aconteceu em Sevilha inti-tulada “Assim mesmo” e outra que se encontra neste momento em Novie-do, com o título “Apesar de tudo”.

“As três exposições podem mistu-rar-se”, afirma Juan Martinez, “é o mesmo campo de discurso”, onde os quadros mais pequenos exprimem um mundo mais interior e os de dimen-sões maiores falam mais do exterior.

A figura humana é o centro da sua obra mas, ao longo dos anos, tem vin-do a depurar-se, a aproximar-se da essência.

“Isto para mim são retratos”, expli-ca o artista. “O retrato pode ser muitas coisas”, continua, “pode-se ir muito longe com um retrato”. Aqui são apre-sentados retratos de sentimentos, por-que “não é necessário um modelo e sim um exemplo interior”. O impor-tante não é a forma do rosto ou da boca. “O que me interessa é a força que habita dentro de um corpo e faz mover a pessoa”.

Existem símbolos que são habitu-ais nas exposições de Martinez, um deles é a caveira. Mas a caveira aqui não significa morte e sim, uma ma-neira de celebrar a vida. Habituámo-nos a ver na caveira o símbolo da morte, mas “se conseguíssemos não ver na caveira a morte, porque não o é, é uma consequência dela, olharía-

mos para o mundo e para a vida de outra maneira, é por isso que a repre-sento sempre e isso quer dizer que estou vivo, que a vida é magnífica e as pessoas são fantásticas”.

Outro símbolo que acompanha a sua obra é o “T”. “Os ‘Ts’ têm estado comigo desde sempre. Tive um pro-fessor que me disse que não era tão difícil assim fazer um retrato, era um ‘expert’ em cultura grega, e que para se fazer um retrato, basta desenhar um ovo e colocar um ‘T’ lá dentro. Aí co-meçou a história do ‘T’”. Faz uma pausa como quem vai contar uma his-tória, “mas eu costumava introduzir o ‘T’ direito. Então, um dia, lendo sobre a filosofia chinesa, sobre taoismo, des-cubro que o ‘T’ significa a vida e a morte, horizontal, vertical, e é o sím-bolo da humanidade. Senti uma gran-de emoção porque, idiotamente, eu utilizava o ‘T’ direito. Então pensei: ‘não, não posso usar o ‘T’ direito pois isto é um jogo de vida e de morte, logo, tenho que impedir que a morte entre como se fosse em sua casa. Se deixo o ‘T’ direito a morte está acos-tumada a entrar e a sair à vontade, mas se o inclino o ‘T’, vou dificultar-lhe a entrada, vou jogar com ela. Por isso nunca mais fiz um ‘T’ direito, para impedir que a morte entre”.

A obra evolui quase mais rapi-damente que nós

Juan Martinez expõe com frequên-cia no Centro Cultural de S. Louren-ço. Há muitos anos que nos habituou a telas fortes, com um uso intenso e certeiro da cor. Usualmente apresenta obras de grande dimensão. Esta expo-sição traz a novidade de pinturas, em papel, de pequenas dimensões.

“Eu não sabia trabalhar em peque-no”, explica, ”foi a poesia que me obri-gou a fazer coisas pequenas, o que trouxe uma forma de liberdade e ri-queza fantásticas ao meu trabalho e isso o devo, mais uma vez, à poesia”.

Há alguns anos atrás fez um livro de 15X15cm com 150 retratos de poetas imaginários. “Sempre me in-teressei loucamente por poesia”, ex-plica, “e queria fazer-lhe essa home-nagem. Foi aí que começaram as reduções”. Não buscou uma forma específica para os poetas imaginários, foi sim, à procura da “espiritualidade que contem certa poesia”.

Juan sempre se sentiu fascinado por outras áreas das artes. “Penso que pin-

to porque me enganei”, revela, “estou contente por ter escolhido pintura depois de ter estudado arquitectura. A arquitectura tem um processo muito diferente de chegar à realização das coisas. Mas, a conversão foi à pintura, no entanto, sempre fui fascinado pela música e pela literatura”.

Com compositores como Beetho-ven ele bebe coragem, a audácia de ultrapassar o medo de destruir, para ir mais longe. “De um modo geral nós tornamo-nos maneiristas”, afirma, “quando fazemos algo que achamos que está bem feito, retraímo-nos, com medo de estragar o que fizemos bem. Porém, é importante não ter medo. Quando ouço, por exemplo, os quar-tetos de Beethoven que são obras in-críveis, com um potencial enorme,

compreendo que esse homem não se travou dizendo ‘fiz algo bonito por isso vou já guardar para não estragar’, não! Ele teve o arrojo de continuar, com muito risco, com muito valor. E é isso que me traz a música, diz-me que não devo fazer coisas bonitinhas, devo romper mesmo. Na realidade, o medo de não fazer as coisas bem traz algo de negativo. É importante ir em frente e destruir o que se faz para se compreender como funciona”.

O erro é uma lição tremendaCada obra é única e corresponde a

um instante específico. “Se voltasse a fazer este quadro não o faria igual”, revela, apontando para um dos qua-dros, “há sempre um defeito, mas isso é uma vantagem. A obra evolui quase mais rapidamente do que nós. Nós estamos permanentemente a mudar e cada obra é um documento que de-nuncia os nossos erros, mas não a de-

artes plásticas

O

l ExpOsiçãO

Juan Martinez pinta poesiaJuan Martinez nasceu em Na-vas de San Juan, na Andaluzia, em 1942. Concluiu os estudos na Escola Superior de Arqui-tectura em Barcelona, mas a

sua sensibilidade inquieta e acesa fê-lo licenciar-se em Pintura na Escola de Belas Artes de Lousane, na Suíça.Há uma paixão muito forte

por outras áreas das artes, como a música e a literatura. Nos últimos anos tem-se de-dicado a pintar retratos de poesia.

paula ferro D.R.

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l Exposição

Juan Martinez pinta poesiaartes plásticas

vemos destruir porque cada peça nos vai ensinar o que tínhamos que ter feito e não fizemos, porque nesse mo-mento não encontrámos a solução. Assim, com esse documento do nosso erro, aprendemos o que não sabíamos fazer antes. Isso é importante”.

A autocrítica no trabalho artístico é fundamental. “Temos que nos afas-tar um pouco do que fazemos. Em tudo o que fazemos temos que criar uma certa distância e sermos felizes” porque a familiaridade esconde aos olhos aquilo que estão habituados a ver e “o erro é uma lição tremenda”, ensina-nos a ultrapassá-lo e a evoluir. “O êxito faz parte do erro”, por isso o artista não pode estabelecer-se na crença da sua genialidade, isso é um impedimento para a sua contínua evolução.

Os críticos podem ser muito im-portantes porque ajudam a manter a qualidade do que é oferecido ao pú-blico.

Muitas pessoas vivem por pro-curação

A sua relação com a literatura é for-tíssima. Ele próprio tem o hábito da escrita e o seu mundo encontra-se aí, na relação que mantém com poetas, músicos e outros artistas, onde a con-versa é fluída e sensível, “com quem se pode falar ‘à flor da pele’”, pois é aí se encontra a intensidade dos momentos únicos que compõem a vida que es-corre fluída e irrepetível. Juan confes-sa que não lhe interessa muito contar histórias, o que lhe interessa realmen-te é vivê-las.

“Muitas pessoas vivem por procu-ração”, constata, “mas a vida pode ser uma grande maravilha”, se a vivermos situados no presente e nos entregar-mos intensamente a cada instante que ela nos oferece. “O dilema das pessoas tem a ver com a própria som-bra. A sombra ocupa um espaço enorme e por isso não as deixa viver a própria vida”.

A sua obra passa pelos mecanis-mos da poesia

Nos últimos anos Juan Martinez tem feito parcerias com poetas. Esco-

lheu livros de três poetas de língua espanhola, dois Prémios Cervantes, Juan Gelman, “filho de judeus ucra-nianos, provavelmente o mais impor-tante poeta vivo da Argentina”, An-tónio Gamoneda, crítico de arte e poeta espanhol e Caballero Bonald “de pai cubano e mãe que provém da aristocracia francesa, estudou Filoso-fia e Letras em Sevilha. Um poeta muito conhecido em Espanha e pro-vavelmente também em Portugal. Falei com eles, eles conhecem a minha obra e fizemos uma colaboração”.

A pintura de Juan Martinez passa pelos mecanismos da poesia, a depu-ração que faz nas suas telas é muito semelhante à poda do texto que se faz em poesia. Pode-se dizer que a expo-sição que se encontra em S. Lourenço é um livro de poesia, ou parte de um livro, na medida em que ela entremeia e completa duas outras exposições, “Assim mesmo” em Sevilha e “Apesar de tudo” em Noviedo.

Cada obra é como uma poesia que busca a essência mais ínfima das coi-sas que tenta abrigar em cor e traço. Mas, “o fantástico seria captar a bele-za do ar, do vento ou da luz… esses momentos magníficos não consegui-mos captar. É um desperdício!”, con-fessa com certa tristeza, “nós somos perfeitos e totalmente imperfeitos”.

os artistas não contam para a sociedade, no entanto, são pri-mordiais

O artista é um ser Humano muito diferente, “acho que os artistas não são gente normal, graças a Deus!”, e ri-se, “regra geral, o artista não se in-tegra na sociedade normal. Têm duas possibilidades, ou são completamen-te ignorados, ou, quando conhecidos, são consagrados, mas nunca estão misturados”. Isso prende-se com a sua forma especial de estar no mun-do, que é ser permanentemente vigi-lante. “O nosso papel é de observação, de ver detalhes, de denunciar ou aplaudir certas coisas, mas o artista está sempre vigiando, tem um papel estranho, creio que somos ‘os loucos do rei’”.

No fundo, o artista é a charneira da

sociedade, a dobradiça da porta, o que permite que esta se abra e se feche. “Somos um meio de transmissão. Os artistas não contam para a sociedade, no entanto, são primordiais. A políti-ca não lhes dá valor, no entanto são essenciais. Toda ou grande parte da nossa História, foram as artes ou os ‘loucos’ que a fizeram. Sim, somos os loucos, a charneira da sociedade”.

“Temos uma grande dificuldade”, confidencia, “existe um grande divór-cio entre a cabeça e o corpo. Isso é uma imensa dificuldade, mas ao mes-mo tempo é uma vantagem. A neces-sidade que temos no corpo, na emo-ção, passa pela cabeça e a cabeça é reflexão” e não deixa desnudar ou cumprir, seja por educação, por for-matação ou por conveniência, aquilo que o corpo exige. Esse divórcio entre a necessidade do corpo e a parte in-telectual interessa-me muito”, faz uma pausa, “sempre disse que somos girafas porque temos o corpo muito longe da cabeça”.

Compreendemos melhor a pin-tura pintada porque dela existe uma grande tradição

O artista, enquanto observa, entre-ga-se ao mundo. Há muita emoção e muito sentimento na arte. O artista é uma espécie de fazedor de milagres ,porque “o milagre é ser-se feliz en-quanto se faz a obra e, depois, de vez em quando, haver alguém que é feliz com ela. O milagre está em chegar ao

coração de outras pessoas através da obra, seja ela em que área da arte for, na pintura, na música, na literatura. Aí é que se nota algo, é que se vê que o artista é superior”.

A arte contemporânea, embora seja mais conceptual e por isso muito mais ligada à ideia, ao pensamento, tam-bém consegue chegar às pessoas e tocá-las. O que se passa é que “com-preendemos melhor a pintura pintada porque dela já existe uma longa tradi-ção. Do conceito não temos ainda essa tradição. Temos que praticar mais, estar mais atentos às propostas que nos são feitas, mas a arte conceptual também está no nosso corpo e na nos-sa mente, só que por vezes não sabe-mos ver e há coisas que não se ensi-nam na escola”, explica. “Há obras conceptuais muito bem pensadas e

quando estão bem pensadas chegam de igual modo, tocam de igual modo as pessoas. Há uma lógica que não se explica e quando essa lógica coincide com o sentimento e a emoção, tam-bém chega ao coração. Há obras con-ceptuais que me deixam extasiado e me põem a pensar: ’que inteligente! Que maravilha!”

A inteligência e o sentimento não são a mesma coisa, mas podem coe-xistir e, quando uma obra é realmente inteligente, raramente é totalmente perversa. “O mundo está a mudar-muito, e ao mesmo tempo não muda nada, porque as necessidades do Ho-mem hão-de ser sempre as mesmas, são as suas necessidades primárias, mas certos sentimentos mudam por-que os meios de comunicação os fa-zem mudar, porque a noção de famí-lia muda, porque compreendemos que as políticas e as religiões nos engana-ram… as relações entre as pessoas alteram-se, a noção de consumo inva-diu tudo, até o próprio sentimento, já não se acredita, não se respeita do mesmo modo… creio que estamos a viver uma época de grandes altera-ções” e a arte está dentro do tempo e do mundo, por isso tem necessidade de se reforçar e é obrigada a manifes-tar-se relativamente ao tempo em que se desenrola. O que a arte observa é o que acontece neste momento e é isso que ela reflecte, este momento, este agora que a estimula e ela aborda.

paula Ferro

paula ferro

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Juan Martinez, muito mais do que um pintor

D.R.

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á uma individu-alidade radical dos autores que aqui se encon-tram. É como se fossem ilhas. Daí o nome de

arquipélago para o programa», refere Nuno Faria. «As pessoas estão isola-das nos seus contextos. Encontram-se autores com um pensamento extraor-dinário, absolutamente idiossincrático mas que carecem radicalmente de pessoas que acompanhem, dialoguem e reflictam sobre o seu trabalho».

É esta leitura que faz do território e dos seus intérpretes que o programa de arte contemporânea que estabele-ceu para o programa Allgarve, em parte, procura responder.

O reconhecimento por parte do Turismo de Portugal de que havia condições para a região continuar a receber o programa Allgarve e que a Região de Turismo estaria em condi-ções de o gerir trouxe algumas mu-danças à 4ª edição do programa.

A ERTA tomou algumas medidas importantes e ajustadas, entre as quais se destacam o convite formulado ao engenhiro Augusto Miranda para coordenar o programa, pessoa com experiência na área e ligada à região, e o estabelecimento de uma equipa de programadores que trabalham no Al-garve para as várias áreas: arte, música e gastronomia. Este ano o programa conta com uma área nova, a animação de rua, uma área cada vez mais requi-sitada e de conotação urbana.

Na arte contemporânea, Nuno Fa-ria, que tinha colaborado no programa em 2008 com João Fernandes da Fun-dação de Serralves, e já com a progra-mação estabelecida, a conclusão que tira é que «este não é o programa que ambiciona fazer. O programa apesar de ter novidades estruturais relativa-mente às edições anteriores não apre-senta uma estrutura assim tão diferen-te. É um programa que se inscreve no mesmo paradigma de colaboração com as câmaras municipais e com os espaços existentes».

Diferenças estruturaisEstabeleceu-se o reforço de uma

lógica que já tinha imperado em 2008, a procura de espaços emblemáticos na região. Espaços com uma ressonância especial e que transmitem o espírito da região. Em anos anteriores isso tinha acontecido com a mina da Sal-gema, com a fábrica da cerveja, em Faro, com o palácio da Fonte da Pipa. Lugares não convencionais que obri-gam os artistas a trabalhar o espaço, o contexto, o ecossistema cultural.

Para a presente edição, estabeleceu-se uma colaboração com a Delegação Regional do Ministério da Cultura que se traduz na intervenção em qua-tro monumentos nacionais. «Milreu recebe uma exposição cerâmica com

azulejos de René Bértholo. A Forta-leza de Sagres vai ter uma intervenção de Pancho Guedes e uma peça de ar livre, de arte britânica, da colecção Berardo. O António Bolota vai apre-sentar uma intervenção na ermida de Nossa Senhora da Guadalupe e o Gonçalo Sena, um artista jovem que trabalha na Alemanha, nos monu-

mentos megalíticos de Alcalar». Outra novidade prende-se com o

facto de o Allgarve integrar na sua programação uma exposição concebi-da no âmbito do «Algarve - do Reino à Região». A exposição, comissariada por Nuno Faria, faz uma leitura da contemporaneidade artística na região na sua relação com o território. Reúne

artes plásticas

«Hl ArquipélAgo:

O programa de artes do Allgarve’ 10

ikonoklash É um projecto multidisciplinar na

área da arte contemporânea comissaria-do por Dinis Guarda, que, a convite do Centro Cultural de Lagos e integrado no programa Allgarve’10, propõe uma reflexão sobre o papel da internet e do seu impacto na criação de imagens, de ícones de arte.

Este evento compreende um portal web 2.0, www.ikonoklash.com, eminen-temente social, que se desdobra fisica-mente numa exposição no CCL onde artistas/criadores apresentam obras em diferentes áreas disciplinares. Será tam-bém organizado, em conjunto com a Universidade do Algarve, um seminário, serão realizados workshops e performan-ces igualmente transversais às várias dis-ciplinas, tendo como elemento comum a Web e o seu factor “iconoclasme” [utili-za-se aqui na acepção de “destruidor de ícones”]. O título deste projecto surge da fusão desse termo, aqui abreviada para “Ikno”, e da ideia de impacto/colisão, “Klash”. ikonoklash reflecte sobre o papel da

Web como o elemento central e verda-deiro factor “iconoclasme”. A internet surge neste contexto como um “destrui-dor” ou, usando um neologismo/eufe-mismo, uma entidade que acelera a mu-tação de conceitos estéticos. É sem dúvida uma das principais influências/motores na criação contemporânea, seja na criação de imagens em movimento, seja como pressuposto e ferramenta tec-nológica, seja ainda como ponto de co-municação e fórum social, estético e político na paisagem da arte que se faz nos nossos dias.

Vista do ateliê de René Bértholo

D.R.

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artes plásticas

Daniel Vieira com a primeira edição do «Campo de Flores» de João de Deus

l ArquipélAgo:

O programa de artes do Allgarve’ 10

A Voz do MarÉ uma intervenção do arquitecto Pan-

cho Guedes no promontório de Sagres, inserido na programação do Allgarve. Prevê-se uma instalação de carácter tem-porário colocada à volta de uma cavidade natural existente no terreno do promon-tório. Pancho propõe a criação de um caminho em forma de labirinto até à ca-vidade. A presença ritmada do som, pro-duzido pelas marés, em conjunto com as paredes que sobem em altura, desenham um percurso até à descoberta do local. É um projecto acústico pela intensidade de reverberações. Nesta intervenção Pancho Guedes dá a conhecer um lugar onde o mar é sentido debaixo dos pés no sentido literal do termo.

Pancho Guedes de seu nome Amâncio d’Alpoim Miranda Guedes é arquitecto, escultor, pintor e professor. Nasceu em Portugal em 1925

O seu período mais criativo passou-o em Moçambique, nas décadas de 50 e 60, onde projectou mais de 500 edifícios, muitos deles construídos em Moçambi-que e alguns em Angola, África do Sul e Portugal.

Os seus edifícios e projectos são clas-sificados como exuberantes, ecléticos, complexos e pensativos.

A. d’Alpoim Guedes, como assina os quadros, é o “filho” de Pancho Guedes, o executante, o “responsável por toda a obra, excepto o betão armado”. É tam-bém o historiador e o arquivista: é ele quem guarda os desenhos, as pinturas, as esculturas, as fotografias sobreviventes, que se tornam cada vez mais a cada dia que passa.

A actividade como pintor surgiu quan-do estava a acabar o curso de arquitectu-ra em Joanesburgo e participava em ex-pos ições com os ar t i s tas mais progressistas da época. Em 1961 esteve presente na Bienal de S. Paulo, Brasil, estando também presente na Bienal de Veneza no ano de 1975. Em 1962 as suas obras foram publicadas na revista fran-cesa “L’Architecture d’Aujordui” com o título “Architectures Fantastiques”.Nes-se mesmo ano participa no 1º Congresso de Arte Africana em Salibury, Rodésia, com a comunicação “The Auto-Biofar-cical hour”, onde apresenta pinturas, es-culturas e outras obras que despertam um enorme interesse. Em 1987 teve uma exposição de desenhos e pinturas na Ga-leria Cómicos, em Lisboa, Portugal.

uma série de artistas que apresentam os mais variados vínculos com a região, o que dá uma nota crucial ao programa por se tratar de uma exposição estruturante que «procura estabele-cer um chão para a arte que se faz aqui».

Artistas em destaqueO programa apresenta uma terceira caracte-

rística que o distancia das edições anteriores ao

convocar duas figuras de referência no nosso panorama artístico: o arquitecto Pancho Gue-des e o pintor e escultor José de Guimarães.

Para além da intervenção de Pancho Gue-des na fortaleza de Sagres vai realizar-se uma exposição em torno dos seus desenhos no Pos-to 1, em Vilamoura. Um espaço recuperado para a arte contemporânea e que poderá ga-nhar alguma importância nesse domínio. A exposição chamar-se-á «Linha Curva» e é um conjunto de deambulações de artistas mais novos, todos eles portugueses, em torno da obra do Pancho Guedes.

O José de Guimarães terá uma exposição, em Loulé, que se divide em dois espaços, com destaque para a intervenção na Fonte da Pipa. A exposição intitula-se «Negreiro e Guaranis» e estabelece um diálogo entre a colecção de arte africana do autor e a sua produção artís-tica marcada pela mestiçagem, pelo nomadis-mo e pela relação entre a arte primitiva e a arte contemporânea.

Outro dos momentos do programa será a exposição retrospectiva do ceramista Jorge Mealha, que terá lugar no Centro Cultural de Lagos e curadoria de Míriam Tavares.

A tónica africana que estes dois artistas em-prestam ao programa justifica-se pela «procu-ra de outros azimutes nesta região; mais a sua vivência histórica e menos um reconhecimen-to a norte. Estamos no fundo a tentar implan-tar o Algarve como uma centralidade. Uma centralidade periférica, eu diria, mas que pro-cura outros horizontes e não tanto o olhar um bocado ensimesmado para o norte e para os modelos mais colonizadores. No fundo, pro-curamos religar o Algarve à sua dinâmica na-tural de plataforma de passagem».

Desse ponto de vista o programa está mar-cado pela questão do nomadismo, da utopia, da articulação, do encontro de culturas que o Algarve sempre soube estabelecer.

pela primeira vez em portugal

Três autores inéditos em Portugal têm es-paço este ano na programação, são eles: Joa-chim Brohm, um dos mais reputados fotógra-fo alemães da actualidade, que tem vindo a fotografar a ilha da Culatra há vários anos e vai estar em exposição no Parque Natural da Ria Formosa, na Quinta de Marim, estabele-cendo também ela uma relação com o lugar.

Jaroslaw Flicinski, um dos tutores do Mo-bilehome, Curso Experimental de Arte Con-

temporânea vai realizar uma intervenção es-cultórica/pictórica nos claustros do Museu de Faro intitulada «And What About the Enthu-siasm? Shall We Kill It?».

Fernando Marques Penteado, artista brasi-leiro, cuja obra se caracteriza pelo trabalho com a arte popular, terá uma intervenção específica no Museu Regional do Algarve.

A não perderOutras exposições em destaque são: «Iko-

noklach criação artística em tempo Web», comissariada por Dinis Guarda, que estará patente no Centro Cultural de Lagos. A mos-tra reúne um conjunto importante de artistas que trabalham as novas tecnologias e poderá ser motivo de interesse para um público mais jovem.

A exposição «Escultura Abstracta nas Dé-cadas de 1960-1970», da Colecção da Funda-ção de Serralves, no Espaço Multiusos, em Albufeira, com curadoria de João Fernandes.

Luís Tavares Pereira, arquitecto do Porto, que já comissariou duas exposições para o All-garve, vai realizar em parceria com Nuno Faria uma exposição intitulada «Golf Stream», uma exposição em que se procura fazer uma leitura alargada do fenómeno do golf do ponto de vista urbanístico, da arquitectura, da sócio-po-lítica. Será a última exposição a inaugurar e tem data para Outubro.

A exposição «Algarve visionário, excên-trico e utópico» propõe uma leitura para a região a partir da criação artística. Estabe-lece uma relação muito forte entre a palavra e a imagem. «Não é uma exposição tese mas é uma exposição crítica, charneira que apa-nha uma série de contributos anteriores mas que também é prospectiva». Importa com esta exposição dar um contexto a um con-junto de autores que estão no Algarve. É um primeiro olhar sobre um conjunto de artistas que criaram um vínculo com a região e que procura, de alguma forma, suprimir a lacuna de instâncias críticas que aqui se vive no campo da arte contemporânea.

Ao longo dos oito meses em que estará patente ao público, a exposição apresentará sucessivas montagens sempre com uma gra-mática museológica arriscada.

O catálogo da exposição terá um ensaio de Francisco Palma Dias sobre a linguagem e a terra.

S.S.Vista do ateliê de René Bértholo

Fotos D.R.

D.R.

D.R.

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.S caderno de artes >> Postal - 03.06.1016

O FALCÃO E A GARÇA

Extinção e Resistência

opinião

É precisamente em momentos como este que atravessamos que a palavra resistência ganha pleno sentido. Sabemos, há inúmeros estudos que o provam, que em tempos de crise há mais público para o teatro, cinema e exposições de arte. Essa aparente contradição explica-se de forma afi nal simples: há necessidades supér-fl uas e outras vitais. Desfrutar de uma criação artística enquadra-se no segundo grupo. So-mos, por natureza, seres pensantes, curiosos, indagadores, se paramos de refl ectir, morre-mos. Ninguém atenta contra si próprio de ânimo leve.

Estes momentos de crise são, no campo da arte e não só, especialmente perigosos; servem, muitas vezes, propósitos iconoclastas, propiciam censuras veladas, extinções irreversíveis. Quem sofre, somos todos nós. Não são só os criadores, os artistas, os bailarinos, os actores, os agentes que trabalham para que as coisas aconteçam e

sejam apresentadas ao público.Tenho a convicção de que é precisamente em

meios desprovidos de dinâmicas culturais con-solidadas e autónomas - e o Algarve é um con-texto especialmente frágil desse ponto de vista, pois aqui existe uma relação umbilical entre a gestão cultural e os centros de poder, senão vejamos a constituição da AGECAL (Asso-ciação de Gestores Culturais do Algarve) e constatemos a composição da respectiva direc-ção - que existe menor consciência de que a criação de um contexto forte passa precisamen-te pela diversidade de instâncias de mediação concomitantes e complementares, dialécticas e até divergentes entre si.

É certo que só quando algo nos falta ganha-mos consciência plena da importância que tem para nós essa coisa. Mas a mim custa-me com-preender como não se percebe, ou é convenien-te não perceber, que sendo primordial construir um contexto cultural estruturado e saudável, que, para além das habituais instâncias de mediação - museus, centros culturais, galerias, teatros, companhias de teatro, estruturas independentes - é vital haver um exercício crítico permanente, regular e independente.

A crítica de arte, o jornalismo cultural, é uma peça importantíssima não só na imprensa local

mas também nacional. É escasso, tem pouco espaço nos jornais diários e tem difi culdade em conquistar públicos. A pobreza engendra po-breza. Mas a pior pobreza não é a material, é a de espírito.

Penso que, verdadeiramente, ainda ninguém entendeu isso: as autarquias, que promovem oferta cultural, ainda não entenderam que não basta fazer para se criar um público; há que dotar esse público de ferramentas refl exivas e há que consolidar não só as boas práticas de acesso e fruição, mas, tão ou mais importante, favorecer também uma forte consciência críti-ca, promovendo não uma “política de gosto”, mas, pelo contrário, as condições para que o gosto de cada um se construa sólida e indivi-dualmente. É a única garantia de sucesso para o investimento na área cultural.

Ademais, não basta promover encontros, cur-sos, formações, alíneas para o currículo, meda-lhas para a lapela. Chegou a altura de dizer se queremos preservar o espaço crítico que temos na imprensa local algarvia. O “.S”, onde publico com muito empenho aquelas que talvez sejam as últimas linhas, é a única instância divulgado-ra e crítica da actividade cultural do contexto local. Tem vindo a promover um trabalho sério, equidistante, diversifi cado. Tem-me dado a co-

nhecer vários autores essenciais para se entender a riqueza da produção artística e literária do Al-garve. Tem rotinas de produção e, quer com a experiência, quer com o enriquecimento da ofer-ta cultural na região nos últimos anos, tem vin-do a afi nar processos editoriais. E tem vindo a conquistar e a fi delizar leitores, tem acrescenta-do qualidade de refl exão.

Para quem trabalha com os artistas possibi-litando-lhes plataformas de diálogo, de refl e-xão e de produção, é vital não somente que essas produções sejam divulgadas, como ter um retorno crítico lúcido e informado. A dia-léctica crítica, mesmo quando gera desenten-dimentos, é essencial para avançar. Entender o público como uma massa indistinta, seria um erro grosseiro. O público é tão mais rico quan-to for plural, diverso, composto por cabeças que pensem de forma individual. Um espec-tador lúcido vale mais do que cem acríticos e acéfalos. Em cultura, os números não valem nada. Conta a qualidade da relação que se es-tabelece entre as partes.

É precisamente em momentos como este que a palavra resistência ganha pleno sentido. Che-gou a altura de dizer se queremos ou não que o suplemento cultural do Postal continue a apa-recer nas bancas. Eu quero.

Fotografi a de Joachim Brohm, série «Culatra»

Nuno Faria » curador

Extinção e Resistência

NUNO FARIA