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boletim de geociências paranaense Conservação e restauro do patrimônio geológico e sua relevância para a geoconservação Conservation and restoration of geological heritage and its relevance to geoconservation KÁTIA LEITE MANSUR, LUIZA CORRAL MARTINS DE OLIVEIRA PONCIANO, ALINE ROCHA DE SOUZA FERREIRA DE CASTRO, ISMAR DE SOUZA CARVALHO Universidade Federal do Rio de Janeiro - [email protected] - [email protected] - [email protected] - [email protected] Resumo O desenvolvimento e adaptação de metodologias e diretrizes específicas para a conservação e o restauro do patrimônio geológico e são temas relevantes para as ações voltadas para a Geoconservação. A fim de contribuir para o desenvolvimento desta área, foram analisadas intervenções em monumentos e geossítios brasileiros e internacionais, visando sua preservação frente às ameaças naturais ou antrópicas. Algumas medidas de conservação e restauro podem deteriorar o valor científico, didático e estético dos geossítios, quando não é realizado um planejamento adequado e análise crítica prévia. São sugeridas algumas ações práticas para o controle da erosão e outros efeitos do intemperismo, o restauro de geossítios danificados por vandalismo e a realização de projetos de educação patrimonial, incluindo a participação de profissionais de diversas áreas para consolidar novos métodos de preservação do patrimônio geológico. in situ ex situ Palavras-chave: Geoconservação, Restauro, Educação Patrimonial, Patrimônio Geológico. Abstract This paper aims to highlight the necessity to develop and adapt methodologies and guidelines to conservation and restoration of the and geological heritage. At the moment, these issues have been superficially discussed in the available literature on Geoconservation in Brazil. The interventions in national and international monuments and geosites were analyzed in form to contribute to their preservation against natural and anthropogenic threats. Some conservation and restoration technics can damage the aesthetic, scientific and didactic value of the geosites, if the responsible for its protection doesn´t make planning and critical analysis of the interventions. It is suggested practical actions to erosion control and other weathering effects, to the restoration of geosites damaged by vandalism and to the implementation of projects of heritage education. It is important too, the participation of professionals of several knowledge areas to consolidate news approaches to the preservation of geological heritage. in situ ex situ Key words: Geoconservation, Restoration, Heritage Education, Geoheritage. 1. INTRODUÇÃO Com base na análise das várias formas de proteção do patrimônio cultural, Flores (2005) define Preservação como todas as ações que beneficiam a manutenção do bem cultural, incorporando, inclusive, a legislação. Conservação é o conjunto de medidas destinado a conter as deteriorações de um objeto ou resguardá-lo de danos. Restauração é o trabalho de recuperação feito em construção ou em objeto parcialmente destruído ou é a intervenção que se realiza num objeto com a finalidade de recompô-lo. Para Flores (2011) a conservação visa interromper os processos de deterioração, conferindo estabilidade à obra, enquanto a restauração atua sobre um objeto para não apenas conferir-lhe estabilidade, mas recuperar, ao máximo possível, as informações nele contidas. Todas estas definições foram apropriadas de análises sobre os bens culturais e conclui-se que a preservação envolve a conservação (prevenção ou manutenção) e a restauração (recuperação) (Mansur 2011). A compreensão destes conceitos pode variar de acordo com a área em que são utilizados. Para o patrimônio geológico, no entanto, parecem perfeitamente aplicáveis. Destaca-se que o patrimônio paleontológico está incluso nesta análise. O patrimônio cultural conta com a preocupação sistemática para sua proteção desde a Revolução Francesa, com a tomada de consciência após a destruição de bens artístico- culturais e a decisão de restaurá-los, além da expropriação dos bens do clero, dos imigrados e da monarquia, o que configura, inclusive, o valor público do patrimônio (Choay 2001). Segundo Gonçalves (2002), é a distância espacial ou temporal em relação àquilo que os bens significam que os faz desejáveis e, consequentemente, alvo das práticas de apropriação, restauração e preservação. Enquanto significantes, esses objetos são usados para significar uma realidade que jamais poderá ser trazida por eles, uma realidade que será, como todo objeto de desejo, para sempre ausente. As práticas de apropriação, restauração e preservação desses objetos volume 70 (2013) 137 - 155 137

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Conservação e restauro do patrimônio geológico e suarelevância para a geoconservação

Conservation and restoration of geological heritage and its relevance to geoconservation

KÁTIA LEITE MANSUR, LUIZA CORRAL MARTINS DE OLIVEIRA PONCIANO,ALINE ROCHA DE SOUZA FERREIRA DE CASTRO, ISMAR DE SOUZA CARVALHO

Universidade Federal do Rio de Janeiro - [email protected] - [email protected] - [email protected] -

[email protected]

Resumo

O desenvolvimento e adaptação de metodologias e diretrizes específicas para a conservação e o restauro do patrimônio geológico esão temas relevantes para as ações voltadas para a Geoconservação. A fim de contribuir para o desenvolvimento desta área, foram

analisadas intervenções em monumentos e geossítios brasileiros e internacionais, visando sua preservação frente às ameaças naturais ouantrópicas. Algumas medidas de conservação e restauro podem deteriorar o valor científico, didático e estético dos geossítios, quandonão é realizado um planejamento adequado e análise crítica prévia. São sugeridas algumas ações práticas para o controle da erosão eoutros efeitos do intemperismo, o restauro de geossítios danificados por vandalismo e a realização de projetos de educação patrimonial,incluindo a participação de profissionais de diversas áreas para consolidar novos métodos de preservação do patrimônio geológico.

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Palavras-chave: Geoconservação, Restauro, Educação Patrimonial, Patrimônio Geológico.

Abstract

This paper aims to highlight the necessity to develop and adapt methodologies and guidelines to conservation and restoration of theand geological heritage. At the moment, these issues have been superficially discussed in the available literature on

Geoconservation in Brazil. The interventions in national and international monuments and geosites were analyzed in form to contribute totheir preservation against natural and anthropogenic threats. Some conservation and restoration technics can damage the aesthetic,scientific and didactic value of the geosites, if the responsible for its protection doesn´t make planning and critical analysis of theinterventions. It is suggested practical actions to erosion control and other weathering effects, to the restoration of geosites damaged byvandalism and to the implementation of projects of heritage education. It is important too, the participation of professionals of severalknowledge areas to consolidate news approaches to the preservation of geological heritage.

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Key words: Geoconservation, Restoration, Heritage Education, Geoheritage.

1. INTRODUÇÃO

Com base na análise das várias formas deproteção do patrimônio cultural, Flores (2005) definePreservação como todas as ações que beneficiam amanutenção do bem cultural, incorporando, inclusive, alegislação. Conservação é o conjunto de medidasdestinado a conter as deteriorações de um objeto ouresguardá-lo de danos. Restauração é o trabalho derecuperação feito em construção ou em objetoparcialmente destruído ou é a intervenção que se realizanum objeto com a finalidade de recompô-lo. Para Flores(2011) a conservação visa interromper os processos dedeterioração, conferindo estabilidade à obra, enquanto arestauração atua sobre um objeto para não apenasconferir-lhe estabilidade, mas recuperar, ao máximopossível, as informações nele contidas. Todas estasdefinições foram apropriadas de análises sobre os bensculturais e conclui-se que a preservação envolve aconservação (prevenção ou manutenção) e a restauração

(recuperação) (Mansur 2011). A compreensão destesconceitos pode variar de acordo com a área em que sãoutilizados. Para o patrimônio geológico, no entanto,parecem perfeitamente aplicáveis. Destaca-se que opatrimônio paleontológico está incluso nesta análise.

O patrimônio cultural conta com a preocupaçãosistemática para sua proteção desde a RevoluçãoFrancesa, com a tomada de consciência após a destruiçãode bens artístico- culturais e a decisão de restaurá-los,além da expropriação dos bens do clero, dos imigrados eda monarquia, o que configura, inclusive, o valor públicodo patrimônio (Choay 2001).

Segundo Gonçalves (2002), é a distânciaespacial ou temporal em relação àquilo que os benssignificam que os faz desejáveis e, consequentemente,alvo das práticas de apropriação, restauração epreservação. Enquanto significantes, esses objetos sãousados para significar uma realidade que jamais poderáser trazida por eles, uma realidade que será, como todoobjeto de desejo, para sempre ausente. As práticas deapropriação, restauração e preservação desses objetos

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são estruturalmente articuladas por um desejo"permanente e insaciável" pela autenticidade, que é oefeito de sua própria perda. O restauro possui uma CartaPatrimonial específica (Cury 2000), a Carta de Veneza, de1964, sobre a conservação e a restauração demonumentos e sítios, embora o tema seja tratado desdea Carta de Atenas, de 1931, que foi a primeira a serinstituída no âmbito da Sociedade das Nações,organismo internacional que antecedeu à Organizaçãodas Nações Unidas – ONU. Merece menção a Carta deParis, de 1962, relativa à salvaguarda da beleza e docaráter das paisagens e sítios e também se destaca aimportância do Parque Nacional de Yellowstone. Criadoem 1872, nos Estados Unidos, foi o primeiro parque a serpreservado nos moldes atuais, sem a presença humana(Bensusan 2006). Para Choay (2001) a Itália foi a primeiranação a se preocupar com a conservação dos seusmonumentos, ainda no século XIX.

No caso do patrimônio construído, antigamenteos reparos eram feitos substituindo-se toda a rochadegradada por um material novo similar, o que destruía aoriginalidade do monumento. Há, desta forma, que sefazer uma discussão sobre os aspectos éticos e estéticosda restauração (Fernandes 2008).

Serão apresentadas a seguir algumas tentativasisoladas de proteção contra as ameaças naturais eantrópicas, como a instalação de coberturas e até mesmoo soterramento dos geossítios, que podem deteriorar ovalor científico, didático e estético destas localidades,quando não é realizado um planejamento adequado eanálise crítica prévia.

Este trabalho tem ainda como objetivo enfatizara necessidade do desenvolvimento e adaptação demetodologias específicas para a conservação e o restaurodo patrimônio geológico. Assim sendo, são sugeridaslinhas de ação para o controle da erosão, restauro degeossítios danificados e projetos de educaçãopatrimonial, incluindo a participação de profissionais dediversas áreas para consolidar novos métodos depreservação do patrimônio geológico brasileiro.

Portanto, a fim de contribuir com a conservaçãodos geossítios e com a conservação das

amostras retiradas destas localidades (depositadas emcoleções científicas) e de seus registros associados,optou-se por utilizar a separação proposta por Poncianoet al. (2011) de elementos e do patrimôniogeológico, a fim de aprofundar a discussão sobre asmetodologias mais adequadas para a conservação erestauração dos elementos considerados comopatrimônio em seu lugar de origem ou fora dele.

O componente do patrimônio geológico éclaramente identificado pela maioria dos geocientistas,estando ainda em processo de reconhecimento pelasociedade em geral. De outro modo, a caracterização docomponente é complexa até mesmo entre acomunidade científica, ainda estando em debate quaiselementos podem ser incluídos e, mesmo, se os

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elementos podem ser classificados comopatrimônio geológico.

Segundo Ponciano et al. (2011), acompanhandoo conceito de Brilha (2005), patrimônio geológicocorresponde ao conjunto de depósitos minerais oufossilíferos (aflorantes ou não), paisagens e solos de umadeterminada região, bem delimitados geograficamente,onde ocorrem elementos da geodiversidade comsingular valor do ponto de vista científico, didático,cultural, estético, entre outros.

Os mesmos autores definem patrimôniogeológico como os exemplares da geodiversidaderetirados do seu sítio de origem para integrarem coleçõescientíficas de instituições de pesquisa e os registrosrelacionados à coleta, guarda e estudo deste material ede outros elementos da geodiversidade que apresentemconspícuo valor científico, didático, cultural, estético,histórico entre outros. Citam como exemplos: (1) ascoleções científicas de rochas, minerais, fósseis e solosem museus, universidades e outros institutos depesquisa; (2) as publicações científicas raras ou históricas(livros e artigos em periódicos); (3) os dados científicosnão publicados e com valor associado a aspectos dahistória da ciência ou sobre descobertas científicas(monografias, dissertações, teses, cadernetas de campo,fotografias, filmes, ilustrações, mapas, perfisestratigráficos, entre outros); (4) as reproduções(réplicas, esculturas, desenhos e pinturas) de fósseis,rochas e minerais e as reconstituições anatômicas,biomecânicas, paleoambientais, paleoecológicas epaleogeográficas realizadas com técnicas, métodos econhecimentos vigentes em época pretérita; e (5) osinstrumentos científicos e laboratórios antigos utilizadosno desenvolvimento de estudos geológicos,paleontológicos e em áreas relacionadas.

A deterioração das rochas pode ocorrerlentamente para a escala humana, entretanto algunstipos são alterados com maior facilidade devido às suascaracterísticas intrínsecas e à ação antrópica.Vandalismos e outros fatores, como a poluiçãoatmosférica e hídrica, aceleram o processo intempérico(Reys et al. 2008).

A degradação natural das rochas pode ocorrerpor processos químicos e físicos, que podem seracelerados por agentes biológicos, devido (1) às reaçõesque se processam na superfície e nas descontinuidadesdas rochas, com a formação de minerais secundários; (2)aos fenômenos de expansão e contração dos minerais,provocados por variações térmicas, abalos físicos devárias origens, e por expansões decorrentes da geraçãode minerais secundários (hidratação de mineraisargilosos expansivos, ação da tensão superficial da águano decurso de processos naturais de saturação esecagem, e ação das forças de cristalização de sais); e (3)

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2. MARCO CONCEITUAL

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ao crescimento de micro-organismos e vegetais sobre asrochas, além dos detritos fecais de diversos tipos deanimais, como pássaros, morcegos e roedores (Aires-Barros 1991). Em cavernas, por exemplo, a simplespresença de visitantes pode aumentar a umidade relativado ambiente, o que pode danificar espeleotemas eoutros elementos do geossítio. Isto, quando não sãodepredadas por visitantes, como vem ocorrendo desdecom as cavernas mais conhecidas do país, como a Grutade Maquiné, até outras de menores dimensões (Figuras 1e 2).

da preservação do seu valor intrínseco. Por esta razão,antes da intervenção, é necessário definir umametodologia adequada às características de cadageossítio: documentar e registrar todas as açõesrealizadas durante a restauração, a metodologia, osmateriais e as análises empregadas (modificado de Reyset al. 2008). Um bom exemplo a ser citado é o estudo pararestauração de rochas no sítio arqueológico do Vale doCôa, em Portugal, onde ensaios e experiências foramrealizados por empresas que utilizaram técnicas eabordagens diversas, com o intuito de preservar pinturasrupestres em xisto, ameaçadas por intemperismo eerosão (Fernandes 2008). No Brasil, sítios arqueológicosde alta relevância, sofrem com deterioração natural edepredação antrópica (Figura 3 a 6).

Figura 1 – Espeleotemas danificados por depredação. Gruta deMaquiné, MG, uma das mais importantes e famosas do Brasil(Fotografia: Kátia Mansur, 2007).

Figura 2 – Espeleotemas danificados por depredação. Cavernada Pedra Santa, em Cantagalo – RJ, uma das poucas cavernascalcárias mapeadas no estado foi fechada para a visitaçãoporque seus espeleotemas vêm sendo destruídos (Fotografia:IBAMA Nova Friburgo).

Figura 3 – Deterioração natural em sítios arqueológicos.Crescimento de líquen e vegetação sobre parte da exposição

do Sambaqui da Tarioba, em Rio das Ostras, RJ. Em 2012este sítio foi fechado temporariamente à visitação para quefosse feita manutenção e higienização do afloramento(Fotografia: Kátia Mansur, 2010).

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Figura 4 – Deterioração natural em sítios arqueológicos.Eflorescência salina em painel de pinturas da Serra da Capivara,Piauí (Fotografia: Ismar de Souza Carvalho, 2010).Por outro lado, deve-se destacar que

intervenções efetuadas com o objetivo de conservação erestauro do patrimônio não devem ultrapassar o limiar

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Figura 5 – Depredação em sítios arqueológicos. Pinturarupestre usada como alvo de tiros na Serra da Lua, Pará(Fotografia: Marcela Nogueira de Andrade).

Figura 6 – Depredação em sítios arqueológicos. Pichação sobrep i n t u r a r u p e s t r e n a P e d r a d o C a s t e l o , P i a u í(Fotografia:hyperlinK"http://www.restaurabr.org/siterestaurabr/ARC_Vol_3/CONSERVACAODEARTERUPESTRENONORDESTEDOBRASILluiscavalcante.pdf"http://www.restaurabr.org/siterestaurabr/ARC_Vol_3/CONSERVACAO%20DE%20ARTE%20RUPESTRE%20NO%20NORDESTE%20DO%20BRASIL%)uis%)20cavalcante.pdf).

Os métodos hoje utilizados para restauro são cada vezmais eficientes e consideram o aspecto final do bemrestaurado de formas variadas, de acordo com aabordagem teórica escolhida. Desde o século XIX, duascorrentes se destacaram como tendências antagônicasno ocidente, lideradas por Viollet-le-Duc, na França, eJohn Ruskin, na Inglaterra. A tendência francesa é maisintervencionista e defende o retorno, o mais próximopossível, à aparência original do bem. Já a inglesadefende a postura de que as intervenções sejamrealizadas apenas para a consolidação do monumento,descartando as questões estéticas (Braga 2003).

A evolução desses conceitos resulta na teoria dorestauro crítico criada por Cesari Brandi na década de1930, na Itália. Brandi estabelece critérios paraintervenções de restauro, onde são considerados tantovalores estéticos quanto históricos. Reintegrações sãopermitidas desde que preservando a autenticidade daobra. O tratamento das lacunas deve ser reconhecívelquando visto de perto, buscando a unidade potencial daobra. Dois princípios básicos foram estabelecidos: o deutilização de materiais reversíveis e o da mínimaintervenção. Quando não é possível o uso de materiaisreversíveis, deve-se procurar por aqueles que aceitemnovos tratamentos, o que foi denominado como terceiroprincípio, o da compatibilidade (Brandi 2000).

A princípio, pode-se analisar o conceito depatrimônio por sua origem etimológica, como sendo algode valor que é passado ou herdado por uma nova geração(Gonçalves 2002; Assunção 2003). Na atualidade,segundo Grunberg (2000), o significado permanece, epode ser também atribuído a um bem cultural, ou seja,àquilo através do qual se pode compreender e identificaruma determinada cultura, situado em um determinadolocal e tempo. Um bem cultural ou um patrimônioconstituem uma evidência concreta de experiência dopassado. Se isso não ocorrer, não há sentido na suapreservação (Grunberg 2000).

O próprio conceito de Patrimônio remete à ideiade valor, o que nos permite lembrar o seu caráter designo. É uma poderosa construção sígnica, constituída einstituída a partir de percepções identitárias eintegralmente vinculada ao sentimento de pertença, apartir do qual se reflete em todos os jogos da memória ese expressa em todas as representações sociais. Emoutras palavras, expressa as relações que cada gruposocial estabelece com a natureza ou com sua produçãocultural, estando diretamente influenciado pelasmaneiras sob as quais cada sociedade compreendeNatureza e Cultura (Scheiner 2006).

Um patrimônio pode ser dividido em benstangíveis e intangíveis. O primeiro reúne qualquerevidência material, como construções e documentos. Osegundo corresponde aos elementos que não sematerializam, ocorrem em um determinado tempo, masnão se perpetuam, como o modo de fazer, as danças, asreceitas culinárias, entre outros. Estes se preservam

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através da tradição e da sua prática (Grunberg 2000). Noque tange ao patrimônio geológico, pode-se encontrarestas duas formas. As técnicas de coleta, preparação,métodos de lavra e outros modos de fazer são partes dopatrimônio intangível, enquanto que os afloramentos,paisagens e amostras, por exemplo, são tangíveis.

Para Fonseca (2005), o patrimônio situa-seentre dois pontos, o primeiro correspondente àsidentidades coletivas, envolvendo questões comomemória e tradição, e o segundo envolvendo a suautilização como meio de legitimar a ideia de nação. Emambos os casos, o que muda é o valor simbólico atribuídoao bem cultural. Ressalta-se que há o entendimento queos bens naturais podem ser compreendidos comoculturais, uma vez que estão diretamente associados àsapropriações e atribuições de valor, produtos da açãohumana. Um objeto, uma paisagem, uma área, umdocumento, ou até uma dança ou procissão, enquantoestão apenas com a sua atribuição de funcionalidade,não são patrimônio. A diferença está na interpretaçãoque autoridades legítimas realizam ao atribuir um valorsimbólico de excepcionalidade perante os demais (Lima1997). A reinterpretação que se faz do produto culturalao qualificá-lo na categoria de bem cultural é umaatribuição de valor, um juízo elaborado pelo campocultural que o consigna como elemento possuidor decaráter diferencial, que o distingue, tornando-o especiale em posição de destaque perante os demais objetos danatureza (Lima 1999).

De modo diverso do patrimônio construído, asmetodologias de conservação e restauração dopatrimônio geológico são tratadas de modo disperso esuperficial na literatura. A maioria dos trabalhosexistentes aborda outras etapas das medidas necessáriaspara a promoção da geoconservação, conforme indicadopor Brilha (2005).

A geoconservação, ou conservação dopatrimônio geológico, pressupõe a adoção de medidascomo inventário, quantificação, proteção legal,divulgação, conservação e monitoramento de geossítios(Brilha 2005). Existem diversas publicações tratando dealgumas destas medidas. No entanto, pouco materialencontra-se disponível sobre a conservação dopatrimônio geológico na forma de geossítios ameaçadospela ação antrópica ou natural.

A conservação de ao menos uma parte dopatrimônio geológico poderia ser viabilizadaadaptando-se a metodologia da Arqueologia demanutenção de blocos testemunhos (Delphim 2004),assegurando assim que ao menos uma parte dos sítiosseja preservada para pesquisas futuras. Além da questãocientífica, a conservação do patrimônio geológicotambém é relevante pela manutenção da potencialidade

3. CONSERVAÇÃO DE SÍTIOS GEOLÓGICOS EPALEONTOLÓGICOS IN SITU

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de desenvolvimento sustentável no local na forma deprojetos de geoturismo e educação patrimonial.Contudo, a continuidade das pesquisas científicas podeser afetada dependendo do tipo de estratégia deconservação aplicada ao patrimônio . Se otombamento for escolhido para um determinadogeossítio, as pesquisas que dependem de coleta dematerial poderiam de ser interrompidas, por exemplo, seisto não estiver previsto no ato normativo dotombamento. Caso o sítio possua elementos muito

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frágeis e mesmo assim seja divulgado para receberturistas antes da instalação de estruturas de proteção, opatrimônio pode acabar sendo rapidamente depredado(Ponciano et al . 2011; Souza et al . 2007).

Para que a conservação do patrimônioseja efetiva é necessária uma estrutura de fiscalizaçãoeficiente e a integração com outras políticas deconservação, a fim de evitar vandalismos ou furtos nosgeossítios. Estes atos geralmente estão relacionados coma ação de “paleo-piratas” ou “geovândalos”, grupos quealém de furtarem fósseis também destroemafloramentos e seu entorno (Fedonkin et al. 2009).Porém, alguns geocientistas (formados ou em formação)também são responsáveis por diversos tipos dedepredação, seja por ignorância ou omissão. Marcaçõesde símbolos e números feitas em tinta permanente, porexemplo, não deixam de ser pichações só porque foramfeitas por pesquisadores. Afloramentos históricos emuito utilizados para fins científicos, didáticos e turísticosdeveriam ter ao menos suas partes principaisconservadas do melhor modo possível.

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Figura 7 – Amostra coletada na pista de pegadas de dinossaurosem Sousa, Paraíba, danificou a integridade do geossítio.

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Devido à maior exposição ao intemperismo, opatrimônio geológico deve ser constantementemonitorado, pois, mesmo em locais com baixo impactoantrópico, os processos naturais também causam adestruição de exemplares da geodiversidade ouinviabilizam o acesso aos afloramentos. Um exemplo deconservação integrada com o componenteé o do Museu “Phu Kum Khao Dinosaur Site”, na Tailândia(Boonchai et al. 2009) e Geoparque Lesvos, na Grécia. NoBrasil, alguns exemplos de conservaçãocombinada com musealização de sítios arqueológicostambém são conhecidos, como sambaquis no Rio deJaneiro e petroglifos em Santa Catarina (Figuras 9 a 14).Assim, com o objetivo de reduzir os efeitos da exposiçãocontínua às alterações naturais, diversos tipos deestruturas de proteção são construídos, comocoberturas para sombreamento ou isolamento domaterial, andaimes para controlar e facilitar o acesso dosvisitantes e barreiras para escoramento ou desvio deáguas superficiais. Contudo, estas interferências podemser exageradas ou equivocadas, ocasionando até mesmoo desinteresse dos visitantes pelos geossítios. Ainstalação de estruturas deve ser bem planejada, depreferência por uma equipe multidisciplinar, com baseem uma ampla análise das características dos geossítios edo clima local, para orientar a escolha dos melhores tiposde materiais e metodologias. A implantação de barreirasfísicas, como coberturas, muros, grades e cercas,também pode ser empregada para impedir aaproximação dos visitantes de elementos maisvulneráveis, porém não pode obstruir a visualização dosobjetos de interesse (Mansur & Nascimento 2007;Ponciano et al. 2011).

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Figura 9 – Exemplo da união dos dois modos de conservação.Museu “Phu Kum Khao Dinosaur Site” construído ao redor deum geossítios com os fósseis , na Tailândia (extraída deBoonchai et al. 2009). O clima úmido local é um sério problemapara a conservação do afloramento e, em 1999, um prédiopermanente foi construído cobrindo o afloramento.

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Figura 10 – Afloramento do Geoparque de Lesvos (Grécia), ondeuma estrutura foi construída para proteger os troncosfossilizados. O resultado estético desta intervenção éinadequado (fotografia extraída de apresentação de JoséBrilha).

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Figura 11 – Musealização no Sambaqui da Tarioba, em Riodas Ostras, RJ (Fotografia: Kátia Mansur, 2010).

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Figura 8 – Afloramento de diamictito da Formação Bebedouro,na Chapada Diamantina, onde a extração de amostras do clastode gnaisse causou danos ao afloramento (Fonte: Mansur, 2009).

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Figura 13 – Estrutura construída para proteção dos petroglifosno Costão do Santinho, Florianópolis, SC. Fotografia:http://trilhasemfronteiras.blogspot.com.br/2009/06/sitio-arqueologico-no-costao-do.html.

Figura 14 – Costão do Santinho, Florianópolis: petroglifosofrendo intemperismo que produz esfoliação na rocha( I C O M O S , 2 0 0 8 ) . F o t o g r a f i a :http://trilhasemfronteiras.blogspot.com.br/2009/06/sitio-arqueologico-no-costao-do.html.

Talvez por falta de tradição na área deconservação e restauro de sítios geológicos ,observa-se que, na tentativa de conservar um geossítio,às vezes são utilizados métodos que podem colocá-lo emmaior risco ou comprometer seu caráter estético. AFiguras 15 a 19 ilustram alguns sítios geológicos,paleontológicos e arqueológicos ameaçados por açãonatural ou antrópica que sofreram intervenções comobjetivo de conservação e restauração. Um casoexemplar para a discussão de conservação noBrasil é o dos pavimentos com pegadas de dinossauro emSousa, na Paraíba, conhecido como o Vale dosDinossauros. A erosão fluvial, o intemperismo e asinundações vêm colocando em risco este que é um dossítios paleontológicos e arqueológicos (representadospelos petroglifos associados aos icnofósseis) maisimportantes do Brasil.

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Figura 15 – Sítio de Laetoli, na Tanzânia: são as mais antigaspegadas de humanoides (3,7 milhões de anos), impressas sobrecinza vulcânica. O geossítio foi recoberto por solo para impedira erosão e destruição antrópica. Posteriormente, sementespresentes no solo utilizado neste processo brotaram ecolocaram a área em risco de destruição ainda maior. Discute-se, inclusive, a retirada das placas com as pegadas para suarealocação em um museu (Fotografia: http://www.african-archaeology.net/news/news.html). Vista do sítio recoberto porrochas em 2011. Importante ressaltar a ineficiência do usoturístico, didático ou científico do sítio enquanto permaneceresta condição, mas a sua integridade deve vir em primeiro lugar.

Figura 12 – Musealização no Sambaqui da Beirada, emSaquarema, RJ (Fotografia: Felipe Medeiros, 2006).

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Figura 17 – Volta Redonda, RJ: construção de praça na tentativade conter a erosão em afloramento de depósitos sedimentarescom evidências de neotectônica, onde se conseguiu evitar orevestimento do afloramento por grama após explicar aimportância didática do local para os moradores (Fotografia:Luiza Ponciano, 2007).

Figura 18 – Sousa, PB: erosão fluvial no pavimento que contémas pegadas de dinossauros (Fotografia: Ismar Carvalho, 2010).

Figura 19 – Rio Piranhas, Parque Vale dos Dinossauros, Sousa,Paraíba - Foi construído um muro que, infelizmente, nãoconsegue deter as águas durante o período chuvoso(Fotografia: Aline Castro, 2012).

Por vezes é o crescimento das cidades queprovoca a destruição de geossítios. Este é o caso dacidade de Picos (Piauí), onde os afloramentos fossilíferossão sistematicamente removidos para serem utilizadosem aterros de rios e áreas alagáveis (como os buritizais)visando à construção de casas no centro da cidade. Osafloramentos que ainda resistem e são acessíveis nãorecebem qualquer tipo de proteção ou indicação deexistência. Algumas localidades fossilíferas citadas naliteratura já não podem mais ser encontradas, pois ospontos de referência utilizados desapareceram (Souza2006; Ponciano et al. 2010, 2012).

Figura 20 – Destruição de afloramento fossilífero da FormaçãoPimenteira, na entrada da cidade de Picos (PI). Toda a áreaplana da fotografia era a continuação do morro visto ao fundo.Este afloramento, rico em icnofósseis e concreções fossilíferas,foi removido entre 2009 e 2011 para aterrar o buritizal da figura21, visando a construção de um estacionamento (Fotografias:Luiza Ponciano, 2012).

Figura 16 – Espanha: afloramento de depósito glacial com, no Parque Alto Tajo, protegido com grades para

evitar geovandalismo. Infelizmente as grades também causamum efeito secundário negativo junto aos visitantes (Fotografia:Luis Carcavilla).

dropstones

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Figura 21 – Buritizal em Picos (PI), citado na figura 20(Fotografia: Luiza Ponciano, 2012).

Ta i s p ro b l e m a s s ã o a g rava d o s p e l odesconhecimento da importância destes geossítios pelapopulação do entorno, que ainda necessita serapresentada e conscientizada sobre o significado dosfósseis que podem ser encontrados nos quintais de suascasas em Picos. A retirada dos fósseis sem a preocupaçãocom a educação e conscientização da comunidade geraameaças ao patrimônio geológico, pois quando ospesquisadores saem dos sítios os moradores podemacabar depredando o local na busca por materiais devalor econômico. Cita-se o exemplo dos clastos facetadosincrustados em pavimentos estriados no sul do Piauí(Caputo & Ponciano 2010) que foram parcialmentearrancados pela população local após verempesquisadores fotografando e tomando medidas nalocalidade. A falta de comunicação com os moradorespode chegar a originar conflitos, e a comunidade podetentar impedir o acesso dos pesquisadores aosafloramentos.

Situação similar ocorre com os afloramentos doMembro Crato, da Formação Santana da Bacia doAraripe, entre os municípios de Santana do Cariri e NovaOlinda, Ceará. A maior parte dos geossítios são pedreirasem atividade, onde a extração do calcário laminado não élegalizada (Figuras 22 e 23). Estas pedreiras representamuma das poucas oportunidades de emprego nestaregião, porém provocam impactos ambientais relevantescomo remoção da cobertura de solo, retirada da mataúmida, destruição dos corpos hídricos e disposiçãoinadequada de rejeitos. Os fósseis encontrados nestesafloramentos possuem inegável valor científico, tantopela diversidade de organismos, quanto pela qualidadeda preservação que apresentam. Nesta conjuntura, agrande dificuldade que envolve a conservação dogeossítios da região é conseguir conciliar os interesseseconômicos, científicos e sociais. As iniciativas deeducação não formal podem ser uma boa opção. NasFiguras 24 e 25 podemos verificar um projeto dedivulgação e educação realizado pelo Geoparque

Araripe, através da criação do Geossítio Pedra Cariri, numtrecho de uma pedreira abandonada. Neste geossítio épossível obter informações sobre a geologia e os fósseisencontrados ali, assim como o seu processo de extração.No entanto, este exemplo também demonstra que aindaé necessária uma maior discussão sobre a musealizaçãode geossítios, principalmente quando os fósseis nãoestão expostos.

Figura 22 – Bacia do Araripe: Mina Pedra Branca, onde as lajesde calcário laminado (ou pedra cariri) são extraídas. Atravésdesta atividade, fósseis são encontrados diariamente.(Fotografia: Aline Castro, 2012).

Figura 23 – Bacia do Araripe: trabalhador manejando as lajes.Esta atividade apresenta-se como alternativa de emprego emovimenta a economia da região (Fotografia: Aline Castro,2012).

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Figura 24 – Geoparque Araripe: geossítio Pedra Cariri, comdestaque para os painéis interpretativos. (Fotografia: Aline

Figura 25 – Bacia do Araripe: alunos da rede pública que fazemparte do Programa Jovens Talentos, coordenado pelo GeoparkAraripe. O programa consiste na conscientização dostrabalhadores das pedreiras e no recolhimento de fósseisdoados para o Museu de Paleontologia de Santana do Cariri(Fotografia: Aline Castro, 2012).

4. CONSERVAÇÃO DOS ELEMENTOS DOPATRIMÔNIO GEOLÓGICO

EX SITU

O patrimônio geológico , sob a forma decoleções científicas, é resultado da coleta dos fósseis emlocais com risco de degradação, incorporando-os a umambiente controlado. Idealmente, diversos fatores comoa umidade, temperatura, sujidades e acesso de pessoalteriam de ser constantemente monitorados. Esteambiente representa uma área de segurança, onde oacervo é registrado, documentado, sofre intervenções(quando necessário) e é acondicionado em mobiliárioadequado (Ponciano et al. 2011, Souza et al. 2007).

Além da guarda das cadernetas de campo, asinformações mais relevantes sobre a coleta do materialtambém devem ser registradas em fichas catalográficas,no período mais breve possível após o recebimento das

ex situ

amostras e de preferência com a participação dospróprios coletores. O controle terminológico de taisfichas deve ser padronizado, pois auxiliará na posteriorrecuperação da informação. Ao serem inseridos noacervo, os fósseis, rochas e outros elementos dageodiversidade devem ser acondicionados edocumentados corretamente por profissionaisexperientes contratados especialmente para este fim, oscuradores. Estes são responsáveis pela conservação,guarda, manutenção, seleção de acervo e dos sistemasde documentação da coleção. Os sistemas dedocumentação são tão importantes quanto os própriosacervos, pois neles está registrada a memória de cadaexemplar. Por isso, o correto acondicionamento dadocumentação, bem como sua automação edisponibilização do banco de dados via Internet sãomedidas de segurança consideradas essenciais (Souza etal. 2007). Ainda referente à importância dadocumentação, destaca-se o trabalho do Comitê deDocumentação do Conselho Internacional de Museus(ICOM), o CIDOC. O Comitê recomenda algumasdiretrizes para museus ou instituições de pesquisa quequeiram realizar um tratamento museológico sobre o seuacervo. As diretrizes são extensas e, por isso, serãodestacadas apenas aquelas consideradas maisimportantes pelas autoras. Todas as demais informaçõespodem ser consultadas no sít io do CIDOC(http://icom.museum/the-committees/).

A documentação do acervo sempre deve ser amais completa possível e a ficha catalográfica deveconter inúmeros campos, mesmo que nem sempre estessejam preenchidos. Estas fichas devem conterinformações que conectam a ficha ao objeto, ou seja, oregistro de uma numeração que remeta ao local onde oacervo está depositado (gaveta ou armário) e ao próprioacervo (lastro).

Outras informações, além das classificaçõestaxonômicas e litoestratigráficas usuais em acervosgeopaleontológicos, devem integrar a ficha. Essescampos devem remeter (1) à forma de aquisição doacervo e nomes dos coletores; (2) à integridade do objeto(conservação), (3) ao número e se possível identificaçãodos espécimes da amostra; (4) às suas medidas e outrascaracterísticas, com descrição por escrito; (5) àinstituição de guarda e informações dos curadores, entremuitos outros. Informações que registram a memória doacervo (como fotografias do objeto e do local deproveniência, mapas de localização e as cadernetas comas informações dos trabalhos de campo) também sãomuito importantes, sendo raras as instituições queefetuam tal registro. Também integram a memória doobjeto os dados de empréstimo, participações emexposições, figuração em artigos, os números de tomborecebidos anteriormente (como os do livro de entrada oude outras coleções), entre outras possibilidades.

O p r o c e s s o d e m u s e a l i z a ç ã o epatrimonialização adotado para os fósseis, rochas e

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minerais também pode ser utilizado, com algumasadaptações, para a guarda de suas reproduções einformações relacionadas. Aconselha-se inclusive ainserção de réplicas, esculturas, desenhos, pinturas einstrumentos antigos nas coleções dos museus,universidades e outros institutos de pesquisa brasileiros,desde que (re)significados como patrimônio.

A conservação das publicações científicas rarase/ou históricas e dos dados científicos não publicadospossibilita a recuperação de valiosas informações sobresítios que já foram destruídos pelo crescimento dascidades ou exploração comercial. A digitalização dosacervos pelas bibliotecas tem sido importante aliadonesta tarefa. Numa outra vertente, a conservação dascadernetas de campo, além do valor histórico, tambémauxilia na reconstituição do contexto geológico deamostras depositadas em museus e universidades, que,posteriormente, podem vir a ser estudadas porpesquisadores que não acompanharam o processooriginal de coleta e mapeamento. Um bom exemplo de

patrimônio geológico são as cartas, mapas,cadernetas de campo e Fotografias do paleontólogoKenneth Edward Caster, da Universidade de Cincinnati(Ohio, EUA), que realizou diversos trabalhos de campo noBrasil na década de 1940 (Ponciano 2013). Estesdocumentos representam um importante registro dosprimórdios da paleontologia e geologia no Brasil. Ascadernetas de campo de K.E. Caster já possibilitaram, emagosto de 2012, a descoberta de horizontes comconcreções ferruginosas da Formação Pimenteirana cidade de Picos. Infelizmente, o principal ponto decoleta de concreções fossilíferas de K.E. Caster é ummorro localizado no centro de Picos, hoje em diacompletamente ocupado por construções. Como esteafloramento não é mais acessível para coleta de materiale novas pesquisas (Figura 26), as informações sobre estalocalidade só podem ser recuperadas a partir destasantigas cadernetas de campo, o que destaca aimportância da conservação dos elementos dopatrimônio geológico (Ponciano 2013).

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ex situ

Figura 26 – Afloramento fossilífero da Formação Pimenteira estudado em 1947 por K.E. Caster, em Picos (PI), atualmente inacessível paranovas pesquisas .in situ

5. RESTAURO DO PATRIMÔNIO GEOLÓGICO

Pelo exposto, fica claro que são necessáriasanálises prévias sobre os métodos de preservação dosgeossítios contra o intemperismo, como a contenção deerosão, controle do fluxo de águas superficiais,consolidação de rochas, preenchimento de fraturas efissuras, entre outros, antes da execução do restauro dosgeossítios e elementos do patrimônio geológico.

Neste contexto de restauro do patrimôniogeológico, entendido como as intervenções realizadasc o m a f i n a l i d a d e d e r e c o m p o s i ç ã o s e mdescaracterização do valor intrínseco dos objetos, umalinha de pesquisa que deve ser desenvolvida é a deestudos sobre adequação dos métodos de restauro dopatrimônio construído que possam ser aplicados aosgeossítios.

ex situ

P r o c e s s o s d e r e s t a u r o e x e c u t a d o sindevidamente podem piorar o estado de deterioraçãoda superfície exposta das rochas, modificando oudanificando seu aspecto estético, pela perda de brilho emanchamentos, devido à interação das característicasintrínsecas das rochas com os agentes do meio ambientee os procedimentos de fixação, limpeza e manutenção(Frascá 2003).

Cada caso deve ter sua análise e soluçãoprópria. Isto fica muito evidente quando se observa aPedra do Índio, em Niterói, RJ (Figuras 27 e 28). Estemonumento natural foi tombado como patrimônioestadual e encontra-se em franco processo de erosão.Uma decisão urgente a ser tomada é quanto à realizaçãode uma intervenção para contenção do processo erosivodo mar ou, então, observar seu desabamento.

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Figura 27 – Pedra do Índio em Niterói, tombada pelo Estado,por parecer do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural –

INEPAC. Imagem de 1894 (acervo do Museu HistóricoNacional).

Figura 28 – Pedra do Índio em Niterói. Imagem de 2008(Fotografia: Kátia Mansur).

O uso de escoras ou o preenchimento dasfraturas podem ser soluções a serem consideradas. Emcasos onde é necessária a contenção da erosão, um dosfatores a ser considerado é a composição da argamassaou resina que poderia ser utilizada no preenchimento dasáreas fraturadas, pois ela deve ser compatível com o tipode rocha. Por exemplo, em uma rocha porosa, a utilizaçãode argamassa inadequada pode levar à percolação deáguas pluviais. Rachaduras, quebras, manchas e lascastambém podem ser originadas pela cristalização de saisintroduzidos na rocha pelo cimento utilizado nasargamassas (Smith 1999). As empresas de conservaçãoque trabalham com patrimônio construído geralmenteutilizam argamassas à base de cal hidráulica, que é umproduto que endurece tanto no ar quanto na água.

O preenchimento de fraturas e fissuras seriaparticularmente útil em um geossítio como o de Souza(Figuras 29 a 33), onde a ameaça aos icnofósseis epetroglifos é iminente. Outra ocorrência recorrente é o

crescimento de vegetação nestas fraturas e moldes, quealém de dificultarem a visibilidade, aceleram o processode destruição destes icnofósseis pelo intemperismo.

Figura 29 – Exemplos de restauração do patrimônio geológico.Restauro de patrimônio construído – Partenon de Atenas(Grécia), onde é nítida a diferença do mármore original e arestauração atual. O processo de restauração tem sido maiscuidadoso que as intervenções anteriores, que resultaram naintensificação das fissuras e fraturas e consequente destruiçãodos blocos originais de mármore. Atualmente as novas peças demármore são fixadas com grampos de titânio e um tipo decimento solúvel, metodologia que também poderia seraplicada em geossítios (Fotografia: Luiza Ponciano, 2010).

Figura 30 – Uso de argamassa como solução parapreenchimento de fraturas: fraturas em rocha do sítioarqueológico de arte rupestre do Vale do Côa, em Portugal(fotografia extraída de Fernandes, 2008).

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Figura 31 – Uso de argamassa como solução parapreenchimento de fraturas: uso em sítio paleontológico emAliaga, Espanha (Fotografia de Kátia Mansur, 2009).

Figura 32 – Uso de argamassa como solução parapreenchimento de fraturas: uso em sítio paleontológico emAliaga, Espanha . É possível ver os detalhes do preenchimentocom argamassa, além do contorno acentuado das pegadas, quecausou um impacto desnecessário ao afloramento (Fotografia:José Brilha).

Figura 33 – Possível uso de argamassa como solução parapreenchimento de fraturas: algumas pegadas em Sousa nãoestão dentro do território protegido pelo Parque dosDinossauros, o que agrava ainda mais a situação dos geossítios.Estas amostras afloram em terreno particular e os proprietáriosnão recebem incentivos para preservá-las. A pegada e opetroglifo atravessados pelas fraturas poderão ser facilmentedestruídos pela erosão se não for realizada uma intervenção nolocal (Fotografia: Aline Castro, 2012).

O preenchimento de furos originados pelacoleta de testemunhos também é outro método derestauro em geossítios, onde poderiam ser utilizadosdiferentes tipos de argamassa. Uma metodologiasugerida por MacFadyen (2011) é primeiramentepreencher o espaço com outro testemunho de diâmetroligeiramente menor ou com pequenos fragmentos darocha, retirados de blocos rolados do mesmo tipo derocha (nunca de material ). O espaço restante deveser preenchido com argamassa e/ou resina adequadaspara o tipo da rocha que está sendo restaurada. A partesuperior do furo deve ser recoberta com o pedaçoquebrado do testemunho que foi extraído, ou deve serreproduzida a textura da superfície da rocha trabalhandoa argamassa ou resina. No caso do uso de fragmentos derocha, eles devem ser reduzidos para um tamanhopequeno e misturados à argamassa ou resina antes daaplicação no furo, para que o espaço seja completamentepreenchido.

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A tentativa de restauração apresentada a seguirdemonstra uma intervenção efetuada incorretamente(Figuras 34 e 35). Foi solicitado que o grupo depesquisadores responsável pela coleta dos testemunhosem um geossítio clássico na costa oeste da Escóciaretornasse ao local para restaurar a parte danificada.Além de não terem sido completamente preenchidos, osfuros foram recobertos com um material de textura ecoloração diferentes, que não foi resistente aointemperismo em curto período de tempo. Comoagravante, os fragmentos de rocha no interior dos furosforam coletados de calcários , situados na zona decontato com a intrusão de onde foram removidos ostestemunhos (MacFadyen 2011).

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Figura 34 – Tentativa de restauração efetuada incorretamenteem um geossítio clássico na costa oeste da Escócia (MacFadyen2011).

Figura 35 – Tentativa de restauração efetuada incorretamenteem um geossítio clássico na costa oeste da Escócia (MacFadyen2011).

Outro geossítio do Reino Unido (Wales)constitui um exemplo muito interessante de restauraçãode um afloramento modificado por ações antrópicas,visando conter o processo de erosão costeira e enchentes(Figuras 36 e 37). As autoridades locais constataram em2006 a construção ilegal de um muro gabião de 110metros de extensão, que cobriu cerca de 50 metros de umgeossítio de especial interesse científico. Após uma longadisputa, em 2011 foi realizado o processo de restauração,quando as rochas do muro foram removidas e enterradasna praia, após acordo entre as autoridades locais e odono da terra. As rochas foram enterradas na esperançade auxiliar a conter o processo erosivo, motivo daconstrução do muro pelo dono da terra (Roberts 2011).

Figura 37 – A situação do local antes do processo derestauração, em 2006 (Roberts 2011).

Figura 36 – Aparência do geossítio em 2011, após a remoção domuro gabião que estava cobrindo parte de um geossítio ondeafloram tilitos que marcam um importante contatoPleistoceno/Quaternário.

Nos casos de restauro, uma importante questãoa ser discutida é a reversibilidade das intervenções,conforme mencionado na proposta de Brandi (2002).Apesar dos materiais utilizados atualmente nestes tiposde procedimentos serem considerados reversíveis, todasas intervenções alteram os objetos enfocados. Mesmoque os vestígios materiais possam ser removidos apósalgum tempo, os efeitos da interação entre eles e oobjeto não serão totalmente reversíveis. O intervalo detempo em que terá de ser realizada a manutenção dasintervenções e a quantidade de recursos alocados

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também devem ser considerados, para que seja viávelmanter as intervenções efetuadas do modo como foramoriginalmente planejadas (Fernandes, 2008).

A erosão é, sem dúvida, o processo natural quemais põe em risco o patrimônio geológico.Curiosamente, ela é responsável pela construção damaioria dos geomorfossítios porque tem papel central naescultura do relevo. Em alguns sítios onde a atuação daerosão é intensa assume-se a perda da paisagem, porqueo processo é inexorável e a escala da intervençãonecessária é muito grande (Mansur et al. 2012). A perdada paisagem antiga pode ser entendida como o ganho deuma nova paisagem. Este é o caso observado na Ilha doFrancês, no Arquipélago de Sant'Anna, em Macaé. Noslineamentos associados a falhas (brechas tectônicas), háuma intensificação do intemperismo que favorece ainfiltração de água e a consequente instabilidade daencosta (Figuras 38 a 41). A praia teria se formado pelorecuo da encosta por movimentos de massa sucessivosno tempo. Este processo levará à divisão da ilha, uma vezque a erosão na vertente leste apresenta processoidêntico.

Figura 38 – Ilha do Francês, Arquipélago de Santana em Macaé,RJ. Imagem Google Earth com os lineamentos. A e B,representam vistas das praias.

Figura 39 – Ilha do Francês, Arquipélago de Santana em Macaé,RJ. Vista da praia na porção A da Ilha (Figura 38).

Figura 40 – Ilha do Francês, Arquipélago de Santana em Macaé,RJ. Movimento de massa no ponto A e B (esquerda e direita -Figura 38).

Figura 41 – Ilha do Francês, Arquipélago de Santana em Macaé,RJ. Movimento de massa no ponto A e B (esquerda e direita -Figura 38).

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A Ilha do Francês é um exemplo de construçãoda paisagem, onde se constata que a atuação deprocessos erosivos considerados como visualmentedesagradáveis podem condicionar a formação de locaisde grande beleza cênica. A beleza do processo geológicose destaca, apesar da aparente feiúra da cicatriz naencosta (Mansur et al. 2012).

Vale, ainda, destacar o uso geoturístico,científico e educacional que pode ser dado a sítiosdegradados pela mineração, sem que restauro sejarealizado. Exemplos como os de Ametista do Sul (RS) e oParque Paleontológico de São José de Itaboraí, RJ devemser destacados (Figuras 42 e 43).

Figura 42 – Usos para áreas degradadas. Ametista do Sul, RS:área de visitação geoturística com apresentação de materiais eprocessos utilizados na lavra (Fotografia: Ismar Carvalho,2010).

Figura 43 – Usos para áreas degradadas. Parque Paleontológicode São José de Itaboraí, RJ: com o fim da vida útil da jazida, aárea foi abandonada pela empresa mineradora. Hoje, um novouso está sendo viabilizado para a área na forma de geoturismo(Fotografia: Kátia Mansur, 2012).

6. EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

A Educação Patrimonial é uma ferramentapedagógica desenvolvida pela área cultural, mas que éperfeitamente adaptável como proposta de trabalho naslocalidades onde ocorrem os geossítios, no intuito decomplementar a grade de ensino e as atividadesgeoturísticas (Castro & Machado 2011). Entende-se porEducação Patrimonial o processo permanente esistemático de trabalho educacional enfocando opatrimônio como fonte primária de conhecimento e deenriquecimento individual e coletivo, utilizando objetose/ou expressões como ponto de partida paradesenvolver atividades pedagógicas, observando-os,questionando-os e explorando nos aspectos possíveis etraduzindo-os em conceitos e conhecimento (Grunberg2000). Esse processo é muito útil para a preservação dopatrimônio geológico por dois principais motivos. Oprimeiro deles é o investimento na sua salvaguarda. Umavez que a população local passa a se identificar e acompreender a importância daqueles elementos dageodiversidade como patrimônio, ela irá desejar eincentivar a sua proteção. Na ausência do poder público,depredações e vandalismos poderão ser coibidos pelapopulação local. O segundo motivo é o compromissosocial que todos os cientistas devem ter. Com a propostada educação patrimonial há um retorno para acomunidade, transmitindo o conhecimento que foiconstruído através dos geossítios (Souza 2006; Castro &Machado 2011).

Nesta linha, destacam-se alguns projetossistemáticos de popularização da geologia que têm sidoinstituídos no Brasil, como os Caminhos Geológicos doRio de Janeiro (2001), Sítios Geológicos e Paleontológicosdo Paraná (2003), Caminhos Geológicos da Bahia (2003),Monumentos Geológicos do Rio Grande do Norte (2006)e Monumentos Geológicos de São Paulo (2009). Emgeral, baseiam-se em iniciativas ligadas ao Geoturismo eGeoconservação, especialmente por meio deimplantação de painéis interpretativos (Piekarz &Liccardo 2006; Cunha et al. 2006, Nascimento et al. 2007;Mansur & Nascimento 2007).

Estas iniciativas podem inverter a tendênciageral ainda vigente em nosso país de tentar retirar amaior quantidade possível de elementos dageodiversidade de seu lugar de origem, com o objetivo desalvá-los da destruição em lugares ermos e com umapopulação que desconhece a sua importância científica,didática e patrimonial. Um projeto que pode auxiliar naconservação dos geossítios é o GEOSSIT, um bancode dados da CPRM destinado ao inventário, qualificaçãoe valoração quantitativa de geossítios brasileiros(http://www.cprm.gov.br/geossit/geossitios), sendolivre consulta e operado por meio de uma base de dadosespecífica do Sistema GEOBANK da CPRM. Também sãomuito relevantes os trabalhos publicados pela SIGEP(Comissão Brasi leira de Sít ios Geológicos e

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Paleobiológicos: http://sigep.cprm.gov.br/sitios.htm) e op r o j e t o G e o p a r q u e s :http://www.cprm.gov.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=134).

Atualmente, a necessidade de um retorno doconhecimento científico para a população do local ondesão coletados os fósseis é cada vez mais difundida.Acredita-se que somente através da inclusão dacomunidade local em projetos de educação patrimonial egeoturismo (com a instalação de museus, parques,centros de pesquisa e outras formas de geração detrabalho e renda), a conservação do patrimôniogeológico poderá ser concretizada em um país comas dimensões e problemas sociais do tamanho do Brasil(Ponciano et al. 2011).

A realização de programas de educaçãopatrimonial também é fundamental para combaterameaças como o geovandalismo e outros danosantrópicos ao patrimônio. Em locais de visitação turística,um projeto especial de interpretação do geossítio deveser elaborado para buscar uma melhor relação entre ovisitante e a preservação do patrimônio. Entende-se queos aspectos funcionais e estéticos de um sítio devem serdesenvolvidos em toda a sua potencialidade, portantodiversos profissionais devem ser envolvidos nos projetos,como engenheiros, geógrafos, arquitetos, biólogos,museólogos e turismólogos, além de geólogos epaleontólogos, obviamente. A inclusão da disciplina degeoconservação nos cursos universitários que formam osprofissionais citados acima também contribuiria para adifusão da importância da conservação do patrimôniogeológico.

A análise preliminar dos estudos de casoapresentados indica que devem ser direcionados maisesforços na proposição e experimentação de materiais etécnicas de conservação e restauração voltadas para opatrimônio geológico, assim como para a compreensãode tudo o que está associado com as intervenções, comoas causas e efeitos dos processos naturais e antrópicosque interferem no local. Por exemplo, alguns trabalhosde arqueologia realizam um monitoramento topográficodos afloramentos e das vertentes onde estes seencontram, além da análise detalhada de fatoressísmicos, geomorfológicos e climáticos da região.

A efetividade da conservação do patrimônio

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7. COMENTÁRIOS FINAIS

geológico dependerá da implantação eficaz deuma ampla estrutura de fiscalização, manutenção e deatividades didáticas e recreativas contínuas, que devemser reavaliadas e adaptadas segundo os tipos e graus deproblemas da área e de participação da população doentorno e visitantes dos geossítios. As atividadesdidáticas e recreativas e o monitoramento dasinstalações e da infraestrutura devem ser frequentespara evitar o abandono dos sítios pela comunidade

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epelos visitantes, pois se o local não estiver em boascondições de visitação (afloramento visível aos visitantes,com os acessos e infraestrutura limpos e bemconservados, por exemplo) as pessoas irão se deslocarpara outras regiões.

O restrito conhecimento geológico epaleontológico da maioria da população brasileira,derivado da precária educação formal e informal na áreadas geociências, tem relação direta com a carência demedidas de conservação e restauração do patrimôniogeológico. Grande parte dos professores dos diferentesníveis de ensino não foi apresentada nem aos conteúdosbásicos de geologia e paleontologia durante mais de umadécada e meia de ensino formal. Enquanto estasdisciplinas não são incluídas nos currículos escolares emtodos os níveis de educação formal, projetos de educaçãopatrimonial nas comunidades próximas aos sítiospaleontológicos, exposições em museus, publicação detextos de divulgação em sites e revistas, palestras ecursos professores são alternativas para auxiliar nadivulgação das geociências para a sociedade.

F i n a l m e n t e , é m u i t o i m p o r t a n t e odesenvolvimento de uma visão patrimonial em todosaqueles que trabalham direta ou indiretamente com osgeossítios brasileiros, independentemente de suaformação acadêmica. O nosso patrimônio geológico estásujeito a diversos tipos de ameaças, e em muitos casos ospróprios geocientistas são os responsáveis por suadestruição. Portanto, sugere-se que antes da realizaçãoda coleta de material em trabalhos de campo, adistribuição e o modo de ocorrência das concentraçõesfossilíferas e de outros elementos da geodiversidadesejam avaliadas de acordo com as peculiaridades dosdepósitos e os objetivos dos estudos, a fim de evitar aretirada excessiva de material dos geossítios.Acredita-se que a conservação dos geossítiospoderia ser mais difundida e aprimorada através daelaboração de um código de conduta para trabalhos decampo em Geologia e Paleontologia no Brasil.

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Manuscrito ID 31871Submetido em maio de 2013

Aceito em julho de 2013

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