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47 C onter o incontível: onter o incontível: onter o incontível: onter o incontível: onter o incontível: apontamentos sobr apontamentos sobr apontamentos sobr apontamentos sobr apontamentos sobre os conceitos de e os conceitos de e os conceitos de e os conceitos de e os conceitos de ‘estrutura’ ‘estrutura’ ‘estrutura’ ‘estrutura’ ‘estrutura’ e ‘espontaneidade’ em Gr e ‘espontaneidade’ em Gr e ‘espontaneidade’ em Gr e ‘espontaneidade’ em Gr e ‘espontaneidade’ em Grotowski otowski otowski otowski otowski T atiana Motta Lima A Tatiana Motta Lima é atriz, professora de Interpretação da UNI-RIO e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Teatro da mesma Universidade. 1 Thomas Richards e Mario Biagini são, respectivamente, o diretor geral e o diretor associado do Work- center of Jerzy Grotowski and Thomas Richards, localizado em Pontedera, Itália. No Workcenter se desen- volvem, atualmente, pesquisas em torno da “arte como veículo” (desde 1986) e em torno do “Project The Bridge: Developing Theatre Arts”. No projeto “The Bridge”, intenta-se, através do artesanato ligado às artes performáticas, estabelecer uma ponte entre a “arte como veículo” e o teatro. One Breath Left, Uma lata existe para conter algo, mas quando o poeta diz “Lata” pode estar querendo dizer o incontível. [...] Na lata do poeta tudo-nada cabe, pois ao poeta cabe fazer com que na lata venha a caber o incabível (Gilberto Gil). Intr Intr Intr Intr Introdução odução odução odução odução s palavras ‘partitura’, ‘estrutura’, ‘vida’ e ‘es- pontaneidade’ estão presentes em grande parte dos textos e práticas que se debru- çam sobre o trabalho do ator. Também as palavras ‘impulso’, ‘ação física’, ‘organici- dade’, ‘precisão’. Essas palavras tornaram-se in- dispensáveis no léxico de um certo tipo de tea- tro preocupado com o ator; entretanto elas têm sido usadas freqüentemente como se fossem auto-explicáveis e, por esse motivo, têm servido de referência a inúmeros procedimentos artísti- cos, mesmo antagônicos. Além disso, como se configuram como ‘palavras de ordem’, não pa- rece muito elegante perguntar o seu significa- do, uma vez que todos deveríamos saber do que estamos falando. Temos o direito de usar as palavras como assim nos aprouver e sabemos que, algumas ve- zes, leituras a princípio equivocadas podem le- var a experiências artísticas bastante interessan- tes. Por outro lado, lançar certas questões sobre palavras que parecem já compreendidas ou dis- cordar de certas ‘leituras’ pode ser um exercício que, além de interessante, colabore para levar inquietação e novos estímulos para as nossas sa- las de trabalho e nossos próximos textos. É a esse exercício que pretendo me dedicar neste artigo. Muitas das palavras enumeradas acima são encontradas nos textos de Grotowski e cita- das, quase sempre, tendo explícita ou implici- tamente o artista polonês como referência. Pro- porei assim alguns caminhos de abordagem dos conceitos a partir da obra escrita de Grotowski, de Thomas Richards e de Mario Biagini. 1 Bus- carei analisar certas definições correntes, apon-

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  • CCCCC onter o incontvel...

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    CCCCC onte r o i n con t v e l :on te r o i n con t v e l :on te r o i n con t v e l :on te r o i n con t v e l :on te r o i n con t v e l :apon tamen to s sob rapon tamen to s sob rapon tamen to s sob rapon tamen to s sob rapon tamen to s sob re o s conce i t o s dee o s conce i t o s dee o s conce i t o s dee o s conce i t o s dee o s conce i t o s de e s t ru tu r a e s t ru tu r a e s t ru tu r a e s t ru tu r a e s t ru tu r a e e spon tane idade em Gre e spon tane idade em Gre e spon tane idade em Gre e spon tane idade em Gre e spon tane idade em Gro t o w s k io t o w s k io t o w s k io t o w s k io t o w s k i

    TTTTT atiana Motta Lima

    A

    Tatiana Motta Lima atriz, professora de Interpretao da UNI-RIO e doutoranda do Programa dePs-Graduao em Teatro da mesma Universidade.

    1 Thomas Richards e Mario Biagini so, respectivamente, o diretor geral e o diretor associado do Work-center of Jerzy Grotowski and Thomas Richards, localizado em Pontedera, Itlia. No Workcenter se desen-volvem, atualmente, pesquisas em torno da arte como veculo (desde 1986) e em torno do ProjectThe Bridge: Developing Theatre Arts. No projeto The Bridge, intenta-se, atravs do artesanato ligados artes performticas, estabelecer uma ponte entre a arte como veculo e o teatro. One Breath Left,

    Uma lata existe para conter algo, mas quando opoeta diz Lata pode estar querendo dizer oincontvel. [...] Na lata do poeta tudo-nadacabe, pois ao poeta cabe fazer com que na latavenha a caber o incabvel (Gilberto Gil).

    In t rInt rInt rInt rInt roduooduooduooduooduo

    s palavras partitura, estrutura, vida e es-pontaneidade esto presentes em grandeparte dos textos e prticas que se debru-am sobre o trabalho do ator. Tambm aspalavras impulso, ao fsica, organici-

    dade, preciso. Essas palavras tornaram-se in-dispensveis no lxico de um certo tipo de tea-tro preocupado com o ator; entretanto elas tmsido usadas freqentemente como se fossemauto-explicveis e, por esse motivo, tm servidode referncia a inmeros procedimentos artsti-cos, mesmo antagnicos. Alm disso, como seconfiguram como palavras de ordem, no pa-

    rece muito elegante perguntar o seu significa-do, uma vez que todos deveramos saber do queestamos falando.

    Temos o direito de usar as palavras comoassim nos aprouver e sabemos que, algumas ve-zes, leituras a princpio equivocadas podem le-var a experincias artsticas bastante interessan-tes. Por outro lado, lanar certas questes sobrepalavras que parecem j compreendidas ou dis-cordar de certas leituras pode ser um exerccioque, alm de interessante, colabore para levarinquietao e novos estmulos para as nossas sa-las de trabalho e nossos prximos textos. a esseexerccio que pretendo me dedicar neste artigo.

    Muitas das palavras enumeradas acimaso encontradas nos textos de Grotowski e cita-das, quase sempre, tendo explcita ou implici-tamente o artista polons como referncia. Pro-porei assim alguns caminhos de abordagem dosconceitos a partir da obra escrita de Grotowski,de Thomas Richards e de Mario Biagini.1 Bus-carei analisar certas definies correntes, apon-

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    tando o que vejo como problemas e deixandoalgumas questes.

    Um primeiro problema que localizo notratamento dado ao vocabulrio grotowskiano que esse vocabulrio aparece, muitas vezes, sepa-rado das investigaes s quais esteve relaciona-do.2 Essa operao de retirada dos termos da suarelao com experincias prticas especficaspode gerar algumas incompreenses. A mais pro-blemtica delas aquela que toma as idias deGrotowski como fazendo parte de um conjuntohomogneo e sem contradies. Ora, Grotowskirechaou, abandonou, transformou, renomean-do ou no, vrios de seus conceitos no curso desua investigao. E no estou falando apenas dasmudanas ocorridas nos perodos que o prprioGrotowski classificou como as diferentes fases desua vida artstica3 A arte como apresentao,o parateatro, o Teatro das fontes e A arte comoveculo4 , mas, principalmente, das transforma-es pelas quais passaram os conceitos (e as pr-ticas) dentro de cada uma dessas fases.

    Essa homogeneidade pressuposta dos tex-tos impede, inclusive, que se perceba uma dascaractersticas mais interessantes de Grotowskienquanto terico: o fato dele realizar, quase acada novo texto, um efetivo dilogo com seusprprios textos anteriores; retomando, de ma-

    neira explcita ou no, seus prprios conceitospara critic-los, transform-los e mesmo reexpli-c-los, seja luz de novas experincias realiza-das em sala de trabalho, seja ainda luz do quepercebeu como possveis erros de leitura aosquais seus conceitos teriam sido submetidos.

    Uma leitura homogeneizadora acaba, as-sim, por reunir, em uma mesma formulao esob um mesmo nome, conceitos diferentes pro-venientes de experincias diversas e, o que pior, conceitos que s vezes esto, na prpriaobra de Grotowski, em oposio. Essa operaod origem a conceitos Frankenstein que defi-nitivamente no nos fazem avanar.

    Ao ler Grotowski preciso estar atentotambm ao fato de que, em certos momentos,ele mantm termos j utilizados anteriormente,mas altera consideravelmente seu sentido. As-sim, o que ele entende por forma em um certomomento pode ser bastante diferente do quepreconiza em um outro. Isto se explica porqueo termo forma no est solto em sua obra, masligado sua trajetria de investigao e ao di-logo que realiza com seus leitores. No deve-mos, portanto, inferir que palavras semelhantesdesignem conceitos semelhantes. Entre os ter-mos e os conceitos h todo um trabalho queprecisa ser realizado.5

    Dies Ir e Dies Ir: My Preposterous Theatrum Interioris Show foram as obras produzidas, at agora, poresse projeto. Richards e Biagini, alm de seu trabalho prtico, do conferncias, tm livros, artigos e/ouentrevistas publicados.

    2 No estou dizendo que os textos de Grotowski respondam, imediatamente, s mudanas ocorridas nasua investigao prtica, e nem mesmo que sejam todos eles testemunhos da trajetria dessas investiga-es. De fato, existem, ainda que em nmero reduzido, textos nos quais ele revela mais desejos do quede prticas efetivamente experimentadas. No estou tambm afirmando que se chegar a compreendertotalmente as investigaes prticas de Grotowski somente atravs do estudo de seus textos. Salientoapenas que, mesmo se a relao entre texto e cena no direta, no h dvida que, no esforo de tecera trama dessa relao, nos aproximamos de forma mais pertinente tanto dos conceitos quanto das pr-ticas de Grotowski.

    3 Ver a parte IV do texto De la compagnie thtrale lart comme vhicule, texto de Grotowski includono livro Travailler avec Grotowski sur les actions physiques de Thomas Richards.

    4 Uma introduo Arte como veculo, em portugus, pode ser encontrada em Motta Lima (1999) eem Calvert (2002).

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    Os conceitos de estrutura e espontanei-dade foram escolhidos como o centro da inves-tigao deste artigo. Alm de serem conceitosnucleares na obra de Grotowski que, portanto,dialogam com inmeros outros, eles permitemtambm que percebamos mais claramente osproblemas de uma leitura homogeneizadora.Permitem, em outras palavras, que coloquemosrapidamente o dedo na ferida.

    Tentarei, por diferentes caminhos, cercara terminologia, aproximar-me dos conceitos poruma via que aceitar os paradoxos e as dvidase que no espera dar conta do todo; e, emborarelacione terminologia e processos artsticos naobra grotowskiana, no seguirei todo o tempouma temporalidade seqencial na exposio doproblema.

    As palavras estrutura e espontaneidadee seus, por vezes, respectivos sinnimos, parti-tura e forma, para uma e vida e organicida-de para outra, quando aparecem no dia-a-diade trabalho de um ator que se interessa pela pes-quisa de seu ofcio, esto, muitas vezes, reves-tidas de um certo peso moralizante. So enten-didas como obrigaes do bom ator que, assim,teria que encontrar o mais rpido possvel osmeios (e mtodos) de realiz-las em sua prtica.O devemos ter uma partitura e o devemos es-tar vivos em cena acabam, ento, escondendoo que seriam, talvez, as questes mais interes-santes. Questes que no se submetem a proce-dimentos produtivos e nem a mtodos estan-

    ques e que dizem respeito investigao prticaincessante do que vem a ser essa vida e essa es-trutura, de qual a sua inter-relao (j que setrata de um binmio) e sua importncia.

    Em o Teatro Morto,6 Brook falava deum teatro que est o tempo todo andando sobum fio de navalha estendido entre a mecanici-dade e a experincia viva. Aquilo que mec-nico, morto, no fixaria casa apenas em algunstipos de teatro, em alguns atores ou mtodosde aprendizagem. Nem o que vivo estaria se-guro de uma vez por todas quando optamos porum certo tipo de fazer teatral mais investigativo.Brook, em vez de conceituar uma certa noode teatro, acaba, ao contrrio, por espraiar omorto e o vivo por todos os lugares e momen-tos, convidando-nos a uma busca incessantepelo segundo. Se aceitarmos sua concepo, oteatro que no se quer morto ter que traba-lhar sob a gide dos ajustes e transformaes,sob a gide de um certo tipo de instabilidade. E s em estreita relao com essa busca por umteatro vivo que podemos nos aproximar dosconceitos de estrutura e espontaneidade emGrotowski.

    O que seria, ento, uma estrutura, ten-do em vista essa busca? O que se estrutura?Quando? Por qu? Ao responder a essas pergun-tas e ao propor uma certa via de leitura do bin-mio estrutura/espontaneidade, corre-se o riscode, no desejo de explicar, acabar por esterilizaros conceitos. Impus-me, ento, duas regras que

    5 Um outro problema para ler Grotowski que tambm est relacionado com a confuso entre termose conceitos a interseo que tem sido feita, de maneira um tanto apressada, entre sua obra e a deEugenio Barba. Efetivamente, Barba tomou parte, principalmente nos primeiros anos, do trabalho deGrotowski: foi seu assistente de direo nas montagens de Akrpolis e na primeira verso de Dr. Faustus,e auxiliou na divulgao da obra do artista polons, tendo editado, pelo Odin Teatre, em 1968, o livroEm Busca de um Teatro Pobre. Alm disso, Barba se manteve em contato com as pesquisas desenvol-vidas por Grotowski ao longo das fases de trabalho do artista polons. Mas esses fatos no nos permi-tem inferir que a terminologia e as prticas grotowskianas devam ser vistas como referidas quelas deBarba, ou vice-versa. Creio mesmo que fazer atritar os conceitos de Barba e Grotowski referidos, svezes, a uma terminologia semelhante ajudaria a perceber diferenas fundamentais entre essas duasobras e a localizar melhor a contribuio de cada um desses artistas.

    6 Primeiro captulo do livro O Teatro e seu Espao, de Peter Brook.

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    pretendo seguir o mais fielmente possvel. A pri-meira de que os conceitos, se aparecerem, se-ro o resultado esperado, mas no evidente de um processo de indagao e crtica, processoem curso muito antes da escrita deste texto.Busca-se, ento, trazer no bojo dos conceitos,no um entendimento estril ou erudito, masuma inquietao e instabilidade quilo que pen-svamos j ter entendido ou realizado. A se-gunda regra a de no trabalhar com vistas dicionarizao mas, num vaivm entre as ex-perincias prticas e a terminologia, ver comoum artista filia certas experincias a conceitosna tentativa de nomear aquilo que foi realizadoe, ao mesmo tempo, de dialogar com outros queesto do lado de fora das prticas experimenta-das. Creio que esse procedimento ajudar naformulao de perguntas dirigidas nossa pr-pria prtica artstica.

    Seguirei a trajetria do binmio estru-tura/espontaneidade no percurso artstico deGrotowski, concentrando-me nos seguintes pe-rodos: entre os anos de 1959 e 1969 (a chama-da fase teatral) e no perodo relacionado s in-vestigaes do Workcenter of Jerzy Grotowski, quefoi inaugurado em 1986. Para analisar essesltimos anos, utilizarei textos, entrevistas e con-ferncias de Richards e Biagini, alguns delesrealizados mesmo aps a morte de Grotowski,em 1999.

    O artigo est dividido em quatro sees:as trs primeiras referem-se a trs momentosde conceituao do binmio na fase teatral e altima investiga o binmio a partir de certasnoes utilizadas no Workcenter.7

    Seo ISeo ISeo ISeo ISeo I

    Nos seus primeiros textos,8 ao traar um para-lelo entre teatro e ritual, Grotowski fazia umelogio da artificialidade. No ritual, ele iden-tificava um sistema de signos abreviado, defi-nido a priori, e, portanto, convencional, arti-ficial. Tambm a teatralidade se distinguiria davida de todo dia por ser produtora de signos.Grotowski fazia uma diferena entre o que cha-mava de lgica da forma, justificada pelas leisda teatralidade e baseada na construo designos, e lgica da vida corrente que, no sen-do estruturada, no seria, portanto, artstica(Grotowski, 2001 [dez. de 1960], p. 42-3).9 As-sim, o teatro, naquele momento, era definidocomo um espao de construo, de estrutu-rao e de artificialidade.

    Essa teatralidade, nos primeiros espet-culos, era buscada eqitativamente em todos oselementos da mise-en-scne, no havendo ne-nhuma nfase particular sobre o trabalho doator. Foi s em Shakuntala,10 quarto espetculo

    7 Estarei analisando textos de Grotowski, Richards e Biagini, escritos em diversas lnguas. Para facilitar aleitura deste artigo, optei por traduzi-los, responsabilizando-me, assim, por possveis incorrees. Tam-bm farei a traduo de outros textos em lngua estrangeira que venha a citar ao longo do artigo.

    8 Refiro-me, principalmente, aos textos Giochiamo a Siva e Farsa-Misterium, ambos de 1960, e LaPossibilit del Teatro que, at a publicao do livro Il Teatr Laboratorium di Jerzy Grotowski 1959-1969, em 2001, estavam inacessveis ao leitor no familiarizado com a lngua polonesa. Alm disso,Farsa-Misterium e La Possibilit del Teatro faziam parte do arquivo pessoal de Ludwik Flaszen, co-fundador do Teatro das 13 Fileiras e no haviam sido publicados nem mesmo na Polnia.

    9 Utilizarei colchetes [ ] para informar ao leitor a primeira data referente citao utilizada, seja a data daprimeira publicao, seja a data da entrevista ou conferncia que esteve na origem dessa publicao.

    10 Shakuntala, antigo drama ertico indiano escrito por Kalidasa, estreou em 13 de dezembro de 1960.Antes disso, o Teatro das 13 Fileiras, inaugurado em 1959, j tinha apresentado Orfeu de Jean Cocteau,Cain de Byron e Mistrio Buffo de Mayakovski.

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    de Grotowski frente do ento Teatro das 13Fileiras, que aquela artificialidade comeou aser trabalhada atravs da partitura de signos vo-cais e corporais do ator: ... Aparecia a partitu-ra do ator, minuciosa, matematicamente exata[...] O corpo-voz (Flaszen, 2001, p. 24). Nessemomento, apareceu tambm a noo de umator-feiticeiro, construtor de signos que pro-vocariam associaes no psiquismo da platia;11

    signos sonoros e corporais fixados precisamenteem uma partitura. Como um feiticeiro, o atordeveria conhecer e controlar seus instrumentos,seu corpo e sua voz, de maneira a que pudes-sem fugir da esfera do cotidiano e, aventuran-do-se em posies, gestos e entonaes inusuais,causar impacto profundo na imaginao doespectador.

    Nesses primeiros anos da dcada de 1960,as palavras habilidade, efeito, truque eramutilizadas de maneira elogiosa por Grotowskiquando referidas ao trabalho do ator,12 pois oartista entendia que, para ser produtor daquelessignos, o ator deveria, assim como o feiticeiro,possuir um arsenal de instrumentos a serem uti-lizados quando necessrio. No de se estra-nhar, portanto, que exatamente poca deShakuntaka se inicie o treinamento vocal e cor-poral dos atores do Teatro das 13 Fileiras. Essetreinamento, ao contrrio do que ocorrer umpouco mais tarde, estava extremamente vincu-

    lado tanto s necessidades especficas de cadaespetculo quanto instrumentalizao do ator,que deveria ser capaz de, com seu corpo e voz,sair das esferas da expressividade cotidiana eaventurar-se na produo dos signos, entendi-dos como gestos e sons capazes de tocar o in-consciente coletivo13 dos espectadores.

    Nesse primeiro momento, a partituraera, portanto, um conjunto de signos vocais ecorporais, repetidos pelo ator habilidoso demaneira precisa e, mesmo, como pontua Flas-zen, matemtica. Os signos se diferenciariamda gestualidade cotidiana, instaurando umalgica da forma capaz de afetar ao mesmo tem-po ntima e coletivamente a comunidade deespectadores. Podemos perceber, assim, que oalvo mais evidente da partitura era, nesse mo-mento da trajetria artstica de Grotowski, aplatia: buscava-se impact-la atravs dos sig-nos produzidos.

    Grotowski fez, explcita ou implicitamen-te, em inmeros textos posteriores, crticas a esseperodo de sua investigao, ou pelo menos aalguns dos pressupostos de trabalho presentesnaquele momento. Uma facilmente localizvel aquela que se refere busca, pelos atores, deum arsenal de habilidades e, tambm, de umvirtuosismo tcnico. Segundo Grotowski, visan-do habilitar-se para seu trabalho, o ator esta-ria, muitas vezes, reforando a diviso entre ele

    11 O gesto ou entonao do ator estariam associados a um modelo de gesto ou encantao, associado(s)a qualquer coisa que tenha um significado universal [...]. Penso em uma arte do ator que atravs daaluso, da associao, do aceno com o gesto ou com a entonao se refira aos modelos formados naimaginao coletiva. (Grotowski, 2001 [fev. de 1962], p. 78).

    12 [...] aquilo que artstico, que arte, artificial [...] como uma demonstrao de habilidade, pode serexaminado como puro efeito (fsico ou vocal) [...] so possveis e mesmo convincentes os truques doator que consistem em contrapor a palavra e o movimento [...] (Grotowski, 2001[fev. de 1962],p. 77-78).

    13 Grotowski define, assim, inconsciente coletivo: [...] no significa aqui (diferentemente da escolajunguiana) uma qualquer psiqu supra individual, mas funciona como uma metfora operativa; trata-se da possibilidade de influir sobre a esfera inconsciente da vida humana numa escala coletiva (2001[fev.de 1962], p. 53).

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    mesmo e seu organismo. Produzir-se-ia, assim,um corpo domesticado, no liberado para aspossibilidades do processo criativo.14

    Pode-se inferir que ao criticar uma certarelao do ator com o seu corpo e sua voz, rela-o que geraria entraves ao processo criativo,Grotowski estava, ao mesmo tempo, criticandoa partitura que tinha sido estruturada com basenessa mesma relao. Isso ficar mais evidentequando analisarmos, mais adiante, os novosconceitos de partitura surgidos entre Shakun-tala e os ltimos anos da dcada de 1960.

    Para finalizar essa primeira seo, citouma crtica contundente que Grotowski fez, emtexto de 1968, Shakuntala, crtica que revelatanto a direo do trabalho realizado no espet-culo, quanto aquilo que o artista percebeu comoerros que foram posteriormente retificados.

    [...] Ns montamos um espetculo, Shakun-tala de Kalidasa, onde investigamos a possi-bilidade de criar signos no teatro europeu.[...] O espetculo efetivamente era construdocom pequenos signos gestuais e vocais. [...]O espetculo foi realizado, era uma obra sin-gular, dotada de um certo poder de sugesto.Mas eu percebi que era uma transposio ir-nica de todos os esteretipos possveis, detodos os clichs possveis; cada um desses ges-tos, desses ideogramas propositalmente cons-trudos era, no fundo, o que Stanislavski cha-mava: clichs gestuais; no havia, na verda-de, eu amo com a mo sobre o corao, mas,definitivamente, se reduzia a algo parecido.Tornou-se claro que no era este o caminho(Grotowski, 2001 [out. de 1968], p. 144-5).

    Quando Grotowski comparava os signosproduzidos em Shakuntala com aquilo que

    Stanislavski nomeou clichs gestuais, podemosdeduzir, para o tema deste artigo, que os atoresmantinham com as suas partituras, apenas umvnculo formal. Quero dizer com isso que asformas finais no eram influenciadas pelo fluxode imagens ou de aes atorais, mas podiam serdescritas quase como fotografias reproduzidas aposteriori por msculos bem treinados que des-conheciam porque no reatualizavam ossentidos das imagens que reproduziam. Osclichs, nesse caso, poderiam tambm estar re-lacionados a uma certa fixidez da ateno dosatores: preocupados em reproduzir as formasmusculares que haviam sido estabelecidas, elesacabavam impedindo que as transformaesinerentes dinmica da vida psicofsica parti-cipassem da partitura. Se observarmos as fotosdo espetculo Shakuntala,15 podemos perceberessa gestualidade da qual falava Grotowski: osatores esto como que parados em certas posesou posies inusuais.

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    At Shakuntala, o conceito de partitura ou deforma no se relacionava com o conceito de es-pontaneidade. Essa relao s comea a apare-cer nos textos de Grotowski a partir de 1962, e,inicialmente, de maneira tmida. A primeira re-ferncia est, salvo engano, no texto La Possi-bilit del Teatro, no qual Grotowski dizia que,a partir de um aprendizado prtico, teria chega-do concluso que a escola de viver o papel ou seja, a escola de Stanislavski tem um pou-co de razo, que forma era necessrio aliar oque chamava, naquele momento, de empenhointerior, inteno consciente, ou associaesntimas do ator (2001[fev. de 1962], p. 77).

    14 Ver o texto de Grotowski Los Ejercicios, na Revista Mscara de 1993. Esse mesmo texto est publica-do, em italiano, no livro Il Teatr Laboratorium de Jerzy Grotowski 1959-1969, de 2001. Acreditoque esse seja um texto fundamental para analisar a noo de corpo em Grotowski.

    15 Podem-se ver essas fotos nos livros Le Thtre Laboratoire, de 1979 e Jerzy Grotowski: Zrdla,inspiracje, konteksty, de 1998.

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    Grotowski afirmava ainda que esse em-penho interior deveria acontecer no s duran-te o trabalho de composio, mas tambm nomomento de realizao da partitura. Aqui, eleparece tambm concordar com Stanislavskiquando este opunha arte da representao aarte da vivncia. Na primeira, o viver o pa-pel ocorria apenas como preparativo para oaperfeioamento de uma forma exterior, seriaapenas uma fase preparatria numa elaboraoartstica mais ampla; j na segunda, o viver opapel era considerado o instante primordial dacriao e, portanto, deveria ocorrer todas asvezes que o ator interpretasse seu personagem,fosse nos ensaios ou nas apresentaes16 (Stanis-lavski, 1984, p. 47).17

    Antes de 1962, no havia, no trabalho deGrotowski, uma relao entre a partitura e

    aquilo que poderamos chamar de subjetivida-de, pessoalidade ou interioridade do ator. Fois a partir desse momento que processo pes-soal e articulao formal (Grotowski, 1987[1965], p. 15)18 comearam a aparecer comoduas faces de uma mesma moeda, ainda que es-sas faces, esses dois plos do binmio, assumam,com o passar dos anos, diferentes configuraes.

    Nos textos escritos entre 1962 e 1965, jpodemos ver algumas dessas configuraes. EmO Novo Testamento do Teatro,19 de 1964,por exemplo, ainda so fortes ao menos naterminologia empregada os ecos das experin-cias anteriores. Grotowski definia a artificia-lidade de maneira semelhante quela que vimosem Shakuntala, como um problema de ideo-gramas [...] que evocam associaes no psiquis-mo da platia, mas, esse ideograma comeava

    16 Quando retiramos os termos estrutura e espontaneidade de sua relao permanentemente dinmica epolar, acabamos tambm por nos aproximar dessa escola da arte da representao. As experinciassensveis, imagticas e relacionais do ator seriam utilizadas para dar vida a certas formas que, quandoprontas, necessitariam apenas ser bem realizadas, mas no mais reatualizadas, a partir da relao doator com o seu ambiente, no momento da sua realizao.

    17 A diferenciao entre arte da vivncia e arte da representao pode ser lida como referida a doismodos distintos de convivncia entre as noes de estrutura e espontaneidade. Pode-se encontrar essadiferenciao no captulo Quando Atuar uma Arte da Preparao do Ator de Stanislavski. Parauma leitura mais fidedigna, sugiro o captulo Arte de la Escena y Oficio de la Escena no livro ElTrabajo del Actor sobre si mesmo Tomo I. A traduo, nesse caso, foi feita diretamente do originalrusso.

    18 Alm desses termos, Grotowski tambm utilizou, poca, entre outros, artificialidade, composioartificial e disciplinas externas para o primeiro, e autopenetrao, tcnica interior e processo inte-rior para o segundo. Nessa poca, a interioridade do ator passou, paulatinamente, a fazer parte doprocesso de trabalho, que se modificou inteiramente. Nos ensaios de Dr. Faustus, espetculo de 1963,Grotowski comeou a trabalhar com cada ator individualmente, desenvolvendo procedimentos quedependiam significativamente da relao estabelecida com cada um. O trabalho do ator santo eraentendido como um trabalho de confisso, e a cena era construda no embate com as associaespessoais, com as vivncias de cada ator. O treinamento se tornou cada vez menos vinculado ao espet-culo e passou a ser visto como um lugar de pesquisa ntima do ator, um lugar que acolhia as experinci-as pregressas do ator, possibilitando tambm o nascimento de novas experincias.

    19 Esse texto faz parte do livro Em Busca de um Teatro Pobre. Trabalharei com alguns textos desse livropublicado em 1968. Advirto o leitor de que o livro no ser pensado como um todo orgnico, isentode contradies. Os textos, entrevistas e relatos que o compem foram escritos em anos diferentes e,assim, trabalham com conceitos referidos a experincias e dilogos diversos. Cada captulo do livroser, portanto, investigado como uma unidade em separado, mas que, claro, ilumina outra unidadepor continuidade, oposio ou reconfigurao.

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    a ter uma funo tambm junto s motivaesescondidas do ator, transmitindo-as instanta-neamente ou lutando contra elas (Grotowski,1987[1964], p. 33-4). Nesse mesmo texto,Grotowski tambm revelava procedimentos queparecem semelhantes busca pelos signos oci-dentais realizada em Shakuntala, como o pro-cedimento de estabelecer, ao buscar a artificia-lidade, uma miniatura de tabela para cadaparte do nosso corpo. Porm, essa rigidez nasdisciplinas externas apresentada como umpar exigido absoro no que est escondidodentro de ns (Grotowski, 1987[1964], p. 34).O novo conceito de forma, que agora fazia par-te de um binmio, demandava a modificaode antigas noes. Grotowski mantinha parteda terminologia anterior, como o termo artifi-cialidade mas, comeava a reconceitu-la, aretir-la daquele contexto de investigao apre-sentado na primeira seo deste artigo.

    No artigo Em Busca de um Teatro Po-bre, de 1965, Grotowski assinalava, ainda, umaoutra qualidade do binmio: a tenso trops-tica entre as unidades que o compunham. Estatenso esteve, a partir de ento, todo o tempopresente na sua obra escrita. Grotowski diziaque a forma como uma sedutora armadilha qual o processo responde instantaneamente,contra a qual luta (1987[1965], p. 15; grifomeu). Richards, trinta anos depois, falava dessemesmo paradoxo do mtier do ator, pois, afir-mava que era somente a partir da luta de duasforas opostas, que nomeou forma e fluxo davida, que o equilbrio da vida cnica poderiaaparecer (Richards, 1995, p. 50). Voltaremos,

    mais adiante, a essa noo. Por hora, ressaltoapenas que, para Grotowski, naquele momen-to, no havia uma contradio entre a tcnicainterior e o artifcio. Ele acreditava que o pro-cesso interior do ator no s suportava a artifi-cialidade, como necessitava dela para existir eexpandir-se. Em momentos chaves, a interio-ridade amalgamava-se com o artifcio: O ho-mem em um estado espiritual elevado no secomporta naturalmente, usa smbolos20 articu-lados ritmicamente... (1987[1965], p. 15).

    guisa de concluso desta seo, creioque podemos entender melhor os termos da-quele binmio, nessa poca especfica, se acei-tarmos que navegavam entre pelo menos doiseixos conceituais. Por um lado, a forma estavarelacionada ao espectador; buscava-se, atravsdela, afetar seu psiquismo e transmitir-lhe asmotivaes secretas do ator. Por outro lado, aforma tambm operaria e seria mesmo fun-damental no mbito do trabalho do prprioator, j que ela suportaria, reforaria e expandi-ria o processo interior.

    Outra especificidade que percebo nobinmio espontaneidade/estrutura, nos textosdatados de 1963 a 1965, sua similaridade como que nomeamos classicamente de interno/ex-terno ou de contedo/forma. Embora propo-nha entrelaamentos interessantes paradoxais,no-lineares entre esses dois plos, Grotowskiacabava trabalhando com a imagem de um cer-to interior do ator que estaria encoberto (tal-vez informe, desencarnado) esperando para serpenetrado, e oferecido ao exterior de maneiraestruturada.21 Como veremos adiante, esse

    20 Grotowski, ao explicar sua noo de smbolo, afastou-a dos smbolos hieroglficos do teatro orien-tal. Dizia que, no teatro oriental, os smbolos eram inflexveis, como o alfabeto, mas que, no seutrabalho, eles eram a articulao da psicofisiologia particular do ator (1987[1965], p. 21). Nessemesmo texto, mais adiante, smbolo se apresentava quase como sinnimo de impulso: Grotowskidizia procurar a quintessncia dos smbolos pela eliminao daqueles elementos do comportamentonatural que obscurecem o impulso puro (1987[1965], p. 16; grifo meu). Por essas citaes, pode-seperceber a diferena entre esse momento e aquele de Shakuntala. Em 1965, a busca era psicofsica:noo de oganicidade comeava a fortalecer-se.

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    binmio foi trabalhado de maneira diferentenos anos seguintes, principalmente aps a ex-perincia do espetculo O Prncipe Constante.

    Em texto do incio da dcada de 1970,Grotowski parecia criticar exatamente aquela di-cotomia de seus textos (e, quem sabe, tambmas leituras de sua obra que se aprisionavam nes-se perodo e nessa nomenclatura) quando criti-cava a expresso se abrir:

    Ns camos todos em tentao, e tambmeu, por essa palavra mgica, se abrir. Mas, apartir do momento que ns dizemos se abrirns camos na cova dessa tradio milenarque, a despeito da todas as suas vitrias, ape-sar de toda sua fecundidade, nos mutila: aque-la que diz que o homem se divide entre o que interior e o que exterior, o intelecto e ocorpo, etc. Na verdade, quando dizemos seabrir, queiramos ou no, dizemos que em

    ns, bem no fundo, h algo que precisodeixar sair e oferecer aos outros; que o interiore o exterior existem como duas coisas distin-tas [...] um pouco para evitar agir com todoo seu ser [...], inteiramente ([dez. de 1970]1973, p. 10).

    Seo I I ISeo I I ISeo I I ISeo I I ISeo I I I

    Para continuar a investigao sobre o binmioestrutura/espontaneidade atravs das investiga-es prticas do Teatro Laboratrio, importan-tssimo referirmo-nos aos textos escritos entre1966 e o final da dcada de 1960,22 textos semdvida ligados a algumas descobertas feitas aolongo do trabalho sobre os espetculos O Prn-cipe Constante23 e Apocalipsys cum Figuris.24

    Existe um conceito-chave25 na leituradesses textos, conceito que se relacionava com

    21 Estou sintetizando as experincias riqussimas desse perodo que gerou espetculos como Akrpolis eDr. Faustus. Isso se faz necessrio no mbito de um artigo, mas preciso ressaltar que o perodo entre1962 e 1965 foi um perodo de transformaes profundas e inmeras descobertas tanto no mbito dotrabalho do ator, como naquele da relao com o espectador.

    22 No livro Em Busca de um Teatro Pobre, penso em O Discurso de Skara, O Encontro Americano,A Tcnica do Ator e em Ele no era inteiramente ele. Penso ainda, em alguns textos do final dadcada de 1960 principalmente Teatro e Rituale nos quais Grotowski fez um certo balano desua trajetria teatral. Outros textos importantes para entender essa poca esto no livro The GrotowskiSourcebook, de 1997.

    23 O Prncipe Constante estreou em 1965, tendo sido apresentado at 1968. Embora j se possa perceber ainfluncia das experincias realizadas nesse espetculo em alguns dos textos datados de 1964/1965,acredito que elas nortearo mais fortemente textos e entrevistas posteriores, de 1966/1967.

    24 Apocalipsys estreou em fevereiro de 1969 e continuou sendo apresentado e transformado durante operodo parateatral do Teatro Laboratrio.

    25 Talvez o conceito mais importante do perodo seja ato total, termo cunhado por Grotowski paranomear a experincia de Cieslak em O Prncipe Constante. A noo de ato total possibilitava conside-rar um amlgama entre aquilo que fsico biolgico, instintivo e aquilo que espiritual: comoum degrau para o pice do organismo do ator, no qual conscincia e instinto estejam unidos(Grotowski, 1987[1967], p. 180). Alm disso, para o tema desse artigo, o ato total tambm umconceito importante, pois que originado pela conjuno de opostos [espontaneidade e disciplina](Grotowski, 1987[abr. de 1967] p. 99). Optei, entretanto, por trabalhar sobre o conceito de contatoporque creio que essa nomenclatura pode ser mais imediatamente dirigida s experincias prticas. Oconceito de contato foi trabalhado por Grotowski, principalmente, em situaes onde ele estava en-

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    inmeras transformaes prticas ocorridas noTeatro Laboratrio e que, sem dvida, nos aju-dar a entender a trajetria do binmio queestamos investigando. O conceito a que me re-firo o contato. Existem vrias camadas decompreenso desse conceito que s aparente-mente simples. Inicialmente, vamos aceitar que,de forma geral, estar em contato, significa es-tar em relao com, reagir a, responder a.

    Grotowski disse ter descoberto esse con-ceito na base de um problema completamen-te objetivo e tcnico (1987[dez. de 1967],p. 201). Um problema que poderia ser formu-lado mais ou menos assim: o ator corria o riscode compreender aquele processo interior,aquele trabalho de auto-revelao e de ama-durecimento, como um trabalho que se reali-zaria a partir dele e que seria voltado, tambm,para ele mesmo. Esse seria, para Grotowski, umator concentrado no elemento pessoal comoum tipo de tesouro [...], procurando a rique-za de suas emoes, um ator que apenas esti-mularia artificialmente o processo interno, umator imerso em uma espcie de narcisismo(1987[jan. de 1966], p. 191). Para fugir desseproblema, Grotowski afirmava que o ator, a fimde se realizar, no deveria trabalhar para si mes-mo, que penetrando em sua relao com osoutros estudando os elementos de contato ,o ator descobrir o que est nele (1987[dez. de1967], p. 202).

    Estar em contato significava, concomi-tantemente, perceber o outro e reagir intima-mente de acordo com essa percepo; signifi-cava tambm que era no presente, agindo e

    reagindo no aqui e agora das relaes, que sepoderia trabalhar com aquilo que dizia respeitoao mbito da memria, das associaes ou dasaspiraes e desejos.

    Ouakinine26 chamava o ator, nessa pes-quisa, de lacteur Proust. Para ele, a motiva-o criativa do ator corresponderia memriainvoluntria de Proust. O processo poderia serdescrito assim: o ator est em cena, realizandosuas aes. Em um dado momento, uma dessasaes abre a porta das associaes, das mem-rias do ator. Essa associao transforma a tota-lidade psico-corporal do ator: sua voz, seus ges-tos, sua expresso so modificados, determina-dos por essa associao pessoal. O ator, ento,no fica absorvido pela lembrana despertada (oque o levaria, segundo Ouakinine, a ficar au-sente ou em outro lugar), mas reage, a partirdaquele comportamento/memria, no espao/tempo da prpria improvisao, e essa reaoestimula seu(s) companheiro(s) de cena. O atorno fica mergulhado em vivncias ntimas, masas percebe como reaes dirigidas ao outro,deslocadas espacialmente na direo do outro.

    O contato pressupunha, portanto, umarelao concreta com o espao: em direo aooutro (aos outros, ao Outro), em termos de es-pao fsico, que a reao pode se dar. Nesse sen-tido, o conceito de contato no inclui apenasos atores que se relacionam, mas tambm o es-pao onde acontecem essas relaes. O espao, ao mesmo tempo, percebido geomtrica eexistencialmente. Ele direciona e orienta as re-laes, ao mesmo tempo em que direcionadoe orientado por elas. Isso pode ficar mais claro

    volvido com a pedagogia teatral em conferncias ou entrevistas realizadas aps estgios prticos, porexemplo e isso facilita o approch com o conceito. Alm disso, o conceito de contato iluminar anoo de ao fsica que apresentarei na seo IV.

    26 Ouakinine chegou ao Teatro Laboratrio em janeiro de 1966. Aps um ano de estgio, Grotowski solici-tou que ele reconstrusse o roteiro de O Prncipe constante. Ouakinine fez, ento, uma srie de 90 de-senhos que descreviam o desenrolar do espetculo. Posteriormente, em 1970, ele preparou o volume Ida coleo Les Voies de la Cration Thtrale, inteiramente dedicado ao espetculo O Prncipe Constante.

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    atravs de uma citao de Grotowski sobretrabalho com o que chamava de companheiroimaginrio:27

    [...] Esse companheiro imaginrio deve ser fi-xado no espao desta sala real. Se no se fixaro companheiro em um lugar exato, as rea-es permanecero dentro da gente. Isto sig-nifica que vocs se controlam, sua mente osdomina e vocs se movimentam para umnarcisismo emocional, ou para uma tenso,um certo tipo de limitao (1987 [jan. de1966], p. 187).

    Para finalizar o conceito de contato, massem a pretenso de ter conseguido dar conta detodas as suas camadas e variveis, necessriotambm ressaltar sua vinculao noo de umcompanheiro seguro.28 Esse seria, segundoGrotowski, um outro ser humano, que poderealiz-lo [a cada ator] e compreend-lo absolu-tamente. [...] Algum por quem se procura. [...]Este ser humano [...] no pode ser definido [...]precisamos apenas dizer-lhe [ao ator]: Vocstm de doar-se totalmente. E muitos atorescompreendem (Grotowski, 1987 [jan. de1966], p. 202-3). A revelao, para Grotowski,implicava, portanto, em contato: que noh impulsos ou reaes sem contato (Gro-towski, 1987[jan. de 1966], p. 187).

    Voltando ao nosso tema, pode-se afirmarque o conceito de partitura estava, naquele mo-mento, totalmente associado ao de contato.Dizia Grotowski: A partitura do ator consistedos elementos do contato humano: dar e tomar.Olhe para as outras pessoas, confronte-as con-sigo, com as suas prprias experincias e pen-samentos, fornea uma rplica (1987[1967],p. 182).

    Frente ao conceito de contato no maispossvel definir partitura como uma exteriori-zao organizada de contedos interiores, j queno contato aquilo que est dentro ou forano pode mais ser to facilmente separado. Osimpulsos, as associaes e as reaes esto fir-memente atados corporeidade, ao outro, eao espao. O que se partiturava, nessa via detrabalho, era, ao mesmo tempo, corpreo,29 re-lacional (o outro , em alguma medida, partedo eu ou vice-versa) e projetado espacialmente(o espao fsico espao de reao e de rela-o). Essas instncias corporal, relacional eespacial so tambm percebidas de maneiraamalgamada, s podendo estar divididas teori-camente. Alm disso, todas as instncias apon-tam para um universo, ao mesmo tempo e pa-radoxalmente, visvel e invisvel. O corpo, ooutro e o espao podem acolher, na tangibili-dade que lhes prpria, a presena do intang-vel; podem ser setas lanadas ao desconhecido.

    27 Fala-se em companheiro imaginrio quando o ator dirige a um ser humano, no presente na sala detrabalho, as suas aes. As associaes, compreendidas por Grotowski como relacionadas a qualquercoisa que aconteceu conosco no passado, ou que poderia ter acontecido, ou ainda que deveria ter acon-tecido: Algo enraizado na vida pessoal, por exemplo, uma necessidade nunca satisfeita (Grotowskiapud Magnat, 2000, p. 12), me parecem ser acionadas na relao com esses companheiros imaginrios.

    28 Essa noo de companheiro seguro parece tambm estar presente, ainda que no nomeada porGrotowski, nesse trecho do texto Jour Saint, de 1970: Eu sou gua, pura, que corre, a fonte ento ele e no eu, esse ao encontro de quem eu vou, frente a quem eu no me defendo. somente quandoele a fonte que eu posso ser gua vivente. Uma outra referncia possvel para a noo de companhei-ro seguro pode ser encontrada no conceito de Eu-Tu de Martin Buber.

    29 No sentido de um corpo no subjugado ao pensamento racional, um corpo que no ilustra um movi-mento da alma, mas que realiza esse movimento com o seu organismo (Grotowski, 1987 [abr. de1967], p. 97-8).

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    Se no compreendemos esse amlgamaexistente, principalmente aps O Prncipe Cons-tante, entre eu e outro, corpo e associaes,corpo e outro, acabamos por levar essa faltade compreenso para o conceito (e as prticas)de partitura. Acabamos por produzir uma certafetichizao do corpo e da musculatura comose uma forma precisa e repetida levasse inexo-ravelmente a uma certa vida. Ora, quandoGrotowki afirmava que as recordaes so sem-pre reaes fsicas (1987 [jan. de 1966], p. 187)ou que o ator deveria pensar com o corpo, ouainda quando falava no corpo-memria ou nocorpo-vida (2001 [mai. de 1969], p. 196), oque estava em jogo, antes de tudo, era a pos-sibilidade de superao de um modelo que se-pararia corpo, mente e esprito (valorizando opensamento racional) em instncias estveis,distintas e hierarquizadas. Grotowski criticavatambm a crena, que considerava ilusria, naexistncia de individualidades fixas e apartadas,em um modelo que separaria rigidamente aqui-lo que sou eu do que o outro.30 Ao valori-zarmos excessivamente aquilo que corporal,fsico ou ao encantarmo-nos com a possibilida-de de encontrar ou doar nosso eu verdadeiro,esttico e apartado do outro, estamos, pelomenos, fugindo do desafio proposto naquelemomento por Grotowski.

    Seo IVSeo IVSeo IVSeo IVSeo IV

    Aqui pretendo saltar, e trata-se de um salto demais ou menos 30 anos, para alguns textos, se-jam de Richards ou Biagini, escritos entre o fi-nal da dcada de 1990 e incio dos anos 2000.31

    Nesta seo, diferentemente do que fiz ao ana-lisar os dez primeiros anos de trabalho deGrotowski frente do Teatro Laboratrio, noseguirei a trajetria dos conceitos, mas escolhe-rei alguns temas que, pouco trabalhados at ago-ra no artigo, no poderiam ficar de fora de umareflexo sobre estrutura/espontaneidade.

    Em primeiro lugar, exploraremos a noode ao fsica que, se j era utilizada h muitopor Grotowski, s ganha corpo terico com olivro At Work with Grotowski on Physical Actionsde Thomas Richards, publicado em 1993. Tra-balharei, dessa noo, somente o que for neces-srio para iluminar os conceitos de estrutura evida utilizados pelos diretores do Workcenter.

    Alm disso, atravs de certas respostas deBiagini e de um exemplo de Richards, preten-do refletir sobre a polaridade do binmio, oconjunctio oppositorum (Grotowski, 2001[mai. de 1969], p. 197) espontaneidade e es-trutura, que Grotowski j havia explorado emseus textos da segunda metade dos anos 60. Ve-remos como, frente a essa polaridade, as noes

    30 Dizia Grotowski em 1970: O ato do corpo-vida implica a presena de uma outra pessoa humana, acomunicao dos homens, a comunidade. E mesmo nossas lembranas s so verdadeiramente impor-tantes quando elas nos ligam com um outro, quando elas evocam os momentos nos quais ns vivemosintensamente com os outros. [...] e se com seu corpo-vida vocs forem tocar algum, seu algum apare-cer naquilo que vocs fazem. E haver, talvez, ao mesmo tempo, a presena daquele que est aqui eagora, seu parceiro, e daquele que conta na sua vida e daquele que contar na sua vida e Ele ser um.Veja porque, entre outras coisas, isso no pode contentar-se com a introspeco, com uma atitudefechada sobre si mesmo (1973[1970], p. 60).

    31 Todas as citaes de Biagini so retiradas da entrevista Incontro allUniversit la Sapienza, de 2000.As citaes de Richards so retiradas tanto de uma entrevista indita que ele me concedeu em 1999, eque integra a sua tese de doutoramento De lart comme vhicule, defendida em 2001, na Paris VIII,quanto de minhas anotaes feitas no Symposium International ocorrido no Workcenter of Jerzy Grotowskiand Thomas Richards em Pontedera, em dezembro de 2000.

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    correntes de detalhamento e de preciso deuma dada estrutura ficam problematizadas.

    Por ltimo, sero trabalhados os concei-tos de ajustamento e de inrcia utilizados porRichards. Veremos como esses conceitos ilumi-nam a noo de partitura.

    Antes de tudo, necessrio abrir umgrande parntese para apresentar, em linhas ge-rais, o que Grotowski, no seu Projeto de Ensi-no e Pesquisa: Antropologia Teatral, para oCollge de France,32 distinguiu como os dois p-los principais do jogo do ator, plos que, poranalogia, ele localizava tambm nos rituais: oplo artificial e o plo orgnico. Essa diferen-ciao ter, nesse artigo, um duplo papel namedida em que iluminar as sees anteriores,oferecendo a elas uma certa concluso, ao mes-mo tempo em que fornecer uma introduos questes que sero desenvolvidas a seguir.

    O primeiro plo, o artificial,33 est liga-do a tcnicas artificiais de jogo, tcnicas que,segundo Grotowski, como aquelas descritas porDiderot no Paradoxo do Comediante, visamunicamente exercer um efeito sobre a percep-o do espectador, sem que seja prevista nenhu-ma identificao por parte do ator nem com ocarter da personagem, nem com a lgica decomportamento ligada ao papel.

    O ator estaria trabalhando, nesse plo, so-bre uma estrutura composta de elementosextremamente precisos (herdados, em algunscasos, das geraes precedentes), estaria concen-

    trado na composio desses elementos. A mo-vimentao do ator est, mesmo se no assimque a platia a percebe, separada em pequenospedaos, havendo como paradas de fraes de se-gundo entre um movimento e o seguinte. O en-gajamento pessoal do ator se d atravs da distri-buio (e mudanas) na quantidade de foramuscular e nervosa (Grotowksi a chama de t-nus) que ele utilizaria na realizao da sua se-qncia. Haveria o que Grotowski chamou deum fluxo de tnus, mas o corpo do ator noentraria, como no plo orgnico, em uma flui-dez do movimento (Grotowski, p. 15). A maes-tria da execuo do ator est, nesse caso, na suacapacidade de se concentrar nos micro-elemen-tos gestuais de uma composio j pr-ordenada.

    Grotowski exemplificava esse plo princi-palmente atravs da pera de Pequim, mas cita-va tambm Meyerhold, alm de outros exemplosdo teatro clssico oriental: ... os approches artifi-ciais se caracterizariam pela composio bastan-te estrita das posies corporais (pelas posies eno pelas transies), pela no-identificao como processo, pelo que poderamos qualificar deno-espontaneidade (Grotowski, p. 18).

    O outro plo, chamado de linha org-nica, teria como pai fundador Stanislavski. Se-gundo Grotowksi, para o encenador russo, oator deveria construir a personagem como umfenmeno da sua prpria vida (Grotowski,p. 12). As tcnicas orgnicas de jogo estariamapoiadas no fluxo contnuo de impulsos.34 So

    32 O projeto de Grotowski me foi cedido por Mario Biagini, mas parte desse material est acessvel naRevista Teatro e Storia, anno XIII, 1998-1999.

    33 Grotowski fez questo de dizer que no havia nenhum desmerecimento por esse plo ao usar o termoartificial, ligado, para ele, e como j testemunhamos no incio desse artigo, mesma etimologia dapalavra arte.

    34 Seria falso acreditar que esses impulsos pertencem exclusivamente ao domnio fsico. Todo larrire-plan das experincias humanas, das associaes mentais, das lembranas, de uma linguagem no for-mulada, mas presente como atrs dos pensamentos, tudo isso, e outras coisas ainda, condicionam osimpulsos. [...] Se o fluxo de impulsos que precedem as pequenas aes se libera, o corpo do ator setorna em seu comportamento orgnico, para utilizar um termo do prprio Stanislavski(Grotowski, p. 13).

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    tcnicas nas quais os elementos inter-humano ecorpreo apareceriam em primeiro plano; Gro-towski se considerava ligado a esse plo, mas,de maneira diferente de Stanislavski, teria tra-balhado no campo do comportamento huma-no ligado s condies extracotidianas [...] onde[...] o aspecto dos impulsos e da organicidadepodem se tornar ainda mais marcados (Gro-towski, p. 13).

    Embora esses plos no devam ser vistos,de maneira alguma, como duas possibilidadesque se excluem mutuamente e que exigem fide-lidade irrestrita, creio que essas categorias uti-lizadas por Grotowski acabam apontando, tam-bm, para duas maneiras de se trabalhar sobreuma estrutura. Nesse artigo, estamos investi-gando o conceito de estrutura dentro do tra-balho de Grotowski. Nessa investigao, o con-ceito esteve, sem dvida, mais relacionado, pelomenos a partir de 1962, s chamadas tcnicasorgnicas de jogo.

    Parece impossvel pensar produtivamen-te a obra e o legado de Grotowski se no locali-zarmos em suas investigaes um forte desliza-mento entre arte e vida. O que , afinal, essalinha orgnica, na qual o fenmeno teatral (ouritual) est relacionado com os processos psico-fsicos do atuante, seno esse deslizamento le-vado s ltimas conseqncias? No existe, por-tanto, a idia de um corpo de ator, um corpoda arte, separado ou diferente do corpo do ho-mem/artista, separado de um corpo vivo. Noexiste um corpo para servir cena. Ao contr-rio, a cena que serve como espao potencia-lizador para a vida do corpo.

    E mesmo quando Grotowski falava emcondies extracotidianas, ele no estava falan-do em um processo de vida submetido s exi-gncias da arte, mas de uma vida excessiva, dis-tinta porque mais visvel, menos submetida domesticao, seja do corpo, das relaes ou dopensamento cotidianos.

    As exigncias do artesanato e do mtier doator fazem sentido no trabalho de Grotowskiporque (e se) participam dessa potencializao,so necessrios a essa no domesticao da vida.Assim, quando pensarmos em partitura, porexemplo, no podemos pensar apenas na suafuno junto fruio do espectador, mas comoreferida a um trabalho do ator sobre si mesmo,para usar uma expresso de Stanislavski. a ser-vio daquela fluidez do movimento, que Gro-towski localizava no plo orgnico, que a es-trutura ir funcionar.

    Nos textos de Richards e Biagini, essanoo de estrutura est, em geral, bastante pr-xima da noo de ao fsica. Estruturar umfragmento seria poder organiz-lo atravs deuma linha de aes fsicas.

    As aes fsicas dizem respeito quilo queo atuante faz: [...] no somente algo fsico. algo que envolve voc todo: a sua carne, mastambm o seu pensamento, a sua vida, os seusdesejos e os seus medos e, alm disso, a sua von-tade, as suas intenes (Biagini, 2000, p. 23-24).

    O que mais relevante na ao fsica,para o tema deste artigo, que essas intenesno so pensamentos racionais e nem devem serentendidas de maneira apenas psquica ou emo-cional; elas existem tambm ao nvel musculardo corpo. Richards e Biagini j explicitaram, eminmeros momentos, que as intenes estoligadas tambm a uma orientao da mobi-lizao corporal (em-tenso, in-tencionar nadireo de algo ou de algum) (Biagini, 2000,p. 23-4).35 As intenes se configuram, portan-to, como um ponto de contato entre um mun-do impalpvel e um palpvel. Uma ponte entreaquilo que desejo e aquilo que fao (Biagini,2000, p. 24). Por esse motivo, por serem tam-bm aquilo que fao, as intenes podem serestruturadas e podem servir de ncoras para oator que quer se reaproximar de um dado frag-mento j experienciado.

    35 Ver principalmente o captulo Grotowski face a Stanislavski: les impulsions do livro Travailler avecGrotowski [...], de Richards.

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    Mas, se o trabalho sobre as aes fsicasvisa essencialmente permitir ao ator construiruma partitura fsica precisa que possa ser repro-duzida, esse trabalho busca gerar, ao mesmotempo, a cada vez, um novo fluxo de impulsose de associaes no seio do seu organismo [doator], influindo sobre ele de maneira no pre-determinada e no premeditada (Magnat,2000, p. 9). Tenho especial apreo pela frase queacabei de citar, pois, ao reunir em uma mesmaformulao as idias aparentemente contrriasde reproduo e de no predeterminao oupremeditao, Magnat deixa-nos entrever umapergunta fundamental ao trabalho de estrutu-rao de um dado fragmento. A pergunta : deque modo estruturar quando a estrutura visa,ao mesmo tempo, refazer um fragmento, retor-nar a uma experincia vivida pelo ator, e permi-tir que essa experincia continue guiando-se(como toda experincia) pelo que desconhe-cido, o que no est determinado a priori?

    A partir dessa pergunta, pode-se compre-ender melhor a afirmao de Biagini quando di-zia que a estrutura no a conscientizao, porparte do ator, da totalidade do seu comporta-mento cnico: O ator consciente das suas in-tenes que vo na direo do exterior (inten-es que so, talvez, suscetveis de acordar neleintenes e reaes secretas, ntimas, que so araiz viva, o ncleo fundamental, quente, de seuato), mas o modo como a inteno passa no cor-po atravs do agir, passa na voz, passa no espa-o, passa no partner. Todo esse processo no plenamente consciente. No momento em quese torna, h o risco de se ter entre as mos umaforma vazia (Biagini, 2000, p. 31; grifo meu). atravs de uma certa relao entre aquilo doqual o ator consciente e aquilo que permane-

    ce sempre desconhecido que podemos, portan-to, antever o conceito de partitura.

    Podemos concluir que, desse ponto devista, nem a vida se apresenta sem uma estru-tura, nem a estrutura pode ser vista apenascomo uma srie de movimentos que, bem re-petidos, podero fazer com que o ator reencon-tre, inexoravelmente, a vida da ao.

    Gostaria, agora, de olhar a questo dapartitura por um outro ngulo, aquele do ma-terial que vai ser estruturado. Utilizarei comometfora para aquilo que desejo pontuar umaentrevista de Grotowski, na qual ele comenta omodo como as personalidades de Gurdjieff e deOuspenski36 se materializavam nos textos deambos os autores. Segundo ele, todos os aspec-tos pretensamente frios, presentes nos textos deGurdjieff, e que poderiam ser vistos como umperigo, uma fria manipulao das idias(Grotowski, 1997, p. 125) no o eram, pois quefriccionavam com um homem extremamentepassional. Gurdjieff, para Grotowski, era comoum vulco e seus textos estavam numa relaoao mesmo tempo oposta e sustentada por suapassionalidade. J Ouspenski era, segundoGrotowski, um homem muito inteligente, umintelectual refinado, de modo que quandoOuspenski utilizava e explicava a terminologiagurdjieffiana, desaparecia este aspecto de luta,de contradio entre algo que no quer se sub-meter a uma estrutura, a uma nomenclatura, eum esforo, por outro lado, de estruturao eorganizao.

    Grotowski no estava, nessa entrevista,falando sobre o binmio estrutura/esponta-neidade, mas creio que esse fragmento podeiluminar aquela relao de oposio, luta e sus-tentao entre os plos do binmio. Metafo-

    36 Gurdjieff, mstico nascido provavelmente em 1866, comeou a compartilhar seus ensinamentos, naRssia, um pouco antes da primeira guerra mundial. Em outubro de 1922, funda o Institute for theHarmonious Developement of Man, em Fontainebleu-Avon, sul de Paris. Morre em 1949. Gurdjieffescreveu alguns livros, entre os quais Life is only real, then, when I am. Ouspenski (1878-1947), fil-sofo russo, torna-se mais conhecido como um grande estudioso e comentador da obra de Gurdjieff;entre seus inmeros livros est o In search of the miraculous, publicado postumamente.

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    ricamente, o exemplo pode nos fazer pensartambm sobre a escolha do material a ser estru-turado. Investiguemos esses dois pontos.

    Freqentemente, a idia de partiturarseduz aqueles que esto envolvidos com o tra-balho artstico. Talvez porque a partitura tragaa noo de um resultado, de um ponto ao qualse chegou, talvez porque ela parea oferecer umacerta segurana, na possibilidade de repetio.Mas, o que vai ser estruturado? E quando co-mear essa estruturao? Creio que essas deve-riam ser interrogaes permanentes, respondi-das de maneira diversa a cada novo trabalho.Diz Biagini:

    Quando, para mim, o rigor, a estrutura, aartificialidade no sentido forte da palavra atin-gem todo o seu sentido? Quando a fora davida que escorre dentro do ator forte, quan-do verdadeiramente nele acontece algo [...] avida sempre far resistncia a uma estrutura,faz resistncia porque quer sair, maior, maisplena. [...] Do meu ponto de vista, a armadurada tcnica, do artesanato, tem sentido se pro-tege uma carne viva. Sustenta-a: paradoxal-mente, como contradizendo-a, d-lhe fora.E defende-a frente ao mundo (2000, p. 31).

    Assim como no exemplo de Gurdjieff, no embate de foras opostas que se produz umaexperincia criativa. Nesse contexto, no fazsentido pensar, ento, em estruturao sem queainda tenhamos, durante os ensaios, levado aefeito experincias que nos interessem a pontode querermos reencontr-las e, necessariamen-te, aprofund-las em um confronto com a es-trutura. Talvez fosse mais interessante trabalhar-mos com uma certa idia de desperdcio, ummenor apego quilo que produzimos, ou de for-ma menos utilitria em relao s nossas expe-rincias. Afinal, o que estamos procurando?Sobre qual material nos interessaria verdadei-ramente trabalhar?

    Tambm o momento de comear a estru-turar deveria ser uma questo. Qual seria omelhor momento? Ou melhor, se sempre existe

    uma certa estrutura, j que o que fazemos no, como vimos, informe, qual seria a hora decercar essa estrutura com vistas a reviv-la eaprofund-la? Richards respondeu a essa ques-to quando se referiu a entrada de novos atuan-tes no trabalho do Workcenter:

    O tempo, a etapa de desenvolvimento deuma dada pessoa, isto que dita a natureza eo tempo de elaborao de uma estrutura. [...]Para descobrir o potencial, s vezes, a pessoatem necessidade de espao, ela no tem ne-cessariamente necessidade que voc preenchao tempo muito rapidamente com o que vocj sabe: ela est procurando o que ela no sabe.Depois de um tempo de trabalho, depois deter feito descobertas, quando a questo se tor-na como manter estas descobertas e desen-volv-las, ns nos encontramos naturalmen-te face questo de como tornar a estruturamais precisa (2001, p. 263).

    Podemos pensar, ento, frente fala deRichards, em estruturas mais abertas oufechadas que possam acompanhar a maturaode um certo fragmento. O detalhamento daestrutura no nasceria, assim, nem a sua lim-peza, como puro artefato, mas como uma de-manda da prpria experincia (ou do atuanteque a realiza) que, refinando-se, refina, ao mes-mo tempo, sua estruturao. Haveria uma re-lao estreita entre o nmero de descobertasfeitas pelo atuante e a preciso de um dadofragmento.

    Tambm aqui, no devemos pensar a re-lao entre estrutura e fluxo de vida comouma relao entre forma e contedo: Nemmesmo na fase inicial, separamos um aspectoformal de um interior: estruturamos quase queexclusivamente intenes e associaes, outalvez deveria dizer impulsos? (Biagini, 2000,p. 24). E so essas intenes ao mesmo tem-po tangveis e intangveis que vo ficandomais detalhadas.

    A estrutura uma espcie de canalizaoque configura uma dada experincia e, ao mes-

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    mo tempo, traz em seu bojo a possibilidade deaprofundamento dessa experincia que tersempre, porque experincia, um dado de risco,de desconhecimento, de inconscincia.

    Como vimos, construir uma estruturano o processo de trazer conscincia a totali-dade do comportamento cnico, e sim um pro-cesso de construo de ncoras, de pontos de re-ferncia que evitam a disperso, impem umadireo e, assim, permitem e exigem sempre no-vas descobertas, desenvolvimentos e ajustes. Ri-chards trabalhou com a imagem de um rio paraexemplificar a luta entre forma e fluxo da vida:

    A fora da gua descendo da montanha, cain-do, pela fora da gravidade, em direo aooceano enorme. Se a gua desce da monta-nha sem as bordas de um rio, ela vai disper-sar-se um pouco aqui, um pouco l. preci-so que existam margens que devem tam-bm ter sua fora, diferente da fora da gua,para canaliz-la. Assim, a fora dessa mesmagua, canalizada, torna-se ainda maior e apa-rece um rio. [...] No que a gua queira es-correr como rio, no que as margens garan-tam o rio, mas so necessrios os dois paraque o rio possa aparecer. [...] E por que eudigo luta? Por causa da natureza do ponto deencontro quando eles se encontram, h umaluta: a gua cai e ela vai escorrer em muitasdirees, mas a presena das margens resiste,se ope; elas se mantm firmes para que agua seja canalizada em uma direo precisa.[...] Sem estrutura ser sempre uma questode sorte, e faltar a possibilidade de desen-volvimento (2001, p. 236-7).

    Para concluir esta seo, gostaria ainda decomentar uma possibilidade de relao entreum ator e sua partitura, como a percebo atra-vs de alguns escritos dos diretores do Work-

    center. O processo criativo no acaba, para eles,no momento em que, depois de longo traba-lho, o ator consegue chegar a uma certa estru-tura mais detalhada. No se trata de, a partirdesse momento, simplesmente repetir a parti-tura, mas de viv-la, de novamente passar poruma certa experincia. Ento, digamos que oator organizou, atravs daqueles pontos de refe-rncia, atravs das intenes e associaes, umdeterminado fragmento. E agora? Como repe-ti-lo? Como relacionar-se com esse fragmento?

    Toporkov37 parece estar se referindo a essaquesto quando dizia: Seria errado considerara ao fsica s como um movimento plsticoque expressa a ao. No; uma ao autntica,logicamente fundada, que persegue uma finali-dade concreta e que, no momento da sua execu-o, se converte em uma ao psicofsica (To-porkov, 1961, p. 175; grifos meus). Mesmodepois de estabelecida a partitura o ator correperigo, pois, como disse no incio deste artigo,referindo-me a Brook, o teatro morto est, atodo momento, assaltando o trabalho do ator.Como ento completar o ciclo? Ou seja, como,partindo de uma experincia, partitur-la emaes fsicas, em pontos de referncia, e como,no momento da execuo, no privilegiar a for-ma ou o que foi organizado a priori, mas deixaressa organizao ser, tornar-se novamente, umasrie de aes psicofsicas?

    Obviamente, no pretendo dar uma res-posta a essa questo. Creio que essa resposta spode ser encontrada na investigao prtica decada ator. Quero apenas levantar alguns pontosde discusso com os leitores.

    Percebo que Richards e Biagini pensam arelao do atuante com sua partitura comouma relao extremamente dinmica. comose houvesse sempre, e a todo momento, comopontuam os dois artistas, a pergunta: ser que possvel realiz-la (a partitura) inteiramente?

    37 Ator que trabalhou junto a Stanislavski quando o encenador, j no final de sua vida, estava investigan-do o Mtodo das Aes Fsicas. Toporkov escreveu o livro Stanislavskii na repetitsii, no qual fala desseperodo.

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    como se, com essa pergunta, o ator fosse coloca-do entre a estrutura, aquilo que ele conhece, eo momento presente, aquilo que ele (esse ele est relacionado noo de contato, e nose refere a uma individualidade essencial e est-tica). O desafio seria, ao mesmo tempo, no fu-gir da estrutura nem desse momento presente.

    A noo que aparece na fala de Richardspara dar conta dessa operao prtica a noode ajustamento. Trata-se de um certo parado-xo. O ator ajusta a estrutura ao momento pre-sente e, porque a ajusta, pode segui-la, j queela era uma srie de intenes e no um con-junto de movimentos. Se ele simplesmentemantivesse a estrutura sem ajust-la, ela se tor-naria seca, mecnica, uma seqncia de gestos.Por outro lado, se ele a desrespeitasse, como ela o prprio caminho para uma dada experin-cia, ele teria se deixado levar, sem rumo. Aquiestamos no cerne da noo de ajustamento: umjogo permanente entre estabilidade e dinamis-mo. Mesmo correndo o risco de errar a estrat-gia, permitir o ajustamento, quando necessrio,parece ser a nica forma de realizar a estrutura.

    A noo contrria quela de ajustamen-to a de inrcia, tambm de Richards. Estarna inrcia seria no se permitir lidar com emesmo querer bloquear a dinmica inerente experincia viva. Richards falava da inrciacomo ancorada em uma certa relao que o atorestabeleceria com a passagem do tempo. O atorestaria to fortemente identificado com um cer-to momento experienciado tenha sido elebom ou ruim, de um tempo remoto ou de ape-nas alguns segundos atrs que no seria maiscapaz de seguir a dinmica da ao, permane-cendo como que amarrado ao passado. Assim,impedido (impedindo-se) de entrar em contatocom o que est acontecendo no momento, norealizaria os ajustamentos necessrios ao desen-rolar da experincia criativa.

    A inrcia pode ser gerada por vrias cau-sas: o apego do ator quilo que funcionou nopassado, o seu apego aos erros que acabara decometer (no sentido de ficar relembrando oserros nos momentos sucessivos da sua ao), o

    apego do ator ao olhar positivo ou negativo do espectador. Os exemplos so infinitos.

    Richards afirmava tambm que permane-cer na inrcia teria relao com o medo daqui-lo que ainda desconhecido, do que poderia vira acontecer. como se os atores se fechassemem uma certa moldura conhecida e segura e novissem se (e quando) algo no funciona e preci-sa ser modificado, precisa ser ajustado.

    H uma parte de ns [...] que adora fixar ascoisas; sentimos como se as conhecssemos,no nos arriscamos mais no desconhecido. Eufao o que eu j conheo. [...] Essa atitudeno aceita a realidade, que aquela de que nadapode ser exatamente a mesma coisa. umparadoxo engraado: a experincia, no ato per-formtico, pode ser quase a mesma, quase exa-tamente a mesma, mas no a mesma, do mes-mo modo que nada jamais o mesmo, tudose transforma continuamente (2001, p. 245).

    Frente complexidade e s variantes des-se processo, seria, portanto, impossvel dar umaresposta puramente tcnica questo de comorepetir uma ao viva. O processo estaria nasmos da pessoa que o realiza. As ferramentas te-riam que ser criadas e as estratgias inventadas ereinventadas pelo prprio ator a todo e a cadamomento de sua cena.

    Pequena concluso:

    necessrio compreender que, sim, todas ascoisas podem ajudar, mas a chave est na pa-lavra podem, talvez porque quando voc vaitentar, voc no vai aplicar um dogma, ouuma crena, mas ser algo que voc est tes-tando, que voc experimenta, que voc pro-cura. [...] Voc tem o talvez e o pode quan-do se aproxima do que chamaramos de es-tratgia ou tcnicas; voc est acordado epode julgar por si mesmo (Thomas Richards).

    A investigao do binmio estrutura/es-pontaneidade coloca em questo certas leiturasque parecem ter ficado coladas ao nome de

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    Grotowski. Creio que, frente a esses conceitos,no mais possvel a classificao de seu teatrocomo um teatro fsico. Tambm torna-se dif-cil sustentar uma imagem de subjetividade doator esttica e interior que revela e doa suaessncia para o mundo. Em Grotowski, pelomenos aps meados da dcada de 1960, quan-do a subjetividade tem lugar, ela percebida emfluxo, em dinamismo, enraizada em um cor-po-vida, onde corpo, outro, espao, mem-ria, esprito no se distinguem to facilmente.No tambm uma subjetividade introspectiva,mas se quer acordada para seus prprios pa-dres e hbitos mecanizados, se quer atenta ecapaz de reagir s experincias que se apresen-tam. Por outro lado, no uma subjetividadeapenas reativa, moldada inteiramente pelosacontecimentos, jogada para l e para c ao sa-bor do vento, mas que faz escolhas rigorosas eajusta-as com vistas a poder seguir, arriscada einstavelmente, um percurso que lhe interessa.

    Finalizo com uma histria que muitos dens conhecemos: Grotowski no permitia quese fizessem gravaes em vdeo de O PrncipeConstante, mas um espectador burlou a regra efez uma gravao sem som. A essa gravao, en-contrada em um mercado e comprada pela Uni-versidade de Roma, anexou-se uma gravao deudio. Essa ltima havia sido feita, anos antes,pela rdio de Oslo durante uma das apresenta-es do espetculo. Entre a gravao em vdeo ea realizada em udio havia, portanto, uma gran-de diferena de tempo, mas, quando da monta-gem, principalmente nos monlogos de RyszardCieslak, o som casou perfeitamente com a ima-gem.38 Salvo mitificaes, no h dvida ne-

    nhuma que temos aqui um exemplo de estru-tura extremamente detalhada feita com extre-ma preciso. Por outro lado, inmeros espec-tadores da poca acreditavam estar vendo umaimprovisao, tal era o grau de espontaneida-de e engajamento do ator no espetculo. Exem-plo emblemtico daquilo a que estamos nos re-ferindo. Sim, mas como lidar com os exemplosemblemticos? Em primeiro lugar, no tentan-do imit-los no seu resultado final. que a pre-ciso pode se transformar em controle e limpe-za de movimentos com o objetivo de repetirperfeita e rigorosamente a estrutura (mas esta-ramos aqui falando da mesma preciso a queGrotowski se referia?). E espontaneidade podese confundir com um bombeamento emocio-nal que nos traz a impresso de desvendamentoe excesso. O trabalho sempre longo. O exem-plo precisa ser reenviado prtica de cada um:perceber que, talvez, no seja o momento de fe-char excessivamente uma partitura, mas dedeix-la, ainda, aberta s descobertas. Daqui apouco, poderemos aprender, quem sabe, o quevem a ser detalhe e preciso. Talvez no deva-mos, tambm, colocar o nosso voluntarismo nacaa de momentos preciosos a serem compar-tilhados, mas perceber o que estimula o nossointeresse, o que nos faz sentido. E com certezano o momento de fechar uma definio paraesse binmio, mas recoloc-lo em jogo nas ex-perincias de todos ns. No ficar com os res-duos da festa que acabou, mas limpar a mesa efazer uma nova festa.39 E para isso que dialo-gamos, seja com nossos companheiros de tra-balho, seja com os textos e investigaes deGrotowski, Richards ou Biagini.

    36 Grotowski relatou essa histria no encontro em homenagem a Cieslak realizado em Paris em dezembrode 1990. Sua interveno est transcrita no livro Ryszard Cieslak, acteur-emblme des annes soixante.

    39 No esqueci mais dessa frase desde que a ouvi em um vdeo dedicado ao movimento Fluxus. Infeliz-mente no tenho nenhuma referncia desse vdeo. Essa declarao foi dada por um dos artistas quehavia participado do movimento. Ao comentar a exposio de objetos fluxus que estava sendo feita poca em um museu, ele disse no se reconhecer ali. Aquilo seria somente um final de festa e a eleinteressava sempre recomear a festejar, j que o movimento se queria ligado vida (e no ao museu). Afrase parece ser pertinente nessa concluso.

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