diz o Índio... políticas indígenas no final do
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artigo publicado na revista AEDOS sobre história indígena.TRANSCRIPT
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Diz o ndio...1: Polticas indgenas no final do
XVIII2.
Rafael Rogrio Nascimento dos Santos3
ResumoEsse artigo trata de determinadas estratgias e aes construdas pelos indgenas do Gro-Par em busca de seus prprios interesses frente os limites que o contexto da segunda metade do sculo XVIII lhes imps. Leva-se em conta que os povos indgenas possuram e possuem participao fundamental na histria do Brasil e souberam lidar com as relaes de poder geridas pela sociedade colonial, foram inseridos na mesma, contudo, tambm se inseriram dentro daquela dinmica aprendendo os cdigos culturais europeus e os utilizaram para moverem-se e adaptarem-se dentro daquele universo. As polticas indgenas, entendidas como instrumento de ao dos amerndios, revelam que no foram apenas vtimas ou algozes; foram integrados, contudo, e tambm de suma importncia, integraram-se, e a sua integrao foi fruto de um embate de foras em uma luta cotidiana de reapropriaes e ressigni caes. Palavras-chave: Poltica indgena; Diretrio dos ndios; Resistncia indgena; Ressigni cao.
AbstractThis paper deals with speci c strategies and actions built by the Gro-Pars Indians in pursuit of their own interests relative the limits that the context of the second half of the
XVIII century had laid. It takes into account that the indigenous people have owned and have a fundamental role in Brazils history and knew how to deal with power relationships managed by colonial society and were inserted in it. However, they were also inserted into that dynamic learning and European cultural codes and they used them to move around and adapt inside that universe. The indigenous politics, understood as an instrument of action of the Amerindians, show that they were not only victims or executioners; they have been integrated, however, and also of great importance, they were integrated, and the integration was the result of a clash of forces in a daily ght of reappropriations and new meanings.Keywords: Indigenous political; Indians Directory; Indigenous Resistance; Reframing.
IntroduoDiz a ndia Patronilha da Villa de Beja comarca do Par...4.Ano de 1779.Diz a ndia Maria Silvana moradora adjunta da Villa de Cintra da Capitania do Gro-Par...5. Ano de 1785.Diz o ndio Romo Vieira morador da V de Conde da capitania do Estado do Gro-Par...6.Ano de 1787.
Diz a ndia... e Diz o ndio... so as palavras iniciais de parte da
documentao analisada neste trabalho e esto relacionadas tentativa dos ndios
do Gro-Par de buscarem, por vias legais, aquilo que consideravam seus direitos.
Encontramos um padro nessas fontes que a identi cao dos indgenas atravs
do nome cristo e da vila qual pertenciam, portanto, dois fatores utilizados para
mostrarem seus lugares e participaes no projeto metropolitano. No obstante,
tambm uma forma de percebermos que se inseriram dentro da dinmica
colonial, aprendendo os cdigos culturais europeus e os utilizando para moverem-
se e adaptarem-se dentro daquele universo.
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Esse artigo tratar de determinadas estratgias e aes construdas pelos
ndios em busca de seus prprios interesses frente aos limites que aquele contexto
lhes imps. Devemos ter em conta que os povos indgenas possuram e possuem
participao fundamental na histria do Brasil, atuando para alm da questo de
mo de obra.
No se trata de elaborar um discurso em prol dos indgenas, os quais surgiriam
como protagonistas de uma histria unilateral ou omitir as mazelas sofridas por esses
povos. Trata-se de perceber a dinmica construda pelos mesmos nessa histria.
A nal, eles souberam lidar com as relaes de poder geridas pela sociedade colonial
e, este um dos pontos que ajudam na compreenso do novo lugar destinado aos
ndios na historiogra a: sujeito histrico ativo7.
Processos e requerimentos: uma tentativa de autonomia e liberdadeCom a aplicao da poltica indigenista ao longo da segunda metade do sculo
XVIII ocorreram inmeras mudanas nos hbitos dos povos indgenas na Amaznia
colonial. A m de tornar o ndio um vassalo portugus para que atendesse aos
interesses metropolitanos, o Diretrio dos ndios suscitou a implementao de um
programa de insero das populaes indgenas no universo lusitano, promoveu
uma transformao do espao convertendo as aldeias missionrias em vilas e
povoados, incentivou ensino da lngua portuguesa, estimulou a miscigenao por
meio dos casamentos intertnicos, alm de promover a prtica do trabalho regular,
o qual juntamente com os outros itens previstos na legislao, seria responsvel
pela civilizao dos indgenas.
Todavia, esse conjunto legislativo, tambm, acabou por ganhar novos
signi cados frente s aes protagonizadas pelos povos indgenas. Sua prpria
formao e instituio fruto de um embate de foras entre ndios, colonos,
missionrios e agentes da administrao metropolitana envoltos no Vale Amaznico8,
caracterizando-a como um processo histrico. Esse o argumento central da tese
de doutorado do historiador Mauro Coelho, que rompe com a ideia de que o Diretrio
dos ndios foi simplesmente uma lei pombalina, a rmando que ela se constituiu por
meio de uma demanda colonial9.
Um dos aspectos tratados pelo historiador, e que nos importante para este
trabalho, sobre as escolhas dos ndios de se inserirem nas vilas do Diretrio,
mudando substancialmente seus modos de vida, Coelho a rma que:
Descer, casar-se, abandonar suas lnguas nativas e submeter-se ao trabalho compulsrio pareceu, para algumas daquelas populaes, uma alternativa vivel, especialmente diante das promessas de oferta regular de alimentos e de proteo contra os inimigos. Para muitos indgenas, que sentiam os prejuzos da presena aliengena, e viviam dispersos em pequenos grupos, familiares ou no (...) a vida nas povoaes pode ter se a gurado um mal menor que a vida errante pelas matas, a merc de etnias guerreiras poderosas, como os Mura, por
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exemplo. Para outros, a possibilidade de associar-se aos portugueses pode ter sido vista como mais vantajosa, diante das polticas holandesa e espanhola. Para outros, as povoaes foram o nico caminho possvel de sobrevivncia e, menos que uma escolha, elas se con guraram uma imposio, ante a ameaa de desaparecimento10.
Cabe ressaltar, que o fato de optarem por viver nos lugares e vilas institudas
pelo Diretrio dos ndios no signi ca dizer que estavam submetidos a qualquer
poltica. Apesar de j estarem inseridos no interior da vida colonial, alguns ndios
tomavam atitudes diversas daquelas estipuladas pelos agentes da administrao
portuguesa, como a sada temporria da populao a qual viviam para evitar
trabalhos onerosos, rebelavam-se, fugiam, resistiam, mudavam de povoao, entre
outros; buscavam meios para garantir certa autonomia11.
Fixando-se nas vilas, no caram inertes a qualquer demanda colonial, ao
depararem com algum abuso sobre si ou suas famlias, ou ainda sobre a condio de
livres que lhes fora impetrada pela legislao vigente. Desenvolveram estratgias na
tentativa de mudar aquele panorama. Em outras palavras: resistiram e adaptaram-
se para transformar aquela situao.
De acordo com Maria Regina Celestino de Almeida:
Colaborar com os europeus e aldear-se podia signi car, portanto, uma forma de resistncia adaptativa, atravs da qual os povos indgenas buscavam rearticular-se para sobreviver o melhor possvel no mundo colonial. Em vez de massa amorfa, simplesmente levada pelas circunstncias ou pela prepotncia dos padres, autoridades e colonos, os ndios agiam por motivaes prprias, ainda que pressionados por uma terrvel conjuntura de massacres, escravizaes e doenas. Interessarem-se por algumas mudanas e aprendizados, porm tinham nisso seus prprios interesses, e atribuam-lhes rumos e signi cados prprios12.
Surgido de uma interao entre estudos da Antropologia e Histria, o termo
resistncia adaptativa, elaborado por Steve Stern13, procura dar conta das diversas
aes protagonizadas pelos povos indgenas. Para Stern, a aproximao indgena
dos estabelecimentos coloniais e a colaborao destes ao projeto metropolitano
poderiam representar uma forma de resistncia.
Dessa maneira, a resistncia indgena no deve ser entendida somente como
uma atitude de violncia ou como simples resposta as aes dos colonizadores. Por
mais que atos violentos estivessem presentes e fossem constantes, outras formas
de resistir foram sendo construdas na histria do contato entre povos indgenas e
europeus.
Entendemos que as estratgias criadas pelos indgenas do Vale Amaznico,
analisadas neste trabalho, so uma forma de resistncia adaptativa, na medida em
que, em meio a um jogo de foras distintas, utilizaram um conhecimento adquirido
ao longo do processo de contato com o intuito de almejar ganhos ou menores
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perdas que s poderiam garantir conforme se aproximassem da sociedade colonial.
Demonstram, conforme nossa anlise, uma percepo acerca da nova ordem que
estava se estabelecendo, adaptando-se, resistindo e reelaborando novos sentidos
quele universo em transformao.
importante lembrarmos que os indgenas j lidavam com os dispositivos
do poder colonial bem antes do Diretrio dos ndios. J no sculo XVII, segundo
Almir Diniz de Carvalho Junior, as peties de indgenas enviadas Coroa foram
constantes. Como no caso do rei portugus D. Afonso IV quando cou a par do pedido
do principal14 da aldeia Camucy e de outras diversas manifestaes que solicitavam
o Hbito de Cristo e suas respectivas mercs. Tais solicitaes eram munidas de
documentos que comprovavam a colaborao e participao dos requerentes no
projeto metropolitano portugus15.
O destaque dado ao papel e atuao dos principais que elaboraram aes
com base na importncia dada a eles pelo projeto metropolitano no Vale Amaznico,
realizando negociaes com agentes da administrao colonial para descer16 os
ndios sob seu comando, fundamental para se entender a dinmica indgena frente
s polticas indigenistas. O estudo realizado por Patrcia Melo Sampaio exemplar
nesse sentido.
Ao abordar as lideranas indgenas do Rio Negro no sculo XVIII a autora
nos mostra como os principais souberam lidar com presena portuguesa, por vezes
frustrando os empreendimentos coloniais. A negociao era repleta de contratempos e
exigncias realizadas pelos ndios, segundo Sampaio: A diversidade de experincias
que os uniu permite dimensionar a complexidade das modalidades assumidas pelas
polticas indgenas no Rio Negro.17
Dcio Guzman, em consonncia com Patrcia Sampaio, aduz que as che as
indgenas no Rio Negro possuram um papel fundamental na relao estabelecida
com os europeus. As alianas e con itos estabelecidos com os povos amerndios,
principalmente mediados pelos chefes da regio, eram de nidores das polticas de
colonizao.18
Ricardo Medeiros, ao tratar da aplicao da poltica pombalina em Pernambuco,
a rma que a incluso dos principais indgenas em um cargo de destaque na
colonizao, como capito-mor, uma forma de negociao poltica entre as
lideranas indgenas e o poder colonial. As lideranas indgenas eram consideradas
fundamentais no processo de colonizao e civilizao proposto pelo Diretrio dos
ndios, principalmente no que tange o combate aos ndios de corso. Os agentes da
administrao colonial, cientes de tal importncia, cediam s reivindicaes dos
principais19.
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Diante desse universo, percebemos que as che as indgenas sofreram uma
profunda transformao na segunda metade do setecentos com a aplicao do
Diretrio dos ndios. A lgica colonial se apropriou das caractersticas atribudas
s che as indgenas subvertendo-as para a dinmica da colonizao20. Tais che as
foram introduzidas, e tambm se introduziram na nova base de poder tornando-
se importantes intermedirios entre mundos distintos que se entrelaavam o
amerndio e o colonial, por exemplo - , atuando nos processos de descimento.
Leva-se em conta que a concesso e a ateno dada aos requerimentos
e solicitaes dos principais indgenas respondiam ao interesse metropolitano de
conformar as bases de seu poder na regio seguindo a lgica implementada pela
legislao vigente. No Diretrio, que se deve observar nas Povoaes dos ndios
do Par, e Maranho em quanto Sua Majestade no mandar o contrario, no 9
pargrafo, h uma clara descrio acerca do tratamento a ser dado aos indgenas:
...grande cuidado que deviam ter em guardar aos ndios as honras, e os privilgios competentes aos seus postos... que sejam tratados com quelas honras, que se devem aos seus empregos...21.
Era fundamental ao governo portugus o bom trato e anlise de tais pedidos
face necessidade de construir relaes de amizade e aliana com lideranas
indgenas22 pois, desta forma, estaria ampliando a possibilidade de garantir a
hegemonia poltica e militar do territrio.
O caso do Sargento-mor da Vila de Portel, ndio Cipriano Igncio de Mendona
elucidativo. Filho do principal Anselmo de Mendona da nao Tapijara, herdando
aps o falecimento do pai esse cargo, solicitou para a rainha D. Maria I mais ndios
para que pudesse mandar na extrao das drogas do serto, pois alegava estar em
condio de extrema pobreza a ponto de no conseguir manter a subsistncia de sua
famlia. Alm disso, baseou sua ao na concesso de ndios para o principal da Vila
de Oeiras, Manoel Pereira de Faria M. de Campos, que se encontrava em situao
similar. O pedido de concesso da solicitao realizada pelo ndio reforado pelo
autor do documento quando a rma que sem a garantia de sua subsistncia, o
principal no daria conta de:
Tratar-se para os seus vassalos e o terem aquele respeito que V. M. manda lhe tenham na Lei do mesmo Diretrio na falta da qual no pode nenhuma repblica ser bem administrada, e muito menos o podero ser os vassalos do suplicante pela sua rusticidade...23.
Em anexo ao documento encontram-se requerimentos, certides, atestados
e um instrumento de justi cao, que serviram como recursos jurdicos que
respaldavam a solicitao do ndio Cipriano de Mendona. O ponto central
a produo de tais documentos, a qual foi requerida e buscada pelo prprio
principal para que seu pedido fosse respaldado e atendido. Elaborando um
aparato documental jurado, atestado e certi cado por representantes da Coroa
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portuguesa como o Vigrio, Tabelio, Juiz Ordinrio e o Desembargador Geral do
Comrcio acerca da atuao como lder de sua nao, citando o nmero de ndios
sob seu comando, Cipriano de Mendona mostrou estar ciente da importncia dada
a ele no projeto metropolitano e, alm disso, elaborou uma estratgia de ao com
base nas instncias jurdicas disponibilizadas pela administrao lusa.
Diante da poltica de integrao e defesa do territrio ao Norte da Amrica
Portuguesa, principalmente por meio dos indgenas alados na condio de vassalos
do Rei, era importante para a Coroa portuguesa atender as requisies elaboradas
por Cipriano de Mendona. Pois, conforme atesta Joaquim Antonio de Corra
Miranda, Vigrio da Vila de Portel, o nmero de ndios sob o controle de Cipriano
para os interesses reais era em torno de 1700, e ainda, Joo de Amorim Pereira
Carvalho, professo da Ordem de Cristo e Intendente geral do comrcio, agricultura
e manufaturas da capitania do Par, endossa a rmando que o mesmo colaborava
para os ndios no fugirem e manterem-se disposio do servio real24.
Rafael Ale Rocha elabora um tpico inteiro acerca da trajetria do ndio
Cipriano de Mendona devido representatividade que o mesmo possui em suas
aes. Para Rocha:
... ao conhecer o privilgio alcanado por outro principal, Cipriano Incio de Mendona se sentiu no direito de solicitar regalias semelhantes. O servio prestado ao rei em especial o governo dos ndios de sua nao , mostra o papel importante de Cipriano de Mendona enquanto intermedirio entre as demandas dos o ciais e os ndios de sua nao to numerosa. Finalmente, de acordo com o requerimento, Cipriano justi cava a solicitao apontando que precisava de meios para se distinguir dos demais ndios e, portanto, incutir em seus vassalos o respeito que estes deveriam lhe apresentar na conformidade do Diretrio. En m, tratava-se de uma troca: O Diretrio e poderamos acrescentar o rei e as demais legislaes indigenistas do perodo deveria reforar, legitimar e garantir o poder dos principais, pois era atravs da sua condio de intermedirio que se tornava possvel a administrao dos ndios, das vilas e, nalmente, da Repblica como um todo; o principal, por outro lado, deveria ser leal ao rei e manter sob seu comando considervel nmero de ndios. 25
Situao similar a de Cipriano Igncio narrada por Francisco Cancela ao
abordar a trajetria do ndio Manuel Rodrigues de Jesus na Vila de Belmonte,
capitania de Porto Seguro, no nal do sculo XVIII26. Segundo Cancela, Belmonte
possuiu uma tradio de lideranas indgenas que procuraram negociar melhores
condies de vida elaborando aes em dilogo com o projeto metropolitano
portugus. Uma dessas lideranas, Manuel Rodrigues de Jesus, acumulava
duas funes; a primeira era na condio de prtico que lhe gerava ganhos, e
a segunda funo era exercida no posto de capito, servio no remunerado.
No conseguindo manter as duas posies, e logo encontrando di culdades para
manter a sua sobrevivncia e da famlia, solicitou ao governador um pedido de
aquisio de soldo, o que lhe foi negado. Insatisfeito, Manuel Rodrigues buscou
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outras instncias legais e solicitou da Cmara um atestado de seus feitos para
lev-los ao rei de Portugal. O principal indgena ento embarcou com destino a
Portugal, apresentou os documentos e buscou aquilo que acreditava serem seus
direitos:
Ao embarcar para o Reino com objetivo de conquistar direitos legalmente assegurados e, principalmente, ao construir estratgia argumentativa que reforava seu lugar e papel na sociedade colonial, Manuel demonstrou que possua no s uma noo peculiar de ao poltica, como tambm uma conscincia histrica de sua posio como ndio sdito do Rei.27
As maneiras que os indgenas lidaram com a sociedade colonial estiveram alm
da mera reao espasmdica28. Conforme John Monteiro, um dos meios de ao dos
ndios foi a prpria utilizao dos institutos legais proporcionados pela administrao
portuguesa para buscar aquilo que lhes era de interesse.29 Acrescenta-se que o uso
dessas instituies portuguesas pelos ndios no foi algo raro naquele momento,
pois, segundo Monteiro: De fato, no inicio do sculo XVIII, os ndios comeavam a
conscientizar-se das vantagens do acesso justia colonial, sobretudo com respeito
questo da liberdade.30.
Grande parte da documentao analisada provm de ndios que queriam
fazer valer a lei em vigor, utilizando-a para reclamarem de maus tratos, solicitarem
liberdade, entre outros. Importa-nos perceber que suas estratgias de luta e a
busca por direitos so construdas a partir de uma leitura da lei, apropriando-se
dela e a ressigni cando31.
Tal processo leitura, apropriao e ressigni cao deve ser dimensionado
considerando as mltiplas experincias vividas pelos agentes histricos e pelos
processos que marcaram a transformao da sociedade colonial. Dessa forma,
a legislao e as mudanas scio-espaciais norteadas por meio dela devem ser
consideradas como campo de luta32 na medida em que ndios, colonos, religiosos
entendidos a partir de uma construo histrica de experincia atuaram por meio
de con itos, agrupamentos e associaes s quais estabeleceram relaes sociais,
por vezes de recon gurao do meio e espao social33.
As polticas indgenas compreendidas como instrumentos de ao ,
no mbito do Diretrio dos ndios, foram percebidas atravs da dinmica social
construda por tais populaes ou indivduos. Acreditamos que os indgenas, no
cotidiano das povoaes do Diretrio, procuravam determinada autonomia frente
s polticas de controle impostas pela metrpole e colonos.
Dessa forma, as aes dos ndios aldeados demonstram, por um lado, a
pretenso autonomia, e nos indicam que o processo de colonizao foi percebido
por eles como uma possibilidade em virtude do distanciamento das tradicionais
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formas de movimentao em seu mundo que se tornavam cada vez mais distantes.
De outro lado, elas apontam para a insero daqueles indgenas na sociedade
colonial sugerindo que eles perceberam e reconheceram uma autoridade a qual,
de forma ou outra, estavam submetidos, todavia, de uma maneira prpria e distinta
da prevista na legislao.
Destarte, partindo das consideraes sobre o carter colonial da legislao
e dos con itos e rearranjos estabelecidos no Vale Amaznico34, consideramos que
com o estabelecimento daquela lei, e as diversas apropriaes dela seja por parte
dos colonos seja por parte dos ndios zeram com que surgissem alternativas
para as populaes indgenas que estavam alm das fugas das povoaes nas quais
foram estabelecidas. Alternativas que os ndios souberam manejar em busca de
benefcio prprio diante do que lhes era requerido pelos colonos mo de obra e
pela Metrpole motor populacional da regio.
H um redimensionamento e conformaes sociais promovidas pelos indgenas
no interior das povoaes do Diretrio dos ndios. Suas atitudes e as respostas
aos agentes da colonizao revelam a imensa importncia que possuram naquele
contexto e o papel de sujeito social ativo nos processos histricos construdos
entre embate de foras desiguais, mas que no eliminam a condio dos ndios de
poderem alcanar alternativas visando seus interesses.
Como veremos na documentao abaixo analisada, os indgenas souberam
lidar com as tenses sociais presentes no interior das povoaes, utilizando a prpria
legislao como um dos instrumentos para legitimarem suas aes diante das
instncias legais, redimensionando-a. Algumas aes dos ndios que consubstanciam
a argumentao deste artigo so: o processo de xao determinada aldeia,
a tentativa de agrupamento de familiares na mesma povoao, a solicitao de
liberdade pautada na legislao, solicitao de proviso rgia e a tentativa de
escolha para se xarem em casa de determinado colono ou onde lhes conviesse.
Em 1779 a ndia Patronilha, moradora da Vila de Beja, solicitou que se
mandasse passar proviso para que pudesse servir onde melhor lhe conviesse,
como consta na Lei das Liberdades dos ndios de 1755. A requerente reclama
do Diretor da dita vila, pois ele a violentou e a colocou sob servios que ela no
foi criada para realizar, portanto, contra sua vontade. Solicitou, dessa forma, que
servisse na casa do colono Antonio Jos de Carvalho e sua mulher, onde foi criada,
ou onde ela achasse melhor.
O requerimento da ndia baseado em outro de mesma natureza onde
foram concedidas as solicitaes acima descritas para a ndia Madalena do lugar de
Penha Longa35. ... Para V. M. seja servida mandar-lhe passar proviso... de feito
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de se conservar na dita casa ou em outra onde melhor lhe convier na dita cidade
independente do Diretor daquela Vila e que o Intendente das Colnias assim o faa
executar.36
Sete meses mais tarde, encontramos outro requerimento da ndia Patronilha
com um contedo semelhante ao anterior, a rmando que continua sendo violentada
pelo Diretor e colocada sob servio de qualquer casa contra gosto; no obstante,
solicitou proviso para se manter naquela vila.37
H um intrigante fator nessa documentao: as ndias Patronilha e Madalena,
apesar dos constantes abusos e maus tratos que estavam sofrendo, elaboraram em
seus requerimentos a denncia contra o Diretor e o pedido para que ndassem tais
violncias, pois no Vadia, nem vive em ociosidade38. Elas rea rmam seus papeis
como ndias aldeadas diante do que o projeto metropolitano requeria. As mulheres
ndias deveriam frequentar a escola pblica, aprender a ler e escrever, assim como
serem instrudas na Doutrina Crist... ar, fazer renda, cultura, e todos os mais
ministrios prprios daquele sexo.39 Isto era to importante quanto a questo da
ociosidade, pois esta era considerada vcio quase inseparvel, e congnito a todas
as Naes incultas...40 Patronilha e Madalena, portanto, por algum motivo que a
documentao deixa obscurecido, preferem car na Vila e resolver por vias legais
os abusos sofridos do que fugir.
A possibilidade da considerao de uma vida melhor dentro dos limites
das povoaes em que estavam situadas, respectivamente, Beja e Penha Longa,
deve ser considerada, tanto que h uma diferena de sete meses entre o primeiro
requerimento enviado por Patronilha e o segundo, mostrando que pouco ou nada
tinha mudado entre o tempo decorrido, alm, claro, da insistncia da ndia na
tentativa de resoluo dos seus problemas pelo acesso justia colonial.
Josefa Martinha, ndia natural da cidade do Gro-Par e viva de Joo de
Jesus, tambm se baseando na Lei de Liberdades, a rmou que contra sua vontade
foi colocada como soldada pelo senhor de engenho Hilrio de Moraes Bittencourt.
Ele a colocou em cativeiro e aps a morte do seu marido foi proibida, pelo mesmo
senhor, de colocar seu lho para aprender o ofcio de carpinteiro. A ndia por sua vez
elaborou um requerimento contra o Bittencourt e, por isso, foi castigada, fugiu e
andava s escondidas. Junto com seus lhos tornaram-se procurados pelos demais
escravos do dito Hilrio de Moraes. Josefa Martinha ento solicitou D. Maria I
que a declarasse pessoa livre, e isenta de cativeiro, sem nus algum, e seus
lhos, e mais parentes, e que o mencionado Hilrio de Moraes Bittencourt, os no
embarace...41. Em busca de sua liberdade, Josefa Martinha intentou fugir, contudo,
tambm se valeu da legislao implementada para tentar gozar de sua liberdade.
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Em um requerimento datado de 1785, a ndia Maria Silvana a rma ter sido
retirada de forma violenta de sua moradia e das suas lavouras que cavam prximas
ao rio Cuinarana, onde trabalhava cotidianamente com sua famlia composta por mais
sete ndios. Pedro Gabriel, procurador geral dos ndios e autor do documento, escreve
que isto resultou em: ...incmodos, desarranjos, e prejuzo da manufatura, colheita
das mesmas Lavouras cadas ali ao desamparo. Enviada para a vila de Cintra, Maria
Silvana j seria transferida para a vila de Nossa Senhora do Socorro das Salinas:
... por ser til ao pblico, como da informao do D.or. Intendente Geral se pondera, con rmada pelo ultimo despacho do Governador e Capito General daquele Estado... e por que com este segundo, repetido incmodo, nunca existir em sossego uma pobre, e miservel mulher, como a suplicante, viva, e carregada de lhos quando lhe parecia que pelas (...) Leis, e Ordens de V. Real M. e na sua velhice j gozaria da sua natural Liberdade...42
Maria Silvana, ento, solicitou rainha D. Maria I que, juntamente com seus
lhos e netos, ... se conserve (...) como moradora efetiva da sobre dita vila, de
Cintra, trabalhando com eles nas suas prprias Lavouras, sem dependncia do comum
servio da mencionada Villa...43.
A ndia Bonifcia da Silva, oriunda da vila de Monsars, aps a morte de seus
pais, foi ainda criana morar na cidade do Par, onde na casa do capito Manoel de
Moraes Aguiar e Castro foi educada e aprendeu a costurar e fazer renda e l viveu
mais de vinte anos. Com a morte do dito capito a ndia enviou um requerimento para
a rainha solicitando que casse com sua comadre Mnica de Moraes Aguiar e Castro,
uma das irms de Manoel Castro, pelo bom tratamento que ali tinha e por ter o receio
de que:
... a perturbem do sossego, e tranquilidade em que vive: roga a Vossa Majestade que... lhe faa a graa mandar a que no seja constrangida a ir para outra qualquer parte... se quer conservar na casa e companhia da dita sua comadre...44
Os documentos consultados seguem um mesmo padro de identi cao, logo
no incio dos mesmos esto presentes os nomes dos indgenas e a vilas as quais
pertenciam. Para Maria Regina Celestino de Almeida, quando os ndios buscavam
suas mercs diante das autoridades coloniais identi cavam-se como pertencentes
a alguma aldeia, pois [e]ssa identi cao de nia o lugar social do ndio na rgida
hierarquia do Antigo Regime, e, alm de lhes impor uma srie de obrigaes,
tambm lhes garantia direitos... 45.
De maneira bastante similar os ndios Jorge Francisco de Brito46, natural da
Vila de Chaves, e Antonio Jos47, natural do Lugar de Mondim, por meio do mesmo
procurador dos ndios, Jacinto Nunes de Abreu, solicitaram concesso de liberdade para
poderem se locomover pelo espao colonial sem maiores problemas. No requerimento
referente ao ndio Jorge Brito, lemos:
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Diz Jorge Francisco de Brito, lho da ndia Cristina Furtada naturais da Vila de Chaves, Comarca e Bispado do Gro-Par, que querendo usar da sua liberdade, que por Direito natural e Divino, e ainda pela Lei das Liberdades dos ndios lhe permitida, se v impossibilitado de o fazer, pela sujeio em que se acham os ndios Aldeados, no podendo sair das mesmas Povoaes para outra qualquer parte, onde lhe convier, e melhor conta lhe zer, sem que seja por meio de fuga e porque isto ofende no s o Direito natural e Divino, seno tambm as Leis de V. M. e; motivo porque pretende que em virtude delas se lhe mande passar proviso para usar da sua liberdade como bem lhe parecer, e sem que se lhe possa opor embarao algum.48
No correspondente ao ndio Antonio Jos, alm de requerer sua liberdade,
de poder transitar naquele espao sem embaraos, ainda consta que o mesmo
gostaria de ir para uma fazenda de gado na Ilha grande de Joannes, de que lhe
resulta muita utilidade.49
Percebemos que mesmo com os pesares que aquela situao lhes impunha
e que so descritos na documentao, todos os ndios supracitados no queriam
se livrar da condio de aldeados. O prprio Antonio Jos desejava sair do Lugar
de Mondim para ir a uma fazenda de gado por algum motivo que lhe parecia
interessante e que a documentao no revela. No entanto, ca claro que eles no
desejavam estar margem daquele mundo em transformao, estavam inseridos
naquela dinmica e buscavam uma maior liberdade de movimentao dentro
dela.
Ao optarem pela vida dentro das vilas e lugares no decorrer da segunda
metade do sculo XVIII, os ndios deixavam de lado possveis con itos e uma
constante perseguio que encontravam no interior dos sertes, pois ali no
seriam considerados selvagens, no estariam merc de violncias, assim como
no estariam sujeitos a um possvel encontro com uma tribo inimiga. Como um
processo de resistncia, eles tambm relutaram ao no encontrarem nas vilas a dita
liberdade promulgada pelas vozes coloniais e garantida pelas leis reais, resistiram
atuando atravs dos mecanismos disponibilizados pela prpria metrpole, utilizando
sua condio de ndio e vassalos do Rei para garantir sua liberdade e ainda outros
interesses que condiziam s suas necessidades.
Utilizada como referncia na maioria dos requerimentos que analisamos,
a Lei de Liberdades foi promulgada em 06 de junho de 1755 sendo fruto de um
histrico de disputa pela mo de obra indgena envolvendo colonos e missionrios e
da necessidade da coroa portuguesa em legitimar a posse do territrio em disputa
com a Espanha50. Atravs dessa lei, os ndios aldeados do Gro-Par e Maranho
foram restitudos de sua liberdade. A estrutura legislativa que regia os demais
colonos portugueses tambm passaria a reger as populaes indgenas aldeadas
por meio da administrao temporal.
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No obstante, conforme podemos observar na carta de Miguel de Bulhes51
enviada para Francisco Xavier de Mendona Furtado, em 16 de dezembro de 1755
a questo da liberdade dos ndios no seria simples. Na carta do Bispo do Par,
h uma grande preocupao em conceder a liberdade plena aos ndios, pois desta
forma, sem poder contar com a fora de trabalho indgena para a maioria dos
servios necessrios ao Estado, o mesmo caria em runa, alm disso, os indgenas
poderiam car a merc das vontades e aes dos colonos, poderiam entrar em
parceria com outras naes ou embrenharem-se de nitivamente para o interior da
oresta. So itens que do conta do cenrio que poderia ocorrer com a publicao
da dita lei, haja vista que os indgenas eram o torque da dinmica colonial.
Para Coelho52, a carta de D. Miguel de Bulhes acerca das presses dos colonos
sobre instituio da liberdade dos ndios foi um dos fatores preponderantes para
que no ano de 1757, Francisco Xavier de Mendona Furtado, governador do Estado,
promovesse um instrumento que regularia a liberdade dos ndios, sistematizando-a
em um regime que atendesse s demandas coloniais, e que se tornou no Diretrio
dos ndios.
Dos 98 pargrafos que constituem esse aparato legislativo, os pargrafos 58
aos 73 mostram especial ateno sobre uso do trabalho indgena, sua remunerao,
distribuio e controle.53 Os ndios, a partir da implementao do Diretrio dos
ndios seriam repartidos em dois grupos: um caria nas povoaes a servio do
Estado e outro serviria aos moradores.54 Sendo que os mesmos passariam seis
meses fora da povoao executando servios diversos, aps o termino do perodo
seriam substitudos e cariam descansando pelo mesmo perodo de tempo em seus
povoados.
A leitura que os indgenas requerentes zeram do conjunto da legislao,
evidentemente, foi bastante distinta daquela realizada pelos demais agentes da
colonizao. Em suas percepes, estavam colaborando com o projeto metropolitano,
atravs do processo de xao em determinada vila, pelos trabalhos oferecidos, e
em troca queriam a autonomia e a liberdade que fora prevista em lei; quando no
a encontravam, tambm optaram por utilizar entre alternativas que permeavam
o cotidiano das vilas as instituies portuguesas para fazer valer aquilo que lhes
era prescrito por direito.
Para Jos Alves de Sousa Junior a complexidade das relaes desenvolvidas
ao longo da aplicao do Diretrio dos ndios marcada por apropriaes da lei
pelos diversos atores que ela procurava englobar ... no cotidiano, se adaptavam,
negociavam, faziam concesses, entravam em con ito, estabeleciam alianas,
resistiam. 55.
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Em uma consulta do Conselho Ultramarino para a rainha D. Maria I, h
requerimentos apresentados pelos moradores das vilas de Borba e Santarm. Nele,
ndios, brancos e soldados das vilas de Santarm do rio Tapajs e de Borba, solicitam
a realizao de uma averiguao nos excessos e roubos de todos os comandantes
que serviram naquela vila.
Percebemos uma srie de denncias contra os comandantes das vilas
supracitadas. A crtica atuao dos comandantes perpassa a questo da integrao
dos ndios e a sua importncia para o projeto metropolitano. O ponto interessante
o fato da incluso dos ndios junto com os moradores para respaldar a reclamao.
O documento frisa os maus tratos direcionados aos ndios e os utiliza para solicitar
a rainha D. Maria I uma devassa contra os comandantes das ditas vilas. Em
determinado trecho lemos:
Dizem os ndios, o capito Mor Diogo Castro, e os mais da Vila de Borba, e moradores da mesma e mais brancos da capitania do Rio Negro do Estado do Par... depois que comandou a dita Vila o capito de infantaria Domingo Franco Leal Vassalo de V. M. vivem... obrigados a hum rigoroso cativeiro pelos mesmos Comandantes, roubados e espancados: houve comandante que matou a trs rapazes de menor idade com cruis pancadas as quais se chamavam Protazio, Jose Mem, e outros mais...56
O documento frisa bastante a questo da explorao do indgena, pois ao que
parece, sem a presena dos ndios na tenso que se desenvolveu o requerimento no
teria validade, ou melhor, no teria respaldo relacionado ao projeto de civilizao
dos ndios e, talvez, na concepo dos requerentes, no receberia a devida ateno
da Coroa portuguesa. Agravando a denncia, acrescentam ainda que os ndios j
batizados fugiam constantemente para os matos devidos os maus tratos. Alm dessa
questo h outro fator: a participao dos ndios como autores dos documentos.
Eles preferiram a unio com os demais moradores de Borba e Santarm para uma
tentativa conjunta de repreenso aos comandantes ao invs da tentativa de fuga,
portanto, tomando medidas legais contra os abusos.
A implementao do Diretrio transformou profundamente a relao dos
atores sociais que faziam parte daquele universo. ndios, colonos, religiosos, agentes
da administrao tiveram seus papis conformados pela legislao, mas no s por
ela, mas tambm pelas situaes particulares em que estavam inseridos57. De
acordo com Coelho:
... uma srie de iniciativas no sentido de transformar o panorama fsico e humano daquela, ento, parte da Amrica Portuguesa. Um conjunto de acontecimentos fez com que o Vale Amaznico, mais uma vez j naquele tempo, fosse objeto de um ambicioso projeto de colonizao que pretendia enquadrar seus habitantes e a sua natureza no universo do Imprio Colonial Portugus. Houve, no entanto, um fator que distinguiu essa iniciativa das que a antecedeu: ela compreendia a incluso do indgena na sociedade lusa, por meio de um paradigma laico e da prtica de um ideal de civilidade, baseado no trabalho e na miscigenao...58
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A criao do cargo de Diretor, o novo responsvel pela tutela dos ndios em
substituio dos missionrios e a condio dos indgenas como vassalos do rei,
possuindo direitos e condies iguais aos homens livres, inclusive assumindo funes
administrativas nas povoaes, so alguns exemplos de tais transformaes.
A documentao aponta um caso envolvendo uma acusao de um ndio contra
o prprio governador do Estado. Em 1 de Maro de 1785, Manuel Pereira de Faria,
principal da vila de Oeiras e mestre de campos de Auxiliares o mesmo indivduo
que foi citado no requerimento do principal Cipriano de Mendona e que teve sua
solicitao atendida enviou uma carta para a rainha D. Maria I queixando-se das
ofensas proferidas pelo governador do Estado Martinho de Sousa e Albuquerque59
que teria lhe ofendido publicamente, chamando-o de negro, cachorro e ainda
ameaou retirar o seu cargo.
Aps pouco mais de um ano, em Julho de 1786, o governador enviou uma
carta para a rainha sobre a representao do ndio Manuel Pereira de Faria, a rmando
que no proferiu tais ofensas e no o ameaou de lhe retirar o posto Mestre de
Campo de Auxiliares:
... por ter para isso positiva ordem de V. M., e menos ordenasse ele se viesse apresentar na sala do palcio todas as sesmarias... mas antes passados poucos dias, ele me procurou, tendo-o j antes convidado para jantar na minha mesa, e lhe ordenei en m se recolhesse sua Vila, sendo esta a verdade que se passou...60
O governador reclama do requerimento contra ele, no qual cita o Juiz de
Fora Jos Pedro Fialho de Mendona e o Coronel Manoel Joaquim Pereira de Souza
Feij:
... nos quais s tenho reconhecido no tempo do meu Governo carter e inteligncia para juntar desordens, no tenho com tudo o deixado de procurar todos os suaves meios de os capacitar a viverem em unio... suportando-os, quanto me possvel... Porem os seus gnios turbulentos se no conformam com o meu modo de pensar... eles procurando sustentar um partido contrrio do governo, entretm uma correspondncia para essa corte com o sobredito meu antecessor, o qual ali formaliza os requerimentos, que bem lhe parece, e em nome de pessoas que para tal no concorreram, como se pode acreditar do presente....61
Em anexo, encontramos uma atestao autenticada do prprio ndio principal,
escrita por Jos Ribeiro, professo da Ordem de Cristo, a rmando que o governador
no o destratou. Alguns pontos requerem uma leitura mais ampla. A documentao
no nos permite saber com mais detalhes as intrigas envolvendo o governador
Martinho de Sousa e Albuquerque. Entretanto, independente delas, a questo
indgena predominante.
Manuel Pereira de Faria esteve no centro de uma intriga poltica que envolveu
agentes administrativos coloniais importantes em uma disputa pelo poder. Quando
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Martinho de Sousa acusado de t-lo chamado de negro h referncia direta ao
10 pargrafo da Lei do Diretrio dos ndios:
Entre os lastimosos princpios, e perniciosos abusos, de que tem resultado nos ndios o abatimento ponderado, sem dvida um deles a injusta, e escandalosa introduo de lhes chamarem Negros ; querendo talvez com a infmia, e vileza deste nome, persuadir-lhes, que a natureza os tinha destinado para escravos dos Brancos , como regularmente se imagina a respeito dos Pretos da Costa de frica. E porque, alm de ser prejudicial civilidade dos mesmos ndios este abominvel abuso, seria indecoro s Reais Leis de Sua Majestade chamar Negros a uns homens, que o mesmo Senhor foi servido nobilitar, e declarar por isentos de toda, e qualquer infmia , habilitando-os para todo o emprego honori co: No consentiro os Diretores daqui por diante, que pessoa alguma chame Negros aos ndios, nem que eles mesmos usem entre si desse nome como at agora praticavam ; para que compreendendo eles , que lhes no compete a vileza do mesmo nome, possam conceber quelas nobres ideais, que naturalmente infundem nos homens a estimao, e a honra.62
A rmar que um dos principais responsveis por colocar em prtica o projeto
metropolitano para o Vale Amaznico estava indo de encontro ao que previa a
letra da lei era uma acusao sria. Sousa e Albuquerque, prontamente, negou as
acusaes e ainda destacou o bom trato dado ao principal da vila de Oeiras, inclusive
chamando-o para jantar em sua casa. Na referida atestao h uma meno na
qual Manuel de Faria acabou por con rmar o que o governador tinha escrito.
O Juiz de Fora Jos Pedro Fialho de Mendona e o Coronel Manoel Joaquim
Pereira de Souza Feij, juntamente com Telo de Menezes, poderiam ter utilizado
em proveito a intriga gerada pela discusso entre Manuel de Faria e Martinho de
Sousa. Procurando se livrar da acusao, este por sua vez procurou o ndio por
uma soluo que lhe bene ciasse, negociando a mesma, o que de fato visto na
atestao do indgena. Se ocorreu dessa forma, a atuao do principal foi fulcral
para a resoluo da questo; do contrrio, se tudo fora um plano engenhoso contra
Martinho de Sousa e Albuquerque, o indgena Manuel de Faria ainda possuiu um
papel central no con ito, demonstrando-nos a imbricada relao social e de poder
que estava envolvido.
Alados na condio de vassalos do rei, portanto, em tese, colocados na
mesma condio jurdica que os demais colonos, os indgenas do Vale aprenderam
a lidar com as formas de poder institudas e participaram dela, inclusive no que
condiz participao efetiva na exportao de produtos oriundos do comrcio. No
nal do ano de 1777, D. Toms Xavier de Lima Vasconcelos Brito Nogueira Teles da
Silva, secretrio de estado dos Negcios do Reino e Mercs, tambm visconde de
Vila Nova de Cerveira, recebeu uma carta acerca da inteno dos ndios das Vilas de
Faro e Alenquer de enviarem para Portugal salsaparrilha e leo de copiva pelos
navios da Companhia Geral de Comrcio do Gro-Par e Maranho63.
Conforme supracitado64, uma in exo gerada pelo Diretrio dos ndios est
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justamente na incluso do indgena na sociedade colonial como at ento no havia
ocorrido. Cabe lembrar que os indgenas tambm se incluram naquela sociedade,
procurando alternativas e um modo de vida no qual acreditaram que seria melhor
do que a atual situao em que se encontravam a vida nos sertes.
No se trata de uma mera reao aos dispositivos e investidas coloniais, trata-
se de uma percepo do mundo que os cercava, das mudanas que ocorriam e como
melhor tirar proveito daquilo. Para Maria Regina Celestino de Almeida: Apesar da
condio subalterna, opressiva e restrita na qual ingressaram nas aldeias coloniais,
os ndios foram capazes de se rearticular social e culturalmente...65.
Essa rearticulao, a rma a historiadora, ocorre na medida em que o ndio
assume a nova identidade imposta pelos colonizadores, vassalos leais ao rei
portugus, sem tornarem-se um objeto amorfo e malevel aos objetivos europeus,
elaborando estratgias de sobrevivncia, inclusive dentro das prprias vilas.
A lida e trato construdos pelos ndios no ltimo quartel do sculo XVIII
mas no somente nesse perodo respondem a uma transformao nas prticas
culturais e sociais destes povos, o que estava relacionado a uma forma de se
posicionar diante daquela sociedade em transformao. Os exemplos j explorados
na documentao nos mostram que a tentativa de utilizar os meandros da lei para
manter um espao social onde poderiam ter algum benefcio vlida. Com aes
que surgiam no cotidiano de suas vidas no Vale Amaznico, os ndios aldeados
atuaram utilizando instrumentos disponibilizados pelo Estado portugus, atravs
dele e tambm revelia do mesmo.
O acmulo de um conhecimento vindo atravs da experincia de contato no
se deu de uma hora para outra, foi fruto de anos de contato com os europeus, o que
lhes possibilitou um domnio de uma srie de signos e procedimentos da cultura
letrada e institucionalizada, que foram apropriadas pelos indgenas para negociar
melhores condies de vida na sociedade colonial em formao66.
Na medida em que os povos indgenas se rearticulavam no mundo colonial,
escolher por viver dentro das vilas poderia signi car uma forma de resistncia
adaptativa, pois buscavam uma alternativa de sobrevivncia e adaptao frente
aquele mundo em constante transformao67.
Tais rearticulaes tambm ocorreram por meio da tomada de iniciativa para
viverem dentro das vilas e lugares, tomando a iniciativa no processo chamado de
descimento voluntrio. Em Outubro de 1783, Jos Npoles Teles de Menezes j no
nal de seu mandato como governador, se vangloriou do descimento de 38 ndios
para a Vila de Porto de Moz. Em um ofcio anexado carta do governador para a
rainha, nos dado mais detalhes acerca do ocorrido. Segundo Valentim Antonio
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de Oliveira e Pedro Antonio Mouro, autores do ofcio, os ndios voluntariamente
escolheram viver na dita vila com seus antigos amigos, a rmando tambm que o
descimento ocorreu sem despesa real:
Em e ccia pretendem reduzir a parte da gente, que cou no mato, com aquela brandura e gosto com que eles se recolheram ao grmio da Igreja, o que com facilidade o poderiam fazer, e habitando eles nesta V. por assim carem e justarem com os mesmos, que no mato caram e que s sim sabendo no existirem eles nesta Povoao; julgam sem efeito toda a diligncia, que zerem de outra parte, a m de os recolher, receando tambm alguma conspirao contra eles, por lhes faltarem no ajuste, que entre vi zeram de assistirem todas, e viverem juntos nesta V...68
A documentao deixa obscurecidos os reais motivos que levaram este grupo
de ndios aproximao com a sociedade colonial; no entanto, ela nos mostra que
esse processo no apenas responde ao interesse metropolitano sob os ndios, ela
revela tambm interesses indgenas. Diante das inmeras mudanas promovidas
pelo contato com os colonizadores, cientes de que o modo de vida que possuam
estava em transformao e, aliado a percepo da qual eram objeto de interesse
dos portugueses, a escolha por morar nas povoaes portuguesas pareceu vivel.
Casos de descimentos voluntrios no raro aparecem na histria da Amaznia
colonial, e os motivos so diversos. ngela Domingues69 a rma que muitos dos
atos voluntrios de aldeamento so explicados por razes que envolveram desde
a questo climtica, doenas, carncia por alimentos e at os con itos intertribais.
Em todo caso, o fato dos povos indgenas procurarem os ncleos populacionais
portugueses revelam a ao indgena frente uma poltica indigenista implementada
pela metrpole. Face necessidade metropolitana de mo de obra e motor
populacional, os ndios do Vale Amaznico tambm procuravam garantir seus
objetivos diante das mudanas ocorridas no espao que conheciam70.
Um exemplo envolve o prprio governador do Par, Francisco de Sousa
Coutinho. Ao escrever sobre a nao dos ndios Carajs a rmou que os mesmos
tm um relacionamento amigvel e que conseguiu, junto com o principal da nao,
mais um grupo de ndios, estimando doze ou treze indivduos. O mais interessante
est em uma nota que Coutinho fala sobre a visita do principal dos Carajs. Nela
podemos perceber como os indgenas utilizavam a seu favor a relao que possuam
com os portugueses. No caso, um con ito contra a nao dos Apinags foi um dos
motivos:
O principal dos Carajs, que veio no ano passado cidade, requerendo-me auxlio para se recolher livre dos insultos que houvera de receber dos Apinags, e requerendo-me que queira descer e vir situar-se perto de Alcobaa, mandei um furriel com cinco ou seis soldados em duas montarias ou igarits a reconhecer a povoao deles e a navegao daquele rio...71
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ngela Domingues aduz que os processos de descimentos por vezes foram
mediados por indgenas que, por diversos motivos (guerra intertribal, formao de
alianas, obteno de novos produtos, abastecimento regular de produtos, inclusive
produtos mdicos) preferiam a vida nas aldeias como alternativas colonizao72.
Consideraes finais As polticas indgenas analisadas neste artigo so entendidas como instrumento
de resistncia adaptativa ao processo de colonizao e civilizao dos ndios no Vale
Amaznico. Como j citado, no foi intuito deste trabalho promover a ideia de que
os povos indgenas sempre souberam driblar e se valer da lei a todo o momento
para lidar com a sociedade colonial. A nal, o acesso s instituies jurdicas
administrativas foi apenas um dos meios de luta encontrado e, ainda assim, nem
sempre utilizado por todos aqueles povos indgenas. As fugas, as guerras e demais
con itos, juntamente com um nmero de mortes incontveis de ndios, tambm
zeram parte da colonizao da Amrica portuguesa.
Todavia, a caracterizao desse conjunto de complexas relaes desenvolvidas
entre os atores histricos no Vale Amaznico ndios e no-ndios torna-se mais
vlida do que uma percepo unilateral da ao de tais sujeitos. o entendimento
do processo total e, portanto, das aes de colonos, ndios, religiosos, etc. que torna
a anlise mais completa, portanto, o objeto apresentado neste artigo apenas uma
das facetas que ocorreram. E como alvitra D. Sweet:
The most useful history of the domestic Indians of Para and their caboclo descendents will not be the story of their oppressions so much as it will be the story of their selective adoption of, and their creative adaptation to, the institutions established by European colonialism amongst them -- a story of survival in the canoe crew, the workplace and the aldeia; a story of the construction of new and enduring social forms in de ance of the expectations of the colonialist authorities; a story of occasional resistance and rebellion and of permanent maintenance; a story of recreation and spiritual renewal in the midst of misery; a story of perhaps ickering but undying hope. Such a history can be written, I believe, even for the despised and anonymous subaltern inhabitants of a God-forsaken colonial backwater such as Para.73
Os requerimentos e atitudes protagonizadas por ndios e ndias no ltimo
quartel do sculo XVIII, solicitando liberdade, aproximando-se da sociedade
colonial e elaborando uma negociao para a xao em determinada povoao, a
preferncia a ser integrado ao sistema de trabalho estabelecido pelo Diretrio dos
ndios, revelam que diante de um mundo em transformao procuraram estabelecer
uma autonomia que respondia aos seus interesses na opo do menor prejuzo.
Incorporados sociedade colonial, os indgenas que foram apresentados neste
artigo resistiram de diversas formas s violncias e prticas as quais lhes eram
acometidas no cotidiano das vilas e lugares do Diretrio dos ndios. Protegeram-
se de tais investidas, negociaram, perderam, ganharam, agiram revelia da lei,
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entretanto tambm souberam utilizar a justia colonial disponibilizada para valerem-
se do que acreditavam serem seus direitos legais mesmo que fossem ameaados de
punio por tentarem judicialmente algo contra os colonos que os mantinham ou
tentavam mant-los na condio de cativos.
Este artigo teve o objetivo de tratar de uma lacuna acerca da histria
indgena no que tange o processo de colonizao da Amaznia. Ao adentrarmos nos
diversos casos que zeram dessa experincia histrica um palco de aes diversas
possvel perceber mesmo na ausncia de registros a prprio punho, ou sendo
lidos de diversas formas pelos agentes que lhes representavam frente s instituies
jurdicas que os indgenas que viveram no Vale Amaznico durante o sculo XVIII,
e mais precisamente no ltimo quartel do mesmo, tambm foram protagonistas da
complexa formao do espao social amaznico.
Morar e viver nas vilas eram opes que envolviam a garantia da sobrevivncia
e a preservao de um espao onde poderiam manter parte de seus interesses. No
foram apenas vtimas, no foram apenas algozes, foram integrados, contudo, e
tambm de suma importncia, integraram-se; e a sua integrao foi fruto de um
embate de foras em uma luta cotidiana de reapropriaes e ressigni caes.
FontesAPEP Arquivo Pblico do Par, Cdice 541, doc. 15.Antnio Jos [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 23/11/1786] Projeto Resgate. AHU, caixa 96, documento 7607. Bonifcia da Silva [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1790] Projeto Resgate. AHU, caixa 100, documento 7936. Cipriano Incio de Mendona [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1779] Projeto Resgate. AHU, caixa 83, documento 6839.CONSULTA do Conselho Ultramarino para a rainha [D. Maria I, em 15/04/1799] Projeto Resgate AHU, caixa 02, documento 6754. DIRETRIO que se deve observar nas Povoaes dos ndios do Par, e Maranho em quanto Sua Majestade no mandar o contrrio. In: ALMEIDA, Rita Helosa. O Diretrio dos ndios: Um projeto de civilizao no Brasil do sculo XVIII. Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1997.D. Miguel de Bulhes, Bispo do Par [Ofcio a Sebastio Jos de Carvalho e Melo, em 16/12/1755] Projeto Resgate. AHU, caixa 39, documento 3693.Joo de Amorim Pereira [Ofcio para o D. Toms Xavier de Lima Vasconcelos Brito Nogueira Teles da Silva, em 31/12/1777] Projeto Resgate, AHU, caixa 78, documento 6508.Jorge Francisco de Brito [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 23/11/1786] Projeto Resgate. AHU, caixa 96, documento 7606.Jos Npoles Telo de Meneses [Carta para a rainha D. Maria I, em 17/12/1781] Projeto Resgate, AHU, caixa 90, documento 7356.Josefa Martinha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 11/02/1779] Projeto Resgate, AHU, caixa 82, documento 6716.Madalena [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1779] Projeto Resgate. AHU, caixa 83, documento 6853. Manuel Pereira de Faria [Carta para a rainha D. Maria I, em 01/03/1785] Projeto Resgate. AHU, caixa 94, documento 7484.
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Centuries. The University of Wisconsin Press, 1987.SWEET, David G. Domestic Indian Society in Para, 1650-1750. University of California at Santa Cruz. Disponvel em http://davidsweet.com/amazon/domesticians.pdf. Acessado em 12 de Dezembro de 2011.THOMPSON, Edward P. Senhores e caadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.__________. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. So Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Notas
1 As citaes dos documentos histricos citados neste artigo foram atualizadas para o portugus contemporneo, no entanto mantendo sua sintaxe e sem prejuzo aos seus signi cados.2 Esse artigo parte integrante da dissertao de mestrado em desenvolvimento. A pesquisa conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cient co e Tecnolgico CNPq, como agncia de fomento.3 Graduao em Bacharelado e Licenciatura em Histria pela Universidade Federal do Par. Mestrando pelo Programa de Ps-Graduao em Histria Social da Amaznia Universidade Federal do Par. 4 Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 06/01/1779] Projeto Resgate. AHU, caixa 82, documento 6700.5 Maria Silvana [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/06/1785] Projeto Resgate. AHU, caixa 94, documento 7507.6 Romo Vieira [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 31/01/1787] Projeto Resgate. AHU, caixa. 96, documento 7626. 7 Esse novo lugar fruto de uma perspectiva historiogr ca que vem se consolidando desde a dcada de 1970 e procura conceber os povos indgenas como agentes histricos que pautavam suas lutas a partir de uma agenda prpria e atuaram conforme suas percepes das transformaes do mundo que lhes envolvia. Alguns dos expoentes dessa abordagem podem ser visualizados em: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indgenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003; CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Histria dos ndios no Brasil. 2 ed., So Paulo: Cia. das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura/FAPESP, 1992; DOMINGUES, ngela. Quando os ndios eram vassalos: colonizao e relaes de poder no Norte do Brasil na segunda metade do sculo XVIII. Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, 2000; FARAGE, Ndia. As muralhas dos sertes: os povos indgenas no Rio Branco e a colonizao. Rio de Janeiro: Paz e Terra/ANPOCS, 1991; MONTEIRO, John Manuel. Armas e Armadilhas: Histria e resistncia dos ndios. In: NOVAES, Adauto (Org.). A outra margem do ocidente. So Paulo: Companhia das Letras, p. 237-249, 1999; SANTOS, Francisco Jorge dos. Alm da Conquista: guerras e rebelies indgenas na Amaznia Pombalina. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999.8 Segundo Mauro Cezar Coelho, em dilogo com Jonas Maral de Queiroz, a categoria Amaznia s surge na documentao e na historiogra a a partir do sculo XIX. Dessa forma, deste ponto em diante, utilizaremos a expresso Vale Amaznico para tratar da rea Norte da Amrica Portuguesa. Ver: COELHO, Mauro C. O Diretrio dos ndios e as Che as indgenas: uma in exo. Revista Campos, n.7(1), p. 117-134, 2006.9 COELHO, Mauro Cezar. COELHO, Mauro Cezar. Do serto para o mar: um estudo sobre a experincia portuguesa na Amrica, a partir da Colnia: O caso do Diretrio dos ndios (1751-1798). Tese de
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Doutorado: USP. 2005. 10 Idem. p. 221.11 Ibidem, p. 276.12 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Identidades tnicas e culturais: novas perspectivas para a histria indgena. In: ABREU, Martha; SOIHET, Rachel. Ensino de histria: conceitos, temticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009, p.30.13 STERN, Steve. Resistance, rebellion and consciousness in the Andean Peasant Word, 18th to 20th Centuries. The University of Wisconsin Press, 1987.14 Os principais eram as che as indgenas. Segundo ngela Domingues, na segunda metade do sculo XVIII, tal funo foi alterada na medida em que os poderes coloniais se apropriaram de antigas estruturas de poder dos povos indgenas e as integraram na hierarquia social colonial. Ver: DOMINGUES, ngela. Op.cit. 2000, p. 172. Nesse sentido ver tambm: COELHO, Mauro C. Op. cit., 2006. Para Coelho: O termo Principal estava relacionado condio das che as indgenas, em sua condio original. Aps a instituio do Diretrio dos ndios, passou a constituir um dos nveis da administrao das povoaes coloniais no Vale Amaznico, sendo exercido, principalmente, por ndios ou descendentes de ndios., p. 129.15 JUNIOR, Almir Diniz de Carvalho. ndios cristos: a converso dos gentios na Amaznia portuguesa (1653-1769). Tese de Doutorado: Universidade Estadual de Campinas, 2005.16 O termo descer ou descimento est relacionado ao deslocamento dos povos indgenas do serto (interior da regio) para as aldeias. De acordo com Beatriz Perrone-Moiss eles deveriam resultar da persuaso exercida pelas tropas de descimento acompanhadas de um missionrio. Haveria tambm um processo de convencimento dos ndios que seria melhor para sua proteo xarem-se nas aldeias portuguesas. PERRONE-MOISS, Beatriz. ndios livres e ndios escravos: os princpios da legislao indigenista do perodo colonial (sculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da. (org.). Op.cit. p.115-132, 1992. 17 SAMPAIO, Patrcia Melo. Aleivosos e rebeldes: Lideranas indgenas no Rio Negro, sculo XVIII. Trabalho Apresentado no Simpsio Temtico Os ndios e o Atlntico, XXVI Simpsio Nacional de Histria da ANPUH, So Paulo, 17 a 22 de julho de 2011.18 GUZMN, Dcio M. A. de Alencar. Histrias de brancos: memria, histria e etno-histria dos ndios Manao do Rio Negro (Scs. XVIII-XIX). Dissertao de mestrado. So Paulo: Campinas, 1997.19 MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Participao, con ito e negociao: principais e capites-mores ndios na implantao da poltica pombalina em Pernambuco e capitanias anexas. Texto apresentado no XXIV Simpsio Nacional de Histria. So Leopoldo, RS. Seminrio Temtico - Os ndios na Histria: Fontes e Problemas, 12-20 de Julho de 2007.20 COELHO, Mauro C. Op.cit. Loc. cit. 21 DIRETRIO que se deve observar nas Povoaes dos ndios do Par, e Maranho em quanto Sua Majestade no mandar o contrrio. In: ALMEIDA, Rita Helosa. O Diretrio dos ndios: Um projeto de civilizao no Brasil do sculo XVIII. Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1997, p. 375.22 Diniz, Almir. Op.cit. 2005, p.218.23 Cipriano Incio de Mendona [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1779] Projeto Resgate. AHU, caixa 83, documento 6839.24 Cipriano Incio de Mendona. Idem. 25 ROCHA, Rafael Ale. O ciais ndios na Amaznia pombalina: Sociedade, Hierarquia e Resistncia (1751-1798). 2009, p.86. Grifo meu.26 CANCELA, Francisco. A experincia do ndio Manuel Rodrigues de Jesus: Poltica indgena e polticas indigenistas na Vila de Belmonte Capitania de Porto Seguro (1795-1800). Mneme Revista de Humanidades. UFRN. Caic (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008.27 Idem, p.6.28 RUD, Georges. A multido na histria: estudos dos movimentos populares na Frana e Inglaterra, 1730-1848. Rio de Janeiro: Campus, 1991. George Rud a rma que a multido foi percebida como massa desprovida de objetivos prprios e somente respondia a provocaes exgenas. Assim, encarar tais multides como massa disforme seria caracteriza-las como uma frmula abstrata. As consideraes de Rud acerca das aes das multides europeias dos sculos XVIII e XIX nos so vlidas, pois apesar de abordar um contexto e agentes histricos totalmente distintos do objeto dessa dissertao
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a ideia de ao tida como instrumento pautado nos costumes, tradio ou no aprendizado gerado pelo contato, podendo, dessa forma, ser empregada ao se estudar as polticas indgenas. A comparao entre os povos indgenas do Vale Amaznico e as multides europeias realizada por Mauro Coelho que ao abordar parte dos trabalhos sobre a resistncia indgena, a rma que: ... trabalhadores europeus ou indgenas americanos fazem parte de sociedades que lhes transmitiram cdigos de comportamento, tradies, formas de pensar e agir. Isto no justi ca que se tomem uns pelos outros, mas certamente legitima a percepo de uns e outros como membros de sociedades que formulam parmetros de comportamento e ao. Ver: COELHO, Mauro Cezar. ndios e historiogra a os limites do problema: o caso do Diretrio dos ndios. Cincias Humanas em Revista. So Lus, v.3, n. 1, julho, 2005.29 MONTEIRO, John M. Alforrias, Litgios e a desagregao da escravido indgena em So Paulo. Revista de Histria, So Paulo. n.120, p.45-57, jan./jul. 1989.30 Idem. Escravo ndio, esse desconhecido In: CHAU, Marilena de Souza, GRUPIONI. ndios no Brasil. So Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992. p.117.31 No que tange aos processos de ressigni cao Maria Regina Celestino de Almeida, ao analisar as populaes indgenas aldeadas do Rio de Janeiro como parte de um processo de interao entre diferentes agentes sociais da Colnia, destaca tais aldeias como espao de ressocializao, onde nos mostra que os povos indgenas conseguiram aprender novas formas de lidar com a sociedade colonial buscando vantagens que aquela condio lhes gerava. Ver: ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os ndios na histria do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.32 Nesse sentido ver: THOMPSON, Edward. P. Senhores e caadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. Thompson, referindo-se Lei Negra na Inglaterra do sculo XVIII, considera que, alm de um instrumento de tentativa de domnio, a legislao tem sido um espao onde os con itos sociais tm ocorrido. 33 Idem. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. So Paulo: Companhia das Letras, 1998. No podemos comparar o universo social abordado por Thompson com o vivido no Vale Amaznico. Entretanto, tal abordagem ajuda-nos a pensar na percepo que as populaes indgenas, como membros da sociedade, formularam parmetros de comportamento e ao.34 COELHO, Mauro C. Op. cit. 2005.35 Madalena [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1779] Projeto Resgate. AHU, caixa 83, documento 6853. 36 Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 06/01/1779] Projeto Resgate. AHU, caixa 82, documento 6700.37 Patronilha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/09/1779] Projeto Resgate, AHU, caixa 83, documento 6838.38 Idem.39 ALMEIDA, Rita Helosa de. Op.cit. 1997, p. 374.40 Idem, p.375.41 Josefa Martinha [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 11/02/1779] Projeto Resgate. AHU, caixa 82, documento 6716.42 Maria Silvana [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 07/06/1785] Projeto Resgate. AHU, caixa 94, documento 7507.43 Idem.44 Bonifcia da Silva [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 15/09/1790] Projeto Resgate. AHU, caixa 100, documento 7936. 45 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Op.cit. 2009, p.31.46 Jorge Francisco de Brito [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 23/11/1786] Projeto Resgate. AHU, caixa 96, documento 7606. 47 Antnio Jos [Requerimento apresentado a D. Maria I, em 23/11/1786] Projeto Resgate. AHU, caixa 96, documento 7607. 48 Jorge Francisco, idem.49 Antonio Jose, idem.50 COELHO, Mauro Cezar. Op.cit. 2005.
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51 D. Miguel de Bulhes, Bispo do Par [Ofcio a Sebastio Jos de Carvalho e Melo, em 16/12/1755] Projeto Resgate. AHU, caixa 39, documento 3693.52 COELHO, Mauro Cezar. Op. cit., 2005, p.151. Para o historiador, os con itos que ocorreram na Colnia envolvendo a disputa pela mo de obra indgena que geram o carter colonial da Lei do Diretrio dos ndios. Segundo o mesmo: defendo que aquela alterao e essa elaborao foram promovidas pelos con itos havidos na Colnia, nos quais os Diversos grupos sociais manifestaram suas posies diante da questo indgena p.152. 53 Idem, p. 170.54 ALMEIDA, Rita Helosa de. Op.cit. 1997, p. 213.55 JUNIOR, Jos Alves de Souza. O cotidiano das povoaes no Diretrio. Revista de Estudos Amaznicos. Vol. V, n 1, p.79-106, 2010, p.80.56 CONSULTA do Conselho Ultramarino para a rainha [D. Maria I, em 15/04/1799] Projeto Resgate. AHU - caixa 82, documento 6754. 57 Um caso exemplar do principal da povoao de S.Anna. O indgena ao no ter seu pedido atendido pelo Diretor quis castig-lo com uma palmatria. Manoel Gonalves Geminez, na sua carta para Francisco de Sousa Coutinho, acerca da elaborao dos mapas das vilas ainda a rma que o dito principal tem a con ana de descompor os soldados que levo Cartas minhas, dele mesmo na fala de Diretor, e depois disto escreve me Cartas de satisfao.... Fonte: APEP, Cdice 541, doc. 15.58 COELHO, Mauro C. Op.cit. 2005, p.2459 Manuel Pereira de Faria [Carta para a rainha D. Maria I, em 01/03/1785] Projeto Resgate. AHU, caixa 94, documento 7484. 60 Martinho de Sousa e Albuquerque [Carta para a rainha D. Maria I, em 26/07/1786] Projeto Resgate, AHU, caixa 95, documento 7572. 61 Idem.62 DIRECTRIO que se deve observar... In: ALMEIDA, Rita Helosa. Op.cit., 1997, p. 375-376.63 Joo de Amorim Pereira [Ofcio para o D. Toms Xavier de Lima Vasconcelos Brito Nogueira Teles da Silva, em 31/12/1777] Projeto Resgate, AHU, caixa 78, documento 6508. 64 COELHO, Mauro C. Op. cit., 2005, p.2465ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Op.cit., 2009, p.28. 66 CANCELA, Francisco. Op. cit. 2008, sem numerao.67 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Op. cit., 2009.68 Jos Npoles Telo de Meneses [Carta para a rainha D. Maria I, em 17/12/1781] Projeto Resgate, AHU, caixa 90, documento 7356. 69 DOMINGUES, ngela. Op.cit. 2000, p.135-151.70 Tal fator pode ser analisado no famoso caso do processo de estabelecimento de paz com os ndios Muras, quando o tenente coronel Joo Baptista Mardel possuiu ao seu encontro o ndio principal Ambrzio para tratar do estabelecimento de uma povoao no lago do Aman. Ver: Notcias da voluntaria reduo de paz e amizade da feroz nao do gentio Mura nos anos de 1784, 1785 e 1786. Revista do Instituto Histrico Geogr co Brasileiro. Tomo 26, p. 323-392, 1904(1873), p. 331-334.71 Viagem de Toms de Sousa Vila Real pelos rios Tocantins, Araguaia e Vermelho, acompanhada de importantes documentos o ciais relativos mesma navegao. Revista do Instituto Histrico Geogr co Brasileiro. Tomo 11, 1848, p.401-444; p. 403.72 DOMINGUES, ngela. Op.cit. 2000, p.28173 SWEET. David. Op.cit. p. 12-13.