camenietzki, carlos ziller. o astronomo e a restauracao

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  • 7/25/2019 CAMENIETZKI, Carlos Ziller. O Astronomo e a Restauracao

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    Manuel Gomes Galhano Lourosa e sua interveno na poltica de Portugal Restaurado. 183

    O Astrnomo e a Restaurao.

    Manuel Gomes Galhano Lourosae sua interveno na poltica

    de Portugal Restaurado.

    CARLOS ZILLER CAMENIETZKI1

    Departamento de Histria/UFRJ

    Abstract

    Logo aps a tentativa de contra-golpe de julho/agosto de 1641 contra o recm-

    instalado governo de D. Joo de Bragana, o mdico Manuel Gomes Galhano

    de Lourosa enviou um Alvitre Matemtico para ser publicado. O texto mostra

    o empenho dos matemticos na Restaurao de Portugal diante da Monarquia

    Catlica e revela o alinhamento de Lourosa s populaes urbanas de Portugal

    e seu apoio decisivo ao novo governo. O livro no contou com a aprovao

    da inquisio e ficou manuscrito; mas a sua leitura reveladora do tipo deengajamento dos sbios de Portugal na empreitada.

    1 O autor agradece ao CNPq por lhe ter oferecido os meios para a realizaoda investigao da qual resulta o presente trabalho, agradece ainda a Lus

    Miguel Carolino. [email protected].

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    Em abril de 1644 saiu publicado em Saragoa um livro de Antonio Seynercontando sua crnica dos primeiros dezoito meses de recuperao da

    independncia poltica de Portugal2

    . Seu autor era religioso da Provnciacastelhana da Ordem de Santo Agostinho e vivera no reino rebeladoat julho de 1642, quando o novo governo liberou os passaportes dereligiosos castelhanos que estavam no reino. A obra bastante detalhadanos acontecimentos polticos e foi escrita por um autor para quem arevolta dos portugueses causou grande escndalo. Seyner acreditavaque a Restaurao foi um ato de rebeldia de um Duque inquieto einfiel apoiado em arroubos populares. De fato, o tempo viria a mostrar

    que ele efetivamente no entendeu o que se passou em Portugal. Massua narrativa dos acontecimentos muito valiosa e pe em evidnciaalguns elementos tpicos das grandes reviravoltas polticas da pocaModerna: a instabilidade do novo governo, a insegurana na conduodos negcios do Estado, as novas tenses polticas emergidas, o pavordo retorno condio anterior, etc.

    Seyner comea seu livro lembrando que os grandes e desastrososacontecimentos costumam vir precedidos de sinais do cu, prodgios

    celestes, cometas por exemplo, que avisam aos homens o que lhesaguarda. A Restaurao, segundo o que conta, foi precedida emmaio de 1640 por uma nuvem de gafanhotos que passou por Lisboa,escurecendo o cu por quatro dias inteiros. Os insetos no destruramplantaes, no causaram dano algum e morriam to logo caam porterra. Imediatamente, portugueses e castelhanos ativos na capital doreino se puseram a discorrer sobre os prognsticos deste sinal dos cus.Diz o agostiniano:

    Ao que alguns dos portugueses deram muito crdito (reconhecendo que

    o assunto em matria era douto) foi ao que afirmou o maior cirurgio que

    aquela cidade tem (e de igual opinio na judiciria) que se chama Guilherme.

    Afirmou este muitas vezes entre seus amigos que antes que passasse o ano de

    quarenta teria Portugal outro governo; as pessoas com quem falava do assunto

    lhe diziam: j estamos em novembro de quarenta e sem rumor algum do que

    disse, esta vez sua cincia lhe faltou. Ele respondia que o ano de quarenta ainda

    2 Antnio Seyner, Historia del levantamiento de Portugal, Saragoa, Pedro Lanaja

    y Lamarca, 1644.

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    no havia passado. Isto era em meados de novembro e logo depois sucedeu o

    levantamento3.

    O grande cirurgio de Lisboa a que se refere Seyner FranciscoGuilherme Casmach, homem j idoso na poca dos acontecimentos quepublicou ainda dois prognsticos astrolgicos depois e 1640:AlmanachPrototypoe Brachylogia Astrologica, em 1644 e 1645 respectivamente. Almda estranheza das palavras gregas j no ttulo de uma obra de gnero atento bastante popular, o primeiro era dedicado nova rainha, D. Luzade Gusmo, e o segundo nobreza de Portugal. O segundo volume foi

    taxado em quarenta ris em papel4

    . Sua participao na interpretaoda estranha praga dos gafanhotos associa-se a uma disputa de autoriacom o jovem mdico Manuel Gomes Galhano Lourosa que avanarasua anlise daqueles acontecimentos anonimamente.

    H poucos anos, um interessante estudo dos prognsticosastrolgicos entre os sculos XVII e XVIIIapresentou esta controvrsiae evidenciou a disputa de prestgio e de posies entre o velho erespeitado cirurgio da corte e o novo e emergente astrlogo de Almada;

    no se trata portanto de repetir as concluses deste estudo. Contudo,a caracterizao de Casmach como mdico e astrlogo da corte e deLourosa como autor distante deste ambiente e ligado s populaesurbanas, sobretudo Lisboa, nos auxilia a compreender melhor o sentidodas demais intervenes destes personagens5.

    O mdico e astrlogo de Almada escreveu prognsticos por quasequarenta anos seguidos. Seus textos, publicados regularmente a cada ano,custavam pouco dinheiro e eram escritos com uma linguagem simplificada

    e bastante resumida, sem maiores referncias eruditas, sem citaes latinas

    3 Seyner, Historia del levantamiento de Portugal, cit., p. 5. As tradues so todas

    de minha autoria.4 Francisco Guilherme Casmach,Almanach Prototypo e exemplar de Prognosticos,

    Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1644; Idem. Brachylogia Astrologica e apocatastasis

    apographica do Sol, Lua & demais planetas, Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1646.5 Lus Miguel Carolino, A Escrita Celeste. Almanaques astrolgicos em Portugal

    nos sculos XVII e XVIII, Rio de Janeiro, Access, 2002. Sobre o contraste em

    questo, cf. pp. 55-60.

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    e sem neologismos gregos6. Lourosa efetivamente escrevia e publicava paraa cidade e para as aldeias, para um pblico annimo e bastante estendido,

    bem mais largo que aquele de seu primeiro e grande oponente.O astrlogo foi bastante ativo ao longo dos quase quarenta anos desua atividade. Para alm dos seus almanaques consumidos anualmente,ele tambm publicou outros textos importantes e dedicados a um pblicomais restrito. Sua anlise do cometa de 1664/5, por exemplo, revela umastrnomo maduro que busca interlocuo com os mais afamados sbiosdeste campo de investigao em meados do sculo XVII7. O texto mostraleituras de diversos astrnomos importantes no debate sobre os cometas da

    primeira metade do sculoXVII

    . Lourosa discute as teorias de Tycho Brahee de seus seguidores, de Fortunio Liceti, de Manuel Bocarro, de Pedro deMexia, de Cristvo Borri e de muitos outros matemticos daquele tempoe dos anteriores. Seus interlocutores principais so os autores ibricos e,especificamente, os portugueses que se debruaram sobre o problema doscometas, para alm dos j citados, Lus do Avellar, Eusbio Nierenberg,

    Afonso Perez, entre outros. Chama a ateno a citao de um seucontemporneo, o mestre de matemticas do Colgio de Santo Anto, o

    jesuta Marcos Joo. Por outro lado, seu guia principal no que toca s questesfilosficas e lgicas envolvidas na questo o Curso Conimbricense.Na anlise de Lourosa, como ademais na maioria dos estudos

    daquele tempo, o cometa uma aglomerao de matria na camadamais elevada do ar, que incendeia por fora da influncia dos corposcelestes. Trata-se de uma posio um tanto conservadora diante dasconcluses expostas pelos autores que ele mesmo elogia (ManuelBocarro, por exemplo), mas esta era a posio assumida por diversos

    matemticos e filsofos ligados s principais linhas de transformao dopensamento astronmico, de Galileo e seus seguidores, por exemplo. Odebate estava bastante aceso naqueles anos e no seria de se esperarque um notrio astrlogo fosse resolver uma questo que se tornousntese da nova astronomia8.

    6 Sua taxao indica quatro reis em papel, segundo Carolino,A EscritaCeleste,

    cit., p. 58.7 Manuel Gomes Galhano Lourosa, Polymathia Exemplar, Lisboa, Antnio

    Craesbeeck de Mello, 1666.8 importante lembrar que o problema da localizao celeste dos cometas e

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    De fato, no se trata aqui de um personagem perdido num finisterraesem maiores conhecimentos daquilo que se debatia em matria

    de cometas. Infelizmente, por razes que no vm ao caso discutir nomomento, este seu trabalho permaneceu ignorado at mesmo pelosmais cuidadosos estudos da cometografia referentes quele tempo9.O problema em foco no momento a atitude do astrlogo diante daRestaurao, da retomada da independncia poltica de Portugal em1640, e de sua conduta sobre os novos temas do governo do reino.O assunto importante porque ajuda a desenhar um quadro bemmais detalhado acerca da participao do homem de saber no avanar

    acelerado dos acontecimentos polticos dos primeiros doze meses darecuperao da autonomia de governo dos portugueses.Uma tamanha alterao na vida poltica como a derrubada do

    governo de D. Felipe IV em primeiro de dezembro de 1640 no poderiadeixar de afetar os homens dedicados aos estudos do cu, sobretudoaqueles que desfrutavam da curiosidade geral publicando obras ligeirasnas quais tratava de temas astrolgicos. O interesse na astrologiaera bastante generalizado no sculo XVII, e os praticantes desta arte

    costumavam desfrutar de prestgio nas sociedades em que atuavam.Conforme sabemos h tempos, a astrologia era conhecimento cultivadoe prestigiado naqueles anos por um sem-nmero de curiosos e deprofissionais que necessitavam consultar os cus para o que acreditavamser o bom desempenho de seus trabalhos. Na poltica, ou ao menosno seu exerccio pblico, a astrologia compunha aquilo que inmeroshomens de saber e de agir costumavam considerar em apoio a suasintervenes mais importantes.

    Lourosa, alis ainda jovem em 1640, buscava construir seu prestgiosocial bem assentado nos seus conhecimentos astrolgicos. Ele, como

    de sua trajetria ocupou boa parte das preocupaes dos matemticos da

    segunda metade do sculo XVII. Isaac Newton dedicou a eles e aos registros

    de observaes cometrias uma boa parte de sua obra fundamental, os

    famosos Principia Mathematica, publicados cerca de vinte anos depois do

    texto de Lourosa.9 A publicao do mdico de Almada ficou desconhecida dos tratados de

    cometografia mais recentes, como ademais a quase totalidade dos autores

    ibricos de textos sobre cometeas.

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    ademais os restantes portugueses, no poderia ficar indiferente ao queocorreu naquelas vsperas de inverno, ainda mais se considerarmos que

    ele era astrnomo em incio de carreira que escrevia para um pblicolargo e sobretudo citadino.Em dezembro de 1641, portanto um ano depois da defenestrao de

    Lisboa, um papel de Lourosa foi encaminhado publicao. O materialfoi examinado pelo Desembargo do Pao e remetido Inquisio no dia13 de dezembro de 1641. Da em diante as informaes sobre o livretodesaparecem. A obra no foi editada, e permaneceu em sua formamanuscrita, ao que se sabe, em nica cpia. Seu ttulo curioso:Alvitre

    Mathematico. Tratado Politico, physiologico, democratico, ethico, aristocraticoe theologico10.Trata-se de um discurso sobre os afazeres da sociedade portuguesa

    diante da recuperao da independncia poltica. um trabalho emque Lourosa aconselha os lusitanos a agir sobre as premncias do novogoverno. O texto dividido em quatro partes sendo a primeira destinadaa D. Joo IV, a segunda aos fidalgos da aclamao, a terceira aos nobres ea derradeira ao povo de Portugal. Aps a concluso, Lourosa acrescenta

    ainda uma digresso sobre o seu prprio eplogo. de se notar quea partio dos discursos apresentados neste texto revela uma opoimportante do autor: ele no se dirige aos corpos polticos diferenciadosda tradicional estrutura poltica do reino (nobreza, clero e povos). Oautor escreve aos homens de Portugal segundo suas intervenes nosacontecimentos mais recentes.

    Os conselhos do astrlogo, ainda que paream fundados no seuconhecimento dos cus, no esto apoiados nos fenmenos celestes.

    Disse ele: no ano que vem de 42 temos uma conjuno mxima de planetas

    10 Manuel Gomes Galhano Lourosa, Alvitre Mathematico. Tratado Politico,

    physiologico, democratico, ethico, aristocratico e theologico. Dado et dirigido ao

    novo monarcha da lusitania, aos briosos fidalgos et leays deste reyno, aos nobres

    vassalos seus et ao fidelissimo povo de Portugal. Repartido em quatro discursos

    breves et ultimamente em hum epilogo succinto de todo tratado historico. Offerecido

    ao mesmo monarcha excelso Dom Joo IIII Rey do nome dado pelo ceo a esta

    monatchia lusitana. Composto pelo licenciado Manuel Gomes Galhano LourozaMedico et Mathematico natural da villa de Almada. O manuscrito encontra-se

    nos reservados da Biblioteca Nacional de Portugal, cod. 517.

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    superiores que nos promete feliz vitria alcanada do castelhano11. Esta uma das pouqussimas referncias aos assuntos de sua especialidade;

    mas ele no justifica nem explica as relaes entre a conjuno mximae a derrota de Castela. Ele no detalha o posicionamento celeste daconjuno, to pouco compara este fenmeno com as caractersticasastrais do reino de Castela nem mesmo acessa qualquer autoridadeno assunto em seu favor, ele apenas indica. Lourosa mais parece usaruma autoridade j obtida na disciplina que argumentos astrolgicosorganizados.

    Para o astrlogo, a poca do domnio castelhano foi um tempo ruim

    para os lusitanos. A perda da independncia poltica foi pesada e oexerccio do poder pelos homens de Castela atormentou os portugueses.Ele exalta e qualifica do seguinte modo o fim da unio das coroas emcabea castelhana:

    Acabou-se j aquela idade de ferro to penosa e to pesada em que tudo

    eram grandes maldades, desaforos feros, enganos palcados, traies enormes,

    cobias desaforadas e finalmente vestgios poucos da verdade, digo nem sombra

    dela, nem lealdade segura e manifesta12

    O astrlogo expe aqui um importante argumento da justificaodo ato de rebeldia dos portugueses: os castelhanos governavam mal oreino. Seu domnio ancorava-se em grandes maldades, traies, cobiase inverdades. Para pr fim a isto, derrubou-se o governo. No se tratavafundamentalmente de combater uma usurpao manu militarequandoda invaso das tropas de D. Felipe, o prudente, ou de sustentar direitos

    dinsticos da casa de Bragana, ou de restabelecer uma monarquialusitana independente, ou ainda de fazer valer os acordos de Tomar.O problema que mais mobilizava Lourosa era o mal governo do reino,as calamidades inundantes, os apertos hrridos e as necessidadesexcessivas por que passavam os portugueses. Para ele, no faziam efeitoos juramentos de fidelidade, o reconhecimento de uma matria de fatoapoiada em sessenta anos de governo castelhano, nem mesmo direitossucessrios ou de conquista.

    11 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol 10v.12 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fl. 22r-v.

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    claro que os argumentos dinsticos no poderiam faltar, topouco aqueles ligados naturalidade do rei. Mas o que ele destaca, e o

    que ele mais cita na justificativa do golpe restaurador, efetivamente, opssimo governo de Portugal. Note-se que em nenhum momento elesequer apresenta o desrespeito aos acordos de Tomar, propostos pelosaderentes a D. Felipe II para o governo do reino nas cortes que foramcelebradas em abril de 1581.

    A valorizao desta classe de argumentos permite imaginarque o astrlogo buscou sustentar a Restaurao num horizonte queminimizava questes da maior importncia para outros atores da

    poltica da poca e dos tempos posteriores. Para o homem da cidade(o mercador, o arteso etc.) os direitos sucessrios usurpados, ou osjuramentos dos nobres do reino, ou aquele feito pelos deputados dospovos nas reunies das cortes celebradas sob os Felipes, ou ainda odesrespeito a acordos antigos no tinham a mesma importncia e amesma atualidade que o mal governo. Afinal, a gente urbana movia-sepor uma grade de valores prpria e ascendente naquelas dcadas dosculo XVII. Esses valores, ainda que expressos pelas mesmas palavras,

    no apresentam o mesmo significado em grupos sociais to diferentesquanto os fidalgos e os artesos, quanto os nobres e os mercadores.Em suma, honra, fidelidade, juramento, por exemplo, no eram eno podiam ser valoradas do mesmo modo por todos os agentes sociaisde Portugal daquele tempo. Pelo mais comum, significavam coisas umtanto diversas para os diferentes grupos da sociedade portuguesa deento. Em extremos: a honra do nobre e aquela do comerciante seligavam a gestos e a prticas heterogneas. A honra do mercador est

    ligada, entre outras coisas, ao cumprimento de um contrato, a do nobreno; se o mercador no cumprir com sua palavra, ele no se desorganizamoral ou socialmente13.

    O fato de Lourosa, e de outros escritores da Restaurao, concentrarseus argumentos no mal governo, minimizando os temas preferidos por

    13 O juramento de fidelidade vem sendo examinado pelos estudiosos do

    direito j h alguns anos. Desta bibliografia importante reter Paolo

    Prodi, Il Sacramento del Potere. Il giuramento politico nella storia costituzionaledellOccidente, Roma, Il Mulino, 1992, embora publicado h alguns anos,

    permanece um estudo seminal para a anlise destes problemas.

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    diversos profissionais da justia, por nobres e fidalgos, permite agrup-lo na tica especfica das populaes urbanas, para quem os juramentos

    e os direitos sucessrios menos representavam14

    .Enfim, e independentemente do que se poderia concluir sobre osargumentos do mdico, o rei to desejado pelos lusitanos finalmentefoi descoberto e aclamado. ele o libertador da ptria por tantos anostiranizada, nas palavras do astrlogo, e mais ainda, foi dado pelo cu aosportugueses. O astrlogo insiste e explicita seu alinhamento e a naturezade seu prognstico claramente. Ele se distancia do sebastianismo,daqueles que ainda tinham esperanas de ver retornar ao reino o jovem

    rei morto na frica, crena ento bastante reanimada e difundida com aaclamao do Bragana: eu no sou sebastianista15.Em seu discurso primeiro, Lourosa faz o elogio de D. Joo, e expe

    aquilo que considera as qualidades mais convenientes a um rei e suasobrigaes no exerccio do poder. Ele insiste e ressalta que aqueles que oaclamaram, sobretudo Gasto Coutinho, Antnio Teles da Silva e lvarode Abranches eram merecedores dos favores do novo monarca. Esteshomens e os demais da aclamao foram os verdadeiros heris que

    sacudiram o jugo castelhano e, citando Horcio, completa: D sumogosto e doura e volta disto grande honra o morrer ilustre e generosamentepela ptria16. Este seu tema justificativo fundamental: libertar aptria. ele que consolida, que d sentido reao ao mal governo, sbarbaridades que identifica nos anos de domnio castelhano.

    A ptria lusitana e a necessidade de defend-la se apresentam emtodos os quatro discursos componentes doAlvitrede Lourosa. Ela no um fundo que se manifesta de modo indireto neste escrito. Ao contrrio,

    a ptria o que faz mover os portugueses na obra de reconquista de sua

    14 A este respeito as consideraes de Antnio Carvalho de Parada contidas

    na sua obraJustificao dos Portugueses sobre a ao de libertarem seu reino da

    obedincia de Castela, publicada em Lisboa em maro de 1643, mas escrito

    em janeiro e fevereiro de 1642, so especialmente interessantes. Lus Reis

    Torgal em seu conhecido estudo sobre os tericos da Restaurao chama a

    ateno sobre este autor e a singularidade de seu trabalho. Antnio Carvalho

    de Parada era homem da Igreja de Portugal.15 Cf. Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 56v-57r.16 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol 33v.

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    autonomia poltica diante de seus inimigos de sempre, os castelhanos,daqueles mesmos contra os quais o reino se fundou e se estabeleceu.

    E mais, este obrar pela ptria o que mais glorifica os portugueses, oque de melhor eles podem fazer por si mesmos,porque s a lembrana dacara ptria bastante para fazer de um covarde generoso e forte17. Lourosaexorta o povo lanando conclamaes fortes e bem aliceradas naquiloque os homens da Restaurao tinham de mais slido em comum, bemsintetizado na idia de ptria: povo inerte no fantasiar quimeras, mas

    generoso e firme no morrer constante pela ptria18De fato, e por maior que seja o incmodo em reconhecer que

    essa idia se colocou no centro das justificativas dos portuguesesda Restaurao, o problema se apresenta de modo bastante claro.Justificar a rebeldia com argumentos ligados ptria no foi apenasuma caracterstica do astrlogo de Almada, nem mesmo um elementoimportante apenas para aqueles que escreviam suas obras para opovo das cidades. Nos trs primeiros anos da independncia, diversosautores combinavam argumentos j repertoriados acima com o temaptrio. Basta lembrar o ttulo de um discurso publicado em setembro

    de 1641 por Diogo Gomes Carneiro: Orao Apodixica aos Scismaticos daPatria19. Alis, agregando um sabor inesperado, ele se apresenta aindana capa de seu livreto com o ttulo de Brasiliense, natural do Rio de Janeiro,como quem desejaria sugerir aos leitores do sculo XXIque sua ptriaportuguesa no coincide com aquela que predominou em quase todo osculo XX. A noo era diferente. A ptria de Diogo Gomes Carneiro, etambm aquela de Lourosa, era mais ampla, pluricontinental, fundadanuma combinao bem menos territorializada de lngua, cultura e

    descendncia. Alm destes escritos, a defesa da ptria novamenteindependente, mas ameaada pela maior potncia econmica emilitar do tempo, era recurso constante de quase todas as relaes deguerra impressas a partir de setembro de 164120. Ainda no terreno dos

    17 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 34r.18 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 51r.19 Diogo Gomes Carneiro, Orao Apodixica aos Scismaticos da Ptria, Lisboa,

    Loureno de Anvers, 1641.20 A coleo Barbosa Machado da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro guarda

    importante acervo destas publicaes ligeiras.

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    informativos ligeiros, o primeiro peridico portugus, a Gazeta, tambmacessa esse tema de forma consistente e repetitiva21.

    Mas o problema no se limita justificativa do ato rebelde, osescritores da liberdade da ptria avanavam seus manifestos e suasintervenes em forte consonncia com a rpida evoluo da conjunturapoltica de Portugal Restaurado: eles bem tinham o que disputar duranteo perodo de organizao da nova monarquia. A j citada Orao

    Apodixica, por exemplo, foi publicada nos primeiros dias de setembro de1641, logo aps a degola dos nobres e fidalgos envolvidos na conjuraode julho, que reuniu o Marqus de Vila Real, o Duque de Caminha, o

    Conde de Armamar, o Arcebispo de Braga, o Inquisidor do reino, oBispo de Martria e diversos outros personagens de primeira linha napoltica e nos negcios de Portugal22. Os financistas e os mercadoresenvolvidos foram enforcados e os eclesisticos presos.

    O problema no era pequeno. Se o livreto de Diogo Gomes Carneirofoi escrito a propsito de outra fuga de nobres para a antiga obedinciaa D. Felipe, sua edio ocorre num perodo de tenso mxima em quea prpria vida do outrora duque, agora rei, D. Joo estava sob ameaa 23.

    E esse risco vinha de alguns dos mais destacados nobres, de homensque portavam ttulos da mais alta e antiga nobreza de Portugal! No possvel reduzir o envolvimento nesta conspirao a apenas umpagamento ao antigo monarca de mercs obtidas.

    21 Cf. Daniel Magalhes Porto Saraiva, O Rasgo da Pena, Espada de Portugal: a

    gnese da imprensa peridica lusitana, Dissertao de mestrado, Universidade

    Federal do Rio de Janeiro, 2009. surpreendente que um tema to importante

    tenha ficado um tanto abandonado pelos estudiosos nos ltimos anos.22 Essa conspirao de grandes personagens do reino foi analisada recentemente

    no seguinte texto: Mafalda Soares da Cunha Elites e mudana poltica. O caso

    da conspirao de 1641in Eduardo Frana Paiva (org). Brasil-Portugal. Sociedades,

    culturas e formas de governar no mundo portugus (sculos XVI-XVIII), So Paulo,

    Annablume, 2006, pp. 325-343. O assunto tambm foi retomado pela autora na

    sua biografia de D. Joo IV, escrita em parceria com Leonor Freire Costa.23 A primeira grande escapada de fidalgos para Castela foi a dos filhos do

    Marqus de Montalvo e dos governadores de Ceuta e Tnger, no incio defevereiro de 1641. A fuga causou grande rebulio em Lisboa, conforme expe

    o Conde da Ericeira na sua Histria de Portugal Restaurado.

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    Este cronista bem soube compreender a extenso do problemagerado pela reconquista da independncia: era preciso garantir a

    estabilidade e o sucesso do novo governo e assegurar a coeso e oconsenso ao redor do novo rei. Caso essa tarefa no fosse realizadaa contento, o destino do reino seria novamente a derrota militar, osaque, os massacres, o exlio das principais lideranas, o esgaramentodo tecido poltico e o rebaixamento de suas aspiraes identitrias. Oastrlogo de Almada tambm agiu diante do risco de fracasso: escreveuseu Alvitre buscando interferir no rumo dos acontecimentos. Para osportugueses daquele ano de 1641 a resistncia ao rei Bragana, ou a

    suspeita de desconforto com relao ao novo governo se confundia comtraio. Como se pode ver facilmente, os cismticos e traidores de DiogoGomes Carneiro, so os mesmos de Lourosa. Ele qualifica do seguintemodo os intentos daqueles homens:

    Queriam os traidores (de cuja notcia manifesta nos inteiramos todos os

    leais del rei nosso senhor Dom Joo a 28 de julho, que ele mandou por a bom

    recado) privar-nos de um bem to grande que do cu nos veio24.

    O cu de onde veio o rei certamente no aquele astrolgico.Mas o matemtico deixa registro de um cartaz publicado pelo governoquando da priso dos fidalgos conjurados em 28 de julho de 1641. Nestemomento, o temor tomou conta dos lisboetas e daqueles que apoiavama nova monarquia. Afinal, a ameaa de assassinato de D. Joo punhaem risco as realizaes mais recentes e era demasiado grave para umreino que se pacificara em quase toda a sua extenso imediatamente

    aps o golpe restaurador, numa situao em que se apregoava o rpidoconsenso dos portugueses ao redor do Bragana! Ainda mais que essaconjurao envolvia nobres, eclesisticos e banqueiros da primeiralinha.

    Dizia a voz de D. Joo no cartaz ao qual Lourosa faz referncia:

    E se bem verdade que estou com grande sentimento de que sejam tantos os

    culpados nesta conjurao no menos a consolao, que tenho de estar certo na

    lealdade dos que ficam, pois no h dvida, que ainda quanto forem menos, so

    24 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 93r.

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    tais que no s a de qualquer deles pode suprir a falta de todos os outros, mas que

    seguramente posso de cada um fiar minha pessoa25.

    A situao do novo rei era periclitante e o fato de tornar pblica aconjura e a reao imediata do governo teve seu impacto registrado no

    Alvitredo astrlogo. A fala pblica de D. Joo no poderia ser mais clara:melhor lhe valiam poucos nobres confiveis, em quem pudesse suprira ausncia de todos os demais. Com a insegurana, no restava nadamais a Lourosa que conclamar seus compatriotas defesa da liberdaderecentemente reconquistada:

    Tende por certo portugueses que ainda que esta cidade esteja hoje em

    uma escura confuso com o descobrimento de to fatal traio, contudo sabei

    que do se alcanar to grande velhacaria e uma conjurao to horrenda contra

    a inocncia da casa real que at gora foi de Bragana e conseqentemente contra

    a ptria to injustamente vendida, sabei que hoje mais que nunca campeia a

    intrpida confiana del rei nosso senhor: hoje vai alegre (mas triste por sentir

    muito novidade to rara em portugueses e por os prender teve notvel sentimento

    o que lhe nasce de ser grande e compassivo) foi galhardo alarde da generosidadede seu peito em tudo excelso, real e grandioso26

    conspirao daqueles nobres, o astrlogo ope a ptria de todosos portugueses! Belo modelo de largo futuro na Europa, mas tambmde tristes resultados nos tempos que seguiram.

    O seu terceiro discurso, dirigido aos nobres de Portugal, vemmarcado por suas preocupaes com o posicionamento da nobreza

    quanto ao gesto restaurador, sobretudo aps o desfecho da tentativade contra-golpe, com as decapitaes do Rossio em 29 de agosto de1641. Estes nobres aos quais o astrlogo se volta so aqueles que noparticiparam do golpe de primeiro de dezembro. Lourosa os incita a

    25 Pratica que fez El Rey N. S. Dom Joo o IIII o prudentssimo, & Legitimo Rey de

    Portugal, aos fidalgos, em 28 de julho em que se fez a priso,Lisboa, Antnio

    Alvarez, 1641. Trata-se de um cartaz de uma s pgina em letras grandes. O

    exemplar consultado encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro,na Coleo Barbosa Machado.

    26 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 96v.

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    tomarem armas contra o inimigo castelhano. Afinal, chegou o tempo dacidade dourada! Os nobres s tinham fraquezas obrigadas em Castela e

    l o no haveis de ver seguro dos brios lusitanos nem quieto das ofensivasarmas dos belicosos portugueses27. O astrlogo desencoraja aqueles quesuspeita lamentarem a retomada da independncia com o vigor dosdefensores da ptria! Coisa um tanto desacertada: incitar, em nome daptria, um nobre a combater aquele a quem jurou fidelidade, e que lhedeve as obrigaes corriqueiras de sua condio e mais ainda aquelascom as quais se comprometeu na dinmica do exerccio do poder emmuitos casos o prprio ttulo de nobreza!

    Finalmente, em seuAlvitre, o astrlogo se dirige ao povo. Aquele queem boa parte da poca moderna era um monstro cego, volvel por suaprpria natureza aqui apresentado como beneficirio fundamental dogolpe de primeiro de dezembro. Ele se dirige a seus leitores diretamente,na segunda pessoa do plural, encorajando os lusitanos e assegurando-lhes o concurso celeste, o divino, e no o astrolgico: vos que sois briosos,ainda que humildes no nascimento tomai alento, e no temais porque tendeso cu por vos28! O povo, ainda que instvel e malfeito a juramentos e

    a fidelidades, deve largar toda dvida e engajar-se na defesa da novamonarquia. Duvidar do sucesso da retomada da independncia poltica covardia: Sei que alguns de vos vacilais no que dizeis doudejais com opensamento engana-se todo covarde como cego e nscio e pusilnime29.

    Esse povo que Lourosa quer combatente e valoroso foi consideradopelos antigos governantes como motor da mudana maior na monarquiaportuguesa. Para a nobreza daqueles anos, de qualquer espao europeu,o povo das cidades era efetivamente considerado turba, chusma,

    patulia30

    . Especificamente, se essa gente tivesse levantado D. Joo aotrono e fosse o sustentculo de suas pretenses, a nobreza enfrentariasrias dificuldades em aderir causa dos Braganas. Ademais, os

    27 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 47v-48r.28 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 52v.29 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 54r.30 Mesmo o Conde da Ericeira, militar engajado nos combates pela

    independncia do reino assim caracteriza o povo de Portugal. Cf. Lus deMenezes, Conde da Ericeira, Histria de Portugal Restaurado, Porto, Civilizao,

    1945, vol. 1, p. 148.

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    castelhanos bem perceberam a importncia desta questo ao caracterizaro levante portugus como uma alterao de populares. Os escritores

    adeptos da Monarquia Catlica resumiram nos seguintes termos o golpeda Restaurao: um duque rebelde alado ao trono por fora de tumultospopulares, que governava em detrimento das maiores casas nobres doreino, conforme o processo de julho/agosto de 1641 demonstrou31.O povo das cidades cumpriria ento um papel notvel segundo osinconformados castelhanos e segundo o astrlogo patriota da Almada.Para os primeiros, agregaria um componente de impulsividade e deinstabilidade ao feito; para o segundo, seria o sustentculo da retomada

    da independncia.Lourosa reafirma diversas vezes esse papel que deseja ver cumpridopelo povo. Queria ele que as populaes das cidades sustentassemefetivamente o governo de D. Joo: assim defendendo-o defendeis a vos avossas casas a vossas fazendas e cumpris como bons vassalos com a obrigaoque tendes de acudir pela ptria a quem mais deveis32. Trata-se aqui de garantircasas e fazendas e de cumprir com uma obrigao ao rei pela ptria! Odiscurso do astrlogo dirige-se claramente s populaes urbanas, s gentes

    de Lisboa e das demais cidades do reino. No se trata de compromissosmedievais de vassalos para com seus governantes, o tema em questo erao concurso efetivo pela autonomia de Portugal nos embates de fronteiraque se anunciavam. Para isso, a alternativa do astrlogo era a unio doslusitanos, conforme ele sustenta ao final de seu escrito:

    Agora pois povo firme, nobres deliberados, fidalgos leais magnnimos

    e generosos, tempo de unio da terra, catlica irmandade, irmos no sangue de

    uma nao antiga (por nos separar da nova que do hebreu resulta) irmos noamor, irmos nos intentos, irmos em armas em tudo irmos33.

    31 Cf. por exemplo, Jos de Pellicer de Tovar, Sucession de los Reynos de Portugal

    y del Algarvi Feudos Antiguos de la Corona de Castilla, Logroo, Pedro de

    Mongaston Fox, 1640; Joseph Lainez, Libro Nuevo del Privado Christiano,

    Madri, 1641, Marcelino de Campoclaro, Defensivo contra el frenes que le ha

    dado a Portugal en las ltimas boqueadas del ao admirable de 1640,Alcal, Juan

    de Prado, 1641.32 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 98 r-v.33 Lourosa,Alvitre Mathematico, cit., fol. 100r.

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    Seu apelo unidade no deixa de se apresentar de forma um tantoinesperada, pois ele a sustenta sobre uma igualdade fraternal dos

    portugueses. Nobres, populares e fidalgos em tudo irmos! Tese quedificilmente teria hiptese de aceitao em larga escala na sociedadedaquele tempo, mas que anuncia uma disposio especfica de seu autore que permite situ-lo no vasto espectro daqueles grupos que apoiaramativamente a restaurao da independncia.

    Aps o fracassado contra-golpe de julho, o problema da coesopoltica ao redor da nova monarquia ganhou uma expresso pblicanotvel. Para alm do que se pode perceber no astrlogo da Almada,

    tambm outros autores se lanaram na estrepitosa tarefa de conclamara unio de todos ao redor do Bragana. Estes tambm eram homensvinculados aos mesmos grupos sociais urbanos que Lourosa. Porexemplo, Joo Rebello Vellozo e Francisco Lopes. O primeiro autorde um folheto em que exorta os trs estados do reino unio. Para ele,a unio e a concrdia fazem crescer as coisas pequenas e conclui doseguinte modo:

    Corre por nossa conta obedecer a seus decretos, sujeitar a suas ordens eobrar com o valor e fortaleza de nossos braos. Deixemos ambies, desterremos

    invejas34!

    O segundo autor de diversos poemas ligeiros em exaltao daRestaurao, alguns deles publicados na forma de cartazes, como Gloriade Portugal, em que Lopes celebra aos olhos daqueles que passavam narua a bravura dos lusitanos e o bem que se conquistou com a derrubada

    do tirnico governo de Castela. Neste poema ele comenta o fim inglriode Miguel de Vasconcelos, o antigo e odiado Secretrio de Estado:

    Hum que foi com furia brava

    Dos grandes, grande contrario,

    Com nome de secretario

    Publicamente roubava:

    Mal, nem bem imaginava

    34 Joo Rebello Vellozo,Avizo Exortatrio aos fidelssimos trs estados do felicssimo

    reino de Portugal. Lisboa, Loureno de Anvers, 1642, sn.

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    No summo bem que o criou,

    E por que to mal cuidou

    Do mal, que patria fazia,Da maneira que vivia,

    Dessa maneira acabou35.

    Realmente, seria por demais foroso crer que se trata de autorescomprometidos com os valores tpicos da nobreza de Portugal.Conclamar a unio e a concrdia da ptria, desterrando ambies einvejas no parece discurso fidalgo, ao contrrio, parece fala dirigida a

    todos os portugueses, e a esse ttulo, tambm fidalguia. Afinal, obrarcom o vigor e a fortaleza dos braos pode at ser apenas um recursoliterrio, mas continua eloqente expresso de um ponto de vista.

    Como Vellozo, Lopes e outros mais, nosso astrlogo de Almadaagita-se buscando interferir no rumo dos acontecimentos com asmelhores armas de que dispunha, mobilizando aquilo que de maisadequado poderia vir a seu servio: sua interlocuo, seu prestgio

    junto queles com quem ele se comunicava habitualmente. Mas

    Lourosa tinha se notabilizado pelo seu conhecimento da astrologia.J em 1641, seus prognsticos de baixo custo lhe rendiam dividendosfinanceiros e tambm prestgio social, conforme j ficou registrado.Trata-se claramente de algum cujo conhecimento em matria celestepossibilitou uma interveno consistente numa situao extrema emque o governo restaurado de Portugal estava sob a ameaa dos prpriosnobres do reino. Assim, apelar para os temas da unio e da concrdia,falar em nome da ptria necessitada, chamando os lusos a cumprir com

    o que acreditava ser o dever de todos, no se apresenta como coisaperegrina.O que salta aos olhos neste alvitre no muito matemtico a

    caracterizao do povo portugus como firme defensor da ptria; comoagente irmanado aos fidalgos e aos nobres de Portugal. Mais ainda, selevarmos em conta que Lourosa era mdico, astrnomo e astrlogo

    35 Francisco Lopes, Glria de Portugal, Lisboa, Manoel da Sylva, 1641. Este autor

    publicou diversos folhetos e cartazes nos primeiros anos da Restaurao,sempre buscando exortar seus leitores defesa da nova monarquia em nome

    da ptria, seguindo de perto a mesma pauta poltica de Lourosa.

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    de prestgio nos anos da estabilizao do novo governo, o Alvitreemerge como documento de uma interlocuo dos setores urbanos da

    sociedade, daquilo a que chamavam povo de Portugal com os nobres edemais dirigentes do reino.De fato, observar os homens de cincia de tempos pregressos em uma

    ptica exclusivamente cientfica, como se eles fossem gente direcionadaem uma nica dimenso, restritos apenas condio de sbios queinvestigam o mundo natural, no estratgia dos que se dedicavam aosestudos dos cus ou da Filosofia Natural em tempos pregressos, opohistoriogrfica daqueles que os estudam no tempo de agora.

    Por outro lado, crer que os populares poderiam ser dispensadosnuma operao to estrondosa quanto a derrubada do governoportugus de D. Felipe IV tambm uma iluso historiogrfica quepode se amplificar com o passar dos tempos. certo que a participaodesse grupo, ademais bastante heterogneo, da sociedade portuguesano apresenta uma visibilidade to grande que permita coloc-lo nocentro dos acontecimentos que se seguiram ao primeiro de dezembrode 1640. Mas no perceber sua ruidosa presena corresponde a um

    problema mais facilmente identificvel em quem escreve a Histria doque em quem participou dos eventos passados.O manuscrito de Lourosa ajuda a entender o espao especfico

    ocupado pelos astrlogos nas sociedades do sculo XVII, sobretudodaqueles que atuavam em campo aberto, publicando seus prognsticose previses. O sbio de Almada, conhecedor dos cus, agia no terrenopblico da imprensa e alinhava-se na poltica do seu tempo em forteconsonncia com seus annimos leitores: as gentes das cidades. Para

    estes, os malfeitos de governo e a ptria se sobrepunham aos juramentose a direitos sucessrios, como ficou exposto.Daquilo que se pode perceber no manuscrito, o motor principal do

    feito de primeiro de dezembro a ptria, idia que ter vasta pregnnciapoltica nos tempos posteriores. Tema forte que ajudou a cavar o fossoem que mergulhou a aristocracia nos tempos a seguir. Mas naquelesanos da dcada de 1640, este processo ainda mal iniciara e os reveses quesofreu ao longo das dcadas seguintes fizeram com que o registro desse

    turbulento sobrepor a ptria aos valores mais tradicionais da fidelidadeficassem perdidos numa estante, ou camuflados numa censura queacaba por encontrar apoio nos estudiosos que no lhe deram valor.

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    Manuel Gomes Galhano Lourosa e sua interveno na poltica de Portugal Restaurado. 201

    Bibliografia e fontes:

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    Loureno de Anvers, 1641.Campoclaro, Marcelino de, Defensivo contra el frenes que le ha dado a Portugal en

    las ltimas boqueadas del ao admirable de 1640,Alcal, Juan de Prado, 1641.

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    Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1644.

    Casmach, Francisco Guilherme,Brachylogia Astrologica e apocatastasis apographica

    do Sol, Lua & demais planetas, Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1646.Cunha, Mafalda Soares da, Elites e mudana poltica. O caso da conspirao

    de 1641 in Eduardo Frana Paiva (org). Brasil-Portugal. Sociedades, culturas

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    Annablume, 2006, pp. 325-343.

    Lainez, Joseph, Libro Nuevo del Privado Christiano, Madri, 1641

    Lopes, Francisco, Glria de Portugal, Lisboa, Manoel da Sylva, 1641.

    Lourosa, Manuel Gomes Galhano, Alvitre Mathematico. Tratado Politico,

    physiologico, democratico, ethico, aristocratico e theologico. Dado et dirigido ao novomonarcha da lusitania, aos briosos fidalgos et leays deste reyno, aos nobres vassalos

    seus et ao fidelissimo povo de Portugal. Repartido em quatro discursos breves et

    ultimamente em hum epilogo succinto de todo tratado historico. Offerecido ao mesmo

    monarcha excelso Dom Joo IIII Rey do nome dado pelo ceo a esta monatchia lusitana.

    Composto pelo licenciado Manuel Gomes Galhano Louroza Medico et Mathematico

    natural da villa de Almada, Biblioteca Nacional de Portugal, cod. 517.

    Lourosa, Manuel Gomes Galhano, Polymathia Exemplar, Lisboa, Antnio

    Craesbeeck de Mello, 1666.Menezes, Lus de, Conde da Ericeira, Histria de Portugal Restaurado, Porto,

    Civilizao, 1945.

    Pratica que fez El Rey N. S. Dom Joo o IIII o prudentssimo, & Legitimo Rey de

    Portugal, aos fidalgos, em 28 de julho em que se fez a priso,Lisboa, Antnio

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    Prodi, Paolo, Il Sacramento del Potere. Il giuramento politico nella storia costituzionale

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    Seyner, Antnio, Historia del levantamiento de Portugal, Saragoa, Pedro Lanaja

    y Lamarca, 1644.

    Pellicer de Tovar, Jos de, Sucession de los Reynos de Portugal y del Algarvi FeudosAntiguos de la Corona de Castilla, Logroo, Pedro de Mongaston Fox, 1640

    Vellozo, Joo Rebello,Avizo Exortatrio aos fidelssimos trs estados do felicssimo

    reino de Portugal. Lisboa, Loureno de Anvers, 1642.