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EDITORA UNIVERSITÁRIA DO LIVRO DIGITAL e-book.br MEMORIAL https://issuu.com/ebook.br/docs/1memorial Coleção Teal 7 MEMORIAL 1999 1999

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EDITORA UNIVERSITÁRIADO LIVRO DIGITAL

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O texto deste Me-morial foi apresen-tado à banca exami-nadora do concursopúblico para Profes-sor Titular de Litera-tura Portuguesa daUniversidade Fede-ral da Bahia, realiza-do em outubro de1999.

Ao publicá-lo ago-ra, vinte anos depois,em forma de livroeletrônico, o objetivoé deixar registradosos fatos e episódiosvividos pelo autor aolongo da sua vidaacadêmica.

Outras atividadescorrelatas, como ojornalismo e as artes,também ganham re-levo, como elementodecisivo na formaçãointelectual.

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EDITORA UNIVERSITÁRIADO LIVRO DIGITAL

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MEMORIAL

Cid Seixas

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CONSELHO EDITORIAL:Alana Al Fahl (UEFS)

Cid Seixas (UFBA/UEFS)Flávia Aninger Rocha (UEFS)

Gildeci de Oliveira Leite (UNEB)Moanna Souza Brito (UFBA)

Coleção TealVolume 7

Copyright 2019

Tipologia: Amer Type Md BT, 15.Formato: 12 x 20 cm.

Número de páginas: 148.

https://issuu.com/ebook.br/docs/1memorial

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SUMÁRIOSUMÁRIO

Ao Leitor,Página 7

I / Umbral da Memória,Página 11

II / Do Jornalismo às Letras,Página 23

III / Na República das Letras,Página 47

IV / O Apelo da Vida lá Fora,Página 79

V / As Voltas do Tempo,Página 103

VI / O Ensino e a Pesquisa,Página 115

VII / Os Limites da Memória,Página 137

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A E-Book.Br não segue, fixamente, asnormas da ABNT, a exemplo dos textos decitações que são feitos nos nossos livrospelo modo clássico, isto é, entre aspas. Onão uso de aspas pode fazer uma citaçãoem texto eletrônico, ou em hipertexto, pa-recer plágio, em decorrência da perda deformatação de margens e espaços.

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AO LEITOR

O texto deste Memorial foi apre-sentado à banca examinadora doconcurso público para Professor Ti-tular de Literatura Portuguesa daUniversidade Federal da Bahia, rea-lizado em outubro de 1999. Aopublicá-lo agora, vinte anos depois,em forma de livro eletrônico, os com-plementos a seguir enunciados sãojuntados às informações nele conti-das.

Constituindo o segundo volume,o apêndice traz pequenos escritos denossa autoria, enquanto os anexossão constituídos por referências e

AO LEITOR

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opiniões de Jorge Amado, ArielKrivochein Marques, Antonio Hou-aiss, Mário da Silva Brito, FranciscoFerreira de Lima, Ívia Alves, GeranaDamulakis, Rubens Alves Pereira,Elvya Ribeiro Pereira e Ana TérciaCampos.

O livro Desatino romântico econsciência crítica. Uma leiturade Amor de Perdição, de CamiloCastelo Branco, publicado em ediçõesimpressa e eletrônica, deve ser vistocomo complemento, uma vez queresulta da conferência proferidadurante o concurso.

Embora eu considere o texto daconferência adequado aos fins pro-postos, ele foi severamente critica-do pela banca examinadora, por nãoconter às constantes citações e refe-rências que podem tornar os textosacadêmicos demasiadamente redun-dantes. Achando desnecessária essacostumeira ostentação de saberes,

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centrei a exposição em um conjuntode observações, tanto quanto possí-vel, pessoais sobre a obra escolhida.

Coincidentemente, em um con-curso realizado na mesma época, afilóloga Ângela Tonelli Vaz Leão,como membro de uma banca exami-nadora, expôs a conveniência dostrabalhos destinados à ascensão aotopo da carreira universitária dis-pensarem as muletas terceirizadas,em favor do ponto de vista do pró-prio docente. Foi precisamente o ca-minho que eu havia escolhido.

Gostaria, por fim, de sugerir aquem ler estas linhas conceder umpouco de tempo ao pequeno livro quedá conta da conferência. A ediçãoeletrônica, mais fácil de ser encon-trada que a impressa, pode seracessada no endereço linguagens.ufba.br/pdf/camilo.pdf.

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Os fatos não são importantesquando acontecem. São impor-tantes depois. São importantesna memória, que possivelmenteos deforma, lustra, perde, recu-pera.

Jorge Luis Borges

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UMBRALDA MEMÓRIA

UMBRALDA MEMÓRIA

Começo este Memorial me apro-priando de uma constatação de Jor-ge Luis Borges, para quem os fatosganham maior importância pelo tra-balho de deformação, polimento,perda e recuperação, empreendidopela memória.

Sabendo o quanto involuntaria-mente o sujeito deforma os fatos ereescreve o texto do acontecido parase adequar ao sonho infantil do he-rói que habita o ego, procuro fazerum esforço para recuperar, com a(im) possível objetividade, os prin-

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cipais fatos de uma carreira univer-sitária e algumas passagens da vidaintelectual ligadas a esta atividadeacadêmica na área das Letras.

Na verdade, quando jovem, nãopensava em fazer da Universidade ocentro da relação com o mundo e comas pessoas. A busca do encontro como Outro determinou a primeira pro-fissão. Antes de fazer dezoito anos,comecei a trabalhar como auxiliarde reportagem numa emissora derádio. Em seguida, vieram o jornal,o teatro e a televisão.

Os antigos Diários e EmissorasAssociados, de Assis Chateaubriand,foram a minha principal escola decomunicação, onde entrei em 1966e saí em 1976 para me tornar pro-fessor de Literatura Portuguesa daUFBA. Quando fiz vestibular paraJornalismo, em 1968, já era repór-ter do Diário de Notícias e assina-

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va uma coluna diária no Estado daBahia. Passei pela reportagem geral,fui copy desk e editor, mas as ativi-dades artísticas e literárias consti-tuíam um forte apelo. Assim, desdeos tempos de repórter, fui destacadopara a cobertura do setor cultural,incluindo aí a Universidade.

Ainda me vejo, quase menino,percorrendo os corredores do sub-solo da Reitoria, onde ficava o gabi-nete do Professor Fernando Fonse-ca, dirigente do setor de cultura edivulgação da UFBA.

Um pouco antes dos Associados,porém, aprendiz de repórter na rá-dio Cultura, ficou na memória a pri-meira reportagem. Em plenas peri-pécias do regime militar, deram-meum velho gravador portátil para queeu registrasse os acontecimentospolíticos desenrolados no Palácio RioBranco, sede do Governo do Estado.

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De paletó e gravata, compenetradoda minha inocente importância ju-venil, driblei a assessoria do poder efui dar por mim no amplo gabineteonde o governador Lomanto Júniordespachava. Gravador em punho,dirigi-me ao mandatário que, surpre-endido pelo colegial fantasiado derepórter, respondeu às minhas per-guntas com a santa paciência de umprofessor de meninos bobos.

Voltei para a rádio e informei quetinha alguns minutos de gravaçãocom Lomanto. O chefe de reporta-gem, que não esperava nada do“foca” imberbe, tentou ouvir a fitaembolada do gravador, quase im-prestável, e teve que salvar algunstrechos para que fossem ao ar. Co-mecei por onde os outros terminam,conforme as palavras emblemáticasdo padre Florisvaldo, em Marago-gipe, censurando minha afoiteza de

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coroinha ao tentar ajudar (ou me-lhor, atrapalhar) a missa, sem sa-ber uma só palavra de latim.

Acredito que o trabalho mais sig-nificativo que fiz no velho Diário deNotícias foi o Jornal de Cultura,um suplemento do qual fui o cria-dor e editor de 1973 a 1975. Nessaépoca, os Diários e Emissoras Asso-ciados perderam a condição de umadas maiores redes de comunicaçãodo mundo e o suplemento não semanteve quando o castelo caiu. Dezanos depois da imposição do regimemilitar, a Globo consolidaria as re-lações perigosas entre imprensa epoder, liquidando a concorrência.

Graças à atividade de jornal, pu-bliquei meu primeiro livro de ver-sos mancos, sem ter que pagar aedição, como faziam os candidatos apoeta. Em 1969, a Cimape Editora,que iniciava uma coleção de autores

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baianos, lançou o meu Temporário,confiada na divulgação que o livroobteria.

Embora marcado pelas imperfei-ções comuns aos iniciantes de talen-to mediano, Jorge Amado saudou oaparecimento de Temporário emsessão da Academia Brasileira e o ro-mancista português Ferreira de Cas-tro, com evidente boa vontade, es-creveu: “Encontrei-me com um poe-ta fino, sutil e muito sugestivo; a suaironia, quando ocorre passar sobreos temas, é rítmica e leve como abrisa.”

Desde 1968, o calouro do cursode jornalismo da antiga Faculdadede Filosofia e Ciências praticavaatentados contra as letras. Enchiacadernos manuscritos, ou livrinhosdatilografados e encadernados, comfarta versalhada. De modo semelhan-te a muitos pretensos poetas, cheio

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de ideias, rascunhos e sonhos, fre-quentei, informalmente, a Oficina deCriação Literária de Judith Gross-mann.

Professora de Teoria da Literatu-ra no Curso de Letras, inovadora,pioneira na criação de uma oficinade palavras, Judith instalou seu ga-binete num “aquário” do primeiroandar do prédio velho da Faculdade.Com resignada paciência, a Mestraexemplar contemplava nossa arro-gante e divertida mediocridade.

Formado por uma divisória decompensado e vidro, em forma de L,no canto da parede onde um cavalomarinho empalhado compunha airônica atmosfera de um aquário; opequeno gabinete da grande Mestraacolhia estudantes, professores, ro-mancistas, poetas estaduais, muni-cipais, paroquiais – e toda uma faunajovial, ou melhor, uma flora, em bus-

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ca de orientação e estímulo para de-sabrochar.

No meu primeiro livro, dediqueia Judith Grossmann um pequenopoema de três dísticos:

Assaltei castelos e feudos,também burgos e aldeias.

Reuni o ouro e depois compreiminha frota de cavalos-marinhos.

Mandei pedaços de mimpor oceanos e mares.1

Abaixo do título aparecia a dedi-catória: “A Judith Grossmann, comseu cavalo marinho emparedado.”

As lições da Mestra foram relem-bradas num outro poema, chamado

1. SEIXAS, Cid: Doação (nº 1), in Tempo-rário. Salvador, Cimape, 1969, p. 82.

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“Oficina mágica”, escrito no iníciodos anos setenta e somente publica-do no final da década no livro Fontedas pedras. Judith Grossmann, comsua visão crítica, propiciou-me oprimeiro encontro com a área dasletras. Ajudou a todos nós a compre-ender o poema como resultado de umtrabalho apurado e consciente sobreaquilo que brotou de modo espontâ-neo e que, nem sempre, era poemaainda.

Seguindo as teias do destino, anosdepois, ao prestar concurso paraProfessor de Literatura Portuguesa,ela integrava a banca examinadora,ao lado de dois outros titulares ilus-tres, fundadores do nosso Institutode Letras: Doutor Hélio Simões eDona Gina Magnavita.

Se na verdade, quando jovem, eunão pensava em fazer da Universi-dade o centro da minha relação com

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o mundo e com as pessoas, asandanças – pelos caminhos do jor-nal, da televisão, do teatro e, depois,do livro – me trouxeram para estaCasa de Letras.

Ou, talvez, sem que eu soubesse,todos os caminhos por onde andeidavam neste mesmo lugar. Minhamãe é professora. Minha avó mater-na também. Minhas tias, minhasirmãs e minhas primas são profes-soras. Meu pai fundou com tio Ger-son, casado com sua irmã maismoça, o ginásio onde estudei, emMaragogipe, a cidade da infância.

Aprendi as primeiras palavrasnum livro de figuras e letras queminha mãe inventou. Com ela, des-cobri que ensinar é uma forma deamar. Às vezes tranquila e doce. Àsvezes amarga.

* * *

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A propósito das andanças peloscaminhos que conduziram às letras,evoco fragmentos de “Eros e Psique”,de Fernando Pessoa. Eles dizemmelhor do que um possível relato –porque todos os caminhos por ondeandei davam neste mesmo lugar:

Conta a lenda que dormiaUma Princesa encantadaA quem só despertariaUm Infante, que viriaDe além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,Vencer o mal e o bem,Antes que, já liberto,Deixasse o caminho erradoPor o que a Princesa vem.

...

Mas cada um cumpre o destino –

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Ela dormindo encantada,Ele buscando-a sem tinoPelo processo divinoQue faz existir a estrada.

...

Ainda tonto do que houvera,À cabeça, em maresia,Ergue a mão, encontra hera,E vê que ele mesmo eraA Princesa que dormia.2

2. PESSOA, Fernando: Eros e Psique, inCancioneiro. Rio de Janeiro, NovaAguilar, 1976, p. 232-233.

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Se em 1968 fiz vestibular e fuiestudar jornalismo, o ano de 1972reuniu acontecimentos importantese decisivos na minha vida intelectu-al. Iniciei o curso de Letras na Uni-versidade Católica do Salvador e pu-bliquei o segundo livro, também depoesia, ou melhor, de versos: Para-lelo entre homem e rio / Fluviá-rio. Como o registro é uma forma dereconhecimento, convém dizer queesse livro foi publicado por iniciati-va do professor e jornalista Junot

DOJORNALISMO

ÀS LETRAS

DOJORNALISMO

ÀS LETRAS

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Silveira, então diretor da ImprensaOficial da Bahia.

Ao contrário do primeiro, marca-do pela emoção e pelo discurso des-pojado, quase desleixado, esse livrodeixava transparecer a preocupaçãoformal e a influência de João Cabralde Melo Neto, pedra de toque de qua-se todos os escritores da minha ge-ração.

Tal influência transformou osnovos poetas em cultores da estru-tura. No meu caso, penso que o re-sultado foi uma escrita um tantoemperrada, como se pode depreenderdas referências aqui registradas.

A propósito do novo livro, Para-lelo entre homem e rio / Fluviá-rio, Cassiano Ricardo, depois de re-gistrar que o autor “já demonstrauma atitude construtiva e conscien-te do que vem a ser o moderno ofíciodo poeta”, chamou atenção para o

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fato da estrutura necessitar de um“laivo de lirismo para que a formanão se transforme em fôrma.” Demodo generoso, para não podar asasas vacilantes de um aprendiz dexexéu1, o mestre de muitas geraçõesapontava os riscos da minha aven-tura estruturalista, onde a busca doengenho formal não deixava espaçopara a emoção. Um poema escrito naépoca, e publicado anos depois, ser-ve como exemplo da dificuldade deequacionar efusão lírica e discipli-na de expressão. Em casos como este,como sói acontecer, apela-se para o

1 O xexéu, também conhecido como japim,é um pássaro de canto pouco originale pouco apreciado. O crítico baianoEugênio Gomes escreveu um textosobre Manuel Bandeira, onde o grandelírico brasileiro era chamado de poetaxexéu.

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panfleto ou para o manifesto de umaestética radical:

Vamos, de cimento armado (s)outro verso construir:sólido e funcional.

Juntemosbemtodoinstrumentomarteloenxadapalavras,sempre evitando f(r)estascon junções de concreto.

Abaixo as construçõesde fragilidade rosaflor,pálidos suspiros de marfim.

Daí, o que vejo como crítica sutile educada, feita por Carlos Drum-mond de Andrade, ao ressaltar os

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pontos considerados positivos do li-vro, em carta datada de 1972:

“As variações poéticas em tor-no do homem e do rio me interes-saram na medida em que tradu-zem a identificação do autor como meio físico. Creio que este tipode poesia, uma vez tratado comexpressão pessoal e viva, contri-buirá para uma definição cultu-ral mais nítida do país.”

Se, por um lado, o livro buscavaum compromisso telúrico, regional,por outro, o fascínio estrutural aba-fava a voz do sujeito ou a “expressãopessoal e viva”, segundo a oraçãointercalada restritiva em que Drum-mond estaria convertendo o possí-vel elogio numa análise crítica pers-picaz e necessária.

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Às vésperas do lançamento, emresposta ao exemplar que lhe envieijunto ao convite, Jorge Amado es-creveu uma carta com palavras di-tadas pelas boas normas da convi-vência social. Sua generosidade éconhecida por todos. Não esqueça-mos que a vida literária repete essasetiquetas, reservando palavras ado-cicadas aos convivas que não tive-ram assento no banquete de Platão.

Mas, na minha inquietude juve-nil e na condição de calouro alegredo curso de Letras, passei a inter-pretar as gentilezas protocolarescomo um passaporte para o mundoliterário. Pensava que os elogios deestímulo fizessem de alguém escri-tor.

Bons tempos de inocência... Ten-tando resgatá-los, transcrevo a car-ta de jorge Amado:

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“Caro Cid,Eu pensava estar presente ao

lançamento de Fluviário, pois ti-nha decidido demorar-me em Sal-vador até quarta pela manhã.Hoje, porém, resolvi voltar ao lo-car onde estou trabalhando, dadoà impossibilidade de fazê-lo emcasa. Assim, pedi à minha secre-tária que fosse amanhã ao seulançamento lhe levar o meu abra-ço e lhe pedir que autografe doisexemplares, um para João Jorgee Marinha, outro para Paloma ePedro, pelo que desde já lhe agra-deço.

Li os poemas de Fluviário equero lhe dizer que a sua poesiaadquiriu uma força de expressãoque a coloca, a meu ver, na pri-meira linha da jovem poesia bra-sileira. Poesia madura, de emoção

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contida e profunda, de beleza gra-ve e verdadeira.

Num dos poemas você fala nosrios do Recife e nos poetas daque-la cidade, e daqueles rios, João(Cabral de Melo Neto, penso eu),Pena (Carlos, creio), Bandeira(Manuel). É curioso que lendoseus poemas, pensei em CarlosPena Filho várias vezes – há umparentesco entre vocês sem quehaja uma parecença.

Gosto demais de alguns poe-mas: todos os de “Mar Agro” e de“Pasto das Águas”, o que fala doParaguaçu e de seu vale. Os poe-mas dos planos de igualdade edesigualdade mantêm a mesmaadmirável altura.

O seu livro só tem um defeito:o pequeno tamanho. Mas, em re-alidade não é defeito porque as-sim se mantém a unidade dos

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poemas de tão fundo humanismo.Estou, caro Cid, absolutamen-

te encantado com os versos quedizem:

‘Por isso não somos gordos,nem nos damos às farturas:O rio é um magro mar.’Creio que estes versos definem

todo o livro – rios e homens cons-truindo seu destino.”

O livro repercutia, graças à inter-ferência de Jorge Amado que, aexemplo do que aconteceu com Tem-porário, fez um texto de apresenta-ção à Academia Brasileira de Letrase mandou publicá-lo nos jornais,ampliando o que disse na carta. Vol-tou a explorar possíveis relações coma poesia de Carlos Pena Filho, autorde sua predileção e amizade, desa-parecido jovem, em acidente. JorgeAmado preparou ainda uma lista de

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escritores e críticos aos quais eudeveria enviar exemplares deFluviário. Enquanto isso, a editorados Monges Beneditinos da Bahiapublicava a antologia Breve Ro-manceiro do Natal.2

Data também desse ano a classi-ficação do meu ensaio Capinan e adidática da poesia como pensa-mento dialético para os “PrêmiosLiterários da Universidade Federalda Bahia”.

Premiação que não recebi nem foioutorgada a mais ninguém. Quandoabriram os envelopes de identifica-ção, eu não cumprira a exigência deanexar o atestado de matrícula, ale-gando ser aluno da Universidade

2 OLIVEIRA, Adelmo et alii: Breveromanceiro do natal; apresentação deD. Timóteo Amoroso Anastácio, O.S.B.Salvador, Beneditina, 1972.

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Católica, que cobrava pelo demora-do fornecimento de documentos; oque me comprometeria a fazer casoo trabalho fosse classificado. A ati-tude foi considerada pelo professorFernando Perez, coordenador do se-tor responsável pelos prêmios, mo-tivo suficiente para anular a deci-são da comissão julgadora. Não re-cebi o Prêmio, nem tampouco o de-sejado valor em dinheiro.

* * *

Os fatos aqui narrados, incluin-do a publicação facilitada dos primei-ros livros, bem como a generosidadee o incentivo, encheram de entusi-asmo o calouro da vida.

Nos jornais e suplementos da ci-dade, foram publicadas minhas pri-meiras tentativas de ensaios e tex-tos críticos, um deles com destaquede primeira página: “Murilo Mendes,

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os 71 anos de bruxaria de um poetacatólico” (A Tarde, Salvador, 13mai. 72. Suplemento Dominical, p.1), “Carlos Drummond de Andrade:Itabira é apenas uma fotografia naparede. Mas como dói” (Diário deNotícias, Salvador, 1º ago. 72, p. 8.Iniciava também um espaço sema-nal, a “Página Literária”, que seriao embrião do suplemento literárioJornal de Cultura), “A semana de 22vista por Mário de Andrade nos seus50 anos” (Diário de Notícias, Salva-dor, 8 ago. 72. “Página Literária”, p.8), “Capinan, didática de um cantograve e profundo” (Diário de Notíci-as, Salvador, 26 set. 72, “Página Li-terária”, p. 8).

O texto sobre a Itabira de Drum-mond foi provocado por uma coinci-dência. O gerente do banco onde eumovimentava os frugais recursos deestudante, Sudário Martins da Cos-

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ta, era itabirano, neto de QuincaCustódio (a quem Drummond evo-ca; “Abre, Quinca Custódio, a tuacoletoria”) e sobrinho de um comer-ciante que empregou o poeta aos tre-ze anos de idade. Na cronologia davida e da obra de CDA, pode-se ler aobservação: “1915. Trabalha algunsmeses como caixeiro na casa comer-cial de Randolfo Martins da Costa,que, em retribuição de seus serviços,lhe oferece um corte casimira.”3

Sudário conservava sobre a suamesa de trabalho um pedaço de mi-nério de ferro do “Pico do Cauê”, sím-bolo da Itabira perdida para a com-panhia de mineração. A partir daí

3 ANDRADE, Carlos Drummond de: ObraCompleta. Org. Afrânio Coutinho, For-tuna Crítica, Cronologia e Bibliografiade Emanoel de Moraes. Rio de Janei-ro, Aguilar, 1967, p. 43.

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fui conhecendo outras coisas deItabira do Mato Dentro e entenden-do certas passagens, para mim, atéentão incompreendidas da poesia deDrummond. Respondendo a algu-mas observações feitas no meu arti-go, o poeta escreveu uma carta, da-tada de 12 de agosto de 1972, cujatrecho que aqui nos interessa con-tradiz o que se lê no seu texto poéti-co. Se a devastação da antiga belezados montes e vales pela mineraçãodeixou uma paisagem que o poetanão quis gravada nas suas retinas,evitando voltar à cidade; em termosobjetivos, ele cede ao progresso. Ve-jamos a parte final da carta em queDrummond, obscurecendo sua im-portância pessoal para exaltar a ci-dade em que nasceu e viveu algunsanos, discorda do aspecto central dareferida leitura:

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“A página foi surpresa paramim. Como poderia imaginar queminha origem itabirana fosse re-percutir na Bahia? Eu acho, Cid,que Itabira é mais importante doque qualquer pessoa nascida lá.

Trata-se de um dos municípi-os brasileiros que mais produzemriqueza, pela extração de miné-rio de ferro, gerador de divisas.Não é a minha poesia que marcaItabira, e sim Itabira que memarcou.

De qualquer modo, sou sensí-vel ao pensamento que inspirousua página, focalizando genero-samente o meu nome.

O abraço amigo deCarlos Drummond de Andrade”

O trabalho desenvolvido na “Pá-gina Literária” do Diário de Notí-cias foi, portanto, o ponto de parti-

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da do futuro suplemento. No dia 27de maio de 1973 era iniciada a pu-blicação de um caderno impresso empapel especial, cor de rosa, o Jornalde Cultura. Viveu algum tempo,menos do que todos desejávamos.

Com o agravamento da situaçãofinanceira dos jornais de Assis Cha-teaubriand, o suplemento foi trope-çando aos poucos. O papel especialque originou a designação “cadernorosa”, usada para identificar o nos-so Jornal de Cultura, foi substitu-ído pelo papel jornal comum. O últi-mo número saiu no dia 9 de marçode 1975. Os outros, escritos apenasna memória das coisas findas, an-tes que se fizessem, ficaram na ga-veta dos sonhos perdidos.

O saldo positivo foi a publicaçãode dezenas de autores emergentes daBahia, ao lado de nomes como JorgeAmado, Joaquim Inojosa, Ricardo

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Ramos, Érico Veríssimo (por inge-rência do seu editor, HenriqueBertaso, o “Jornal de Cultura” pas-sou a contar com colaboração regu-lar do romancista), Otto Maria Car-peaux, Menotti del Picchia, AffonsoRomano de Sant’Anna, Raul Bopp,Carlos Drummond de Andrade (quepublicou apenas um poema, com trêserros de responsabilidade minha edos revisores!), Austregésilo deAthayde, Vitorino Nemésio, Luís daCâmara Cascudo, Paulo Rónai,Fausto Cunha, José Carlos Oliveira,Antonio Callado, Pablo Neruda (comrecordações da sua visita a Salvador,cinco anos antes, quando ficou hos-pedado com Jorge Amado e ZéliaGattai), Ivan Lins, Orígenes Lessa,Ariano Suassuna, Sabato Magaldi,Joaquim Cardozo, Cassiano Ricardo,Ruben Stoyanov, Pablo Picasso (comum texto autobiográfico intitulado

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“Picasso, como eu o vejo”), Aires daMata Machado Filho, José Guilher-me Merquior, Henriqueta Lisboa,Alexandre Soljenitsin, Olga Savary,Murilo Mendes, Edilberto Coutinho,Pedro Nava, Vinícius de Morais (quepor alguns anos morou em Salvador,na célebre casa de Itapuã e aqui pu-blicou um dos seus livros, Histórianatural de Pablo Neruda – A ele-gia que vem de longe), Rubem Bra-ga, Miguel Angel Asturias, Paulo Le-minski, Roman Jakobson, GilbertoFreyre, Júlio Cortázar, Jacó Gins-burg, Walnice Galvão, Gilberto Ama-do, Hermes Lima, Pedro Calmon,Alcides Vilaça, José Paulo Paes, NellyNovaes Coelho e outros.

Jorge Amado, embora tenha es-crito poucas vezes no suplemento,foi um colaborador constante, sem-pre atendendo aos pedidos de esti-mular a participação de outros es-

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critores de suas relações. A trans-crição dessa carta, de 8 de outubrode 1975, mostra como o escritor,apesar das várias viagens e doprotagonismo na cena internacio-nal, se interessava e participava ati-vamente das nossas provincianasatividades culturais:

“Caro Cid,para a página dedicada a

Neruda, estou lhe enviando jun-to a esta os seguintes materiais:

a) Retrato de Pablo Neruda –desenho de Jenner Augusto;

b) Pablo Neruda na Bahia – de-senho de Caribé;

c) Foto de Neruda na Bahia di-ante de um mural de Caribé;

d) Cabeça de apresentação dapágina – texto;

e) Poema XIX de “Aún”, dePablo.

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f) Trecho de artigo meu (o ori-ginal completo é de publicação im-possível aqui).

Do meu ponto de vista, é in-dispensável a publicação do de-senho de Jenner – Retrato deNeruda – pois o mestre pintor lar-gou tudo quanto estava fazendopara, atendendo a meu pedido,fazer o desenho. De qualquermaneira não deve haver a menorreferência ao livro degradante dasra. Jurema Finochet.

Peço restituição sem falta dosdesenhos de Jenner pois ele querenviá-los à esposa de Neruda, e ode Caribé. Também a foto que é doarquivo de Zélia.

Muito grato por tudo, seu ve-lho admirador e amigo

Jorge Amado”

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Convém lembrar que a vigilânciada Polícia Federal sobre os meios decomunicação, dez anos depois dogolpe militar, ainda era intensa. Tal-vez por isso, a ressalva de Jorge Ama-do, no item f: “o original completo éde publicação impossível aqui”.

Graças à correspondência manti-da com Raul Bopp, foi possível o Jor-nal de Cultura publicar fac-símilesdo autor de Cobra Norato, bem comotextos em prosa que estão da raiz dealguns dos seus poemas. Ele costu-mava enviar fotocópias de váriospapéis e anotações, manuscritos oudatilografados, desde coisas semgrande importância até textos essen-ciais para a compreensão da sua obrae de uma vertente do modernismobrasileiro.

Num bilhete, datado de 31 de maiode 1974, remetendo novos textos,Raul Bopp dizia:

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“Já há algum tempo, ando compropósito de lhe escrever, agrade-cendo o acolhimento que você temdado a algumas notas literáriasno seu Jornal de Cultura.

Mas numa vida atribulada pou-co tempo sobra para essas obri-gações de cortesia. Mando hoje,incluso a este bilhete, umas no-tas sobre a gênese de um poemaamazônico.

Si o mesmo se ajustar nalgu-ma página do seu apreciadíssimoJornal de Cultura eu ficariamuito agradecido.

Remato estas linhas com umabraço de alta simpatia pessoal eadmiração pela sua fina sensibi-lidade de poeta e escritor.

Como a revisão do jornal – feita ànoite, por funcionários nem sempreatentos – era deficiente, erros gros-seiros permeavam os textos. Um

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belíssimo soneto da maturidade deDrummond foi publicado com trêserros. O poeta escreveu uma cartaeducada, mas visivelmente contra-riado pela desfiguração do poema“Amor e seu tempo” (do novo livro,As impurezas do branco, que estavasendo lançado, também com umerro, incluído nas provas gráficas eherdado por nós). Num trecho dacarta, Drummond observa:

“Na transcrição, com que fuidistinguido, do meu «Amor e seutempo», ocorreram três erros, umdos quais por minha culpa. Aorever os originais do livro, deixeiescapar, no 10º verso, um outro,em lugar de ouro, o que desfigu-ra o sentido. Os outros dois cor-rem por conta do jornal: corus-cente, substituindo o coruscan-te do original, e um triste versomutilado: quem, decifrado, na-

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da existe, que tomou o lugar deque, decifrado, nada mais exis-te. Que horror!”

Corrigido, o soneto fica assim:

Amor é privilégio de madurosEstendidos na mais estreita cama,Que se torna a mais larga e mais relvosa,Roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,O prêmio subterrâneo e coruscante,Leitura de relâmpago cifrado,Que, decifrado, nada mais existe

Valendo a pena e o preço do terrestre,Salvo o minuto de ouro no relógioMinúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,Depois de se arquivar toda a ciênciaHerdada, ouvida. Amor começa tarde.4

4 ANDRADE, Carlos Drummond de: Amore seu tempo. Jornal de Cultura.” Sal-vador, 6 jan 74, p. 1.

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NAREPÚBLICADAS LETRAS

NAREPÚBLICADAS LETRAS

Gradativamente eu entrava naRepública das Letras. O fato de terdecidido a carreira a ser seguida,somente depois de frequentar outroscursos, tinha uma vantagem: Euestava um pouco mais maduro; che-gava ao Instituto de Letras depoisde ter lido alguns autores canônicos,essenciais à formação de qualquerleitor, e, além disso, sabia que ali erao meu lugar. Com todo desaponta-mento pelo fato do Curso de Letras

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nem sempre se constituir como es-paço intelectual onde estão as pes-soas mais interessadas em Literatu-ra, ainda valia a pena combater mo-inhos de ventos. A descoberta dalinguística e da semiótica foi um belasurpresa e serviu para dar uma di-reção mais nítida aos estudos literá-rios.

Frequentei o curso durante o pe-ríodo de plena ebulição do estrutu-ralismo. Como é comum na acade-mia, sempre que um modismo setorna moeda corrente do discurso deprofessores e alunos, troquei a lei-tura dos textos literários pelo ema-ranhado de discursos teóricos. Per-di. Mas ganhei também.

Procurava nas livrarias as últi-mas publicações da Perspectiva, ouda Vozes, essa última responsávelpela reunião, em livros de largo con-sumo, dos principais artigos dos es-

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truturalistas franceses das revistasComunication e Poétique.

Mas o fascínio pelos brilhos daEuropa e da França não excluíram aBahia. Ao tempo em que enchia osolhos com as luzes estruturais deParis, procurava ver o que aconteciaao meu redor. Fechava-se, então, opitoresco circuito chamado Oropa-França-Bahia.

Como acreditava, e continuo acre-ditando, que a literatura não é cons-tituída apenas por figuras conste-lares, pelos grandes escritores – maspor toda uma tradição, por todo umacorrente formada por continuado-res, diluidores etc. –, elegi como ta-refa a leitura crítica de escritoresregionais.

Em 1973 descobri a poesia de umvelho poeta do Recôncavo baiano,Osvaldo Sá. Seu primeiro, e até en-tão único livro, tinha sido publicado

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nos anos quarenta. Idoso, ele esco-lheu o trabalho contínuo e solitário,confiando sua vasta produção emprosa e verso às gavetas e aos ami-gos com os quais se correspondia. Opoeta Carlos Cunha e eu fizemos umaseleção de sonetos de Osvaldo Sá parao livro A conspirata dos galos, emcoedição das Edições Arpoador coma Secretaria de Educação e Culturado Estado da Bahia. Coube a mim aapresentação do trabalho, discutin-do a poesia do velho aedo de Marago-gipe.

Criamos as Edições Arpoador nes-se mesmo ano. Um pouco antes, em1972, editamos dois livros com o seloConvergência, depois mudado paraArpoador. Como não tínhamos capi-tal para o empreendimento, proje-távamos as tiragens com participa-ção do poder público, em forma decoedição. Foi assim que alguns títu-

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los movimentaram o contexto inte-lectual e literário baiano, num mo-mento extremamente crítico edesolador. Minha experiência edito-rial havia começado em 1970, comomembro do conselho da Cimape, aconvite de Dímpeno Carvalho. Em72, Cunha e eu fazíamos o mesmotrabalho junto à Editora Beneditina,então dirigida por D. Mariano CostaRego, monge do Mosteiro de São Ben-to.

Nesse momento em que a vida li-terária baiana estava inteiramenteparalisada, como consequência doregime militar, fizemos um trabalhode promoção cultural de visíveis re-sultados. Colaboramos com algumaseditoras, criamos nosso próprio seloeditorial, publicamos páginas e co-lunas literárias, editamos um suple-mento, promovemos concursos lite-rários, organizamos feiras de livros...

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Autores que se sentiam pouco esti-mulados ou distantes do livro forampublicados, a exemplo de GodofredoFilho, João Carlos Teixeira Gomes,Carvalho Filho e outros. Coletâneascomo Lira de Bolso e Breve Ro-manceiro do Natal reuniram ex-pressivos poetas baianos.

Paralelamente a isso, as novida-des do mundo universitário me em-polgavam. Três artigos que publiqueiem 1974 servem de exemplo: “Poé-tica, uma subversão linguística, se-gundo Jakobson”, “Jenner e a lin-guagem universal da pintura” e “An-tonio Brasileiro e o zen como proce-dimento estético”. No primeiro, ateoria jakobsoniana abria para mimum mundo novo; no segundo, asemiótica aproximava o estudante deliteratura de um outro código, nãoverbal; no terceiro, a abordagem crí-tica de um autor baiano ia buscar

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correlações na literatura zen dosEstados Unidos.

Se os meus próprios exercícios decriação literária contribuíram paraque eu chegasse ao curso de Letras,este curso foi deslocando, progres-sivamente, o interesse do estudantepara a teoria e depois para a crítica,isto é, para o trabalho de outros au-tores. Desse modo, as publicações depoemas foram intercaladas por pu-blicações de artigos e ensaios. Em1975, ano em que concluí o curso epubliquei onze títulos, fui atraídopelo contraditório modernismobaiano, mais tradicional do quemoderno. O resultado foi um ensaiointitulado “Godofredo Filho: 50 anosde presença literária e do modernis-mo na Bahia” – que, após a morte dopoeta, foi republicado, em 1992, nolivrinho Godofredo Filho, irmãopoesia.

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No ano de 1976, iniciei o Mestradona área de Língua Portuguesa, comum projeto de dialetologia visandotrabalhar a expressão dos trovado-res populares do Nordeste. Influen-ciado por Jakobson, não reconheciao abismo imposto como fronteira en-tre os estudos literários e os estudoslinguísticos, entendendo as questõeslinguísticas como pertencentes aoprimeiro patamar do objeto literá-rio.

São as formas da expressão e doconteúdo de uma língua que forne-cem o material para a construção dalinguagem literária correspondente.

Ocupado com novas leituras ecom a elaboração de trabalhos esco-lares de linguística, publiquei ape-nas dois textos. Um de criação, naAntologia de Poetas da Bahia emAlfabeto Braille, o outro foi umensaio com o qual ganhei, no ano

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anterior, o prêmio Gabinete Portu-guês de Leitura, intitulado O BispoNegro, de Herculano: inventárioestrutural da novela.

Esse trabalho provocou a cisão dacomissão julgadora, formada pelosprofessores Hélio Simões, JerusaPires Ferreira e Jayme Raposo.Jerusa adotou com entusiasmo oensaio estruturalista, Raposo rejei-tou o trejeito, Hélio Simões procu-rou administrar o conflito. Na épo-ca do julgamento do Prêmio, ocorre-ram no Gabinete as aulas de um cur-so de especialização ministradas porAntonio Cândido, Massaud Moisés eoutros professores, entre os quais aprópria Jerusa. Os alunos pratica-mente intimaram Cândido, navega-dor de outros mares, a falar sobre omovimento da moda. Jerusa, na suadisciplina de Literatura Portuguesa,fez um passeio pelas sedutoras vi-

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trines e, de passagem, salpicou refe-rências ao meu trabalho sobre Her-culano; o que só vim a saber atravésde uma das minhas professoras daUniversidade Católica, que frequen-tava o curso.

Na entrega do Prêmio GabinetePortuguês de Leitura, aproximei-meda professora Jerusa Pires Ferreira,que me recebeu efusivamente, paraagradecer a referência ao meu tra-balho. Foi graças a esse ensaio sobrea estrutura narrativa de AlexandreHerculano que no ano seguinte,quando eu cursava o mestrado,Jerusa me convidou para integrar oquadro de Professores Colaborado-res de Literatura Portuguesa daUniversidade Federal da Bahia até aabertura do concurso público parapreenchimento das vagas existentes.

Nesse ano de 1976, dediquei-meao cumprimento das tarefas do

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Mestrado e às aulas de LiteraturaPortuguesa. Apresentei um trabalhoao XV Congresso Internacional deLinguística e Filologia Românicasintitulado “O significa(n)do: supe-ração da dicotomia do signolinguístico na semiótica poética” epubliquei o ensaio “A subjetividadecomo elemento formativo da lingua-gem poética”, no Minas Gerais Su-plemento Literário; que era, naépoca, o mais prestigiado suplemen-to do país.

As preocupações estruturais sefizeram sentir no meu trabalho decriação desde 1972. Em 77, acabarade escrever um poema, ou conjuntode poemas, publicado em 1978 como título de O signo selvagem. Foi apesquisa teórica subjacente ao pro-cesso criativo do poema que forne-ceu material para a comunicação aoreferido Congresso e para outros

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artigos posteriores. O trabalho pes-soal de criação continuou cedendoespaço ao trabalho acadêmico.

No mesmo ano de 78 comecei aperceber como a rigidez da euforiaestruturalista obscurecia algumasquestões da obra literária. Publiquei,então, no mesmo Minas Gerais, oensaio “A falência do estruturalis-mo ou a remissão dos pecados doobjeto”, republicado, dois anos de-pois, na revista Veritas, da PUC doRio Grande do Sul.

Terminei o ano de 1979 publican-do o livro Fonte das pedras,1 poruma das principais editoras do país,

1 O livro saiu pela Civilização Brasileira,por iniciativa do romancista HerbertoSales; tendo o editor Ênio Silveira fei-to uma tiragem de quatro mil exem-plares. Convenhamos que foi muitanuvem para pouca chuva!

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a Civilização Brasileira, de ÊnioSilveira. Nessa obra, tentei adequarmelhor as preocupações formais etemáticas dos livros anteriores; ten-do provocado reações diversas – e,às vezes, desanimadoras – por partede escritores e de críticos.

Vejamos duas delas, a primeirafavorável, como convém ao “sonhode qualquer subdesenvolvido”, e asegunda desfavorável, de onde copieia expressão entre aspas.

Jorge Amado escreveu uma cartaagradecendo o envio do livro e de-pois retomou alguns pontos em ar-tigo publicado nos jornais. Como setrata de um documento inédito deum grande autor, transcrevo a car-ta:

“Bahia, 30 de janeiro de1980

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Querido Cid:Li os poemas de Fonte das

pedras assim que recebi o exem-plar que você me enviou, em de-zembro – mas somente hoje con-sigo tempo para um agradeci-mento mais formal do que o te-lefônico de outro dia, lembra-se?

Você sabe que sou leitor anti-go e admirador da sua poesia, jáo disse de público. Fonte daspedras, além de levar a públicode âmbito nacional a emoção desua poesia, demonstra de formainequívoca o amadurecimentodo poeta no que se refere ao ins-trumento verbal de um verso tãoíntimo e ao mesmo tempo tãoexposto, pensado e encontrado.“Guardei minha ternura / napálpebra mais íntima”. “Enco-berto e revelado”, o poema, comoescreveu você no “Bahia de To-

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dos os Santos” (e agradeço co-movido cada palavra desse poe-ma).

O signo selvagem é todo elede grande beleza. Chego a per-guntar se o Posfácio era umaexigência – os conceitos do poe-ta estão íntegros, evidentes, nospoemas – “imagem e semelhan-ça”. De qualquer maneira, a ex-plicação é válida, a recusa aoaviltamento.

Parabéns, meu caro Cid, e vo-tos de sucesso para seu livro.

Do velho admirador e amigoJorge Amado”

Os votos de amizade do roman-cista não excluíram as opiniões des-favoráveis. Flávio R. Kothe publicoudois artigos, um no Rio de Janeiro eoutro em São Paulo reduzindo o li-

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vro a ossos de borboleta, como nointeligente e bem humorado trecho:

“Cid Seixas parece ser um des-ses tantos poetas que, só porqueescreve algo parecido com ver-sos, também se acha no direitode dizer besteiras. Não é um poe-tastro simplesmente menospre-sível e que não saiba nada do queestá fazendo, mas também não éuma grande voz no horizonte dapoesia. Com boa vontade pode atéser considerado um poeta quaseestadual. Seixas está mais paraa espacialização de Cummingsdo que para a sutileza de Mallar-mé. Não que ele não queira sersutil, mas Salvador não é Paris,especialmente a Paris do sonhode qualquer subdesenvolvido.”

O livro obteve outras críticas,umas parecidas com o incentivo de

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Jorge Amado, outras, com o puxãode orelhas de Kothe. Como eu julga-va o Professor Flávio René Kothe umestudioso merecedor de crédito, oresultado foi o silêncio da expressãolírica; substituída, cada vez mais,pelo ensaio. Se, anteriormente, tinhaaproveitado para artigos teóricosalgumas ideias que resultaram noconjunto de poemas intitulado Osigno selvagem, adotei com certoprazer a prática de entremear aodiscurso acadêmico formas e conteú-dos da poesia. Tentei dar aos novosartigos e ensaios uma expressãolúdica e bem cuidada, com o objeti-vo de realizar o impulso poético notexto teórico.

Ao lado da incerta experiência decriação literária, surgiram textossobre literatura publicados em revis-tas acadêmicas como Ciências Hu-manas, da Universidade Gama Fi-

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lho, Veritas, da PUC do Rio Grandedo Sul, ou como a conceituada En-contros com a Civilização Brasi-leira. No mesmo ano de 1979 con-cluí o mestrado em Letras. Depoisde abandonar a proposta de estudara linguagem de cordel, julguei maisútil à minha formação empreenderum estudo sobre a linguagem en-quanto instrumento pragmático eforma da expressão do mundo e daarte.

Tive a oportunidade de ser orien-tado por uma das mais respeitadasestudiosas de linguística histórica,a professora Rosa Virgínia Mattos eSilva. Ela me incentivou – dandointeira liberdade de trajeto e forne-cendo mapas, sextantes, astrolábiose bússolas – na viagem pelos cami-nhos da teoria da linguagem e da fi-losofia. Apresentei uma dissertação,em dois volumes, intitulada O espe-

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lho de Narciso: Linguagem, cul-tura e ideologia no idealismo eno marxismo. O filólogo AntonioHouaiss, um dos examinadores, es-creveu no seu parecer:

“A dissertação me merece amenção de Distinção – e maisnão faço, porque o Regimentonão me faculta fazê-lo.

Com isso, quero desde o iní-cio deixar patente minha admi-ração por várias altas qualida-des manifestas na dissertação,dentre as quais realço a sequên-cia nas ideias, a madureza dopensamento, o espectro rico deinformação e erudição, o inteli-gente aproveitamento das fontese bibliografia, e a elegância daexposição.”

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O trabalho foi publicado dois anosdepois, pela Civilização Brasileira epelo Instituto Nacional do Livro,com apresentação de Houaiss.

Também em 1979 tive oportuni-dade de conhecer um dos santos daminha devoção, o filósofo UmbertoEco, que veio a São Paulo e passouuma semana na Bahia. Como tinhatrocado uma ou duas cartas com ele,fui buscá-lo no aeroporto e servi deguia pelas suas idas a terreiros decandomblé e outros pontos da cida-de. Eco fez uma conferência no Ins-tituto de Letras e reservou o tempolivre para melhor explorar a cidadee seus mistérios. Nessa época ele eraconhecido apenas no contexto uni-versitário, pelos seus ensaios insti-gantes e polêmicos. O romancistamundialmente famoso ainda não ti-nha se revelado. O nome da rosaestava sendo pensado e escrito. Sem

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se referir ao romance que prepara-va, Umberto Eco falou da fantásticabiblioteca e de outras coisas que apa-recem no livro. Na visita a um con-vento ou nas conversas sobresemiótica, jogava ideias que depoisencontraríamos no livro.

Um fato digno de registro ocor-reu com relação a Jorge Amado, quenão conhecia o Professor Italiano.Eco disse que gostaria de ter umencontro com o romancista. Ligueipara Jorge, falei de Umberto Eco,mas não consegui promover o encon-tro dos dois. Ocupado com seu novolivro, Jorge Amado ponderou quemuitos estudiosos estrangeiros quenos visitam queriam ir à sua casa, oque atrapalhava o trabalho. O nomeUmberto Eco nada dizia ao nossoJorge Amado – até que um outronome, O Nome da rosa, estourouno mercado.

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Como gravamos a sua conferên-cia na Bahia, pedi-lhe autorizaçãopara traduzi-la e publicá-la pelaUFBA. Numa carta ele escreveu:

“Caro Cid,scusame il ritardo con cui ti

rispondo ma in questi mesi sonostato molto occupato da varilavori arretrati.

Do ricevuto la tua tesi. Nonsono ancora riuscito a leggerlacon attenzione perché stavoleggendo le tesi in discussioneall’Università di Bologna.

In attesa di altre notizie sullatranscrizione della mia con-ferenza a Bahia, accludo perintanto il curriculum che miavevi chiesto.

Tutti noi ricordiamo con vivopiacere le nostre giornate a Sal-

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vador e in particolare la tua sim-patica compagnia.

Um abraccio,Umberto Eco”

Logo que concluí o Mestrado,abriu-se o concurso público paraProfessor Auxiliar de Literatura Por-tuguesa do Instituto de Letras daUniversidade Federal da Bahia. Fuiaprovado em primeiro lugar, commédia 9,5, e assumi as novas fun-ções, depois de ter atuado desde 76como Professor Colaborador.

Uma constatação que me deixouperplexo, ao longo da experiênciadocente, foi o pouco interesse dosestudantes pela Literatura Portugue-sa. Procurei então situar a fonte daquestão, tendo verificado que, nahistória da nossa Universidade,raríssimos foram os momentos emque a Literatura Portuguesa obteve

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a preferência dos alunos. Paísescomo a Espanha, a Itália, a Alema-nha e, especialmente os EstadosUnidos ofereciam outros atrativoscapazes de chamar atenção para suasliteraturas; o que não acontecia comPortugal, apesar do trabalho do nos-so antigo catedrático, o Professor Hé-lio Simões.

Em passado não longínquo, o dou-tor Hélio Simões trouxe para lecio-nar na UFBA estudiosos portugue-ses como Hernani Cidade, EduardoLourenço e Adolfo Casais Monteiro.Por outro lado, sua amizade com es-critores como Aquilino Ribeiro, JoãoGaspar Simões, Fernando Namora einúmeros outros assegurou umaconstante presença portuguesa naBahia.

Enquanto a concentração de es-tudos preferida pelos alunos doscursos de graduação era em Litera-

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tura Brasileira, Teoria da Literaturaou Literatura de Língua Inglesa,pouquíssimos escolhiam a Literatu-ra Portuguesa como opção de estu-dos. Anos depois, quando passei aintegrar o quadro docente da Pós-Graduação, foi criada no Mestrado aÁrea de Literatura Portuguesa. Coma abertura da pesquisa em nível depós-graduação, esperávamos que oquadro se revertesse, mas a ofertafoi cancelada por não haver procu-ra.

A tendência dos estudantes de,implicitamente, atribuir um lugarsecundário à Literatura Portuguesaencontrava eco e argumento formalnuma proposta de Afrânio Coutinho,contestando a obrigatoriedade do seuensino na universidade brasileira.Para o mestre Afrânio, só a recipro-cidade de tratamento à LiteraturaBrasileira nas universidades de lá

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justificaria a ênfase dada aos estu-dos portugueses no Brasil.

É evidente que parte dos argu-mentos de Afrânio Coutinho caempor terra quando precisamos funda-mentar o processo de formação daLiteratura Brasileira na Idade Mé-dia e no Renascimento dos nossoscolonizadores. Mas a exigência dereciprocidade está fundada na suacrença na importância da nossa li-teratura.

Sem entrar no mérito dos deba-tes emocionais travados na época,procurei concentrar minha atençãoem autores ou momentos da Litera-tura de Portugal que pudessem atrairo aluno. Propus a criação de disci-plinas monográficas sobre Camões,Pessoa e alguns outros autores ouconjuntos de obras.

Procurei então trabalhar numterritório fronteiriço de estudos te-

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óricos e de Literatura Brasileira,colocando a Literatura Portuguesacomo base de sustentação dos mes-mos.

Foi assim que nasceu o meu inte-resse pela Idade Média, enquantoformadora de vertentes retomadaspelo Renascimento e largamentepresentes no texto de autores brasi-leiros.

Enquanto isso, a UniversidadeFederal da Bahia lançou um livrocontendo artigos em homenagem aJorge Amado.2 Convidado para in-tegrar a coletânea, pelo então presi-dente da Academia de Letras da

2 TAVARES, Luis Henrique Dias et alii:Jorge Amado. Ensaios sobre o es-critor. Salvador, Universidade Federalda Bahia, 1983. (Participação com o po-ema “Bahia de Todos os Santos”, dialo-gando com a obra amadiana.)

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Bahia, professor Cláudio Veiga, naminha costumeira displicência, nãoescrevi o artigo solicitado. Cobrado,às vésperas da entrega do material,só me restou uma saída: enviar umpoema que o próprio homenageadogostava e já havia recomendado à suaeditora, a Record, publicar no seumaterial de divulgação. Título dotexto tapa buraco: “Bahia de Todosos Santos, guia de ruas e mistérios”,referência explícita a um dos livrosamadianos.

Creio que vale a pena a sua trans-crição:

Fonte dos Onze Mistériosdo filho de Oxóssi, Amado,eis a Cidade da Bahia,onde Virtude e Pecado,amantes inseparáveis,habitam o mesmo sobrado.

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Uma paisagem de sonhonesta cidade se vê:até mesmo o intangívelse torna fácil de crer;mistério ou cristal do tempotecendo seu conhecer.

Cidade da Morenagemdo Encoberto e Revelado:o mundo do desencantose completa no Encantado,porque o falso é o verdadeiroquando visto do outro lado.

Nas histórias sucedidas,engenho e realidadepartilham o mesmo dizer:não se sabe o que é verdade,revestida de magia,e o que é lenda na cidade.

O Encoberto e o Reveladotecendo seu conhecer

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onde Virtude e Pecadopartilham o mesmo dizer:uma paisagem de sonhonesta cidade se vê.

Tendo interrompido o fio da me-mória, para inclusão do poema so-bre Jorge Amado, voltemos ao pon-to onde estávamos.

Fernando Pessoa me conduziu àsreflexões sobre o processo de cria-ção literária, estando na base dequase tudo que tenho escrito. Mes-mo nos cursos ministrados na Pós-Graduação, onde o enfoque da linha“Documentos da Memória Cultural”privilegia a produção brasileira ebaiana, procuro estabelecer elos en-tre o que aqui se produz e a Literatu-ra Portuguesa.

Pessoa fornece substância paraqualquer estudo da lírica moderna.A narrativa medieval, de um lado,

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os prosadores do século XIX e MiguelTorga, do outro, serviram recente-mente para os estudos comparadossobre o conto, em curso que minis-trei no Programa de Pós-Graduaçãoem Letras da UFBA.

O trabalho como Professor de Li-teratura Portuguesa tem, rigorosa-mente, se limitado à graduação. NaPós-Graduação, sou obrigado a mevaler das disciplinas existentes paraincluir nelas a presença de autoresportugueses. A partir desse recurso,os resultados têm sido satisfatórios.Mas é bom lembrar que embora ve-nha orientando dissertações demestrado e teses de doutorado, ape-nas uma, na área de Teoria da Lite-ratura, tomou como objeto a Litera-tura Portuguesa.

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A sedução exercida sobre se-tores acadêmicos pela veloz ade-rência a cada jeito, ou gesto, domundo da moda pode implicar amassificação do nada. Ou nabanalização de tudo.

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O APELO DAVIDA LÁ FORA

A atividade acadêmica não temsido um fato isolado no meu cami-nho profissional, imune ao apelo davida lá fora. Talvez menos pretensi-osa, ou menos centrada em si mes-ma, ela vem sendo enriquecida pe-los fatos e acontecimentos da cultu-ra na qual a Universidade estáinserida. A diversificação de interes-ses, ligados ao contexto literário,serviu para que eu não perdesse devista os vínculos concretos entre aliteratura, enquanto atividade espe-

O APELO DAVIDA LÁ FORA

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cífica, e a cultura, enquanto conjun-to de práticas sociais. Mesmo duran-te os anos de assepsia estruturalis-ta, quando a busca de cientificidadeneopositivista dos estudos implica-va no afastamento da literatura dosfatos sociais, o conjunto de práticasoutras garantiu vitalidade às leitu-ras e abordagens.

Creio que vem daí a minha into-lerância ao fetichismo das teoriaslabirínticas que caracterizam mui-tos setores dos estudos contemporâ-neos. Nesse espaço, o pensamentopresunçosamente abrangente e maldigerido substitui a prática antropo-fágica da inteligência brasileira. Al-guns estudiosos que, nos anos se-tenta, transformaram o estrutura-lismo num experimento onde o mé-todo anulava o objeto, trinta anosdepois passaram a disputar lugar nonoviciado de teóricos da cultura.

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A sedução exercida sobre setoresacadêmicos pela veloz aderência acada jeito – ou gesto – do mundo damoda pode implicar a massificaçãodo nada, ou na banalização de tudo.Como dizia o poeta pop das veredastropicais baianas: “É só um jeito decorpo. Não precisa ninguém meacompanhar.”

Mas atrasemos a data do calen-dário digital para meados dos anossetenta.

Quando concluía a licenciaturaem Letras, conheci o secretário deEducação e Cultura, Professor CarlosSantana, e o governador do Estado eex-reitor da UFBA, doutor RobertoSantos, que me convidaram paradirigir o Teatro Castro Alves. Aindajovem, na casa dos vinte e tantosanos, a escolha me deixou surpreso.Há mais de seis ou sete anos, eu ti-nha trocado a breve experiência de

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ator e de diretor de espetáculos mu-sicais pela literatura, mas o conviteera tentador. Dirigi o Teatro CastroAlves de 1975 a 1977, do último anode faculdade aos dois primeiros anosde docência universitária.

Muita coisa foi mudada naquelacasa de espetáculos, que era conhe-cida como uma espécie exótica de“elefante branco”. As nossas autori-dades reservavam o teatro para es-petáculos de dança, concertos e gru-pos teatrais vindos de fora. Como osmil e seiscentos lugares do TCA eraminadequados para montagens tea-trais de pequeno e médio porte, seupalco principal era frequentado poratores de novela e programas televi-sivos que vinham “fazer a praça” deSalvador.

Para entrar na sala de espetácu-los do teatro, era adotado o uso depaletó e gravata, transformando a

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plateia num desfile dos mais elegan-tes da cidade. Com a ilusão românti-ca de popularizar aquele espaço cul-tural, abri o Teatro Castro Alves paracoisas que atraíssem um públicomais diversificado. Formado porgente comum. Gente sem classe. Ousem casta. Apenas, gente; como a queeu conhecia.

Naquela época, frequentávamos oVila Velha, a Escola de Teatro, oGamboa, o imenso auditório de Ins-tituto Normal, no Barbalho, ou oCine Teatro Nazaré. O Castro Alvesera algo distante; muitos da minhageração sequer tinham pisado assuas almofadadas alcatifas.

Convém lembrar que vivíamos ostempos da ditadura militar instala-da em 1964. Cada um de nós, estu-dantes, éra mais um suspeito. E eu –no meio daquele redemoinho de ho-mens engravatados e soldados far-

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dados – vindo do interior, com cos-tumes meio matutos, transitava ape-nas com a ousadia de um rapazinexperiente.

Nada temia porque nunca fui pre-so nem conheci a tortura e a impo-tência dos humilhados. A sorte meprotegia. Lembro que, anos antes,aluno do curso colegial, quando esta-giava nas Rádios Bahia e Cultura,fiz a cobertura do aniversário dachamada Revolução de 64, no Cam-po Grande. Meu parceiro de repor-tagem era Álvaro Martins, tambémimberbe no noviciado radiofônico.Vendo um grupo de estudantes, jámais velhos, que passava, microfo-ne em punho, Álvaro entrevistou osuniversitários. O resultado foi a ca-tástrofe total. Eles chamaram a fes-tejada e temida Revolução Redento-ra de quartelada, ditadura e de ou-tras coisas mais. Tudo ao vivo e a

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cores, as cores das fardas verde-oliva,que se voltavam com nós.

Sorte danada a minha, e a do co-lega... O diretor das duas emissorasera o Coronel Lúcio. Militar cioso doseu lugar e poder, ele disse que quemrespondia pelos seus repórteres eraele, nosso comandante.

Assim, não fomos ouvidos nemmolestados. Tudo morreu no esque-cimento.

Depois desse parêntese, voltemosà minha experiência como diretor doCastro Alves.

O teatro passou a produzir algunsespetáculos, especialmente monta-gens teatrais com atores baianos eshows de música popular, reunindocompositores e intérpretes da terra.Como o verão levava para essa casade espetáculos o público local e umagrande quantidade de turistas,criou-se a temporada que apelida-

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mos de “Festa de largo”. No saguãodo teatro, barracas projetadas pelopintor e cenógrafo J. Cunha recons-tituíam o ambiente dos festejos derua que se tornaram uma caracte-rística do viver baiano. No jardimlocalizado sobre o saguão do teatro,foram montados pequenos showsque iam até a madrugada. Um gran-de espetáculo teatral que produziabriu a temporada de verão, A Mor-te e a Morte de Quincas Berro D’Água, direção e adaptação de JoãoAugusto da clássica narrativa ama-diana.

Se, por um lado, fiz coisas boas,por outro lado, cometi erros, aceiteibirras e brigas – e, depois de ganharuma pedra no rim (que os médicoslapidaram como litíase renal), fecheia cena sendo demitido do cargo pelomesmo professor Fernando Perez,aquele que impediu que me fosse

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concedido, em 1972, o prêmio de en-saio da Universidade Federal daBahia (ver páginas 32-33). Ele ha-via assumido o comando da Funda-ção Cultural do Estado, à qual o Tea-tro passou a ser subordinado.

Motivo da demissão: “desvio eexaurimento de receita pública”.Como cabia à direção do TCA arbi-trar as cobranças de taxas, a dispen-sa para realização do espetáculo Osdoces bárbaro – reunindo os baia-nos Gilberto Gil, Gal Costa, CaetanoVeloso e Maria Bethânia – foi o moti-vo usado para a acusação. Como res-posta, o Tribunal de Contas do Esta-do, em decisão unânime, refutou adecisão, considerando-a descabida eimprocedente.

Apagam-se as luzes da ribalta.Pano rápido.

* * *

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Retomemos então o fio do relatoe dos acontecimentos, seguindo acronologia e pinçando fatos que po-dem ser importantes. Entre os setetítulos de trabalhos publicados em1980, o artigo “Sobre o conto e opoema: a contribuição da crítica”,veiculado no Minas Gerais Suple-mento Literário do dia 11 de outu-bro de 1980, merece ser destacadopor ter servido de motivação parauma série de depoimentos intitulada“Situação do moderno conto brasi-leiro”. O Minas Gerais, que na épo-ca era o mais importante suplemen-to do país, convidou-me a voltar aotema, como depoente do “Situação domoderno conto brasileiro (VIII)”, nodia 4 de julho de 1981.

Enquanto isso, o ensaio Tensãoe dialética na lírica camonianaera reproduzido pelo Setor de Lite-ratura Portuguesa da UFBA, como

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texto de apoio aos estudantes. Ade-mais, publiquei alguns trabalhos ar-ticulando literatura e psicanálise eparticipei da mesa redonda “O mododa fantasia na produção literária”durante a 33ª Reunião Anual daSBPC.

Em 1982 publiquei no MinasGerais Suplemento Literário tex-tos como “Da presença de Eros napoesia romântica” e “O desatino e alucidez da criação: Fernando Pessoae a neurose como fonte poética”, esteúltimo resultante de uma comuni-cação ao IX Encontro de Professo-res Universitários Brasileiros de Li-teratura Portuguesa, onde tambémcoordenei a mesa redonda “Estudocorrelacionado da teoria literáriacom as literaturas portuguesa e bra-sileira”, com participação de NellyNovaes Coelho, Regina Zilberman,Vilma Arêas e Lígia Cademordori.

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Foi nessa época que conheci aprofessora Nelly Novaes Coelho, queviria a ser a orientadora da minhatese de doutoramento na USP, intitu-lada O espaço de transgressão: poruma teoria do texto poético em Fer-nando Pessoa, concluida em 1989.

Mesmo saltando os anos, cortan-do fatos para abreviar o relato, nãodevo esquecer de mencionar a cria-ção da revista Qvinto Império, em1986. Dois ou três anos antes, quan-do fui convidado pelo Doutor HélioSimões para integrar o Centro deEstudos Portugueses, deslocado daUFBA para o Gabinete Português deLeitura, nosso velho Catedrático deLiteratura Portuguesa me pediu paraesboçar o projeto de uma revista so-bre os estudos vieirenses; sonho queele acalentava desde que trouxeHernani Cidade para aqui preparar

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a edição da defesa do Padre AntonioVieira perante a Inquisição.

Como doutor Hélio queria que eufosse também o editor da revista,recusei a escolha, por não me sentirqualificado para editar uma publi-cação temática dessa natureza. Su-geri, em contrapartida, publicarmosuma revista que lembrasse a obra doPadre Antonio Vieira, mas tivessecomo tema a lusofonia, enquantoconjunto de práticas culturais.

Foi assim que propus a criação deQvinto Império, Revista de Culturae Literaturas de Língua Portuguesa.O título contemplava as ideias deVieira e, através da vertente messia-nismo/sebastianismo, se mantinhaligado ao imaginário popular brasi-leiro.

Tracei não só a linha editorial darevista quanto o projeto gráfico, queé parcialmente mantido até hoje.

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Escrevi para intelectuais do Brasil,de Portugal, Angola, Moçambique,Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe.

O primeiro número saiu em abrilde 1986, com um conselho editorialconstituído por Jorge Amado, HélioSimões e por mim. Foram publica-dos os textos dos estudiosos queatenderam ao nosso apelo, até a datade fechamento da edição: Agostinhoda Silva, Antonio Celestino, Francis-co Ferreira de Lima, Hélio Simões,Ildásio Tavares, Jorge Amado, Jor-ge Fernandes da Silveira, LeodegárioA. de Azevedo Filho, Malheiro Dias,Massaud Moisés, Raymundo Faoro,Regina Zilberman e Rosa VirgíniaMattos e Silva.

O texto de Jorge Fernandes daSilveira, “Portugal, África e Poesia61: Notícia do ano em que o Impériocomeçou a ruir”, resultado da suatese de doutoramento, se encaixava

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como uma luva no primeiro núme-ro da revista. Por isso mesmo, abriaa publicação, sendo seguido pelo ar-tigo de Agostinho da Silva, “O Impé-rio do Passado e do Futuro”. Alémdesses dois textos vinculados aonome da publicação, eu assinava oeditorial “Um título polêmico”, res-saltando a conotação conservadoraque poderia assumir em Portugal eo sentido popular e revolucionáriopossível no Brasil.

O segundo número da revista sófoi publicado em 1989. Tendo meafastado do Gabinete Português deLeitura, os números posteriores pas-saram a ser editados por José CarlosSant’Anna.

Foi nesse mesmo ano de 1989 queconcluí minha tese de doutoramen-to, O espaço de transgressão: Poruma teoria do texto poético emFernando Pessoa. Na lista de pu-

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blicações desse ano, aparecemdezesseis títulos, entre os quais“Gaibéus, de Alves Redol: Romanceou documento de denúncia”, no Mi-nas Gerais Suplemento Literário,“Poesia e conhecimento emFernando Pessoa”, em Qvinto Im-pério, “Alexandre Pinheiro Torres ea crítica neorrealista”, na RevistaInternacional de Língua Portu-guesa, “Fernando Namora: da soli-dão humana ao drama social”, noMinas Gerias Suplemento Literá-rio, e “Neurose e criação artísticaem Fernando Pessoa”, no suplemen-to cultural do jornal A Tarde.

Continuei publicando em revistase suplementos literários, até que, em1994, realizei uma ideia que vinhasendo amadurecida: escrever siste-maticamente um artigo de críticaliterária por semana, através de umtrabalho de integração do saber pro-

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duzido na Universidade com a co-munidade responsável pela manu-tenção dessa mesma Universidade.

Nascia a coluna “Leitura Crítica”,publicada todas as segundas-feirasno Caderno 2 do jornal A Tarde. Ini-cialmente, se chamava “Livros &Ideias”, como referência à seção“Homens & Obras”, assinada porduas décadas, no mesmo jornal, pelocrítico Carlos Chiacchio.

Cento e noventa e seis artigos fo-ram publicados em “Leitura Crítica”,de 19 de setembro de 1994 a 9 denovembro de 1998, quando suspen-di temporariamente o trabalho, parauma avaliação e decisão de rumos enovas diretrizes.

Como a seção “Leitura crítica”não contemplava especificamente aLiteratura Portuguesa, mas a Lite-ratura Brasileira, Baiana e, eventu-almente, livros estrangeiros (inclu-

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sive portugueses) publicados noBrasil, tive que dedicar menos tem-po à pesquisa universitária na áreados estudos portugueses e mais tem-po à leitura dos livros recém-lança-dos.

Creio que o saldo desse trabalhofoi muito significativo, não só pelosresultados práticos, mas tambémpor representar um posicionamentoacadêmico dentro de uma etapa dacrítica literária no Brasil. Desde queAfrânio Coutinho voltou dos Esta-dos Unidos, impressionado pela cha-mada “leitura cerrada” e pelo rigorestrutural do New Criticism, tratoude abrir fogo contra a crítica brevefeita nos jornais. A “brigada ligeira”perdeu prestígio para os estudos degrande fôlego que passaram a ori-entar as teses universitárias.

Como tenho um pé na academia eoutro na estrada – dividido pela for-

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mação universitária, de um lado, e,do outro lado, pela tentativa de par-tilhar esta formação com o públicoatravés dos jornais, – sempre sus-peitei da posição radical do críticobaiano. É verdade que o resenhismodos nossos jornais poucas vezes temo que ver com a crítica literária, maso mesmo pode ser dito de inúmerasdissertações de mestrado e teses dedoutorado, lançadas ao sabor dosventos que sopram e mordem.

Na prática da crítica de rodapé,ou da crítica jornalística, fiz o pos-sível para demonstrar que ainda hojepodem ser escritos textos breves ede leitura agradável, dizendo o mí-nimo indispensável sobre uma obraliterária. Creio que um estudo degrande vulto, um livro sobre outrolivro, serve para descobrir coisas atéentão insondáveis ou para fazeravançar a chamada ciência da lite-

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ratura. A crítica de rodapé tem am-bições bem mais modestas: quer ape-nas ser uma intermediária entre otexto literário e o público.

Reunindo textos da coluna “Lei-tura Crítica” e alguns outros publi-cados anteriormente, todos sobreautores baianos, saiu em 1996, peloselo “As Letras da Bahia”, da Secre-taria da Cultura, o livro TristeBahia, oh! quão dessemelhante.Esse foi o primeiro conjunto de arti-gos resultantes do projeto atreladoà crítica de rodapé; um outro livro –organizado pela professora doutoraÍvia Alves, a partir dos textos de“Leitura Crítica” – foi aprovado parapublicação pelo grupo editorialRecord-Bertran-Civilização Brasilei-ra, devendo sair com o último selo(Civilização Brasileira), pelo qual jápubliquei dois livros, Fonte das

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pedras (poesia) e O espelho deNarciso (ensaio).

A propósito do trabalho críticodesenvolvido para o jornal, o Pro-fessor Doutor Francisco Ferreira deLima, titular de Literatura Portugue-sa da UEFS, desenvolveu um racio-cínio que cabe ser retomado aqui,com a transcrição de uma longa pas-sagem do texto. O seu julgamentofavorável contribui para os objetivosvisados por um Memorial de concur-so.

“Tais reflexões me vêm a pro-pósito deste Triste Bahia, oh!quão dessemelhante, o maisrecente livro de Cid Seixas. Crí-tico universitário refinado, comtrabalhos de longo alcance, queabrangem as várias dimensõesda teoria da linguagem, a poesiade Fernando Pessoa, sem esque-

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cer as incursões pelo trovadoris-mo medieval ou a literatura bra-sileira contemporânea, CidSeixas não dispensou, ao longode sua carreira acadêmica, a in-tervenção crítica desenvolvidanos jornais. Nele, essas duasmodalidades, ao contrário do queaconteceu no Brasil nos últimostempos, estiveram fraternal-mente unidas, como se uma fos-se efetivamente o contraponto daoutra.

Como se pode ver pelos textosmais antigos presentes neste li-vro, Cid Seixas dá partida à suadupla atividade crítica de modopraticamente simultâneo, poisque sua carreira universitáriatem início nos meados dos anossetenta. E tal aspecto oferecebons elementos para entenderseu caminho de analista de lite-

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ratura. Nessa mesma época,quando começa a publicar comalguma regularidade nos jor-nais, Cid Seixas como que redi-mensiona a modalidade críticaali praticada. Ele substitui a li-geireza de que esta padecia porum denso aporte teórico, pondoassim o grande público ante asúltimas discussões teóricas tra-vadas na Academia.”

A defesa da crítica de rodapé – emais do que isso, a sua prática regu-lar por quem se dedicou à vida aca-dêmica como opção – reitera, ao ladode outros fatos, que acreditar naquiloque se faz na Universidade pode sertambém uma forma de aceitar devalorizar o apelo da vida lá fora.

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Ensinar é aprender com osoutros. É nesse momento de crisedo suposto saber que percebemos oque não sabemos, surgindo entãoa necessidade de constante leitu-ra renovadora. Não seria issoa pesquisa?

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Os fatos são simultâneos e múlti-plos, a escrita linear. A linha segui-da, às vezes, elide sujeito e objeto.Pedro Nava lembra que “é impossí-vel restaurar o passado em estadode pureza. Basta que ele tenha exis-tido para que a memória o corrom-pa com lembranças superpostas”.1

Nesse jogo de espelhos, voltemosno tempo, ou tentemos inserir nalinearidade da escrita as voltas do

1 NAVA, Pedro: Balão Cativo. Rio de Ja-neiro, José Olympio, 1973, p. 192.

AS VOLTASDO TEMPOAS VOLTASDO TEMPO

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tempo, retomando, aqui e ali, fatoselididos, fragmentados ou interrom-pidos.

Logo no início do item preceden-te deste relato – “O apelo da vida láfora” – foi destacado o fato do meucaminho acadêmico estar marcado,ou ter sido tomado pelo contextosociocultural do sujeito. Tal imbri-ca-mento não resulta de um esforçoformal nem de uma postura metodo-lógica conscientemente assumidadesde o início, mas de uma constân-cia que se delineou como consequên-cia da prática.

Pesquisa, ensino e extensão sãofaces ou ângulos de um mesmo todo,não porque a tríade vem exaustiva-mente enumerada pelo pão nosso decada discurso, mas porque o traba-lho sempre leva a esse imbricamento.

O ensino tem sido o ponto de par-tida de todo percurso acadêmico.

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Quando iniciada a atividade docen-te, pensamos que o que sabemos é osuficiente para ensinar. O pouco sa-tisfaz. Mas, enquanto ensinamos,estamos, de fato, aprendendo o quenão sabemos. Ensinar é aprendercom os outros. É nesse momento decrise do suposto saber que percebe-mos o que não sabemos, surgindoentão a necessidade de constanteleitura renovadora. De ir buscar noslivros e na troca de experiência aresposta – ou, pelo menos, outrasperguntas – para as mesmas inda-gações. Não seria isso a pesquisa? Atentativa de segurar um objeto, doqual, quanto mais nos aproximamos,mais ele nos escapa das mãos. Todoensino, quando se torna, de fato, atode aprender ensinando, é pesquisa.A extensão, por sua parte, é o aban-dono da imanência, da autossufici-ência institucional. A percepção da

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importância daquilo que recebemoslá fora e a tentativa de retorno, dereciprocidade, de prestação de con-tas – do que fizemos e do que faze-mos com o que nos foi e nos é confi-ado – à sociedade que mantém o nos-so labor.

Mas há uma distância entre o quepensamos estar fazendo e o que, defato, fazemos. Voltemos, então, aodiscurso em primeira pessoa, ou aorelato circunstancial.

É verdade que, numa avaliaçãoformal, seguindo os ditames proto-colares, minhas atividades de ensi-no e pesquisa não se ampliam naextensão. O protocolo acadêmicoavalia sua produtividade através dainscrição em formulários restritosao circuito dos documentos adminis-trativos.

Muito embora exista uma visívelligação de tudo que tenho feito na

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Universidade com o que chamei de“a vida lá fora”, nunca vinculei essaprática à sua inscrição nos órgão deextensão universitária, como formade obter atestados e engrossar o lixoda papelada curricular. Somenteagora é que o relato rememorativo enecessário aos fins pretendidos rei-tera o elo aos poucos perdido.

A academia, como qualquer ou-tra congregação social, é compostapor rituais que incluem na sua cele-bração passos e gestos redundantes.Excluí-los pode implicar no não re-conhecimento do ritual pelo espec-tador judicativo; e até mesmo pelosatores. Daí a verbalização de umaevidência, como complemento ritu-alístico.

Ao me dedicar ao projeto “Leitu-ra Crítica”, senti necessidade de es-tudar as relações entre a crítica lite-rária e o jornalismo cultural, apro-

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fundando as leituras formativas. Emconsequência, orientei teses e dis-sertações nas áreas de literatura ede jornalismo, ministrei cursos napós-graduação como a disciplina“Historiografia e crítica”, ou os “Se-minários Avançados I” e “Seminári-os Avançados III”, nos cursos deMestrado e Doutorado, refletindocom os estudantes o trajeto da críti-ca literária.

Percebi que, mesmo entre os gra-duados em Letras (alguns deles, pro-fessores universitários de literatu-ra) havia mais interesse pelos arti-gos críticos breves do que pelos tex-tos corpulentos, onde a teorizaçãoostensiva permeia o enfoque da obraliterária.

Tudo isso serviu para a adequa-ção dos textos de “Leitura Crítica”ao gosto do leitor e ao espaço jorna-lístico. É verdade que, às vezes, es-

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sas pequenas pedras só adquiremsentido pleno quando compõem ummosaico, mas, por outras vezes, osentido de cada uma justifica o ga-rimpo. O ideal é conseguir um textoaparentemente simples, no qual osandaimes teóricos sejam retiradosdepois da construção, oferecendo aoleitor uma fruição leve; e permitin-do ao especialista perceber o funda-mento do enunciado, sem repetir aexaustão dos labirintos percorridos.Claro que não é possível atingir essameta em todos os escritos, mas oretorno obtido através de algunsdeles justifica o esforço.

Curiosamente, um ano depois depublicar um texto semanalmente,na coluna “Leitura Crítica”, de 19de setembro de 1994 a 18 de setem-bro de 1995, percebi que a fascinan-te emboscada em que se converterao trabalho crítico tinha me tornado

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mais improdutivo perante a Acade-mia. De quase cinquenta trabalhosproduzidos nesse período de inten-sa reflexão, apenas quatro interes-savam aos relatórios acadêmicos ouaos bancos de dados curriculares deórgão como a CAPES e o CNPq: umartigo crítico publicado na revistaColóquio Letras, de Lisboa, duas co-municações a congressos e uma pu-blicação acadêmica de material di-dático. Todo o esforço empreendidona produção de 46 pequenos artigos– na verdade, exercícios de síntese ede busca de simplicidade – de críticaliterária e o consequente repensardos seus fundamentos teóricos, nadavalem para os mecanismos de avali-ação da produtividade universitária.

Apenas publicações em revistasindexadas ou comunicações a even-tos científicos contam. Publicaçõesem jornais ou em suplementos lite-

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rários – mesmo realizadas por pro-fissionais de literatura – não passamde mera vulgarização descartável dosaber.

O exemplo pode servir de termô-metro, bem como evidencia os ris-cos de trabalhos que, mesmo rigoro-samente sustentados em critériosaceitos pela academia, fogem ao ro-teiro protocolar.

Mas seria este o momento de le-vantar tais questões? Sim, na medi-da que o questionamento significa aafirmação de um caminho escolhidocom determinação e crença , ou me-lhor, hipótese metodológica que eleconduz o caminhante ao lugar pre-tendido.

Produzir, em textos breves, peque-nas sínteses do que tenho a dizer temsido um dos caminhos encontradospara partilhar o resultado do traba-lho acadêmico. Embora a academia

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exija, constantemente (pelo menosnos formulários oficiais), originali-dade e saber altamente qualificados,os antigos já diziam que “nullum estiam dictum quod non sit dictumprius”.

O pouco que percebemos pode sermelhor compartilhado se dito de for-ma menos pretensiosa. Intercalarobras acadêmicas de maior montacom textos breves e ágeis conduz aoequilíbrio da pluralidade e à adequa-ção entre forma e conteúdo. Preten-do voltar a insistir nessa tarefa deconstruir uma ponta entre a o estu-do da literatura na Universidade efora dela; já agora despertando ointeresse de outros colegas da aca-demia. Ao interromper o trabalho dacoluna “Leitura Crítica”, venho dis-cutindo com os parceiros de angús-tias e dúvidas, como intensificar taltrincheira.

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Observando a necessidade de ate-nuar a natureza perecível do textode jornal e de transformar as peque-nas pedras num mosaico maior, aprofessora doutora Ívia Alves sele-cionou parte dos artigos publicadosnos quatro anos de “Leitura Críti-ca” para integrar uma coletânea aser impressa. O seu texto introdutó-rio, reproduzido no final deste volu-me, traz importantes contribuiçõesà nossa discussão.

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Tudo isso serviu para a ade-quação dos textos de “Leitura Crí-tica” ao gosto do leitor e ao espaçojornalístico. É verdade que, às ve-zes, essas pequenas pedras só ad-quirem sentido pleno quando com-põem um mosaico, mas, por outrasvezes, o sentido de cada uma justi-fica o garimpo.

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O ENSINOE A PESQUISA

O ENSINOE A PESQUISA

O ensino tem sido o ponto de par-tida e a razão da pesquisa, na minhacarreira universitária. Não por es-colha metodológica ou filosófica, maspelo prazer de ensinar, de partilharcom o outro o que ouvi adiante ou oque descobri no silêncio da leitura;pelo prazer de encontrar no olhardo outro a resposta a uma indaga-ção constante: a utilidade de umsaber não prático (que não opera omilagre dos pães nem fertiliza a ter-

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ra) num tempo de injustiça, misé-ria e degradação do homem.

Uma questão ética se impõe antesde tudo o mais. Sou professor em umpaís onde milhares de pessoas,iguais a mim, morrem de fome, ma-tam para roubar alguma coisa, sãoimpedidas de acesso ao saber, pelocrescimento das desigualdades. Souprofessor neste país, sou pago com odinheiro que não é dos governantes,mas dessas mesmas pessoas que nãosabem dos seus direitos. E eu mepergunto se neste tempo de incom-pleta justiça, de maus poemas, alu-cinação e espera, é justo depurar odito que não pode ser escutado pormuitos, cujos ouvidos ouvem masnão escutam, cujos olhos olham masnão veem.

Tentando dividir estas angústias,o ensino tem sido o ponto de partidae a razão da pesquisa, na minha car-

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reira universitária. Ao tentar tornarclaras algumas ideias para os estu-dantes, preciso torná-las claras tam-bém para mim. Todos os projetos depesquisa e todas as curiosidades con-vertidas em investigação tiveramcomo fim transmitir as respostas aosestudantes e, às vezes, a um auditó-rio mais amplo, através de publica-ções acadêmicas e não acadêmicas.

Ao assumir as primeiras turmasde Literatura Portuguesa no Insti-tuto de Letras da Universidade Fe-deral da Bahia, no segundo semes-tre de 1976, eu era apenas mais umjovem em meio a jovens alunos.Como as duas principais disciplinasda nossa matéria tinham por objeti-vo um panorama abrangente e im-possível de dominar, tive que esco-lher alguns pontos de sustentação,em meio a oito séculos de estéticas,movimentos e autores. Obras e ten-

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dências foram privilegiadas, em de-trimento de outras, às vezes, maisimportantes, como ocorre em todaescolha.

A Literatura Portuguesa I, desdeaqueles dias das minhas primeirasaulas, oferece, no seu programa, umavisão do trovadorismo galaico-por-tuguês ao arcadismo; ficando porconta da Literatura Portuguesa IIestudar o romantismo e os demaismovimentos, escolas e tendênciassurgidos a partir daí até a atualida-de. Uma tarefa difícil de ser cumpri-da ao pé da letra.

Além destas duas disciplinas obri-gatórias, tive oportunidade de minis-trar várias outras, de caráteroptativo. Uma sobre o século XVI,outra sobre Fernando Pessoa, umaterceira sobre o século XIX, umaoutra sobre a narrativa portuguesae por aí adiante.

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Em 1981 ministrei o primeirocurso na pós-graduação, LiteraturaPortuguesa XXI, disciplina doMestrado em Letras, em substitui-ção ao Professor Hélio Simões. Oprograma contemplava a lírica mo-derna.

Se no início da carreira docente asdisciplinas optativas e, em seguida,as de pós-graduação eram as prefe-ridas, hoje tenho predileção especi-al pela Literatura Portuguesa I.

Como as optativas e as disciplinasde pós-graduação representavamprestígio para os docentes, além deindicativo de uma identidade entrea pesquisa conduzida e o conteúdoministrado, todo professor insegu-ro queria se segurar à tábua flutu-ante. Assim, as disciplinas obriga-tórias ficaram legadas aos “menosbrilhantes” e aos substitutos.

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Não lembro quanto tempo leveipara descobrir a importância dessasfilhas quase bastardas de uma famí-lia tradicional, as disciplinas obri-gatórias de currículo mínimo. A Li-teratura Portuguesa I me atrai, emprimeiro lugar, porque encontramosum alunado recém chegado à Uni-versidade, ávido de conhecimento eainda não vencido pelos vícios do fazde conta que depaupera o ensinouniversitário. Em segundo lugar,porque a programação do curso deLetras contempla momentos essen-ciais – como a Idade Média e oRenascimento – para a constituiçãoda cultura brasileira. Não apenas aLiteratura Brasileira, mas toda acultura do nosso povo, podem servislumbradas, em embrião, atravésdo estudo desses momentos da Lite-ratura Portuguesa.

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Creio que a procura das marcas,esmaecidas pelo tempo, tem atraídoos estudantes e despertado a aten-ção pela Literatura Portuguesa. En-contro, finalmente, um elo forte en-tre o nosso objeto de estudo e o inte-resse dos alunos. É no início da gra-duação que podemos começar o tra-balho que, um dia, se desenvolverána vida do profissional.

Enfim, creio que, só agora, chegueiao lugar por onde deveria ter come-çado. Por onde devo recomeçar. Oconcurso público para Professor Ti-tular, ultrapassada a marca doscinquenta anos de idade, quandomuitos se aposentam, é um recome-ço de percurso, corrigidos os desvi-os e enlarguecida a estrada.

Visto o ensino como ponto de par-tida e de chegada, passemos ao meio,à pesquisa, antes de chegarmos aofim.

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No item precedente, já nos detive-mos, talvez em demasia, nos pres-supostos e resultados do trabalhocom a crítica literária. Por ser o maisrecente deslumbramento, até a ra-zão reflete o gosto. Passemos então aum exame do que foi feito em outrossítios.

Meu primeiro projeto de pesqui-sa, sobre “Linguagem e Literatura”,iniciado em 1977, só foi inteiramen-te abandonado dez anos depois, pelaramificação do interesse em novosdesdobramentos: literatura e cultu-ra, semiótica e cultura, literatura epsicanálise. Seu resultado mais im-portante foi a minha dissertação demestrado (1979), transformada nolivro O espelho de Narciso: lin-guagem, cultura e ideologia noidealismo e no marxismo, publi-cado em 1981 pela Editora Civiliza-

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ção Brasileira e pelo INL – InstitutoNacional do Livro.

Devo a escolha do tema ao fato deter tido a oportunidade de ensinarLiteratura Portuguesa, logo após aminha admissão ao mestrado. O pro-jeto inicial de dissertação consistianuma análise da linguagem dotrovadorismo nordestino, a literatu-ra de cordel, sob o ponto de vista dadialetologia – na época, amplamen-te estudada na UFBA – ou dasociolinguística – objeto das discus-sões mais atuais dos anos setenta.

Quando comecei a ensinar litera-tura, senti necessidade de explicaro texto aos alunos, tanto a partir dasua construção linguística, quantodo contexto. Estávamos em plena luade mel com o estruturalismo, quan-do a decifração dos códigos super-postos no texto constituía o centrode interesse. Ao mesmo tempo que

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a abordagem linguístico-estruturalme fascinava, aumentava a suspeitaque a análise das formas da expres-são do discurso não contemplava aliteratura como um todo. Mas comoafirmar uma ideia que ia na contra-mão momentânea da história?

Sempre gostei de caminhar contao vento, embora a areia ameace feriros olhos. Ainda hoje, desconfio dasmodas avassaladoras que anulamtudo o mais. A obra literária, anteslida com lentes múltiplas, como asda sociologia, da psicologia, da his-tória, da biografia, do marxismo etc.,com o advento do estruturalismopassou a ser lida com as lentes dalinguística, as “legítimas”. A adoçãode uma ciência como piloto ou comodeterminante de todos os estudoshumanísticos me parecia uma redu-ção. Se antes, o predomínio de qual-quer viés, em detrimento da busca

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totalizante, tinha se mostrado empo-brecedor, o mesmo poderia ser pen-sado com relação à ciência da lin-guagem.

Mas a linguagem encerra em si atotalidade do mundo – formas e con-teúdos. Toda realidade humana éuma realidade feita de palavras.Barthes invertia a perspectiva deSaussure, submetendo a vislumbra-da ciência geral dos signos ao impé-rio linguístico. Como então retirar aliteratura, que é uma das ciênciasda palavra, deste sacro-romano im-pério?

Creio que fiz o mais certo, entre-guei-me por inteiro ao estudo dalinguística. Somente conhecendo umpouco o seu feitiço, deixando-meenfeitiçar até o abandono, poderiaser desenfeitiçado.

Assim, mais apropriadamente doque antes, pude responder onde ter-

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minava o texto linguístico e come-çava o literário. Ou melhor: o textovisto pela linguística e aquele vis-lumbrado pela literatura.

Foi a partir desse salto que em1980, já professor concursado comtempo integral e dedicação exclusi-va, apresentei o projeto intitulado“Análise contrastiva das formas doconteúdo do signo poético e do signolinguístico” e orientei a bolsistaSandra Oliveira do convênio UFBA-MEC-DAL.

Também em 1980, o Departamen-to de Vernáculas aprovou, em reu-nião do dia 17 de setembro, e aCOPERT, em 26 de novembro, o pro-jeto de pesquisa para docente emtempo integral e dedicação exclusi-va “O espaço de transgressão: a lite-ratura como redimensionadora dasformas do conteúdo da cultura”. Al-guns trabalho foram publicados, e

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orientei a estudante Alzira Portelaem bolsa UFBA/MEC-DAL, no ano de1981. Foi também a partir desseprojeto que nasceu, anos depois,minha tese de doutorado, defendidana USP em 1989, O espaço de trans-gressão: Por uma teoria do textopoético em Fernando Pessoa.

Simultaneamente, passei a traba-lhar numa investigação intitulada“Semiologia da cultura”, projetoapresentado ao Departamento deLetras Vernáculas da UFBA no pri-meiro semestre de 1982. Resultouem publicações de artigos e no volu-me Universo simbólico e realida-de social. Por uma semiologia dacultura, reproduzido pela FundaçãoCultural do Estado da Bahia para serusado como material do curso, sob omesmo tema, ministrado pelo autor.Resultou ainda no livro O que ésemiótica, anunciado para publica-

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ção pela Editora Brasiliense, na co-leção Primeiros Passos. Infelizmen-te, depois da aprovação do livro e doanúncio do seu lançamento, um con-selheiro editorial ligado à PUC de SãoPaulo recomendou substituir o tra-balho, já no prelo, por um outro, deuma docente da pós-graduação emComunicação e Semiótica daquelauniversidade.

Da semiótica, o meu interesse res-valou ainda para a psicanálise. Aconvivência com psicanalistas queconstituíram no Brasil as primeirasinstituições inspiradas por JacquesLacan, bem como, anos depois, asdisciplinas de psicanálise que cur-sei na pós-graduação do Instituto dePsicologia da USP, serviram de sus-tentação para um trabalho que foiaos poucos se esboçando.

“Linguagem e psicanálise” é o tí-tulo do plano de pesquisa sobre os

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limites epistemológicos da psicaná-lise, com ênfase nas suas relaçõescom a língua e a literatura. Resul-tou em alguns artigos, palestras ecursos. Em 1980, sob a liderança deJairo Gerbase, um grupo, formadopor Wendel Santos, Gustavo Etkin,Maria Angélia Teixeira e outros, ten-tou estabelecer um centro de estu-dos freudiano e introduzir a psica-nálise na UFBA. Como participantedo grupo, ministrei um curso deextensão oferecido pelo Departa-mento de Psicologia desta universi-dade. Apresentei, ainda, um traba-lho sobre o tema à 33ª Reunião Anu-al da Sociedade Brasileira para oProgresso da Ciência, em julho de1981, e proferi palestra sob o tema“Do Projeto de 1895 a O Inconsci-ente”, no seminário Freud 1939-1989, organizado por Gustavo Etkine promovido pelo Consulado da Áus-

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tria. Em 1997, a Fundação Casa deJorge Amado publicou na ColeçãoCasa de Palavras um livro resultan-te desta pesquisa, O lugar da lin-guagem na teoria freudiana. Aprimeira parte é inteiramente dedi-cada à psicanálise, mas nos seis ca-pítulos da segunda parte procuroaplicar seus conceitos à investiga-ção na área da Literatura Portugue-sa.

Se a literatura produzida na Bahiaera motivo de artigos e ensaios des-de os tempos de jornal, ela começa adespontar em meio à minha ativida-de acadêmica através de um ensaiosobre Castro Alves, talvez o meu pri-meiro texto a explorar as relaçõesentre a literatura e a psicanálise. DeCastro Alves passei a outros auto-res, nascendo assim, em 1988, oplano de pesquisa intitulado “Tra-dição e ruptura na produção literá-

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ria na Bahia nos séculos XIX e XX”.Como uma preocupação puxa outra,estes estudos vieram a desembocarno projeto sobre crítica, tanto queos estudos críticos reunidos em li-vro em 1996 estão centrados na li-teratura local. Nasceu assim o livroTriste Bahia, oh! quão desseme-lhante. Notas sobre a literaturana Bahia.

No mesmo ano de 1988, em quedava forma aos estudos sobre a lite-ratura baiana, com a morte do Pro-fessor Hélio Simões, nosso antigocatedrático de Literatura Portugue-sa, propus um encontro sistemáticode professores da área, nascendoassim a AEPHS, Associação de Estu-dos Portugueses Hélio Simões,sediada no prédio da Biblioteca Cen-tral da UFBA. A associação reuniaparte do acervo bibliográfico do mes-tre e parte substancial dos seus do-

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cumentos acadêmicos. Em 1990,convidei o grupo de colegas reuni-dos na Associação para integrar oprojeto “Estabelecimento de umcorpus básico para a iniciação aoestudo da Literatura Portuguesa”. Aolado dos professores FranciscoFerreira de Lima, Maria de FátimaSouza Brito e José Carlos Sant’Annaenviamos um projeto coletivo aoCNPq, propondo como um dos prin-cipais resultados práticos do traba-lho a constituição de uma seleta detextos a serem postos em circulaçãoatravés do circuito de editoras uni-versitárias. No parecer de avaliação,o apoio foi negado sob o argumentode que já havia muitas seleções detextos disponíveis. Continuei então,sem o concurso dos outros docen-tes, desestimulados pela negativa, aaprofundar a ideia e a fazer as leitu-ras previstas. Como vinha orientan-

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do a bolsista de Aperfeiçoamento doCNPq Eneida Santana num outrotrabalho, transferi sua atuação parao redimensionamento do frustradoprojeto coletivo. No IV Seminário dePesquisa da UFBA tivemos oportu-nidade de apresentar um relato de-talhando os rumos da investigação.

Desfeita a possibilidade de um pro-jeto coletivo ou integrado, fui con-centrando a atenção em recortesmais delimitados, nascendo então oprojeto “A poesia portuguesa no fi-nal da Idade Média (Aspectos da suaressonância na lírica brasileira)”.Resultou numa seleção de textoscomentados, reproduzida para usodos estudantes do curso de gradua-ção em Letras da UFBA, bem comona apresentação do trabalhointitulado “A poesia portuguesa doséculo XV: texto recorrente (e olvi-dado) da lírica brasilusa”, como co-

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municação ao XV Encontro de Pro-fessores Universitários Brasileirosde Literatura Portuguesa, realizadoem outubro de 1994, no campus deAssis da UNESP.

Paralelo a esses estudos compara-dos entre literatura brasileira e por-tuguesa, persistia a velha ideia con-tida na proposta de “Estabelecimen-to de um corpus básico para a inici-ação ao estudo da Literatura Portu-guesa”. Observando a necessidade derecortar o universo de textos visa-dos, a proposta inicial evoluiu paraa constituição de um “Banco de Tex-tos da Literatura Portuguesa Medie-val”, tema e título do projeto apro-vado pelo Departamento de LetrasVernáculas em outubro de 1994. Osprimeiros passos do trabalho foramrelatados em comunicação apresen-tada à sessão temática “O ensino daliteratura: problemas e perspecti-

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vas”, durante o IV Seminário de Es-tudos Literários, realizado em outu-bro de 1994, no campus da UNESPem Assis, paralelamente ao XV En-contro de Professores Universitári-os Brasileiros de Literatura Portu-guesa. Resultou na edição de umcaderno de Textos Literários, parauso dos estudantes da disciplina Li-teratura Portuguesa I, além do livroainda inédito O trovadorismo ga-laico-português, submetido ao De-partamento de Letras Vernáculaspara integrar a coleção “Pré-Textos”,da EDUFBA, Editora da Universida-de Federal da Bahia.

Um “Banco de Textos da Literatu-ra Portuguesa Clássica”, compreen-dendo o Renascimento, o Barraco eo Arcadismo, está em fase inicial.Representando um seguimento domaterial do projeto anterior, deverá

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ser desenvolvido durante dois ou trêsanos.

Embora alguns textos da fase me-dieval e uns poucos da fase clássicajá estejam digitados e armazenadosem CD, necessitam de um tratamen-to adequado para a constituição deum banco de dados acessível a par-tir de entradas diversas como nomedo autor, tema, primeiro verso, pa-lavras-chave etc.

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OS LIMITESDA MEMÓRIA

Convém não alongar demasiada-mente o relato do que foi feito e pro-duzido durante a minha carreirauniversitária, deixando espaço paraa análise da pesquisa acadêmica eseus resultados, por parte de quemavalia.

Nos volumes subsidiários Docu-mentos de comprovação de ativida-des e Recolha Aleatória de Textos,onde constam papéis de naturezacomprobatória, usuais em concursosacadêmicos, dei ênfase a algumas

OS LIMITESDA MEMÓRIA

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reproduções de textos publicados,em detrimento às cópias de atesta-dos, certificados, frontispícios, fo-lhas iniciais de publicações e outrospapéis. Com a reprodução de algunstextos, em lugar da simples compro-vação, pretendi assegurar uma visãoincompleta, mas panorâmica, daprodução referenciada no Memoriale listada exaustivamente no Curri-culum Vitae.

Não obstante essa mostra deuma parte do que foi escrito, julgoconveniente, no período do Concur-so, colocar à disposição da BancaExaminadora, na Secretária do Ins-tituto de Letras da Universidade Fe-deral da Bahia, todo o material pu-blicado que tenho em meu poder:Livros, revistas e recortes de jornaise suplementos literários.

Como o número de artigos publi-cados é bastante significativo, foto-

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copiá-los, na totalidade, seria umatarefa de difícil execução. As pági-nas das publicações, especialmentede jornais e suplementos literários,não correspondem ao tamanho daspáginas usadas em material enca-dernado como este. Reproduzir ape-nas o título de cada um dos artigos,ou a folha inicial, seria um tantoredundante, pelo que preferi a solu-ção aqui adotada.

Por outro lado, julguei tambémdesnecessário fotocopiar os livrospublicados, em seis vias, conforme oestipulado pelo edital de abertura doConcurso, para alguns itens. Istotornaria o material ainda mais pe-sado. Fotocopiando as capas e par-tes comprobatórias, atendi ao dispo-sitivo legal.

No presente volume, como segun-da parte do Memorial, ou como umaespécie de anexo, apresento uma

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breve seleção de textos sobre a Lite-ratura Portuguesa, permitindo quea avaliação a que me submeto nãofique circunscrita à ótica da minhanarração, mas ofereça subsídios àperspectiva isenta de quem lê aamostra.

Como narrador envolvido e inte-ressado no destino do protagonistado Memorial posso perder a objetivi-dade e retorcer o viés. A memória,às vezes, ou melhor, quase sempre,recupera os fatos rescrevendo, subs-tituindo o que aconteceu pelo quedeveria ter acontecido.

Mesmo fazendo o esforço possívelpara ser objetivo e sustentando orelato em testemunhos de terceiros,a condução do foco é ainda subjeti-va. Creio que um apanhado breve detextos produzidos e publicados emmomentos diversos fala melhor doque o meu próprio discurso retros-

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pectivo, porque permite a avaliaçãodos defeitos e das qualidades sem queo desejo presente no meu relato in-terfira indevidamente.

Este Concurso Público tem umsignificado especial por ser o primei-ro que se realiza, na história da Uni-versidade Federal da Bahia, para Pro-fessor Titular de Literatura Portu-guesa. A antiga Cátedra da discipli-na foi instituída em 1941, com a cri-ação do Curso de Letras. A convitedo fundador da nossa Universidade,Reitor Edgard Santos, a titularidadeda mesma foi ocupada pelo Profes-sor Hélio Simões, Livre Docente e Ca-tedrático Interino de Neurologia daFaculdade de Medicina da Bahia.

Poeta e participante da geração“Arco & Flexa”, responsável pelaintrodução dos primeiros ecos mo-dernistas na Bahia, Hélio Simões

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transferiu-se da tradicional Facul-dade de Medicina, a mais antiga doBrasil, para a recém-fundada Facul-dade de Filosofia. A Faculdade deMedicina da Bahia, resultante doColégio dos Cirurgiões, criado com avinda da família real para o Brasil,funcionava no prédio do antigo Co-légio dos Jesuítas, no Terreiro deJesus, lugar emblemático, onde oPadre Antônio Vieira fez toda sua for-mação intelectual.

Depois das Cátedras de Literatu-ra Portuguesa de São Paulo e do Riode Janeiro, surgiu a da Bahia, es-tando o Professor Hélio Simões en-tre os pioneiros dos estudos portu-gueses no nosso país.

Por aqui passaram, como profes-sores convidados e companheiros deensino do nosso velho Catedrático,Hernani Cidade, Adolfo Casais Mon-

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teiro, Eduardo Lourenço e muitosoutros portugueses ilustres.

O Professor Hélio Simões repre-sentou uma página importante nahistória das relações luso-brasilei-ras. Ocupou a cadeira de LiteraturaPortuguesa deste a criação da mes-ma, quando ainda era um jovem, nacasa dos vinte anos, até a sua apo-sentadoria compulsória, aos seten-ta, em 1981.

Abre-se agora, pela primeira vez,um Concurso Público para preenchi-mento desta Cadeira. Bem verdadeque não mais a mesma Cátedra dostempos de antanho. Os velhos cate-dráticos foram substituídos pelosTitulares, designação menos carre-gada de tradições, direitos e deveres.

Embora não seja a mesma Cadei-ra – a de hoje não mais é reservada aum único estudioso, mas aberta atantos Professores Titulares quantos

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a produtividade do Departamentocomporte – minha candidatura repre-senta a possibilidade de ocupar umpouco, e incompletamente, o lugar dei-xado pelo Mestre Hélio Simões.

Muito ele fez, no que diz respeitoa promoção dos estudos portugue-ses no Brasil. Antecipando-se à nos-sa Associação de Professores Brasi-leiros de Literatura Portuguesa, Hé-lio Simões criou o Círculo de Estu-dos Portugueses, com o objetivo de“organizar eventos, promover coló-quios referentes ao mundo portugu-ês”, conforme registo nas páginas 97a 100 do número 39 da revista Oci-dente, de Lisboa.

Em 1959 ele coordenou o Coló-quio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, promovido pela Univer-sidade Federal da Bahia e pelaUNESCO.

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Encorajado pelos resultados ob-tidos pelo Colóquio Luso Brasileirode 1959, ele convocou os estudiososbrasileiros de Literatura Portugue-sa para um primeiro Encontro dedocentes. Ainda hoje, quando todosnós, professores universitários bra-sileiros de Literatura Portuguesa,nos reunimos nos tradicionais en-contros bianuais, estamos dandocontinuidade ao ritual criado peloDoutor Hélio Simões, aqui mesmo naBahia, no início dos anos sessenta.

Como homenagem ao velho Cate-drático e Titular primeiro nestas ter-ras da Bahia de Todos os Santos,encerro meu relato consignando apoesia e o nome do Professor DoutorHélio Simões.

Leia-se o poema “Duas cidades”,um momento de aproximação entreGuimarães e Brasília.

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DUAS CIDADES

Hélio Simões

Séculos caminharam sobre a pedra.O muro enegreceu.Branca a cidade medraentre o cerrado e o céu.

Guimarães é a pia batismale o castelo roqueiro.Aqui nasceu Afonso, o príncipe, Primeiroe ao desígnio de Deus que tudo impelenasceu com elePortugal.

Séculos caminharam sobre a pedra.O muro enegreceu...

Brasília é o crisma. Novoanseio de fé ardendo no planalto,confirmação de um povodo seu destino alto.

Branca a cidade medraentre o cerrado e o céu.

DUAS CIDADES

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Este livro eletrônico é osétimo da “Coleção Teal”.O primeiro touxe um diá-logo entre Franklin Macha-do e Guido Guerra intitu-lado Feira não perdoaquem não aceita con-venção.

O segundo volume éconstituido pela narrativaO bocado não é paraquem faz, de Euclides Ne-to, ficcionista da regiãocacaueira da Bahia.

O terceiro tem como tí-tulo – Jorge Amado: Daguerra dos santos à de-molição do eurocentris-mo.

O quarto volume éintitulado A timidez es-condida, contendo um di-álogo entre os escritoresGuido Guerra e Cid Seixas.

Cyro de Mattos, é o au-tor do quinto volume, como livro Nos tempos dotrabuco.

Três histórias, de Ri-cardo Brugni-Cruz, é o sex-to da série.

O sétimo é este Memo-rial, de Cid Seixas.

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https://issuu.com/ebook.br/docs/1memorialhttp://www.e-book.uefs.br

http://www.linguagens.ufba.br

EDITORA UNIVERSITÁRIADO LIVRO DIGITAL

e-book.br

MEMORIAL

O texto deste Memorial foiapresentado à banca examinado-ra do concurso público para Pro-fessor Titular de Literatura Por-tuguesa da Universidade Fede-ral da Bahia, realizado em outu-bro de 1999. Ao publicá-lo ago-ra, vinte anos depois, em formade livro eletrônico, o objetivo édeixar registrados os fatos e epi-sódios vividos pelo autor ao lon-go da sua vida acadêmica.

MEMORIAL