da continuidade de lula em 2011 ao 'novo governo' reeleito ... · principais...

19
Da continuidade de Lula em 2011 ao 'novo governo' reeleito em 2015: as principais características dos discursos de posse de Dilma Rousseff ao Congresso Nacional From continuity of Lula in 2011 to the "new government" re-elected in 2015: the main characteristics of presidente Dilma Rousseff inaugurations speeches to House Emerson Urizzi Cervi 1 / Lucas Gandin 2 Resumo: O paper insere-se nas análises de conteúdo de textos oficiais, seguindo a linha de pesquisa proposta por Maingueneau e Charaudeau e utilizada por Foucault. São comparados os dois discursos de posse da presidente Dilma Rousseff ao Congresso Nacional, em 2011 e 2015. O objetivo é identificar as principais características de cada um dos textos para depois compará-los. Para tanto são usadas técnicas de Análise Fatorial descritiva de conteúdo para formação de clusters por similaridade. Os resultados mostram algumas semelhanças e diferenças entre os dois discursos. Entre os principais "achados" está o fato de que o discurso de 2011 pode ser caracterizado mais de continuidade do que o de 2015. Além disso, o termo "corrupção" ganha espaço no segundo discurso, quando comparado ao primeiro. Palavra chave: análise de conteúdo, discursos de posse, Dilma Rousseff, Brasil Abstract: the paper is part of the content analysis of official texts, following the research proposed by Maingueneu and Charaudeau and used by Foucault. Are compared the two inaugural speeches of Dilma Rousseff president to brazilian National Congress, in 2011 and 2015. The goal is to identify the main features of each text and, after, compare them. For this are used descriptive Factorial analysis of content for clustering by similarity. The results show some equalities and differences between the two speeches. Among the mais result is the fact that the 2011´s speecha can be characterized over the continuity of 2015. Moreover, the term "corruption" gain space in second address when compared to the first. Keywords: Content analysis, inaugural speeches, Dilma Rousseff, Brazil 1. INTRODUÇÃO Uma das possíveis definições de política versa sobre a administração de Estados e nações e sobre jogo de influência partidária e eleitoral no ato de governar. Contudo, sem pretensões de discutir definições e conceitos, há uma série de eventos, situações e atitudes que, embora não tanjam diretamente ao governo e à administração do Estado, indicam os caminhos e as direções tomadas pelos agentes políticos. Um desses eventos é a investidura de poder, situação em que determinados indivíduos assumem, legitimamente ou não, poder que lhes confere soberania para governar. Quer seja a coroação de um monarca, a posse de um presidente ou primeiro ministro, a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2 Page 1

Upload: vanhuong

Post on 13-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Da continuidade de Lula em 2011 ao 'novo governo' reeleito em 2015: as principais características dos discursos de posse de Dilma Rousseff ao

Congresso Nacional

From continuity of Lula in 2011 to the "new government" re-elected in 2015: the main characteristics of presidente Dilma Rousseff inaugurations

speeches to House

Emerson Urizzi Cervi 1 / Lucas Gandin

2

Resumo: O paper insere-se nas análises de conteúdo de textos oficiais, seguindo a linha de pesquisa proposta por Maingueneau e Charaudeau e utilizada por Foucault. São comparados os dois discursos de posse da presidente Dilma Rousseff ao Congresso Nacional, em 2011 e 2015. O objetivo é identificar as principais características de cada um dos textos para depois compará-los. Para tanto são usadas técnicas de Análise Fatorial descritiva de conteúdo para formação de clusters por similaridade. Os resultados mostram algumas semelhanças e diferenças entre os dois discursos. Entre os principais "achados" está o fato de que o discurso de 2011 pode ser caracterizado mais de continuidade do que o de 2015. Além disso, o termo "corrupção" ganha espaço no segundo discurso, quando comparado ao primeiro.

Palavra chave: análise de conteúdo, discursos de posse, Dilma Rousseff, Brasil

Abstract: the paper is part of the content analysis of official texts, following the research proposed by Maingueneu and Charaudeau and used by Foucault. Are compared the two inaugural speeches of Dilma Rousseff president to brazilian National Congress, in 2011 and 2015. The goal is to identify the main features of each text and, after, compare them. For this are used descriptive Factorial analysis of content for clustering by similarity. The results show some equalities and differences between the two speeches. Among the mais result is the fact that the 2011´s speecha can be characterized over the continuity of 2015. Moreover, the term "corruption" gain space in second address when compared to the first.

Keywords: Content analysis, inaugural speeches, Dilma Rousseff, Brazil

1. INTRODUÇÃO

Uma das possíveis definições de política versa sobre a administração de Estados e nações e

sobre jogo de influência partidária e eleitoral no ato de governar. Contudo, sem pretensões de

discutir definições e conceitos, há uma série de eventos, situações e atitudes que, embora não

tanjam diretamente ao governo e à administração do Estado, indicam os caminhos e as direções

tomadas pelos agentes políticos. Um desses eventos é a investidura de poder, situação em que

determinados indivíduos assumem, legitimamente ou não, poder que lhes confere soberania para

governar. Quer seja a coroação de um monarca, a posse de um presidente ou primeiro ministro, a

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 1

instauração de juntas governativas ou até mesmo a instalação de um corpo dirigente, esses eventos

servem, além da investidura do poder, para mostrar à população os entes que o exercerão. O

discurso de posse não pode ser usado como referência para as realizações de um governo, pois isso

depende de uma série de outros fatores. O discurso indica quais são as intenções iniciais que um

governante quer tornar públicas e por elas ser identificado.

No Brasil, a cerimônia de posse do presidente eleito é marcada por dois eventos que

simbolizam a investidura do poder: a assunção do compromisso constitucional e a passagem da

faixa presidencial. Ambos são seguidos de um discurso de posse proferido pelo novo presidente.

Após o juramento e a assinatura do compromisso, o discurso é feito perante o Congresso Nacional,

presidido pelo presidente da Câmara dos Deputados. Conforme a legislação brasileira, todo

funcionário público deve tomar posse perante um superior; O mesmo acontece com o presidente,

mas o seu único superior é o povo brasileiro (representado pelos deputados federais). O segundo

discurso é realizado à nação e geralmente costuma ser similar ao de posse, porém mais curto e

informal.

Assim, não seria imprudente afirmar que o discurso de posse torna-se tão simbólico quando

os demais atos da cerimônia de posse. Tal como a assinatura do compromisso constitucional ou a

passagem da faixa presidencial, o discurso proferido trabalha elementos do imaginário coletivo

que, em virtude da ocasião, compactuariam o compromisso firmado, uma vez que todo e qualquer

discurso está revestido do princípio da veracidade – ou seja, os participantes da cena discursiva

partem da premissa de que todos os falantes falam a verdade até que se prove o contrário

(FOUCAULT, 2009).

O presente artigo tem como objetivo analisar o discurso de posse perante o Congresso

Nacional da presidente Dilma Rousseff proferidos por ocasião de sua assunção ao cargo em 2011 e

da recondução em 2015. Para tal, o artigo se norteará pelo seguinte problema de pesquisa: Quais as

semelhanças e diferenças nos discursos de Dilma Rousseff, proferidos na cerimônia de posse

perante o Congresso Nacional em 2011 e 2015? O estudo parte do pressuposto que o discurso

realizado na posse do primeiro mandado se concentra nas propostas da presidente para os quatro

anos de governo e o discurso do segundo mandado, além de reafirmar propostas e traçar outras,

avalia as realizações do primeiro mandado.

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 2

2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

O discurso é a palavra em movimento, uma prática de linguagem que, por sua vez, se

estabelece como uma mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social

(ORLANDI, 2000). No entanto, como nos diz Maingueneau (1997), a palavra “discurso” pode

adquirir vários significados. Para Foucault (2009), os discursos encontram-se dispersos, cabendo à

Análise de Discurso buscar as regras de formação que regem a produção de determinado discurso.

Por isso o autor diz que a expressão “Formação Discursiva” daria conta de exprimir um conceito

mais próprio àquilo que denominamos discurso: o que pode e deve ser dito a partir de uma posição

dada em uma conjuntura determinada. Basicamente, as formações discursivas ocorrem por meio da

paráfrase – espaço no qual os enunciados são retomados e onde se delimitam as fronteiras para

evitar perda de identidade –; da polissemia – quando os discursos se cruzam, gerando

multiplicidade de sentido –; e do pré-construído – construção anterior e exterior ao discurso

enunciado (PANKE, 2010). A formação discursiva inscreve-se na história, adquirindo sentido e

significando algo para alguém. Conforme expõe Brandão (2004, p. 10),

a palavra é signo ideológico por excelência, pois, produto da interação social, ela se

caracteriza pela plurivalência. Por isso é o lugar privilegiado da ideologia; retrata as diferentes

formas de significar a realidade, segundo vozes, pontos de vista daqueles que há empregam.

Dialógica por natureza, a palavra se transforma em arena de luta e vozes que, situadas em

diferentes posições, querem ser ouvidas por outras vozes.

Justamente por estar vinculada a um contexto específico, Foucault afirma que o discurso se

torna ideológico, pois pode consolidar ou mudar ideias que interessam a quem profere o discurso:

a produção de discursos é regulada, selecionada, organizada e redistribuída por um certo

número de procedimentos que tem por finalidade conjurar seus poderes e perigos, dominar seu

acontecimento aleatório, esquivar seu peso, sua temível materialidade. (2009, p.8-9).

Aqui, vale lembrar a noção de ideologia de Chauí (1984): o conjunto de ideias e valores

aceitos por aqueles que são dominados e que imaginam que a sociedade se realiza em função

dessas ideias e valores. Foucault (2009) ainda concebe o discurso como uma reunião de enunciados

pertencentes a uma mesma família discursiva, apropriados e agrupados por um autor, que lhe

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 3

confere unidade e sentido. A apropriação, segundo o autor, ocorre mediante um conjunto de regras,

definições, técnicas e instrumentos que controlam a produção dos discursos.

Na orientação francesa da Análise do Discurso, não há discurso que não tenha sido

enunciado anteriormente. O discurso é sempre uma relação entre dizeres realizados, imaginados ou

possíveis, em que todos os enunciados já formulados são retomados a título de verdade admitida, e

um campo de concomitância, nos enunciados diferentes que atuam no enunciado estudado, e o

domínio da memória (BRANDÃO, 2004). Já Orlandi (2000, p. 33 e 34) afirma que:

só podemos dizer (formular) se nos colocamos na perspectiva do dizível. Todo dizer, na

realidade, se encontra na confluência dos dois eixos: o da memória (constituição) e o da atualidade

(formulação). (...) É desse jogo que tiram seus sentidos. É preciso que o que foi dito por alguém se

apague na memória para que possa fazer sentido em “minhas” palavras.

Para a formação discursiva ocorrer, é preciso que ela seja enunciada por alguém legitimo

para fazê-lo, em uma situação legítima, que pressupõe receptores legítimos e sob formas legítimas

a se fazer (FOUCAULT, 2009). Ou seja, um poema dadaísta recitado por meio de marteladas em

uma reunião de chefes de Estado torna-se irreconhecível como formação discursiva. Porém, se este

poema for recitado em um sarau literário a um grupo de escritores por meio da fala será admitido

como uma formação discursiva plausível e legítima.

O autor ainda considera que toda formação discursiva liga-se a duas faces, uma social e

outra linguística. Na social encontra-se a comunidade discursiva, o grupo no interior dos quais os

enunciados são gerados e geridos. Nesta mesma comunidade, os discursos ganham a estrutura

linguística e ideológica pelas quais ficará marcado, servindo de espaço para as representações de

mundo e de organização dos homens (MAINGUENEAU, 1997).

Nas palavras de Orlandi (2000), o discurso se estabelece como uma mediação necessária

entre o homem e a realidade natural e social. A vida em sociedade implica uma relação entre

indivíduos e é desta relação que seus membros organizam a vida coletiva. Conforme nos explica

Charaudeau (2008), é pela política que a comunidade toma decisões coletivas para o bem-estar de

todos, ou seja, a ação política age em prol do bem comum. Para chegar à ação, os agentes políticos

ultrapassam diversas instâncias nas quais é necessária a utilização da palavra, instaurando,

inclusive, uma “luta discursiva na qual muitos golpes são permitidos [...], estando em jogo a

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 4

conquista de uma legitimidade por meio da construção de opiniões” (CHARAUDEAU, 2008,

p.23). Tem-se, portanto, a prerrogativa de que o discurso político costuma ser uma fala carregada

de significado e intenções, pois o objetivo é convencer o ouvinte a aderir à causa do falante. 

Cyrre (2008) e Panke (2010) afirmam que o discurso político não se refere somente aos

assuntos do Estado; antes disso, referem-se a uma forma de sociabilidade, materializada sob a

forma de manifestação pública e linguística, mediante as quais ideias e opiniões são conhecidas e

compartilhadas. Ou seja, nas palavras de Charaudeau (2008), o discurso político é produzido

enquanto um sistema de pensamento, que visa fundar um ideal político em função de princípios

que devem servir de referência para a construção de opiniões e posicionamentos; enquanto ato de

comunicação, que comunga os atores que participam de uma cena política com o objetivo de obter

adesões, rejeições ou consensos; e como um comentário, um discurso inscrito fora do campo

político, mas a seu respeito.

Para Panke (2010), o discurso político se caracteriza por legitimar um falante, ou seja, o

orador do discurso pode se apresentar em nome de um determinado grupo, que o legitima como seu

representante. Essa legitimidade é, de acordo com Foucault (2009, p. 37), uma das condições para a

existência do discurso, posto que “ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas

exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo”. Outra característica descrita por

Panke (2010) é a busca pela manutenção ou alteração da ordem vigente. “Enquanto espaço de

divulgação ideológica, [o discurso político] procura levar o público a se tornar favorável a:

primeiro prestar atenção, segundo pensar a respeito, terceiro mudar a percepção sobre o que foi

tratado” (PANKE, 2010, p. 36). Para a autora, se a intenção do discurso político é mudar a ordem

estabelecida, o objetivo recai em levar o ouvinte a tomar uma atitude, se o desejo é manter as

normas vigentes, o discurso se configurará como um espaço para a manifestação de ideias. Em

função disso, o pensamento de Charaudeau (2008) vem reforçar a noção de que o discurso político

é um espaço de trocas simbólicas, resultando uma mistura sutil entre a palavra que funda a política

e que deve geri-la. Para isso, é estabelecido um contrato que articula a política, os cidadãos e a

mídia.

Courtine (1999) e Pollak (1989) colocam a questão da memória como uma característica do

discurso que pode ser aplicado ao discurso político e que de certa forma se relaciona à estruturação

de mundos possíveis formulada por Figueiredo et al (2000). Para Pollak (1989), a memória é capaz

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 5

de dotar os fatos de qualquer sociedade de duração e estabilidade. Segundo Courtine (1999), é pelo

discurso que esses fatos serão registrados ou anulados da memória coletiva. É nesse sentido que

Pollak (1989) afirma que a memória se torna um elemento determinante para a construção dos

imaginários coletivos. Imaginários porque, segundo os dois autores, o discurso que se utiliza da

memória provoca um embate entre a memória oficial e a memória não oficial e entre a história real

e a história fictícia, pois

o trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história.

Esse material pode sem dúvida ser interpretado e combinado a um sem-número de referências

associadas; guiado pela preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais, mas também de

modificá-las, esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em função dos combates do

presente e do futuro. (POLLAK, 1989, p. 11).

Nesse jogo de (re)significação dos imaginários coletivos, a instância política lança mão de

imaginários sociais, ou seja, de universos que fundam a identidade de um grupo. Tais imaginários

são materializados no discurso político sob a forma de mensagens de efeito, slogans, elegias,

manifestos e outros enunciados diversos que atingem os sentimentos de formação e unidade do

grupo: tradição, modernidade e soberania popular. Essa fala política exige, pois, que o locutor

ultrapasse o nível da convicção e seja persuasivo, que passe a investir no aspecto emocional com o

objetivo de gerar uma resposta do público.

3. ANÁLISE DOS DADOS

O corpus empírico utilizado aqui é composto pelos dois discursos proferidos por Dilma

Rousseff (PT) no dia da posse de seus dois mandatos (2011 e 2015) como presidente da república

ao congresso nacional. Chamados de “discursos de posse”, os textos são emblemáticos porque

representam a apresentação das intenções de governo da nova presidente aos integrantes do poder

Legislativo. No primeiro mandato, em 2011, a posse da presidente coincidiu com a posse dos

novos integrantes do congresso, em 1º de janeiro. Em 2015, devido a uma mudança na lei a

presidente foi empossada no dia 1º de janeiro pelo congresso anterior e os novos deputados

tomaram posse no dia 1º de fevereiro, um mês depois. Para esse tipo de análise o texto é a unidade

básica e indivisível de análise. Já os segmentos de texto são excertos dimensionados pelo próprio

software, cujo tamanho é definido pela similaridade do conteúdo de um conjunto de orações

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 6

(CAMARGO e JUSTO, 2013).

A estratégia de análise está dividida em duas partes. Na primeira, descrevemos os

principais componentes de cada um dos discursos, centrando-se nas ocorrências de sujeitos, verbos

e adjetivos mais recorrentes em cada um dos discursos, a partir da interface “Iramuteq” utilizando a

técnica de análise fatorial (Fernandes, 2014). Essa técnica permite identificar o número de

“clusters” em um texto. Aqui, cluster é definido como o conjunto de palavras que tendem a

aparecer próximas no texto, formando um segmento próprio. A partir desses clusters é possível não

só identificar os pontos centrais do texto, como também de que forma cada termo está associado a

outros. A segunda parte de análise é uma comparação entre as características de cada um dos

discursos estudados aqui.

Em 2011, no primeiro mandato, Dilma Rousseff proferiu um discurso com 3.658 palavras

no Congresso Nacional. Nesse discurso o nome/sujeito que mais se repetiu foi “país”, citado 25

vezes. Em segundo lugar veio “governo”, com 19 menções. “Brasil” (17), “povo” (15) e “vida”

(12) foram outros sujeitos recorrentes no primeiro discurso de Dilma. O verbo mais repetido por

Rousseff foi “dar” (11), seguido de “querer” (9). Os adjetivos mais presentes no primeiro discurso

foram “brasileiro” (25), “grande” (12) e “social” (12).

A análise fatorial (FCA) do primeiro discurso de Dilma Rousseff retornou cinco clusters ou

classes de palavras em conjunto. O teste também indica o grau de significância estatística das

palavras que mais ocorrem em cada um dos clusters. A presença de significância estatística indica

que determinados termos tenderam a se concentrar em um cluster, enquanto a ausência de

significância mostra que os termos estiveram presentes em vários grupos. Portanto, quanto mais

significativa a presença de determinado termo, mais específico ele é naquele cluster. O gráfico 1 a

seguir mostra a composição de cada um deles para, em seguida, descrever os conjuntos dentro do

discurso. O maior cluster está na classe 3, representando 23,8% do discurso. Seguido da Classe 2,

com 22,2%; e da classe 5, com 20,6%. As outras duas classes compõem menos de 20% do discurso

cada uma. As classes 1, 2 e 5 saem do mesmo ramo, portanto, tendem a ter maior conexão entre si.

O mesmo acontece com o outro ramo, que reúne as classes 3 e 4.

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 7

Na classe 3 estão presentes principalmente os termos “privado” e “uso”, enquanto que na 4,

“ensino” e “jovem”. No outro ramo encontra-se, separada, a classe 2, com referências

principalmente a “presidente” e “Lula”. O ramo seguinte divide-se na classe 1, com

“desenvolvimento” e “econômico”, e na classe 2, onde aparecem principalmente “paz” e “externo”.

Ou seja, no que diz respeito à formação geral do discurso de Dilma em 2011, podemos dividi-lo em

dois grandes ramos. Em um trata-se de política de ensino, da juventude e da relação com a

iniciativa privada. Em outro, trata-se de política econômica e o papel do Brasil nas relações

externas. Com um destaque para trecho específico que se refere ao ex-presidente Lula.

Além das descrições dos clusters, também é possível identificar a força da presença de

termos em cada uma das classes. A tabela 1 a seguir mostra as principais palavras em cada uma das

classes. As que são seguidas de asteriscos apresentam significância estatística para aquele cluster.

Entre parênteses está o valor do coeficiente qui-quadrado (q2) e o percentual do número de vezes

que a palavra aparece na Classe em relação ao total do discurso. Por exemplo, na classe 1, com

participação de 15,87% do total, as palavras que mais aparecem são “desenvolvimento” e

“econômico”. As duas têm q2 de 16,73%, acima da participação total da classe e, portanto, com

participação estatisticamente significativa nessa classe. Dito de outra forma, essas duas palavras

tendem a aparecer mais na classe 1 do que nas demais classes. É possível perceber que apenas as

classes 1, 3 e 4 apresentam termos com presença estaticamente significativa. Na classe 2 destacam-

se os termos “presidente” e “Lula”. Na classe 4 os termos “ensino” e “jovem”.

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 8

Em resumo, no primeiro discurso de posse de Dilma houve centralidade de dois temas de

políticas públicas: i) na área econômica, vinculado à ideia de desenvolvimento, e ii) na área da

educação, vinculado à juventude. Além disso, o discurso também reservou espaço para vincular as

conquistas alcançadas até aquele momento à figura do ex-presidente Lula. O gráfico 2 a seguir

ilustra a distribuição das cinco classes em dois eixos e distribui os temos de cada classe em cada

um dos eixos. No primeiro é possível perceber que as classes 4 e 3 fazem parte do mesmo

quadrante, as classes 1 e 5 estão em outro quadrante, enquanto a classe 2 encontra-se sozinha. Essa

imagem é uma forma alternativa para a informação da distribuição das classes a partir dos ramos

(gráfico 1). A classe 2 é a única que sai de um ramo sozinha e, portanto, fica isolada em um

quadrante. Como o fator 1 (eixo X) tem maior capacidade explicativa - 32,29% - que o fator 2

(eixo Y), com 27,65%, a classe 2 tende a se aproximar mais do ramo das classes 1 e 5 do que do

ramo das classes 3 e 4. Isso reforça a informação já presente no gráfico anterior.

A segunda imagem do gráfico acima apresenta os termos mais presentes em cada uma das

classes. Nela é possível perceber que os termos “ensino”, “jovem”, “investimento”, “privado”

distribuem-se no mesmo quadrante, enquanto “desenvolvimento”, “econômico”, “externo” e “paz”

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 9

representam duas classes que se localizam no quadrante oposto. Já os termos “presidente”, “Lula”,

“conquista” e “homenagem”, entre outras, estão em quadrante próprio, indicando uma parte

específica do discurso reservada a eles. Essa parte está mais próxima da que trata da economia e do

desenvolvimento do que da educação e juventude. Feitas as descrições do conteúdo do discurso de

posse do primeiro governo de Dilma Rousseff, foi possível identificar pelo menos três eixos: a)

economia e desenvolvimento; b) educação e juventude e c) presidente Lula. A seguir, passamos a

descrever o conteúdo do discurso de posse de 2015.

No discurso do segundo mandato de Dilma Rousseff podem ser identificadas continuidade

e rupturas com o conteúdo do anterior. Em um discurso um pouco mais longo, com 4.367 termos,

os adjetivos que mais apareceram foram “brasileiro” (29) e “novo” (19). Os sujeitos mais citados

foram “Brasil” (27) e “país” (20), enquanto os verbos que mais apareceram foram “querer” (15) e

“continuar” (11).

A Análise Fatorial (FCA) retornou cinco clusters também no segundo discurso de Dilma,

com uma distribuição equilibrada. Um cluster (classe 4) contém 25% do discurso. Outros dois

ficam entre 22% e 23% e os dois menores ficam abaixo de 15% do total. Os ramos também

apresentam distribuições distintas. A classe 3 distingue-se das demais por estar em um ramo

próprio e único. Das outras classes, a classe 2 (a maior) distingue-se das demais. A classe 4 faz

parte de um sub-ramo desse grupo, enquanto as classes 1 e 3 são as mais próximas.

No cluster 1 destacam-se os termos “mundo” e “economia”, enquanto no cluster vizinho, o

3, os termos mais recorrentes são “mandato”, “novo”, “reafirmar”, “investimento”. Esses dois

segmentos próximos formam um eixo importante do discurso do segundo mandato. O cluster 4

reúne principalmente o termo “democratizar”. No cluster 2, um pouco mais distante, porém ainda

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 10

no mesmo ramo, estão presentes “punir” e “controle”. Por fim, no cluster 5, o mais separado dos

demais, aparecem “medo” e “apoio”. Esses termos aparecem principalmente no final do discurso,

quando a presidente afirma não temer os desafios e contar com apoio para controlar o medo. Esse

tipo de construção é uma das novidades no segundo discurso. Assim como as ideias de controle e

punição, que também não apareceram no primeiro discurso.

Considerando a participação dos termos em cada cluster, a tabela 2 a seguir indica quais

foram os principais termos e se foram estatisticamente significativos ou não. Na classe 1 os termos

“mundo”, “economia” e “muito” são todos estatisticamente significativos, indicando uma presença

majoritária nesse segmento do discurso. No cluster 2, “punir” e “controle”, da mesma forma. O

mesmo acontece com o cluster 3, com “mandato”, “novo” e “reafirmar”, todos estatisticamente

significativos nesse segmento do discurso. O cluster 4 destaca apenas “democratizar”, que não é

estatisticamente significativo. Já o 5 tem “medo”, “apoio” e “senhor”, todos concentrados nesse

mesmo segmento do discurso.

Excetuando pela presença do termo "economia", percebe-se claramente uma ausência de

centralidade de outros termos relacionados a políticas públicas no discurso de posse do segundo

mandato. Aqui predominam termos mais genéricos, ligados a questões simbólicas como “medo” e

“apoio” ou respostas às acusações públicas recebidas durante praticamente todo o primeiro

mandato, com “punir” e “controle”. O gráfico 4 a seguir mostra a distribuição dos clusters em dois

eixos. Como o eixo X apresenta o maior fator de impacto, daremos prioridade a ele. Como já

descrito antes, o cluster 2 é o mais distante, ficando em um quadrante próprio. O cluster 5 fica em

outro quadrante, também separado dos demais, enquanto os clusters 1, 3 e 4 encontram-se mais

próximos entre si e em torno do ponto centróide, indicando que eles tendem a fazer parte dos

mesmos segmentos do discurso.

A segunda imagem, que identifica as principais palavras de cada cluster, mostra claramente

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 11

como o cluster 2, o mais distante dos demais, é composto por "punir", "controle" e, também,

"corrupção", "Petrobrás". O cluster 5, no quadrante oposto, apresenta "medo", "senhor", "apoio".

Os outros três clusters, que se mesclam em torno do ponto centróide, apresentam os termos

"economia", "democratizar", "mandato", "reafirmar", "novo".

As descrições individuais dos dois discursos nos permitiram apresentar as principais

características de cada um deles, assim como, analisar as formas de construção e prioridades de

termos no primeiro e segundo discursos de abertura de mandatos de Dilma Rousseff. O próximo

passo da análise é comparar a frequência relativa dos principais termos em cada um dos discursos

entre si para identificar quais tenderam a se destacar ou desapareceram em 2015 em relação a 2011.

As comparações serão feitas exclusivamente entre termos e suas participações relativas em cada

um dos discursos, portanto, desconsideraremos aqui as formações dos clusters. A partir das tabelas

1 e 2 anteriores foi possível montar a tabela 3 a seguir com os sujeitos, verbos e adjetivos que mais

apareceram em cada um dos discursos de Dilma (2011 e 2015). A última coluna da tabela (dif.)

indica a diferença da participação relativa de cada termo de 2015 em relação a 2011. Diferenças

positivas significam que o termo apareceu mais no segundo do que no primeiro discurso e o

inverso vale para as diferenças negativas.

Entre os sujeitos, o que mais apresentou crescimento em participação relativa em 2015

quando comparado a 2011 foi "corrupção", com +3,6 de diferença, seguido de "Brasil" (+2,6) e

"Povo" (+2,4). Os sujeitos que com menor participação em 2015 foram "país" (-4,2) e "governo" (-

4,6). Quanto aos sujeitos nos discursos de Dilma pode-se dizer que os termos que remetem mais

diretamente aos governantes, como governo, por exemplo, foram substituídos por sujeitos mais

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 12

abrangentes, como povo e Brasil. Além da maior centralidade da "corrupção" no discurso do

segundo mandato, termo quase inexistente no primeiro discurso.

Quanto aos verbos, houve maior estabilidade entre os dois discursos. “Querer” (+1,7) e

“continuar” (+0,5) tiveram crescimento da presença relativa em 2015. “Dar” (-2,2) apresentou

queda. Quanto aos adjetivos, o que mais cresceu em 2015 foi “novo” (+4,4), enquanto “brasileiro”

(-0,5) e “grande” (-2,3) tiveram menor participação relativa. Isso é curioso, pois o verbo que remete

à novidade aparece mais no discurso de posse da reeleição e não no de primeiro governo de Dilma

Rousseff. Nesse sentido é possível imaginar um discurso de continuidade do primeiro governo

Dilma em relação ao segundo de Lula e não entre os dois governos Dilma.

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 13

Para complementar as informações da tabela 3, o gráfico 5 a seguir apresenta dois tipos de

distribuições das frequências relativas. O primeiro é a comparação das frequências no discurso de

2011 (eixo X) com o de 2015 (eixo Y). As linhas tracejadas dividem os quadrantes pelos valores

medianos de ocorrências relativas de cada ano. Termos no primeiro quadrante (superior esquerdo)

indicam presença alta em 2015 e baixa em 2011. No segundo quadrante (superior direito) estão os

termos que tiveram alta participação nos dois anos. Já no terceiro quadrante (inferior esquerdo)

ficam os que tiveram baixa presença relativa nos dois discursos, enquanto que no quarto quadrante

(inferior direito) os termos que tiveram presença relativa alta em 2011 e baixa em 2015. No

quadrante 2, onde estão os termos que mais aparecem nos dois discursos, estão “brasileiro”,

“Brasil”, “povo” e “país”, como vocativos mais comuns nos discursos de Dilma Rousseff. No

quadrante oposto, com menor participação nos discursos estão “continuar” e “corrupção”. Com

isso é possível perceber que embora a presença de “corrupção” tenha crescido em 2015, ela

continua sendo uma das mais baixas nos dois discursos. Nos demais quadrantes estão o termo

“novo”, com alta presença relativa apenas em 2015 e "governo" com alta presença relativa apenas

em 2011.

A segunda imagem do gráfico acima complementa as informações mostrando os pontos

relativos de cada termo em cada um dos discursos. Agora os pontos (círculo e quadrado)

representam a participação relativa em cada um dos anos. Quanto mais distantes os pontos, maior a

diferença de participação relativa do termo nos discursos de 2011 e 2015, sendo possível comparar

não apenas as posições em relação a outros termos, mas em relação ao próprio termo nos dois

momentos. Aqui os termos estão organizados por tipo (sujeitos, verbos e adjetivos). Entre os

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 14

sujeitos, “país” e “governo” aparecem mais em 2011 e recuam em 2015. O inverso acontece com

“Brasil”, “povo” e “corrupção”, com a diferença de que embora tenha avançado em sua

participação relativa no segundo discurso, o termo “corrupção” continua com valores bastante

baixos. Entre os verbos, “dar” recua em 2015 em relação a 2011, “continuar” fica praticamente

estável e “querer” apresenta o maior avanço. Quanto aos adjetivos, “novo” é o que mais avança em

2015, “brasileiro” fica estável, com maior presença relativa nos dois anos, e “grande” apresenta

recuo em relação a 2011.

4. CONCLUSÕES

Mesmo não tendo sido objeto deste artigo, os slogans das campanhas de Dilma Rousseff

“Para o Brasil seguir mudando” em 2010 e “Governo Novo, Ideias Novas” em 2014 já

apresentavam indícios dos achados desta pesquisa. Conforme apontado acima, a análise fatorial dos

discursos de posse apontam para um discurso de continuidade do primeiro governo Dilma em

relação ao segundo de Lula e de inovação no segundo mandato[1]. Também é a questão da

continuidade que justifica a presença de Lula no discurso de posse do primeiro mandato, outro

achado da pesquisa. O ex-presidente figura como líder transformador do Brasil e a continuidade,

consequência natural de tais mudanças.

Como abordamos na trajetória teórica deste artigo, o discurso é essencialmente ideológico e

simbólico. O trecho a seguir exemplifica tal noção:

Venho, antes de tudo, para dar continuidade ao maior processo de afirmação que este país

já viveu nos tempos recentes. Venho para consolidar a obra transformadora do Presidente Luiz

Inácio Lula da Silva, venho para consolidar a obra transformadora do Presidente Lula, com quem

tive a mais vigorosa experiência política da minha vida e o privilégio de servir ao país, ao seu lado,

nestes últimos anos. De um presidente que mudou a forma de governar e levou o povo brasileiro a

confiar ainda mais em si mesmo e no futuro do país. A maior homenagem que posso prestar a ele é

ampliar e avançar as conquistas do seu governo. Reconhecer, acreditar e investir na força do povo

foi a maior lição que o Presidente Lula deixa para todos nós. (ROUSSEFF, 2011).

Beirando à ode – poema clássico de homenagem e enaltecimento à personalidades ou

pessoas amadas – o trecho elucida, de modo qualitativo, dois dos três grandes grupos temáticos do

discurso de posse do primeiro mandado: os avanços econômicos e sociais promovidos pelo ex-

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 15

presidente Lula. Vale lembrar que a análise fatorial identificou 5 classes temáticas, partindo o

discurso em dois ramos; as palavras que apontam à política econômica e aos feitos de Lula

pertencem ao mesmo ramo. Quanto ao terceiro grande grupo temático – política de ensino, da

juventude e da relação com a iniciativa privada – pertencente ao segundo ramo de classes da

análise fatorial, percebe-se que os feitos do governo Lula são inseridos no discurso de forma

referencial às ações e propostas para o primeiro governo de Dilma.

Desse modo, verifica-se que a primeira hipótese desta pesquisa – o discurso realizado na

posse do primeiro mandado se concentra nas propostas da presidenta para os quatro anos de

governo – não se validou totalmente. Embora questão da continuidade seja, em sua essência, a

principal proposta de Dilma para seu primeiro mandado, ela está mais atrelada a um sentido de

extensão do governo de Lula do que de inauguração de um modo de governar próprio à presidenta.

Já no discurso de posse de 2015 foi possível identificar rupturas e distanciamentos em

relação ao discurso de 2011. O primeiro elemento de destaque na análise fatorial é a identificação

da classe de palavras ligada à questões simbólicas, como “medo” e “apoio”. É importante

contextualizar que a reeleição de Dilma ocorreu no segundo turno, com uma diferença de

aproximadamente 3,4 milhões de votos – resultado mais apertado das últimas quatro eleições para

presidente. Ainda que aquelas palavras possam induzir à noção de fraqueza ou receios da

presidenta, elas na verdade são inseridas em construções que reforçam a coragem de Dilma para

enfrentar os desafios a certeza do apoio de seus eleitores. Por mais que a análise qualitativa não é

objetivo deste trabalho, traz-se o trecho a seguir a título de exemplificação:

Eu não tenho medo de encarar estes desafios, até porque sei que não vou enfrentá-los

sozinha, não vou enfrentar esta luta sozinha. Sei que conto com o apoio dos senhores e das

senhoras parlamentares, legítimos representantes do povo neste Congresso Nacional. (...) Sei que

conto com o forte apoio da minha base aliada, de cada liderança partidária de nossa base e com os

ministros e as ministras que estarão, a partir de hoje, trabalhando ao meu lado pelo Brasil. (...) Sei

que conto com o apoio dos movimentos sociais e dos sindicatos; e sei o quanto estou disposta a

mobilizar todo o povo brasileiro nesse esforço para uma nova arrancada do nosso querido Brasil.

Outro eixo temático encontrado na análise fatorial foi o ligado à questão da corrupção e do

combate à corrupção. Infere-se que a presença desses temas é devido às denúncias e escândalos de

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 16

corrupção dentro da Petrobrás, investigados na Operação Lava Jato. 

O segundo achado da análise do discurso de 2015 foi o crescimento da presença do verbo

“continuar”. Ainda que tal indício pudesse indicar um discurso construído na base da continuidade,

como o de 2011, a presença do adjetivo “novo”, com o maior crescimento na comparação dos dois

discurso, leva-nos a entender que continuidade é em relação ao modo de governar, mas, desta vez,

com propostas ou projetos novos. É por este dado que compreendemos o discurso de 2015 como de

inovação ou inauguração do governo Dilma. Ademais, a troca de slogans ao longo da campanha

em 2014, possibilita inferir que o discurso da continuidade já não encontrava sustentação depois de

quatro anos de governo. Aliás, este é um caminho apontando por este artigo para novas pesquisa: a

viabilidade ou inviabilidade do discurso da continuidade após quatro anos de governo Dilma

perante o eleitorado brasileiro.

À guisa de conclusão, os achados desta pesquisa revelam que o discurso de 2011 sustenta

suas bases argumentativas nos feitos e ações do governo de Lula, enquanto o discurso de 2015

apresenta-se independente, atrelado mais ao próprio governo de Dilma. Contudo, não é possível

dizer que o discurso de posse do segundo mandado reafirma propostas de 2011 e avalia as

realizações dos primeiros quatro anos de governo – o que invalida a segunda hipótese desta

pesquisa.

Os dois discursos são substancialmente diferentes: enquanto o primeiro traz a questão da

continuidade, o segundo encena inovação e inauguração. Se no de 2011 encontramos pelo menos

três eixos temáticos – economia e desenvolvimento; educação e juventude; e presidente Lula ­–, no

de 2015 o único eixo temático que permanece é o “economia e desenvolvimento”, atrelado a

problemáticas mundiais. Os outros eixos temáticos se concentram em questões relativas à

corrupção e combate à corrupção, fortalecimento da democracia e valores simbólicos, reunidos na

coragem da presidenta e no apoio para enfrentar os desafios impostos para o segundo mandado.

[1] Vale ressaltar que o primeiro slogan de 2014 era “Mais Mudanças, Mais Futuro”, que

foi trocado no início da campanha do segundo turno.

1Doutor, Universidade Federal do Paraná, [email protected]

2Doutorando, Universidade Federal do Paraná, [email protected]

[1] Vale ressaltar que o primeiro slogan de 2014 era “Mais Mudanças, Mais Futuro”, que foi trocado no início da

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 17

campanha do segundo turno.

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à Análise do Discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 2004.

CAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. Tutorial para uso do software de análise textual Iramuteq.

Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição – LACCOS, UFSC (2013).

Disponível em: <http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/tutoriel-en-portugais>. Acesso

em 30 jan. 2015.

CHARAUDEAU, P. Discurso Político. São Paulo: Contexto, 2008.

CHAUI, M. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,

2001.

CYRRE, M. R. L. Discurso político e mídia: o acontecimento político em análise. VII Encontro do

Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul, 2008. Anais... Disponível em: <http://www.celsul.

org.br/Encontros/08/acontecimento_politico.pdf>. Acesso em 10 mai. 2011.

COURTINE, J. J. O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o esquecimento na

enunciação do discurso político. In: Os múltiplos territórios da Análise do Discurso. INDURSKY,

F.; FERREIRA, M. C. L. (Orgs.). Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999.

FERNANDES, Baltazar. Manual Iramuteq. E-book disponível em:

http://www.iramuteq.org/documentation/fichiers/documentation_19_02_2014.pdf

FIGUEIREDO, M. et al. Estratégias de persuasão em eleições majoritárias: uma proposta

metodológica para o estudo da propaganda eleitoral. In: FIGUEIREDO, R. (Org.). Marketing

político e persuasão eleitoral. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000. p. 147-201.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2009.

MAINGUENEAU, D. A propósito do ethos. In: MOTA, A.; SALGADO, L. (Orgs.). Ethos

discursivo. São. Paulo: Contexto, 2008.

______. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Pontes / Editora da Unicamp, 1997.

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 18

ORLANDI, E. P. Análise do discurso. Campinas: Pontes, 2000.

PANKE, L. Lula – do sindicalismo à reeleição: um caso de comunicação, política e discurso.

Guarapuava: Unicentro; São Paulo: Horizonte, 2010.

POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, v. 2, n. 3, 1989.

ROUSSEFF, D. Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante Compromisso

Constitucional perante o Congresso Nacional, 2011 e 2015. Disponível em: <http://www2.

planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos#b_start=0>. Acesso em 30 jan. 2015.

Arquivo PDF gerado pela COMPÓS

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

www.compos.org.br - nº do documento: 7E1930DC-FCA2-40AC-8445-3D711647BAF2Page 19