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“DECOR REAL SEM FRESCURA”: O PAPEL DA TECNOLOGIA NA AFIRMAÇÃO
DE NORMAS DE GÊNERO NO BLOG DE DECORAÇÃO HOMENS DA CASA
LINDSAY JEMIMA CRESTO1
MARINÊS RIBEIRO DOS SANTOS2
Resumo: Este artigo, como parte de uma pesquisa de doutorado em andamento, discute as
representações de gênero na decoração de interiores, analisando as publicações do blog
Homens da Casa, criado pelo publicitário Eduardo Mendes. O Homens da Casa se apresenta
como um blog de decoração voltado para o público masculino, com uma abordagem bem-
humorada e linguagem informal. Seu objetivo é o de promover práticas de decoração rápidas
e fáceis, através de sugestões no formato passo-a-passo, enfatizando o lado prático e a
possibilidade de reprodução dos projetos publicados. No presente texto, analisamos algumas
publicações da seção do Leitor, buscando discutir o papel da tecnologia na construção e
afirmação de normas de gênero. Nos interessa problematizar o blog como uma tecnologia de
gênero, utilizando como referência os conceitos de Teresa de Lauretis e Beatriz Preciado.
Com essa abordagem, colocamos em foco a função do blog como um sistema de valorização
de discursos, artefatos e práticas que promovem um tipo específico de forma de decorar como
“masculina”. Com a análise das publicações do blog, evidenciamos a construção de
assimetrias de gênero que favorecem o posicionamento normativo das masculinidades.
Palavras-chave: tecnologia de gênero; masculinidades; decoração de interiores; Homens da
Casa.
INTRODUÇÃO
Este artigo propõe uma reflexão sobre representações de gênero, analisando as
publicações do blog3 de decoração Homens da Casa. O blog foi criado em 2012 pelo publicitário
Eduardo Mendes, com o objetivo de “falar de decoração de um jeito prático e sem muita firulas”
(MENDES, 2015). Idealizado para atender a um público presumido como masculino4, o blog
compartilha sugestões e dicas de decoração com ênfase no conceito do it yourself (faça você
1UTFPR, PPGTE, Brasil. [email protected]. 2UTFPR, PPGTE, Brasil. [email protected] 3 O termo blog, de acordo com ZAGO (2008, p. 2) “é uma versão reduzida da palavra “weblog”. “Web” vem de
World Wide Web (rede de alcance mundial). O termo é utilizado para se referir à parte gráfica da Internet, o
espaço por onde circulam as informações hipertextuais distribuídas em rede através do protocolo http2 . Já “log”
vem da prática de se utilizar um bloco de madeira para marcar a velocidade dos navios. 4 O Homens da Casa foi idealizado para atender a um público masculino, porém homens e mulheres seguem o
blog de decoração, como é possível observar nas publicações da coluna Leitor ninja e nos comentários das
postagens.
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mesmo). Com essa estratégia, Mendes tem a intenção de promover a decoração dos interiores
domésticos como um hobby acessível a um público que não possui necessariamente
conhecimentos aprofundados sobre design de interiores, mas que se interessa pelas práticas de
personalização dos ambientes publicadas no formato passo-a-passo.
FIGURA 1 – A página inicial do blog Homens da Casa.
Fonte: Homens da Casa (2015)
Os blogs consistem em um tipo de mídia contemporânea e muito popular. Durante os
anos 1980, discutia-se a emergência das novas práticas comunicativas das comunidades on-
line (FEENBERG, 2010). A popularização da Internet nos anos 1990 possibilitou a produção
e publicação de informações por parte de usuários/as em espaços de participação como os
fóruns e redes sociais. No início da internet, ainda na década de 1990, os sites eram criados
como páginas estáticas, editadas por um pequeno grupo de pessoas. Mudanças nos anos 2000,
como os conteúdos dinâmicos, atualizações constantes e possibilidades de publicação por
parte de um grande número de usuários/as, transformaram a ideia de páginas para visitação
em plataformas de interação (ZAGO, 2008). Inicialmente associados aos diários e relatos
pessoais, os blogs ganharam espaço e importância como divulgação de ideias, para promoção
profissional, bem como para a divulgação comercial de produtos e serviços.
Atualmente existem inúmeros blogs de decoração, com temas e abordagens variadas.
Alguns deles se tornaram muito populares e são citados e recomendados por revistas de
decoração tradicionais de grande circulação, como Casa Claudia da editora Abril, e Casa e
Jardim da editora Globo, que, por sua vez, também apresentam plataformas online. O recurso
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das ferramentas transmídia associado a títulos reconhecidos contribuiu para dar visibilidade a
alguns blogs.
Os blogs fazem parte de uma cultura da “convergência”, termo definido por Henry
Jenkins como o
fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre
múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos
meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de
entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir
transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de
quem está falando e do que imaginam estar falando. (JENKINS, 2008: p. 29)
De acordo com Jenkins, a convergência não é apenas um processo tecnológico que une
múltiplas funções dentro de aparelhos, mas representa uma transformação cultural na qual
consumidores/as são incentivados/as a fazer conexões em várias mídias e conteúdos.
(JENKINS, 2008)
O recorte apresentado nesse texto está centrado em algumas publicações veiculadas na
seção Leitor Ninja, do blog Homens da Casa (figura 2). Procuramos discutir o papel da
tecnologia na construção e afirmação de normas de gênero, analisando como e a partir de
quais estratégias o blog pode ser compreendido como uma tecnologia de gênero.
Adotamos como base teórica os conceitos de tecnologia de gênero, de Teresa de
Lauretis, e tecnogênero, de Beatriz Preciado, visando problematizar e discutir o blog como
uma tecnologia de gênero. Com essa abordagem, colocamos em foco a função do blog como
um sistema de valorização de discursos, artefatos e práticas que promovem um tipo específico
de forma de decorar como “masculina”. Com a análise das publicações da seção Leitor Ninja,
destinada à divulgação de projetos, realizados pelos/as leitores/as, evidenciamos a construção
de assimetrias de gênero que favorecem o posicionamento normativo das masculinidades por
meio da tecnologia de gênero.
A COLUNA DO LEITOR: ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS E PRÁTICAS
No Homens da Casa, a decoração masculina é construída discursivamente, nos termos
empregados, na linguagem e também na materialidade dos artefatos e práticas de
personalização na decoração, como o DIY. Este conjunto de estratégias de representação não
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apenas representa características da decoração masculina proposta, como também a produz
por meio dessas estratégias discursivas e materiais.
O DIY ou faça você mesmo, é um conceito adotado e valorizado enquanto prática de
“colocar a mão na massa”, expressão muito usada no blog, tanto pelo seu criador como
pelos/as leitores/as. O DIY surgiu nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, no cenário de
escassez de materiais e produtos, que motivou uma atitude de produção e reutilização de
tecidos, peças de roupa e materiais diversos. Na década de 1960, com os movimentos de
contracultura e o movimento hippie, o conceito ganha força, como oposição à cultura de
massa, às mídias e à disseminação do consumo (PRADO, 2011).
Nos anos 1970 a proposta DIY é adotada pelo movimento punk, com caráter
anticapitalista e anticonsumista, que defendia a responsabilidade individual pelas escolhas de
consumo, desde alimentação, música, roupas, etc. A cultura punk pregava que as pessoas
produzissem o que consumissem, estimulando a produção e circulação de fanzines, álbuns,
músicas, roupas.
O conceito DIY é adotado em vários blogs de decoração atuais, como o Homens da
Casa, com publicações que ensinam como fazer desde objetos decorativos até mobiliário e
acabamentos em paredes. Os projetos são postados no blog no formato passo-a-passo, com
uso de várias imagens sequenciais que buscam separar etapas de execução e descrição dos
materiais e ferramentas necessários. Outra possibilidade bastante utilizada são os vídeos
explicativos, que descrevem o processo de execução em etapas, assim como nas imagens.
No Homens da Casa o conceito DIY é valorizado como solução para vários tipos de
problemas: como opção criativa para personalizar a decoração e diferenciá-la dos projetos
comerciais do mercado e das lojas; como alternativa econômica para quem não tem recursos
financeiros para decorar; e como forma de imprimir um caráter pessoal e individual à casa. A
personalização, desta forma, é uma possibilidade de satisfação pessoal e de afirmação ou
fortalecimento da subjetividade individual. Eduardo Mendes, proprietário do blog, afirma a
importância da personalização: “sua casa é seu espaço e tem que ter a sua cara. O faça-você-
mesmo não serve só pra economizar, é uma terapia. (...) ENVOLVA-SE! É o seu canto!
Decore, enfeite, pinte, borde. Qualquer um é capaz de coisas incríveis, INCLUSIVE VOCÊ!”
(MENDES, 2013).
A seção Leitor ninja, dentro da coluna do Leitor, foi criada para divulgar os projetos
realizados pelos/as leitores/as. Segundo Eduardo Mendes (2013), a seção tem como objetivo”
mostrar alguns projetos de leitores que se superaram e deram uma cara nova em algum canto
da casa”.
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Figura 2 – A coluna do leitor.
Fonte: Homens da Casa (2016)
Os/as leitores/as enviam imagens dos projetos que realizaram com base nas sugestões
do blog e então o criador do blog convida todos os/as leitores/as a votarem no melhor projeto
do mês. O projeto mais votado é premiado com o título Leitor Ninja e publicado
integralmente (com fotografias e textos explicativos do/a autor/a-leitor/a) e recebe como
prêmio um pôster da loja do blog.
Ter o projeto publicado na seção Leitor ninja é o prêmio máximo de reconhecimento
para os/as leitores/as. Eduardo Mendes define a seção da seguinte forma: “Leitor Ninja é
uma seção do blog destinada a quem botou a mão na massa, transformou algum
cômodo da casa e o resultado ficou foda” (MENDES, 2016). Nesta fala, ficam explícitos
dois aspectos que se repetem nas postagens: a preferência pela personalização na decoração,
com ênfase na prática (“botou a mão na massa”) e o uso de palavrões (“foda”) para marcar
tanto o caráter informal, de “conversa divertida”, quanto masculino do blog, dirigindo-se ao
público masculino.
No Homens da Casa, a escolha pelo formato passo-a-passo deduz que o público leitor
(leia-se masculino) possui todas as ferramentas, conhecimentos e habilidades necessários para
a execução dos projetos. O que se observa nas postagens do blog é a afirmação de um modelo
de masculinidade hegemônica (CONNEL, 1995), no qual existe a suposição de que todos os
homens possuem interesses e conhecimentos de ferramentas, ferragens, máquinas,
eletricidade, hidráulica. A preferência por esses temas é vista como natural, como parte da
masculinidade.
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Raewyn Connel acredita que o conceito de masculinidade é mais amplo do que a ideia
de papel masculino, pois abrange múltiplas formas de masculinidades. Para Connel (1995:
p.188),
a masculinidade é uma configuração de prática em torno da posição dos homens na
estrutura das relações de gênero. Existe, normalmente, mais de uma configuração
desse tipo em qualquer ordem de gênero de uma sociedade. Em reconhecimento
desse fato, tem-se tornado comum falar de ‘masculinidades’.
Assim, podemos discutir o entendimento acerca do modelo de masculinidade
promovido no blog. A ênfase nas ferramentas e no passo-a-passo dialoga com uma visão de
masculinidade, que naturaliza a relação dos homens com determinados conhecimentos
técnicos ou preferências, como habilidade em manusear furadeiras, lixadeiras e outras
ferramentas. Na figura 3, temos dois projetos publicados na seção Leitor ninja, nos quais as
transformações dos ambientes são descritas a partir da escolha de materiais, novos ou
reaproveitados, cortados e pintados pelos leitores/as e pela combinação de cores (cinza,
amarelo e branco, preferência do proprietário do blog, Eduardo Mendes).
Figura 3 – O quarto do leitor Cassiano e o quarto do estudante de design.
Fonte: Homens da Casa (2016)
Os projetos publicados nesta coluna apresentam semelhanças, como: 1) os padrões
cromáticos adotados, que usam a combinação cinza e amarelo, preferência declarada do
criador do blog, Eduardo Mendes (figura 3); 2) a escolha da composição (arranjos de quadros,
molduras, prateleiras) e 3) referências à cultura popular e geek ou nerd (figura 4), com base
ou seguindo fielmente o que é publicado no blog.
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Figura 4 – O quarto do leitor André.
Fonte: Homens da Casa (2016)
O leitor André escreve ao criador do blog, expressando a satisfação em decorar o
próprio quarto:
Queria te agradecer Eduardo por toda essa inspiração que você nos traz, de forma
simples e clara, e por mostrar que QUALQUER UM pode mudar o seu redor pra
ficar um ambiente mais individual, original e especial. Gostaria muito se esse tanto
de coisa que eu fiz desse coragem para alguém também botar a mão na massa e já
ficaria mais que satisfeito se conseguisse que uma pessoa levantasse da cadeira pra
começar algo novo.(HOMENS DA CASA, 2016)
Os relatos dos/as leitores/as no blog, sobretudo na seção Leitor ninja, colocam em
evidência a capacidade que o blog (entendido aqui como mídia e como tecnologia de
comunicação) tem de moldar, de conformar modos de vida: “a tecnologia não molda apenas
um, mas muitos possíveis modos de vida, cada um dos quais reflete escolhas distintas de
objetivos e extensões diferentes da mediação tecnológica” (FEENBERG, 2010: p.49)
O BLOG HOMENS DA CASA E A TECNOLOGIA DE GÊNERO
Nesta perspectiva, de uso da comunicação e do blog para a promoção da decoração
masculina, o Homens da Casa pode ser pensado como uma tecnologia de gênero, pois coloca
em evidência certos modelos de masculinidades, baseados em discursos (termos, linguagem
irônica e informal, uso de palavrões e gírias) que afirmam e reproduzem esses modelos;
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baseados em práticas e estratégias de legitimação desses discursos, como a ênfase nas
ferramentas, na construção e no apelo ao DIY. O conceito de tecnologia de gênero, proposto
por Teresa de Lauretis, está relacionado às representações que contribuem na construção de
representações e auto representações de gênero. Para De Lauretis (1994: p. 209), o gênero é
uma representação, e possui implicações reais, sociais e subjetivas na vida material das
pessoas, pois envolve instituições (escola, família, mídia). E esta representação do gênero é
também sua construção, pois de acordo com a autora, podemos observar os registros na arte e
cultura ocidentais para compreender isto.
A auto representação define o investimento que os sujeitos fazem em certos tipos de
representação de gênero. Para a autora, se a representação social do gênero afeta sua
construção subjetiva, sua representação subjetiva (auto representação) então afeta também sua
construção, abrindo-se a possibilidade de agenciamento e autodeterminação ao nível subjetivo
e individual.
Se em um dado momento existem vários discursos sobre a sexualidade competindo
entre si e mesmo se contradizendo – e não uma única, abrangente ou monolítica,
ideologia - , então o que faz alguém se posicionar num certo discurso e não em outro
é um “investimento”(...), algo entre um comprometimento emocional e um interesse
investido no poder relativo (satisfação, recompensa, vantagem) que tal posição
promete (mas não necessariamente garante) (LAURETIS, 1994: p. 225).
O blog configura-se como uma tecnologia de gênero por se tratar de um tipo de mídia
que promove e reforça certos ideais de masculinidade, servindo como mediação na construção
de significados e, sobretudo, de valores junto ao seu público. É uma tecnologia de gênero
enquanto oferece possibilidades de representações e auto representações de gênero, por meio
dos modelos de masculinidade promovidos pelo Homens da Casa.
Na figura 5, temos dois quartos de bebê. A decoração foi criada pela mãe (primeira
imagem) e pelo pai e a mãe (segunda imagem), de acordo com os relatos enviados junto com
as imagens. Os dois ambientes adotam elementos de uma decoração entendida como
masculina promovida pelo Homens da Casa, como as cores cinza e amarelo, estampa
conhecida como Chevron ou ziguezague na cor cinza, mobiliário com linhas retas simples na
cor branca. A escolha da cores, consideradas neutras (branco, cinza) e o amarelo a cor de
destaque, sugerem a associação da masculinidade com neutralidade, cores sóbrias, sérias.
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Figura 5 – O quarto da bebê da Bruna e o quarto do Olavo.
Fonte: Homens da Casa (2016)
No quarto da bebê da Bruna (figura 5), a mãe revela que a motivação para a escolha da
decoração foi “grana curta”, o alto preço das decorações infantis e que ela “não queria nada
rosa”(HOMENS DA CASA, 2016). A recusa da mãe em usar a cor rosa, e buscar outras
opções (branco, cinza, amarelo, azul) que são definidas como parte da representação da
decoração masculina promovida pelo Homens da Casa, convida à reflexão sobre o processo
complexo de construção e representação do gênero. Nesse processo, é importante recordar
que “a construção do gênero é tanto o produto quanto o processo de sua representação” (DE
LAURETIS, 1994: p. 216).
No quarto do Olavo (figura 5), o pai escreve que a motivação foi a descoberta de que
seria pai: “De um meninão! (piá aqui no Paraná!!!) grifo original. (...) Não somos do tipo
azulzinho, aviãozinho, frufruzinho, portanto fomos atrás de opções diferentes!”(HOMENS
DA CASA, 2016) A escolha dos termos sugere visões de gênero do leitor, como a valorização
da masculinidade nos termos usados para designar o sexo do bebê (“meninão”, “piá”), em
oposição aos outros termos empregados no diminutivo. Com esta estratégia, o leitor expressa
uma concepção na qual a masculinidade se opõe/diferencia do que é considerado frescura ou
o “lugar comum” na decoração de quartos de bebê masculinos. A associação entre a
casa/decoração e feminilidade é tratada como uma característica subalterna, sendo
desvalorizada enquanto prática ligada à “frescura”, à trivialidade e à falta de “personalidade”.
Neste sentido, as publicações na seção Leitor ninja definem as possibilidades de
representação e quais sujeitos devem ser representados. Para Judith Butler (2003), os
domínios da representação estabelecem o critério segundo o qual os sujeitos são formados;
deste modo, a representação estende-se ao que pode ser reconhecido como sujeito.
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Segundo Teresa de Lauretis (1994), uma tecnologia de gênero oferece posições de
“investimento” em certos discursos, modos de vida, influenciando a criação de grupos sociais
e o modo como esses grupos interpretam o mundo. Neste sentido, o Homens da Casa é mais
do que um blog de decoração, pois constrói junto aos/as leitores/as discursos e práticas que
são produzidos e reproduzidos posteriormente. Como acredita Feenberg (2010: p.114), “a
tecnologia não é somente um simples servidor de algum propósito social predefinido; é um
ambiente dentro do qual um modo de vida é elaborado.” O Homens da Casa consiste em uma
tecnologia de gênero à serviço da promoção e difusão da decoração masculina.
Para Beatriz Preciado (2008), o termo tecnogênero pode “dar conta de um conjunto de
técnicas fotográficas, biotecnológicas, cirúrgicas, farmacológicas, cinematográficas ou
cibernéticas que constituem performativamente a materialidade dos sexos.” (PRECIADO,
2008: p. 86) O Homens da Casa pode ser compreendido como uma tecnologia de gênero,
propondo um conjunto de técnicas de representação e materialização para a decoração
masculina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo do blog de decoração Homens da Casa é uma oportunidade para refletir e
discutir como as representações de gênero marcam e formam visões de mundo e
desigualdades na sociedade.
A seção do Leitor e o blog de maneira geral, convertem-se em mídia que influencia a
formação e afirmação de modelos de masculinidade e promove estilos de vida relacionados à
decoração. O blog, discutido como uma tecnologia de gênero, contribui com a promoção de
visões de mundo fundamentadas em concepções de gênero, como observamos nos relatos de
leitores/as.
Uma visão crítica da tecnologia e das mídias atuais é um caminho possível para
discutir, refletir e compreender como as tecnologias não são neutras, nem consequências
naturais de certos códigos ou práticas, mas se configuram como escolhas ideológicas e
políticas na sociedade. A exaltação da masculinidade no Homens da Casa tem como efeito
reproduzir estereótipos, que tendem a minimizar as tensões de discursos misóginos e
concepções que sugerem hierarquias entre saberes e práticas, como a valorização exagerada
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do “colocar a mão na massa”, por exemplo. Essas hierarquias foram construídas, assim como
as concepções de gênero, moldadas e mediadas pela tecnologia.
REFERÊNCIAS
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FEENBERG, Andrew. Racionalização Subversiva: Tecnologia, Poder e Democracia. In:
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MENDES, Eduardo. Homens da Casa. Disponível em:<http://www.homensdacasa.net/>
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PRADO, C. Ana. A volta da cultura do “faça você mesmo”. Entrevista George McKay.
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PRECIADO, Beatriz. Tecnogénero.Testo Yonqui. Espanha, Madrid: Editorial Espasa Calpe,
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Porto Alegre, vol. 20, n.2 jul.dez. 1995, p.5-19.
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ZAGO, Gabriela da Siva. Dos blogs ao microblogs: aspectos históricos, formatos e
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2008. Disponível em:<http://www.bocc.ubi.pt/pag/zago-gabriela-dos-blogs-aos-
microblogs.pdf> Acesso em: 20 mar. 2015.