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Pues a Dios humano vemos

Música do século XVII para as Matinas de Natal

As Matinas parecem ter sido, do ponto de vista musical, o auge das celebrações de

Natal. As principais igrejas portuguesas dos séculos XVI e XVII convocavam a

integralidade do seu dispositivo musical (cantores, organistas, executantes de

charamelas, sacabuxas, flautas, baixões, violas de arco, etc.) para celebrar a

primeira grande festa do ano litúrgico.

A estas celebrações, em plena madrugada do dia 25 de Dezembro, temos notícia de

acorrer todo o clero encabeçado pelo Bispo e restantes Dignidades, as figuras mais

proeminentes da comunidade e, em particular, a população em geral. As igrejas

apinhadas de gente parecem encontrar justificação não só no fausto musical

aplicado aos textos latinos da liturgia mas sobretudo na inserção de vilancicos.

Estas peças musicais, com textos em vernáculo (descritivos do Nascimento de

Cristo ou de outras temáticas afins), recheadas de ritmos e motivos musicais de

origem popular reconhecidos por todos, muitas vezes encenadas, seriam o motivo

das grandes afluências de fiéis testemunhadas nos documentos da época.

O concerto agora divulgado é fruto do trabalho de investigação em torno do

Património Musical Português desenvolvido pela área de Música do Curso de

Estudos Artísticos da Universidade de Coimbra em colaboração com a Escola

Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto (um trabalho conjunto das

duas instituições traduzido em frequentes acções, quer de divulgação quer de

carácter científico, e que terão o seu lugar na Colecção da Património Musical

Português do iTunes UC). A récita pretende dar a conhecer alguma da muita

música escrita em Portugal, no fim do século XVI, início do XVII, para as Matinas

de Natal. Para o efeito, escolheram-se três figuras cimeiras da nossa História da

Música. Ao famigerado mestre de capela do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra,

D. Pedro de Cristo (†1618), juntam-se Estevão Lopes Morago († dep.1628) e Duarte

Lobo (†1646). Ambos formados no seio da Sé de Évora, culminam as suas carreiras

como mestres das capelas das Sés de Viseu e de Lisboa, respectivamente.

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Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, Cancioneiro de Belém (Ms. 3391), vilancico Pues a Dios humano vemos

Para este concerto, foram estudadas e transcritas directamente as fontes musicais

originais. Para além das obras manuscritas de D. Pedro de Cristo conservadas na

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, foi trabalhado um dos códices

manuscritos que Morago nos deixou e que hoje se preservam no Arquivo Distrital

de Viseu, assim como o impresso Opuscula (Antuérpia, 1602) de Duarte Lobo (uma

colecção de oito livros de partes). De esta última fonte, a Biblioteca Pública de

Évora, a Universidade de Coimbra (BGUC) e a Sé de Valladolid, em Espanha, são,

para já, responsáveis pelos únicos exemplares conhecidos. Infelizmente, em todos

estes arquivos, o impresso encontra-se incompleto tendo sido necessário

reconstruir (de forma historicamente informada) as vozes em falta (uma

reconstrução feita por José Abreu e que neste concerto podemos ouvir nos

Responsórios Beata dei genitrix e Verbum caro).

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Arquivo Distrital de Viseu, Manuscrito com obras de Estevão Lopes Morago (Cod. 3), Invitatório Christus natus est

Apesar de, em Portugal, as fontes musicais anteriores a c1650 não indicarem

explicitamente a intervenção de instrumentos musicais, são muitos os documentos

que nos confirmam a sua presença no seio da igreja desde as primeiras décadas do

século XVI. Assim, este concerto vai igualmente “experimentar”, a partir das

muitas indicações coetâneas, com diferentes graus de precisão, a aplicação de

instrumentos de sopro e de corda a umas Matinas de Natal do século XVII.

Paulo Estudante

Música |Estudos Artísticos, Universidade de Coimbra

José Abreu

Música | Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto

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Biblioteca  Geral  da  U.  de  Coimbra,  Parte  do  Superius  II  do  Opuscula  de  Duarte  Lobo  (MI  64),  Frontispício  (com  indicação  da  proveniência  do  Mosteiro  de  Santa  Cruz  de  Coimbra)

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Música do Século XVII para as Matinas de Natal

Abertura Domine labia mea – Orlando di Lassus (c1530-1594)

Invitatório Christus natus est – Estevão Lopes Morago (c1575-dep1628)

[Venite adoremus] Gagliarda

Hino Christe Redemptor – Estevão Lopes Morago

Entrada do 2º tom – Anónimo, Ms. 964 (Braga, c1610-1750)

Responsório 1 Hodie nobis caelorum Rex – Estevão Lopes Morago

Entrada do 2º tom – Anónimo, Ms. 964 (Braga, c1610-1750)

Responsório 2 Hodie nobis de caelo – D. Pedro de Cristo (c1550-1618)

Responsório 3 Quem vidistis, pastores? – Estevão Lopes Morago

Responsório 4 O magnum mysterium, D. Pedro de Cristo

(interpretação instrumental)

Responsório 5 Beata dei genitrix, Duarte Lobo (c1565-1646)

Vilancico Pues a Dios humano vemos – Anónimo,

Cancioneiro de Belém (c1540-60)

Responsório 7 Beata viscera Maria, D. Pedro de Cristo

Responsório 8 Verbum caro – Duarte Lobo

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Domine labia mea aperies:

Et os meum annuntiabit

laudem tuam.

Senhor, abre os meus lábios,

E a minha boca anunciará

o Teu louvor.

___

Christus natus est nobis:

Venite adoremus.

Senhor por nós nasceu

Vinde todos, adoremos.

___

Christe Redemptor omnium1

Ex Patre Patris unice,

Solus ante principium

Natus ineffabiliter.

Memento salutis Auctor,

Quod nostri quondam corporis,

Ex illibata Virgine

Nascendo formam sumpseris

Hunc caelum, terra, hunc mare,

Hunc omne quod in eis est,

Auctorem adventus tui

Laudans exsultat cantico.

Ó Cristo, redentor do mundo,

Filho único do Pai,

Antes do princípio do mundo, só Vós,

Inefável, nascestes do Pai.

Vós que sois Autor da salvação,

lembrai-vos que outrora assumistes

a condição do nosso corpo, nascendo

de uma Virgem sem mancha.

Por isso, os céus, a terra e os mares

E tudo quanto aí habita

Louva o Autor da Vossa vinda

E exulta em cânticos.

___

Hodie nobis caelorum Rex

de virgine nasci dignatus est,

ut hominem perditum

ad caelestia regna revocaret.

Hoje nasceu para nós, da virgem,

o Rei dos Céus,

Para reconduzir ao Reino do Céu

o Homem perdido.

                                                                                                               1 Tradução gentilmente feita pela Doutora Margarida Miranda, Universidade de Coimbra.

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Gaudet exercitus Angelorum:

quia salus aeterna humano

generi apparuit.

Gloria in excelsis Deo

et in terra pax hominibus bonae

voluntatis.

Gaudet exercitus Angelorum:

quia salus aeterna humano

generi apparuit.

Gloria Patri, et Filio,

et Spiritui Sancto.

Alegrai-vos, exército dos Anjos:

porque apareceu a salvação

eterna para o género humano.

Glória a Deus nas alturas e paz na

terra aos homens de boa vontade.

Alegrai-vos, exército dos Anjos:

porque apareceu a salvação

eterna para o género humano.

Glória ao pai e ao Filho

e ao Espírito Santo.

___

Hodie nobis de caelo pax vera

descendit:

Hodie per totum mundum

melliflui facti sunt caeli.

Hodie illuxit nobis dies redemptionis

nostrae [novae], reparationis

antiquae, felicitatis aeternae.

Hodie per totum mundum

melli flui facti sunt caeli.

Hoje desceu do Céu para nós,

a verdadeira paz:

Hoje, para todo o mundo, foi

derramada do Céu (a Boa Nova).

Hoje é para nós o dia da [nova]

Redenção, a restauração da antiga e

eterna felicidade.

Hoje, para todo o mundo, foi

derramada do Céu (a Boa Nova).

___

Quem vidistis, pastores? Dicite,

annuntiate nobis, in terris quis

apparuit?

Quem vistes, pastores? Dizei-nos,

anunciai-nos,

Quem apareceu sobre a terra?

  9  

Natum vidimus, et choros

Angelorum collaudantes Dominum

Dicite, quidnam vidistis? Et

anuntiate Christi nativitatem.

Natum vidimus, et choros

Angelorum collaudantes Dominum.

Gloria Patri, et Filio,

et Spiritui Sancto.

Natum vidimus, et choros

Angelorum collaudantes Dominum.

Vimos o recém-nascido e os coros

dos Anjos a louvar o Senhor.

Dizei, quem vistes? E anunciai o

nascimento de Cristo.

Vimos o recém-nascido e os coros

dos Anjos a louvar o Senhor.

Glória ao Pai e ao Filho

e ao Espírito Santo.

Vimos o recém-nascido e os coros

dos Anjos a louvar o Senhor.

___

O magnum mysterium, et

admirabile sacramentum, ut

animalia viderent Dominum natum,

jacentem in praesepio:

Beata Virgo, cujus viscera

meruerunt portare Dominum

Christum.

Ave, Maria, gratia plena:

Dominus tecum.

Beata Virgo, cujus viscera

meruerunt portare

Dominum Christum.

Ó grande mistério e sacramento

admirável:

Os animais foram os primeiros a ver

o Senhor deitado numa manjedoura.

Bendita a Virgem cujo

ventre transportou

O Cristo Senhor.

Ave Maria, cheia de Graça:

o Senhor está contigo.

Bendita a Virgem cujo ventre

transportou

O Cristo Senhor.

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___

Beata Dei Genitrix Maria, cujus

víscera intacta permanent:

Hodie genuit Salvatorem saeculi.

Beata, quae credidit: quoniam

perfecta sunt omnia, quae dicta

sunt ei a Domino.

Hodie genuit Salvatorem saeculi.

Bendita Maria, mãe de Deus, cujo

ventre permaneceu intacto.

Hoje deu à luz o Salvador do

mundo.

Bendita aquela que acreditou em

tudo o que o Senhor lhe disse,

porque hoje se tornou verdade.

Hoje deu à luz o Salvador do

mundo.

___

Pues a Dios humano vemos

Venid, venid adorarle emos

Venid adorar al chiquito

I gram Dios de lo criado

Pues quiso ser humanado

Pêra alegrar nuestro spirito

I por Dios le confessemos

Venid, venid adorarle emos.

___

Beata víscera Mariae Virginis, quae

portaverunt aeterni Patris filium et

beata ubera, quae lactaverunt

Christum Dominum:

Quia hodie pro salute mundi de

Virgine nasci dignatus est.

Bendito o ventre da Virgem Maria,

que carregou o Filho eterno do Pai e

bendito o peito que amamentou o

Cristo Senhor:

Que hoje nasceu da Virgem para

Salvação do mundo.

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Dies sanctificatus illuxit nobis :

venite, gentes, et adorate Dominum.

Quia hodie pro salute mundi de Virgine nasci dignatus est.

Este dia santo ilumina-nos: vinde

povos e adorai o Senhor:

Que hoje nasceu da Virgem para Salvação do mundo.

___

Verbum caro factum est

et habitavit in nobis:

Et vidimus gloriam ejus, gloriam

quasi Unigeniti a Patre, plenum

gratiae et veritates.

Omnia per ipsum facta sunt, et sine

ipsum factum est nihil.

Et vidimus gloriam ejus, gloriam

quasi Unigeniti a Patre, plenum

gratiae et veritates.

Gloria Patri, et Filio,

et Spiritui Sancto.

Et vidimus gloriam ejus, gloriam quasi Unigeniti a Patre, plenum gratiae et veritates.

A Palavra fez-se carne

e habitou entre nós:

E nós vimos a Sua glória, a glória

do Filho unigénito do Pai, cheio de

Graça e de Verdade.

Tudo foi feito por Ele e sem Ele nada

seria feito.

E nós vimos a Sua glória, a glória

do Filho unigénito do Pai, cheio de

Graça e de Verdade.

Glória ao Pai e ao Filho

e ao Espírito Santo.

E nós vimos a Sua glória, a glória do Filho unigénito do Pai, cheio de Graça e de Verdade.

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Biblioteca  Geral  da  U.  de  Coimbra,  Manuscrito  com  obras  de  D.  Pedro  de  Cristo  (MM  36),  Responsório  O  magnum  mysterium  

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Sesquialtera - Concerto Renascentista da ESMAE

Sesquialtera é um projecto inserido na disciplina Práticas Colectivas do Curso de

Música Antiga da ESMAE, orientada pelo prof. Pedro Sousa Silva com a

colaboração dos profs. Hugo Soeiro Sanches e Xurxo Varela Díaz.

Concerto Vocal

Ana Rita Venda

Brígida Silva Concerto das Flautas

Débora Vauja González Carla Escuredo Grande

Manuela Lopes Fernando Duarte de Oliveira

Yuliya Harasymenko Giulia Tettamanti

Bruno Nogueira Gonzalo Alonso Rocha

Diogo Alte da Veiga João Nuno Rocha

Ivan Rodriguez Maria Cecilia Peçanha

Octavio Paez Sofia Bartolomé Martin

Ricardo Carvalho Pedro Sousa Silva*

Concerto das Cordas

Carmina Repas Gonçalves

Filipa Meneses

Ricardo Pedro Leitão

João Ferreira

Jorge Costa

Xurxo Varela Díaz*

* Professores do Curso de Música Antiga da ESMAE

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Iniciado em Outubro de 2004 após uma profunda reflexão sobre o estado do ensino da

música antiga em Portugal e sobre o papel da ESMAE na formação de uma nova geração

de intérpretes especializados no reportório anterior ao séc. XIX, o Curso de Música Antiga

da ESMAE (CMA) encontra-se presentemente no sexto ano de actividade e conta com 40

alunos inscritos em 11 variantes dos cursos de licenciatura e mestrado (canto, violino,

viola, violoncelo, viola da gamba, flauta, traverso, oboé, fagote, cravo e alaúde).

Com variantes em qualquer instrumento antigo e canto, um plano curricular altamente

especializado e inspirado nos programas e experiências das mais reputadas escolas

europeias, um corpo docente de sólida formação académica e com larga experiência

concertística no seio de alguns dos mais prestigiados agrupamentos e um ritmo de trabalho

inovador, o CMA é neste momento o principal centro de música antiga em Portugal

atraindo alunos de diversos países Europeus, Brasil e México.

A aquisição de hábitos de palco desempenha um papel fundamental na filosofia que rege o

CMA. Nesse sentido, os alunos são encorajados a se apresentarem em palco o mais

regularmente possível, quer em audições livres e organizadas pelos próprios alunos

realizadas quinzenalmente na própria escola, quer em concertos dentro e fora de portas. Os

grupos mais representativos do CMA, a Orquestra de Música Antiga e Sesquialtera

(concerto renascentista da esmae) são o principal ponto de contacto dos alunos com parte

relevante do reportório dos séculos XVI-XVIII e apresentam-se regularmente em concertos

dirigidos pelos seus professores ou por maestros convidados (Amandine Beyer, Enrico

Parizi, Erik van Nevel, Benjamin Chénier).

O Curso de Música Antiga da ESMAE é coordenado pela cravista Ana Mafalda Castro e tem

ainda como docentes Amandine Beyer (violino e viola barroca), Marco Ceccato (violoncelo

barroco), Xurxo Varela (viola da gamba), Pedro Sousa Silva (flauta e música de câmara),

Olavo Barros (traverso), Pedro Castro (Oboé Barroco), Hugues Kesteman (Fagote Barroco),

Ronaldo Lopes (alaúde), Magna Ferreira (canto), Catarina Costa Silva (danças antigas e

interpretação cénica), Júlio Galvão Dias (música de câmara), Hugo Sanches (alaúde e

práticas colectivas), Sabela Garcia Fonte (violino barroco e práticas colectivas) e Sofia Pinto

(baixo contínuo).

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