definir e classificar indicadores clínicos para a melhoria da qualidade

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1 Defining and classifying clinical indicators for quality improvement - Jan Mainz Definir e classificar indicadores clínicos para a melhoria da qualidade Jan Mainz - International Journal for Quality in Health Care 2003; Volume 15, Number 6: pp. 523530 http://intqhc.oxfordjournals.org/content/15/6/523.full#xref-ref-1-1 Tradução: Fernando Barroso; R.N. Felisbela Barroso; R.N. Isabel Martins; R.N. A qualidade dos cuidados de saúde está na agenda da maioria dos sistemas de cuidados de saúde. Grande parte deste interesse na qualidade dos cuidados surge em resposta às profundas transformações nos sistemas de cuidados de saúde, acompanhadas por novas estruturas organizacionais e estratégias de reembolso que podem afetar a qualidade dos cuidados. No entanto, só mais tarde começou a ser recolhida, de forma sistemática, evidência sobre a qualidade dos cuidados na maioria dos sistemas de cuidados de saúde; na maioria dos países não existe um sistema nacional, obrigatório, para acompanhar a qualidade da assistência prestada aos cidadãos. Portanto a questão é - o que sabemos sobre a qualidade dos cuidados de saúde? A literatura indica [1-4] : (i) falta de documentação sobre como são tratadas as principais doenças na maioria dos sistemas de saúde, (ii) falta de uma avaliação sistemática dos resultados, (iii) falta de avaliação dos recursos relacionados com a qualidade em doenças específicas, (iv) variações persistentes entre os prestadores de cuidados, relativamente a doentes semelhantes, e (v) poucos sistemas formais de monitorização em vigor por parte dos prestadores de cuidados de saúde ou reguladores. Para a maioria das doenças, em muitos países, os problemas potenciais de qualidade e a sua prevalência e incidência são desconhecidos. Avaliar a qualidade do cuidado tem vindo a ganhar importância para prestadores, reguladores, e consumidores de cuidados. Nos últimos anos, os prestadores começaram a interessar-se pela medicina baseada na evidência e os consumidores começaram a concentrar-se no custo-eficácia dos cuidados de saúde relativamente à produção de resultados de saúde. Os indicadores de avaliação do desempenho e de resultados permitem que a qualidade dos cuidados e dos serviços seja medida. Esta avaliação pode ser feita através da criação de indicadores de qualidade que descrevem o desempenho esperado para um determinado tipo de doente ou relacionado com os resultados de saúde, e então avaliar se o cuidado dos doentes é consistente com os indicadores resultantes de padrões baseados na evidência dos cuidados. Este artigo visa definir indicadores clínicos de uma forma padrão para uma audiência abrangente, e rever algumas classificações de indicadores clínicos que podem ser úteis para aqueles que desejam medir a qualidade dos cuidados.

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Defining and classifying clinical indicators for quality improvement - Jan Mainz

Definir e classificar indicadores clínicos para a melhoria da qualidade

Jan Mainz - International Journal for Quality in Health Care 2003; Volume 15, Number 6: pp. 523–530

http://intqhc.oxfordjournals.org/content/15/6/523.full#xref-ref-1-1

Tradução: Fernando Barroso; R.N. Felisbela Barroso; R.N.

Isabel Martins; R.N.

A qualidade dos cuidados de saúde está na agenda da maioria dos sistemas de cuidados de saúde.

Grande parte deste interesse na qualidade dos cuidados surge em resposta às profundas

transformações nos sistemas de cuidados de saúde, acompanhadas por novas estruturas

organizacionais e estratégias de reembolso que podem afetar a qualidade dos cuidados. No entanto, só

mais tarde começou a ser recolhida, de forma sistemática, evidência sobre a qualidade dos cuidados na

maioria dos sistemas de cuidados de saúde; na maioria dos países não existe um sistema nacional,

obrigatório, para acompanhar a qualidade da assistência prestada aos cidadãos. Portanto a questão é -

o que sabemos sobre a qualidade dos cuidados de saúde? A literatura indica [1-4]: (i) falta de

documentação sobre como são tratadas as principais doenças na maioria dos sistemas de saúde, (ii)

falta de uma avaliação sistemática dos resultados, (iii) falta de avaliação dos recursos relacionados com

a qualidade em doenças específicas, (iv) variações persistentes entre os prestadores de cuidados,

relativamente a doentes semelhantes, e (v) poucos sistemas formais de monitorização em vigor por parte

dos prestadores de cuidados de saúde ou reguladores. Para a maioria das doenças, em muitos países,

os problemas potenciais de qualidade e a sua prevalência e incidência são desconhecidos.

Avaliar a qualidade do cuidado tem vindo a ganhar importância para prestadores, reguladores, e

consumidores de cuidados. Nos últimos anos, os prestadores começaram a interessar-se pela medicina

baseada na evidência e os consumidores começaram a concentrar-se no custo-eficácia dos cuidados de

saúde relativamente à produção de resultados de saúde.

Os indicadores de avaliação do desempenho e de resultados permitem que a qualidade dos cuidados e

dos serviços seja medida. Esta avaliação pode ser feita através da criação de indicadores de qualidade

que descrevem o desempenho esperado para um determinado tipo de doente ou relacionado com os

resultados de saúde, e então avaliar se o cuidado dos doentes é consistente com os indicadores

resultantes de padrões baseados na evidência dos cuidados.

Este artigo visa definir indicadores clínicos de uma forma padrão para uma audiência abrangente, e rever

algumas classificações de indicadores clínicos que podem ser úteis para aqueles que desejam medir a

qualidade dos cuidados.

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Defining and classifying clinical indicators for quality improvement - Jan Mainz

Terminologia, conceitos e definições

Definições

A qualidade dos cuidados pode ser definida como "o grau em que os serviços de saúde para indivíduos

e populações aumentam a probabilidade de resultados de saúde desejados e são consistentes com o

conhecimento profissional atual " [5], e pode ser dividido em diferentes dimensões de acordo com os

aspetos dos cuidados que estão a ser avaliados [6]. Este artigo irá concentrar-se em indicadores clínicos

que descrevem o desempenho dos cuidados de saúde e os seus resultados.

Os indicadores têm sido definidos de diferentes formas:

1. Como medida para avaliar um determinado processo de cuidado de saúde ou resultado [7].

2. Como indicadores quantitativos que podem ser usados para monitorizar e avaliar a qualidade da

gestão, gestão clínica, e funções/atividades de apoio que afetam o resultado para o doente [8].

3. Como ferramentas de medida, imagens, ou alertas que são usados como guias para monitorizar,

avaliar e melhorar a qualidade dos cuidados ao doente, serviços de apoio clínico e funções

organizacionais que afetam os resultados dos doentes [9].

Os indicadores fornecem uma base quantitativa para os clínicos, as organizações e os gestores que

visem alcançar a melhoria nos cuidados e dos processos pelos quais o cuidado ao doente é fornecido.

Medir e monitorizar indicadores serve muitos propósitos. Eles tornam possível: documentar a qualidade

do cuidado; fazer comparações (benchmarking) ao longo do tempo, entre lugares (por exemplo, hospitais

ou serviços específicos); avaliar e estabelecer prioridades (por exemplo, a escolha de um hospital ou

cirurgia, ou a organização dos cuidados médicos); apoiar a responsabilização, regulação e acreditação;

suportar a melhoria da qualidade; e apoiar a escolha feita pelo doente. A utilização de indicadores

permite que profissionais e organizações monitorizem e avaliem o que acontece com os doentes, como

consequência da forma como estão organizados os profissionais e os sistemas. Contudo, os indicadores

não são uma medida direta de qualidade. Sendo a qualidade multidimensional, compreende-la exige

múltiplas avaliações.

Os indicadores são baseados em padrões de cuidados. Estes podem ser baseados na evidência e

resultar da literatura académica (ver, por exemplo, a meta-análise ou ensaios clínicos randomizados) ou,

quando a evidência científica é inexistente, determinados por um painel de especialistas (profissionais de

saúde), num processo de consenso e com base na sua experiência. Assim, os indicadores e padrões

podem ser descritos de acordo com a força da evidência científica e a sua capacidade de prever os

resultados [10].

Principais características de um indicador ideal

Um indicador ideal teria as seguintes características principais: (i) indicador baseado em definições

acordadas, e descrito exaustivamente e exclusivamente; (ii) indicador altamente específico e sensível, ou

seja, ele identifica poucos falsos positivos e falsos negativos; (iii) indicador válido e confiável; (iv) o

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Defining and classifying clinical indicators for quality improvement - Jan Mainz

indicador discrimina bem; (v) indicador refere-se a eventos claramente identificáveis para o utilizador (por

exemplo, se foi pensado para os prestadores de cuidados, é relevante para a prática clínica); (vi) o

indicador permite comparações úteis; e (vii) indicador baseado na evidência. Cada indicador tem de ser

definido com pormenor, com especificações explícitas de dados, a fim de ser mais específico e sensível.

Os indicadores podem variar na sua validade e confiabilidade. A validade é o grau em que o indicador

mede o que se pretende medir, ou seja, o resultado de uma medição corresponde ao estado real do

fenómeno a ser medido. Um indicador válido discrimina entre os cuidados, de outra forma conhecidos

por serem de boa ou má qualidade, e confere outras avaliações que se destinam a medir a mesma

dimensão da qualidade. A confiabilidade é a medida em que repetidas análises de um fenômeno estável

por auditores, avaliadores, ou instrumentos diferentes, em diferentes épocas e lugares, obtêm resultados

semelhantes. A confiabilidade é muito importante quando se utiliza um indicador para fazer comparações

entre grupos ou dentro do mesmo grupo ao longo do tempo. Um indicador válido deve ser reprodutível e

consistente.

Os indicadores devem ser baseados nas melhores evidências disponíveis. Sackett et al. descreve isto

como "a integração das melhores evidências de pesquisa com a experiência clínica e os valores do

doente" [11]. A força da evidência de um indicador irá determinar a sua solidez científica ou a

probabilidade de que a melhoria no indicador irá produzir melhorias consistentes e credíveis na

qualidade do cuidado.

Tipos de indicadores

A tabela 1 lista diferentes classificações de indicadores. Estas podem ser úteis para escolher qual utilizar

em função de um dado propósito.

Tabela 1- Categorias de indicadores clínicos

Indicador baseado em Taxa ou Indicador Sentinela Relacionado com a estrutura/processo/resultado Genérico ou específico para a doença

Tipo de cuidados Preventivo Agudo Crônico

Função Avaliação Diagnóstico Tratamento Acompanhamento (follow-up)

Modalidade História Exame físico Estudo Laboratorial/radiologia Medicação Outras intervenções

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Indicadores baseados em taxas versus Indicadores sentinela

Um indicador baseado numa taxa utiliza dados sobre eventos que se espera que ocorram com alguma

frequência. Estes podem ser expressos por proporções ou taxas (dentro de um determinado período de

tempo), rácios, ou valores médios para uma amostra da população. Para permitir comparações entre os

prestadores ou tendências ao longo do tempo, os indicadores de proporção ou baseados em taxas

precisam de um numerador e de um denominador que especifique a população em risco para um evento

e o período de tempo em que o evento pode ter lugar.

Um indicador sentinela identifica eventos individuais ou fenômenos que são intrinsecamente

indesejáveis, e acionam sempre um análise e investigação adicionais. Cada incidente desencadeia uma

investigação. Estes eventos sentinela representam o extremo do mau desempenho e são geralmente

utilizados para a gestão do risco.

A tabela 2 mostra exemplos de indicadores baseados em taxas e em indicadores sentinela [12]. Os dois

tipos de indicadores podem ser genéricos ou específicos para uma determinada doença, e relacionados

com a estrutura, o processo ou o resultado.

Tabela 2 - Exemplos de indicadores baseados em taxas e sentinela

Indicadores baseados em taxas Infecção da ferida limpa e contaminada

(1) Numerador: número de doentes que desenvolvem infeção da ferida operatória após o quinto dia de pós-operatório, numa cirurgia limpa (2) Denominador: número total de doentes submetidos a cirurgia limpa, dentro do período de tempo em estudo, e que têm um período de permanência de pós-operatório ≥ 5 dias.

Bacteriemia adquirida no hospital [12] (1) Numerador: número total de doentes que adquirem bacteriemia (2) Denominador: número total de doentes no hospital durante o período em estudo

Indicadores sentinela

O número de doentes que morrem durante a cirurgia O número de doentes que morrem durante o período perinatal

Indicadores relacionados com a estrutura, processo e resultado

Os indicadores podem ser relacionados com a estrutura, processo ou resultado dos cuidados de saúde

[13,14]. A "Estrutura" indica as características dos contextos em que ocorre o cuidado. Isto inclui os

atributos dos recursos materiais (tais como instalações, equipamentos e financiamento), de recursos

humanos (como o número e a qualificação do pessoal), e da estrutura organizacional (tais como pessoal

médico, organização, métodos de avaliação por pares, e modalidades de reembolso). Na tabela 3 estão

listados exemplos de indicadores estruturais.

O “Processo” refere-se ao que é realmente feito durante a prestação e receção dos cuidados, ou seja,

as atividades do profissional para fazer um diagnóstico, recomendação ou implementação do tratamento,

ou outra interacção com o doente.

Os indicadores de "Resultados" tentam descrever os efeitos do tratamento sobre o estado de saúde

dos doentes e populações. Uma melhoria no conhecimento do doente e mudanças salutares no seu

comportamento podem ser incluídas numa definição ampla do resultado, e isso pode representar por

exemplo o grau de satisfação do doente com o cuidado.

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Defining and classifying clinical indicators for quality improvement - Jan Mainz

Para que um indicador de processo seja válido, deve ter sido previamente demonstrado que este produz

um melhor resultado. Da mesma forma, utilizar indicadores estruturais para a avaliação da qualidade só

é possível se esses componentes estruturais tiverem demonstrado aumentar a probabilidade de um bom

resultado, ou se um processo tiver previamente demonstrado produzir melhores resultados.

É necessário, portanto estabelecer esse relacionamento antes de qualquer componente particular de

estrutura ou processo poder ser usado para avaliar a qualidade. Estas relações podem ser baseadas na

literatura científica; Se existe pouca evidência, a experiência profissional relacionada com estas

correspondências pode ser ultrapassada utilizando métodos consensuais. Apenas os indicadores

clínicos baseados em evidências viram confirmado a ligação entre a estrutura ou processo e os

resultados de saúde de doentes [15]. A capacidade de avaliar a qualidade da técnica da medicina é

delimitada pelos pontos fortes e fracos da ciência clínica.

Indicadores estruturais

A “Estrutura” refere-se às características do sistema de saúde que afetam a capacidade deste para

atender às necessidades de saúde individuais dos doentes ou de uma comunidade. Os indicadores

estruturais descrevem o tipo e a quantidade de recursos utilizados por um sistema de saúde ou

organização para disponibilizar programas e serviços, e eles relacionam-se com a presença ou número

de funcionários, clientes, dinheiro, camas, materiais e edifícios. Exemplos de indicadores estruturais

estão listados na tabela 3 [4,16]. A avaliação da estrutura é um juízo sobre se o cuidado está a ser

prestado sob condições que são favoráveis ou contrárias à prestação de um bom cuidado.

Indicadores de processo

Os indicadores de processo avaliam o que o prestador fez ao doente e com que nível de qualidade o

cuidado foi prestado. Os processos são uma série de atividades inter-relacionadas realizadas para

alcançar objetivos. Os indicadores de processo medem as atividades e tarefas em episódios de cuidados

aos doentes. São apresentados exemplos de indicadores de processo na tabela 3.

Alguns autores incluem as atividades do doente na procura de cuidados e a prestação de autocuidado

na sua definição do processo de cuidados de saúde. Outros limitam este termo aos cuidados

administrados exclusivamente por prestadores de cuidados de saúde. Pode argumentar-se que os

prestadores não são responsáveis pelas atividades dos doentes e estes, portanto, não constituem parte

da qualidade do cuidado, contudo sabe-se que o comportamento dos doentes influencia os seus

resultados de saúde.

Indicadores de resultados

Os resultados são estados de saúde ou eventos que se seguem ao cuidado, e que podem ser afetados

por estes. Um indicador de resultado ideal deveria captar o efeito de processos de cuidados na saúde e

bem-estar dos doentes e populações. Os resultados podem ser expressos como "Os cinco" Ds [5]: (i)

morte1: um mau resultado se prematuro; (ii) doença: sintomas, sinais físicos, e alterações laboratoriais;

(iii) desconforto: sintomas como dor, náusea ou dispneia; (iv) deficiência: capacidade prejudicada ligada

1 Death no original

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às atividades habituais no trabalho, em casa ou em recreação; e (v) insatisfação2: reações emocionais à

doença e ao seu tratamento, como tristeza e raiva. São apresentados exemplos de indicadores de

resultados na tabela 3.

Os indicadores de resultados intermédios refletem mudanças no status biológico que afetam os

resultados de saúde subsequentes. Alguns resultados só podem ser avaliados após vários anos (por

exemplo, 5 anos de sobrevivência ao cancro). Por isso, é importante avaliar os indicadores de resultados

intermédios. Eles devem ser baseados na evidência e refletir o resultado (por exemplo, HbA1c no

diabetes). Eles podem ser considerados como resultados a curto prazo [17,18]. Exemplos estão listados na

tabela 3.

Tabela 3 - Exemplos de indicadores relacionados com a estrutura, processo e resultado

Estrutura Proporção de especialistas para outros médicos Acesso a tecnologias específicas (por exemplo, ressonância magnética) Acesso a unidades específicas (por exemplo, unidades de AVC) Normas de Orientação Clinica revistas a cada 2 anos Fisioterapeutas atribuídos a unidades específicas

Processo Proporção de doentes com diabetes que recebem cuidado regular aos pés Proporção de doentes com infarto do miocárdio que receberam trombólise Proporção de doentes avaliados por um médico dentro das 24 horas após referência Proporção de doentes tratados de acordo com as Normas de Orientação Clinica

Resultado Intermedio

Resultado de HbA1c para diabéticos Resultado do perfil lipídico de doentes com hiperlipidemia Resultados da Pressão Arterial em doentes hipertensos

Resultado final (deve ser especifico para doenças) Mortalidade Morbilidade Estado funcional Medição do estado de saúde Situação de trabalho Qualidade de vida A satisfação do doente

Ajustamento pelo risco

Na maioria dos casos, vários fatores contribuem para a sobrevivência de um doente e para os resultados

de saúde. A figura 1 ilustra os possíveis fatores que podem contribuir para os resultados dos cuidados

[4,19]. Portanto, as avaliações de resultados devem ser ajustadas aos fatores externos ao sistema de

saúde se pretendemos efetuar comparações justas. Na avaliação da qualidade, os componentes que se

relacionam com os sistemas de cuidados médicos devem ser isolados, o que é conseguido por meio do

controle de fatores perturbadores significativos que contribuam para o resultado.

Os fatores frequentemente incluídos nos modelos de ajuste pelo risco incluem variáveis demográficas,

psicossociais (tais como idade, sexo e estado funcional), estilos de vida (tabagismo, uso de álcool), a

gravidade da doença que é foco de avaliação, o estado de saúde e comorbilidades.

2 Dissatisfaction no original

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O ajustamento pelo risco é essencial antes de comparar os resultados dos doentes entre hospitais ou

prestadores [20,21].

O ajustamento do risco pode ser mais importante para os indicadores de resultados [22,23]. Existem

também outros métodos para garantir que outras diferenças entre os grupos de doentes não estão a

influenciar as comparações de indicadores de processo ou resultado. Por exemplo, a população de

doentes na qual o indicador é utilizado pode ser cuidadosamente restringida. Em alternativa, podem ser

realizadas análises estratificadas para examinar tipos específicos de doentes dentro de uma

determinada amostra.

Figura 1 - Fatores determinantes do resultado dos cuidados.

O Doente Fatores Demográficos (Idade, sexo, altura) Estilo de vida (tabagismo, uso de álcool, peso, dieta, exercício físico) Fatores psicossociais (estatuto social, educação) Grau de cumprimento (por parte do doente) +

A Doença Severidade, diagnóstico, Comorbilidades +

O Tratamento (prevenção, diagnostico, cuidado, reabilitação, medicação e controlo) Competência Equipamento técnico Prática baseada na evidência Eficiência, precisão +

A Organização Utilização de Normas de orientação Clinica Cooperação Atrasos

= RESULTADOS

Estrutura, processo e resultado: que medidas devem ser escolhidas?

Dos indicadores estruturais, as avaliações que preveem variações nos processos ou resultados dos

cuidados são as que têm uma maior utilidade, e tais avaliações concentram-se, muitas vezes, nas

características do hospital ou do prestador de cuidados [16]. Em relação à qualidade do cuidado

pediátrico, um achado consistente tem sido o de que os hospitais que cuidam um maior volume de

doentes, com condições semelhantes, tem uma melhor taxa de mortalidade ajustada, o que é verdade

também para procedimentos cirúrgicos [18,24]. Foram identificadas catorze características estruturais que

têm vindo a demonstrar estarem relacionadas com processos ou resultados baseados na evidência [16].

As vantagens e desvantagens da análise do processo versus a análise do resultado foram avaliadas

recentemente [22,23,25]. Os seguintes pontos podem valer a pena reiterar:

Primeiro, os elementos do processo de cuidado não significam qualidade até que sejam validados

através da demonstração da sua relação com resultados desejáveis [14,16]. Uma vez que tenha sido

estabelecido que certos procedimentos utilizados em situações específicas ou para determinados

doentes estão claramente associados a bons resultados, a presença ou ausência destes procedimentos

para tais doentes ou situações podem ser aceites como evidência de boa ou má qualidade [6,13, 14]. Tais

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evidências baseadas em indicadores estruturais ou de processo podem ser referidas como "resultado

validado" e representam medidas diretas de qualidade [25].

Os indicadores de processo são especialmente úteis quando [15]:

a melhoria da qualidade é o objetivo do processo de avaliação;

uma explicação da razão porque é que prestadores específicos alcançam resultados específicos;

são necessários espaços de tempo curtos;

o desempenho de um baixo numero de prestadores é de interesse; e,

quando as ferramentas para ajustar ou estratificar os fatores dos doentes estão em falta.

A comparação dos dados do processo são mais fáceis de interpretar e mais sensíveis a pequenas

diferenças do que comparações dos dados dos resultados. Um indicador de processo pode medir se um

doente com um enfarte recebe ou não a medicação correta, enquanto as taxas de mortalidade a 30 dias

de doentes com AVC podem ser difíceis de interpretar.

Palmer sugere que os dados dos indicadores de resultado são úteis se [15]: os resultados podem ser

medidos de tal modo que são afetados pelos cuidados de saúde; são possíveis longos prazos; o

desempenho de todo o sistema deve ser estudado; ou se um grande volume de casos está disponível.

Os dados dos resultados são mais úteis para os cuidados prestados por um elevado volume de

prestadores ao longo de grandes períodos de tempo, e para detetar problemas na execução de

processos de tratamento.

A figura 1 indica que os resultados dos cuidados são determinados por vários fatores relacionados com o

doente, a doença e os cuidados de saúde. Diferenças nos resultados podem ser devidas ao índice de

Case-Mix3 e outros fatores de perturbação. Uma colheita de dados padronizada e o ajuste do risco são

importantes para a interpretação dos resultados. Os indicadores de resultados podem ser usados

quando as variações nos cuidados na saúde podem resultar em variações significativas nos resultados

de saúde, e onde a ocorrência é bastante comum, os indicadores de resultado têm poder para detetar

diferenças reais na qualidade [25]. De forma geral, pode ser recomendável que quanto mais ampla a

perspetiva for requerida, maior a relevância dos indicadores de resultados. À medida que a perspetiva se

restringe a hospitais, a departamentos ou a prestadores de serviços, embora ainda importantes, as

medidas de resultados tornam-se menos úteis.

Uma estratégia razoável é selecionar indicadores que atendam às necessidades de cada condição ou

tratamento particular; algumas vezes estes serão indicadores de estrutura ou processo, e outras vezes

indicadores de resultado. Frequentemente serão uma combinação de ambos.

Independentemente da escolha de indicadores de processo, estrutura ou resultado, a viabilidade da

medição é sempre uma consideração chave. Além disso, a frequência com que um acontecimento

ocorre na população disponível para o estudo pode afetar a utilidade de um indicador, a menos que seja

um evento sentinela como descrito anteriormente.

3 http://portalcodgdh.min-saude.pt/index.php/%C3%8Dndice_de_Case-Mix_(ICM)

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Defining and classifying clinical indicators for quality improvement - Jan Mainz

Indicadores genéricos e Indicadores específicos de doenças

Os indicadores genéricos medem aspetos dos cuidados que são relevantes para a maioria dos doentes,

enquanto os indicadores específicos de doenças são específicos de um diagnóstico e medem aspetos

particulares dos cuidados relacionados com doenças específicas. Ambos os indicadores (genéricos e

específicos) podem concentrar-se na estrutura, processo ou resultado. A tabela 4 lista exemplos de

indicadores genéricos e específicos de doenças. Tal como referido, os indicadores genéricos podem ser

difíceis de interpretar, principalmente quando se fazem comparações entre hospitais ou prestadores,

porque podem existir profundas diferenças no índice de Case-Mix. Os indicadores de resultado

específicos de doenças podem ser usados para comparar hospitais e planos, quando os dados são

ajustados ao risco. Fatores perturbadores, como o prognóstico de doenças específicas, são suscetíveis

de ser encontrados na literatura científica para essas doenças, indicando assim a necessidade de ajuste

do risco.

Tabela 4 - Exemplos de Indicadores genéricos e Indicadores específicos de doenças

Indicadores genéricos

Proporção de especialistas para outros médicos

Doentes inscritos no serviço urgência > 6 horas

Regresso não programado ao Bloco Operatório

Mortalidade nos doentes internados Indicadores específicos de Doença

Proporção de cardiologistas para outros médicos a tratar de doentes com insuficiência cardíaca no departamento de cardiologia

Proporção de doentes com AVC tratados com anti-agregantes plaquetários <24 horas de internamento.

Proporção de doentes com fratura do colo do fémur que precisam de uma segunda operação

Proporção de doentes com neoplasia do pulmão que estão vivos 30 dias após a cirurgia

Proporção de doentes com infarto do miocárdio, que recebem um beta-bloqueador dentro das primeiras 24 horas de internamento

Proporção de doentes com diabetes mellitus que recebem um exame de retina anualmente

Indicadores relacionados com o tipo de cuidado, função e modalidade

Os indicadores podem ser classificados de acordo com o tipo de cuidado, função e modalidade [26]. Os

indicadores classificados por tipo de cuidados são preventivo, agudo ou crónico. A função de cuidado

pode se relacionada com a triagem, diagnóstico, tratamento e acompanhamento. A modalidade, através

da qual pode ser fornecida a assistência refere-se por exemplo ao exame físico do doente, estudo de

laboratório ou radiologia ou prescrição de medicamentos [26]. A tabela 5 ilustra a forma como os

indicadores podem ser classificados em três grupos. O exemplo é modificado a partir do trabalho de

Schuster et al. [26], e ilustra a forma como os indicadores podem ser classificados num sistema de

medição da qualidade dos cuidados para cobrir várias áreas clínicas.

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Defining and classifying clinical indicators for quality improvement - Jan Mainz

Tabela 5 - Exemplo de indicadores classificados de acordo com o tipo de cuidado, função e modalidade Indicador Tipo de cuidado Função Modalidade

Doença falciforme: crianças com anemia falciforme positiva

Crónica Tratamento Avaliação da medicação ou crianças suspeitas de serem positivos para a doença de células falciformes deve ser colocada sobre a profilaxia diária de penicilina a partir de, pelo menos, dos 6 meses de idade até, pelo menos, aos 5 anos de idade.

Infecção do trato urinário: criança com uma infeção do trato urinário diagnosticada deve ser reavaliada em 48 horas para determinar se há melhoria clínica

Aguda Acompanhamento Outro contacto

Pediatria: o peso da criança deve ser medido pelo menos quatro vezes durante o primeiro ano de vida. Esta informação deve ser registada numa curva de crescimento ou ser registada com o percentil idade/sexo

Preventiva Avaliação Exame físico

Conclusão

Os indicadores clínicos medem o grau em que os objetivos definidos são alcançados. Estes são

expressos em números, taxas, ou médias, que podem fornecer uma base para os profissionais de

saúde, organizações e gestores que visam alcançar uma melhoria nos cuidados e nos processos pelos

quais os cuidados aos doentes são organizados. Eles podem ser indicadores de estrutura, processo e

resultado, quer como indicadores genéricos relevantes para todas as doenças, ou indicadores

específicos de doenças que descrevem a qualidade dos cuidados ao doente relacionados com um

diagnóstico específico.

De forma geral, os dados dos indicadores são de interesse para os doentes, compradores e

fornecedores. Os resultados podem ser de grande interesse para os consumidores e para os que

financiam os cuidados, enquanto os prestadores que recebem os dados para fins de melhoria da

qualidade precisam de dados detalhados sobre o processo de cuidado para tornar a informação credível

e possível de ação.

Os indicadores clínicos devem ser válidos e sensíveis aos acontecimentos e mudanças que se destinam

a detetar. Além disso, os indicadores clínicos devem ser claramente definidos, a fim de evitar a medição

de alterações no estado do doente decorrente de fatores externos não relacionados com os objetivos e

metas definidos. Somente os indicadores clínicos baseados na evidência preveem os resultados dos

doentes e são verdadeiros indicadores de qualidade, embora os indicadores baseados no consenso

profissional, sem evidência prévia, possam ser tudo o que é possível fazer em certas condições,

tratamentos ou populações de doentes. Os resultados de saúde são determinados por muitos outros

fatores além da qualidade dos cuidados de saúde. O ajustamento do risco desempenha portanto um

papel importante na comparação quando se usam os resultados dos dados, a fim de ajustar os fatores

que podem perturbar a sua análise.

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Defining and classifying clinical indicators for quality improvement - Jan Mainz

A vigilância da qualidade da assistência de saúde é facilitada pelo uso de indicadores quantitativos

relevantes, complementando outras abordagens que podem incluir análises qualitativas de eventos

específicos ou processos. Para a população saudável, os indicadores também podem ser importantes no

que diz respeito à prevenção, qualidade de vida e satisfação com os cuidados de saúde.

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Referências

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