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8/18/2019 Contos Ass Omb 002 http://slidepdf.com/reader/full/contos-ass-omb-002 1/15 O QUARTO VERMELHO  H.G. Wells “Posso assegurar-lhe”, disse eu, “que somente um fantasma bem tangível poderá me assustar.” E postei-me diante da lareira, com meu copo na mão. “ escolha ! sua”, disse o homem do bra"o mirrado e lan"ou-me um olhar de soslaio. “#inte e oito anos”, disse eu, “$á vivi e nunca vi um fantasma.”   velha senhora estava sentada, olhando %&amente para o fogo, os olhos opacos bem abertos. “'”, disse subitamente, “e há vinte e oito anos voc( vive e nunca viu uma casa como esta, ! verdade. )á muitas coisas para ver quando ainda se está com vinte e oito anos.” Ela balan"ou vagarosamente a cabe"a de um lado para o outro. “*uitas coisas para ver e lamentar.” Eu tinha uma leve suspeita de que os dois velhos estavam tentando acentuar os horrores espirituais de sua casa mediante seu +unido insistente. oloquei meu copo va+io na mesa e dei uma olhada volta da sala tive um vislumbre de mim mesmo, diminuído e disformemente alargado, no antigo e estranho espelho no e&tremo da sala. “/em”, disse eu, “se eu vir algo esta noite, %carei mais sábio. Pois vim tratar do caso com espírito aberto.” “ escolha ! sua”, disse o homem do bra"o mirrado novamente. 0uvi o som de uma bengala e passos tr1pegos nas la$es do corredor e&terno, e a porta rangeu nas dobradi"as quando um segundo velho entrou, mais curvado, mais enrugado, mais

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O QUARTO VERMELHO

 H.G. Wells

“Posso assegurar-lhe”, disse eu, “que somente umfantasma bem tangível poderá me assustar.” E postei-mediante da lareira, com meu copo na mão.

“ escolha ! sua”, disse o homem do bra"o mirrado elan"ou-me um olhar de soslaio.

“#inte e oito anos”, disse eu, “$á vivi e nunca vi umfantasma.”  velha senhora estava sentada, olhando %&amente para

o fogo, os olhos opacos bem abertos. “'”, disse subitamente,“e há vinte e oito anos voc( vive e nunca viu uma casa comoesta, ! verdade. )á muitas coisas para ver quando ainda seestá com vinte e oito anos.” Ela balan"ou vagarosamente acabe"a de um lado para o outro. “*uitas coisas para ver e

lamentar.”Eu tinha uma leve suspeita de que os dois velhos estavam

tentando acentuar os horrores espirituais de sua casamediante seu +unido insistente. oloquei meu copo va+io namesa e dei uma olhada volta da sala tive um vislumbre demim mesmo, diminuído e disformemente alargado, no antigoe estranho espelho no e&tremo da sala. “/em”, disse eu, “seeu vir algo esta noite, %carei mais sábio. Pois vim tratar do

caso com espírito aberto.”“ escolha ! sua”, disse o homem do bra"o mirrado

novamente.0uvi o som de uma bengala e passos tr1pegos nas la$es

do corredor e&terno, e a porta rangeu nas dobradi"as quandoum segundo velho entrou, mais curvado, mais enrugado, mais

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idoso ainda do que o primeiro. Ele se apoiava em uma 2nicamuleta, seus olhos estavam cobertos por uma sombra e seulábio inferior, meio repu&ado, pendia pálido e estriado derosa de seus dentes estragados e amarelados. Ele dirigiu-se

imediatamente para uma poltrona no lado oposto da mesa,sentou-se desa$eitadamente e come"ou a tossir. 0 homem dobra"o mirrado lan"ou ao rec!m-chegado um breve olhar detotal aversão a velha ignorou sua chegada e permaneceucom os olhos %&os no fogo.

“Eu disse3 a escolha ! sua”, disse o homem do bra"omirrado, quando o outro velho parou de tossir por ummomento.

“ escolha ! minha”, respondi.0 homem da sombra pela primeira ve+ deu-se conta de

minha presen"a e pendeu momentaneamente sua cabe"apara trás e para os lados, para observar-me. Pude ver, por uminstante, os seus olhos, pequenos, brilhantes e avermelhados.Então ele come"ou a tossir e a cuspir novamente.

“0ra, por que voc( não bebe alguma coisa4”, disse ohomem do bra"o mirrado, empurrando a cerve$a em dire"ãoao outro. 0 homem da sombra encheu um copo com um bra"otr(mulo que derramou a metade do líquido na mesa de pinho.5ma sombra monstruosa dele raste$ava na parede e fa+iatro"a de seus gestos enquanto se servia e bebia. 6evoconfessar que não imaginava encontrar esses curadoresgrotescos. Para mim, e&iste algo de inumano na senilidade,algo de raste$ante e atávico as qualidades humanas parecem

abandonar imperceptivelmente os velhos, dia ap7s dia. queles tr(s %+eram-me sentir pouco vontade, com seussil(ncios sombrios, seus corpos encurvados, sua clarahostilidade tanto com rela"ão a mim quanto entre si.

“8e”, disse eu, “voc(s me levarem ao seu quarto mal-assombrado, eu me instalarei confortavelmente lá.”

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0 velho da tosse atirou a cabe"a para trás, tãosubitamente, que dei um salto, e lan"ou-me um outro olharde seus olhos in9amados por debai&o da sombra masningu!m me respondeu. Esperei um minuto, %tando-os um a

um.“8e”, disse eu, um pouco mais alto, “se voc(s me levarem

a esse seu quarto mal-assombrado, eu os livrarei do trabalhode me fa+erem sala.”

“)á um candeeiro na prancha do lado de fora da porta”,disse o homem do bra"o mirrado, olhando para meus p!senquanto falava. “*as se voc( for ao quarto vermelho estanoite...”

“:ustamente esta noite;”, disse a velha.“#oc( irá so+inho.”“*uito bem”, respondi. “E onde %ca4”“#á pelo corredor”, disse ele, “at! chegar a uma porta, e

al!m dela há uma escada em caracol e na metade dela háuma plataforma e outra porta coberta com uma baeta.

 travesse-a e siga pelo corredor at! o %m. 0 quarto vermelho%ca esquerda, logo adiante.”

“Entendi direito4”, disse eu, repetindo as instru"<es. Eleme corrigiu em um ponto.

“E voc( vai mesmo4”, disse o homem da sombra, olhandonovamente para mim, pela terceira ve+, com aquele estranho,bi+arro repu&o no rosto.

=“:ustamente esta noite;”, disse a velha.>“?oi para isso que vim”, disse eu e me dirigi para a porta.

Enquanto o fa+ia, o velho da sombra levantou-se e cambaleouem volta da mesa, para apro&imar-se dos outros e do fogo. @aporta, virei-me, olhei para eles e vi que haviam se $untado,escuros, contra o fogo da lareira, encarando-me sobre seusombros, com uma e&pressão concentrada em seus rostosenvelhecidos.

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“/oa noite”, disse eu, abrindo a porta.“ escolha ! sua”, disse o homem do bra"o mirrado.6ei&ei a porta aberta at! que a chama da vela %casse

bem acesa e então a fechei e caminhei pelo corredor gelado e

ressonante.6evo confessar que a singularidade desses tr(s velhos

pensionistas a quem a proprietária encarregara de cuidar docastelo e a mobília antiquada da sala do +elador na qual eleshaviam anteriormente se reunido afetou-me, a despeito demeus esfor"os em manter minha frie+a de espírito. Elespareciam pertencer a uma outra era, uma era remota,quando as coisas espirituais eram diferentes das nossas,menos claras uma era em que se acreditava em presságios eem bru&as A e acima de tudo em fantasmas. 8ua pr7priae&ist(ncia era espectral o corte de suas roupas, estilosnascidos de c!rebros mortos. 0s ornamentos e ob$etos 2teisda sala a sua volta eram fantasmáticos A pensamentos dehomens desaparecidos, que ainda assombravam, mais do quedele participavam, o mundo de ho$e. *as com um esfor"oconsegui despachar tais pensamentos. 0 corredorsubterrBneo, comprido e atravessado de correntes de ar, eragelado e empoeirado, minha vela tremulava e fa+ia assombras tremerem e se agitarem. 0s ecos soaram acima eabai&o da escada em caracol, e uma sombra veio de bai&o,

 velo+mente em minha dire"ão e outra correu minha frente,para a escuridão acima. heguei ao patamar e parei ali porum instante, escuta de um farfalhar que imaginei ter

ouvido então, convencido pelo sil(ncio absoluto, abri a portacom a baeta, detive-me no corredor.0 que vi não era bem o que eu esperava, pois o luar,

entrando pela grande $anela da escadaria imponente,real"ava tudo com uma sombra nítida e negra ou com umalu+ prateada. Cudo estava em seu lugar3 parecia que a casa

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fora abandonada no dia anterior, em ve+ de de+oito mesesatrás. )avia velas nos soquetes das arandelas e a poucapoeira que cobria os tapetes ou o soalho encerado distribuíra-se de modo tão uniforme que era invisível ao luar. Duando

estava prestes a entrar, parei abruptamente. 5m con$unto debron+e estava em p! no patamar, oculto de mim pela arestada parede, mas sua sombra caía com uma nitide+surpreendente sobre a almofada branca da porta e deu-me aimpressão de algu!m se agachando para me acometer. ?iqueirígido e im7vel por uns segundos, talve+. Então, com a mãono bolso onde estava meu rev7lver, avancei e descobri umanimedes1 e uma águia relu+indo ao luar. quele fato, Poruns momentos, devolveu meu equilíbrio, e um chin(s deporcelana sobre uma mesa de mar%m, cu$a cabe"a girousilenciosamente quando passei, pouco me assustou.

  porta do quarto vermelho e os degraus que levavam at!ele estavam em um canto envolto na sombra. *ovi minha

 vela de um lado para outro, para ver claramente em que tipode nicho me encontrava antes de abrir a porta. ?ora aqui,

pensei, que encontraram meu predecessor, e a lembran"adaquela hist7ria provocou em mim uma s2bita pontada deapreensão. 0lhei de relance sobre meu ombro para oanimedes ao luar e abri a porta do quarto vermelho comcerta pressa, com o rosto meio virado para o sil(nciodescorado do patamar.

Entrei, fechei imediatamente a porta atrás de mim, gireia chave que encontrara na parte de dentro da fechadura e

detive-me, a vela levantada acima de minha cabe"a, ae&aminar o cenário de minha vigília, o grande quarto vermelho do astelo Forraine, no qual morrera o $ovemduque. 0u antes, no qual ele come"ara a morrer, pois abrira aporta e caíra de ponta-cabe"a nos degraus que eu acabara de

1 Terceiro maior satélite de Júpiter, descoberto por Galile em 1!1"#

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galgar. ?ora esse o %m de sua vigília, de sua galante tentativade vencer a tradi"ão espectral do lugar e nunca, pensei, aapople&ia se prestara melhor aos ob$etivos da supersti"ão. Ehavia outras hist7rias mais antigas ligadas ao quarto, at! o

início duvidoso de tudo, a hist7ria da esposa medrosa e otrágico %m que sobreveio brincadeira de seu marido, quepretendia assustá-la. E, ao olhar volta do quarto amplo epenumbroso, com suas $anelas de sacada envoltas emsombras, seus nichos e alcovas, era fácil entender as lendasque brotavam de seus cantos negros, suas trevas seminais.*inha vela era apenas uma pequena chama na sua vastidão,insu%ciente para penetrar no e&tremo oposto do quarto edei&ava um mar de mist!rio e insinua"<es para al!m de suailha de lu+. 6ecidi fa+er imediatamente um e&ame sistemáticodo lugar e dissipar as insinua"<es fantasiosas de suaobscuridade antes que tomassem conta de mim. p7s

 veri%car se a porta estava realmente fechada, comecei acaminhar pelo quarto, e&aminando em volta de cada pe"a demobília, enrolando os cortinados da cama e abrindototalmente as cortinas. Empurrei as persianas e e&aminei osferrolhos de várias $anelas, antes de fechar as folhas, abai&ei-me e olhei o negrume da grande chamin! e bati de leve noslambris de carvalho escuro em busca de alguma passagemsecreta. )avia dois espelhos grandes no quarto, cada um comum par de arandelas com velas, e sobre o aparador tamb!mhavia mais velas em candeeiros de lou"a. cendi todos eles,um a um. )avia lenha na lareira, uma inesperada gentile+a

da velha criada, e eu a acendi, para reprimir qualquertend(ncia a arrepios, e quando o fogo pegou, %quei de p!, decostas para ele e observei novamente o quarto. Eu empurrarauma poltrona coberta de chint+ e uma mesa, para formaruma esp!cie de barricada diante de mim e sobre estadepositei meu rev7lver, logo mão. *eu e&ame minucioso

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%+era-me bem, mas ainda achei as penumbras mais distantesdo lugar e sua absoluta quietude demasiado estimulantespara a imagina"ão. 0s ecos dos chiados e estalidos do fogonão eram de molde a me confortar. sombra no e&tremo da

alcova, especialmente, possuía aquela inde%nível qualidadede uma presen"a, daquela estranha impressão de uma coisa

 viva e espreita, que brota tão facilmente do sil(ncio e dasolidão. Por %m, para me acalmar, dirigi-me para ela comuma vela e convenci-me de que não havia nada material lá.oloquei a vela no soalho da alcova e dei&ei-a nessa posi"ão.

  essa altura eu $á estava em um estado de grande tensãonervosa, embora racionalmente não houvesse nenhum motivopara isso. *inha mente, contudo, estava perfeitamentel2cida. onvenci-me de que nada de sobrenatural poderiaacontecer e, para passar o tempo, comecei a costurar alguns

 versos, moda de GngoldsbH 2, da lenda original local. 5nspoucos eu disse em vo+ alta, mas os ecos não eramagradáveis. Pelo mesmo motivo tamb!m abandonei, depois dealgum tempo, um diálogo comigo mesmo sobre a

impossibilidade de fantasmas e de assombra"<es. *inhamente retrocedeu s tr(s pessoas envelhecidas e contorcidaslá embai&o e tentei mant(-la ocupada com isso. 0s vermelhosescuros e os negrumes do quarto me preocupavam at!mesmo com as sete velas o lugar estava apenas vagamenteiluminado. da alcova tremelu+iu com um golpe de vento, e obru&uleio do fogo fa+ia com que as sombras e a penumbramudassem e se agitassem incessantemente. *editando em

busca de um recurso, lembrei-me das velas que vira nocorredor e, com um ligeiro esfor"o, saí em dire"ão ao luar,carregando uma vela e dei&ando a porta aberta retornei em

The Ingoldsby legends# %ole&'o de ()*ost stories+, mitos, ledas e poemas, spostamete escritas por 

T*omas -)oldsb., psed/imo de Ric*ard Harris 0ar*am# blicadas pela primeira 2e3 em 1456,

sedo as mais co*ecidas7 (T*e Jac8da9 o: R*eims+ e (T*e Had o: Glor.+ ;<#T#=#

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um polegar, dei&ando o pavio, não em brasa ou fumegante,mas preto. Enquanto eu estava paralisado, ofegante, a velaao p! da cama apagou, e as sombras pareceram dar um outropasso em minha dire"ão.

“ssim não vai dar;”, disse eu, e uma e depois outra velasobre o aparador se seguiram. “0 que está acontecendo4”,e&clamei, com uma vo+ que alcan"ava um tom agudo eestranho. @esse instante a vela sobre o guarda-roupa apagoue a que eu reacendera na alcova seguiu-a.

“?ique %rme;”, disse eu. “Essas velas são necessárias”,e&pressando-me num tom de fac!cia semi-hist!rica, eriscando um f7sforo sem parar para os casti"ais da corni$a dalareira. *inhas mãos tremiam tanto que por duas ve+es erreia superfície rugosa da cai&a de f7sforos. Duando a corni$aemergiu novamente das trevas, duas velas no canto maisdistante da $anela estavam apagadas. *as com o mesmof7sforo reacendi as velas maiores do espelho e as do chãopr7&imas da porta, e com isso, por algum tempo, pareceu queeu vencera os apagamentos. *as então, em uma saraivada,apagaram-se quatro lu+es ao mesmo tempo em diferentescantos do quarto, e acendi outro f7sforo, tr(mulo na pressa, eparei hesitante, sem saber para onde levá-lo.

Enquanto estava ali indeciso, uma mão invisível pareceugolpear as duas velas sobre a mesa. om um grito de terrordisparei para a alcova, depois para o canto e em seguida paraa $anela, reacendendo tr(s, enquanto duas outras see&tinguiam ao lado da lareira então, divisando um meio

melhor, larguei os f7sforos sobre a escrivaninha no canto eagarrei o candelabro do quarto. om isso, evitei a demora emriscar os f7sforos mas mesmo assim o curso uniforme deapagamento continuou, e as sombras que eu temia e contraas quais lutava retornaram e se arrastaram at! mim, primeirocom um passo deste lado e depois daquele. Era como uma

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golpeado ou dei de encontro com alguma outra pe"a volumosa de mobília. Cenho uma vaga lembran"a de ter-medebatido assim, para cá e para lá na escuridão, de uma lutaconvulsiva e de meu pr7prio grito desvairado enquanto corria

para cá e para lá, de um golpe forte, %nalmente, em minhatesta, uma horrível sensa"ão de cair que durou s!culos, demeu 2ltimo esfor"o fren!tico para manter-me em p!, e demais nada depois disso.

 bri os olhos com a lu+ do dia. *inha cabe"a estavatoscamente enfai&ada, e o homem do bra"o mirradoobservava meu rosto. 0lhei a minha volta, tentando lembrar oque acontecera, e por um tempo não consegui. irei os olhose vi a velha, não mais absorta, derramando algumas gotas derem!dio de um frasco a+ul para um copo. “0nde estou4”,perguntei, “acho que me lembro de voc(s, mas não consigolembrar quem são.”

Eles me disseram então, e ouvi falar do quarto vermelhomal-assom-brado como quem ouve um conto de fadas. “@7s oencontramos ao amanhecer”, disse ele, “e havia sangue nasua testa e em sua boca.”

 penas muito lentamente recobrei a mem7ria de minhae&peri(ncia. “#oc( acredita agora”, disse o velho, “que oquarto ! mal-assombrado4” Ele não falava mais como algu!mque cumprimenta um intruso, mas como quem lamenta umamigo alquebrado.

“8im”, disse eu, “o quarto ! mal-assombrado.”“E voc( mesmo viu. E n7s, que moramos aqui durante

toda a vida, nunca o vimos. Porque nunca ousamos... 6iga-nos, ! mesmo o velho conde que...”“@ão”, disse eu, “não !.”“Eu lhe falei”, disse a velha, com o copo na mão. “' a

pobre condessa $ovem que estava com medo...”

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“@ão !”, disse eu. K@ão e&istem nem fantasma de condenem fantasma de condessa naquele quarto, não e&istenenhum fantasma lá mas ! muito pior, muito, muito pior.”

“E então4”, disseram.

“ pior de todas as coisas que assombram o pobremortal”, disse eu “e ela !, pura e simplesmente, o *edo; 0medo de que não ha$a lu+ nem som, o que não se harmoni+acom a ra+ão, isso ensurdece, deprime e sub$uga. Ele seguiu-me pelo corredor, lutou contra mim no quarto...”

Parei subitamente. )ouve um intervalo de sil(ncio. Feveia mão s bandagens. Então o homem da sombra suspirou efalou. “' isso”, disse ele. “Eu sabia que era isso. 5m poderdas trevas. P1r uma maldi"ão dessas sobre uma mulher; Eleestá sempre lá, espreita. Podemos senti-lo at! mesmodurante o dia, at! mesmo em um dia claro de verão, nosreposteiros, nas cortinas, %cando atrás de n7s sempre quenão estamos olhando. @a penumbra, ele raste$a pelo corredore o segue, e n7s não ousamos olhar para trás. )á *edonaquele quarto dela A *edo negro e haverá... enquanto estamorada do pecado durar.”

era venenosa A havia f7sforo ou am1nia na composi"ãode algumas delas. )avia tamb!m alguns tubos de vidro muitoestranhos e uma haste pequena e pontuda de ferro, com umaprotuberBncia de cristal de rocha e uma outra de Bmbar Atamb!m uma magnetita de grande poder.

Em uma das gavetas, encontramos um retrato miniaturacom moldura de ouro, cu$as cores se conservavam

admiravelmente vividas, apesar do grande espa"o de tempoque provavelmente permanecera lá. 0 retrato era de umhomem $á na meia-idade, talve+ quarenta e sete ou quarentae oito.

Era um rosto notável, impressionante. 8e pud!ssemosimaginar uma serpente poderosa transformada em homem e

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que conservasse nos tra"os humanos as característicasanteriores do r!ptil, teríamos uma id!ia melhor daquela%sionomia do que podem dar longas descri"<es3 a largura eachata-mento da testa, o elegante a%lamento do contorno,

que disfar"ava a for"a da mandíbula letal, os olhos longos,grandes e terríveis a brilhar, verdes como esmeraldas, econtudo uma certa calma implacável, como que nascida daconsci(ncia de um imenso poder.

*ecanicamente virei a miniatura para e&aminar seu verso e nele estava gravado um pentagrama no meio deste,uma escada, cu$o terceiro degrau era formado pela dataLMNO. E&aminando-o mais detalhadamente, descobri umamola que, ao ser pressionada, abriu o verso da miniatura,como uma tampa. 6entro dela estava gravado3 “*arianna,para ti. 8( %el na vida e na morte a...” qui seguia um nomeque não mencionarei, mas que não me era desconhecido.0uvira-o da boca de pessoas idosas, em minha infBncia, comoo nome de um charlatão fascinante que %+era sensa"ão emFondres durante mais ou menos um ano e que fugira do paíssob a acusa"ão de duplo homicídio dentro de sua pr7priacasa3 a de sua amante e de seu rival. Eu nada disse sobre issoao sr. :., a quem relutantemente entreguei a miniatura.

@ão tivemos di%culdade em abrir a primeira gavetadentro do cofre de ferro encontramos grande di%culdade emabrir a segunda3 ela não estava trancada, mas resistiu a todosos esfor"os, at! que inserimos nas frestas a lBmina de umformão. Duando assim a havíamos pu&ado, encontramos um

instrumento muito singular, de grande re%namento. 8obreum livro pequeno e %no, ou antes um bloco, estava colocadoum pires de cristal esse pires estava cheio de um líquidoclaro, e nele 9utuava uma esp!cie de b2ssola, com umaagulha que girava rapidamente mas em ve+ dos pontosusuais de uma b2ssola havia sete caracteres estranhos, não

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muito diferentes dos usados por astr7logos para indicarplanetas.

5m odor singular, mas não forte nem desagradável, veiodessa gaveta, que estava forrada de uma madeira que depois

descobrimos ser aveleira. Esse odor, qualquer que fosse suaorigem, produ+iu um grande efeito sobre os nervos. Codosn7s o sentimos, at! mesmo os dois operários que estavam noquarto A uma sensa"ão de formigamento e de arrepio quesubia das pontas dos dedos da mão at! as raí+es do cabelo.Gmpaciente por e&aminar o bloco, removi o pires. Duando o%+, a agulha da b2ssola girou com e&trema rapide+, e eu sentium choque que percorreu todo meu corpo e me fe+ dei&arcair ao chão o pires. 0 líquido derramou-se, o pires quebrou,a b2ssola rolou pelo quarto e naquele instante as paredesoscilaram para frente e para trás, como se um gigante asbalan"asse e agitasse. 0s dois operários %caram tãoapavorados que subiram a escada pela qual havíamos descidodo al"apão mas, vendo que nada mais acontecia, foramfacilmente convencidos a retornar.

Entrementes, eu abrira o bloco3 ele estava encadernadode pele vermelha lisa, com um fecho de prata continhaapenas uma folha de velino espesso, e nessa folha estavamescritas dentro de um pentagrama duplo palavras em antigolatim monacal, que poderiam ser tradu+idas literalmentecomo se segue3 “8obre todos aqueles que adentrarem estasparedes A sensíveis ou inanimados, vivos ou mortos A emoverem a agulha, será e&ercida a minha vontade; *aldita

se$a a casa e desinquietos se$am os seus habitantes”.@ada mais encontramos. 0 sr. :. queimou o bloco e seuanátema. Ele demoliu a parte do edifício que continha oquarto secreto e o compartimento sobre ele. Ceve então acoragem de habitar ele pr7prio a casa durante um m(s, ecasa mais tranqIila e mais saudável não havia em toda

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Fondres. Pouco tempo depois, ele a alugou bem, e seuinquilino não fe+ quaisquer quei&as.