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Do antiespaço moderno, pelo hiperespaço pós-moderno, ao encontro do espaço na contemporaneidade From the modern antispace, through the post- modern hyperspace to the contemporary space Luca Fischer, Universidade Federal do Paraná Dados do autor: [email protected].

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Doantiespaçomoderno,pelohiperespaçopós-moderno,aoencontrodoespaçonacontemporaneidade

Fromthemodernantispace,throughthepost-modernhyperspacetothecontemporaryspace

LucaFischer,UniversidadeFederaldoParaná

Dadosdoautor:[email protected].

SESSÃO TEMÁTICA 6: ESPAÇO, IDENTIDADE E PRÁTICAS SÓCIO-CULTURAIS

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

Resumo

Os espaços assumiramdiversas formas em constante retroalimentação comas sociedades que os constituíram. Se o espaço da tradição clássica eraconformado a partir da subtração de sólidos, o modernismo tratou dedecompor radicalmente essa concepção. A vanguarda passou a reduzir acomplexidadedacidadeaproblemasfuncionais,demodoqueacontradiçãoera suprimida na construção de um antiespaço, que se relacionaria muitomais comcapacidade técnicasdoque comas subjetividadesdos indivíduos.Essaconcepçãocomeçouasercriticadapordiversascorrentespós-modernasa partir dos anos 1960, que propunham uma compreensão do espaçoenquanto colagem e fragmentação, que se referenciasse a uma sociedadediversa, frente ao reducionismomodernista. A reinserção da simbologia noespaço foi facilmente apropriada de modo a configurar uma arquiteturavoltada à imagemmercadológica, resultando no hiperespaço pós-moderno,no qual o simulacro dissociado de seu contexto adquire hegemonia naproduçãoespacial.Nacontemporaneidade,todaessaproduçãoculminarianoespaço-lixo, quando odesign progressivamente passa a se colocar emmaisâmbitos da vida, eliminado as possibilidades da eventualidade eindeterminação.Emcontraponto,asinstalaçõesartísticasoferecempontosdeapoio para uma nova abordagem do espaço enquanto terreno para aexperimentação e o acaso, como por exemplo nos “Penetráveis”, de HélioOiticica. A apreensão do espaço enquanto “terreiro eletrônico” também secoloca comomodode compreender a impermanência emutabilidade comocaracterísticascruciaisdacontemporaneidade,entendendoqueseoespaçoéabertoàmudança,domesmomodoéofuturodossujeitos.PalavrasChave:(espaço;modernismo;pós-modernismo;acaso;labirinto)

Abstract/Resumen(comotítulodoResumo)

The spaces have taken many forms in continuous feedback with thesocieties that created them. Inopposition to the space in classical tradition,which was shaped from a solid substraction, the modernist movementradically decomposed this design. The avant-garde began reducing citycomplexity to functional problems. Contradiction was cut short in order tocreate an antispace, which related to technical components rather than toindividualsubjectivity.Intheearly60’sthisconceptbegantobecriticizedbyseveral post-modern groups, that proposed a spatial understanding thatwould refer to a diverse society, opposed to themodern reductionism. Thesymbolic reinsertion in space was effortlesly embedded in a type ofarchitecture focused on the marketing image. This resulted in the post-modern hyperspace,where the simulacrum alien to its context became therule in space production. In contemporary times, this production wouldculminate in the junkspace,wheredesignbegins increasinglyaffectingmoreinstances of life, eliminating the chance of possibilities. On the other hand,artisticinstallationsofferinsightsforanewapproachtospaceasagroundforexperimentation and chance, such as Hélio Oiticica's "Penetráveis”. Theunderstanding of space as na “eletronic terreiro” can also be a way toembrace impermanence and mutability as crucial features ofcontemporaneity,whereinifspaceisopentochange,likewiseisthefutureofindividuals.Keywords/Palabras Clave: (space, modernism, post-modernism, chance,maze)

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1. INTRODUÇÃO

espaço pode ser compreendido como produto de inter-relações, desde a escalaglobal até à menor escala possível. Desse modo, reconhecer a multiplicidade eheterogeneidadedomundoétambémconstruirumespaçoparatal.(MASSEY,2009)

Tambéménoespaçoqueasrelaçõesseestabelecem,oudeixamdeacontecer,oqueocolocanumaposiçãode influênciadiretanaesferapolítica.Assim,pensaroespaçoemabertoépensar juntamente uma abertura para o futuro. Se o espaço pode ser continuamentetransformado, se abre a possibilidade de uma construção ininterrupta de futuro extenso,desimpedidodequalquerguiaestabelecido.Sea indeterminaçãodoespaço,porém,écerceada,sedesfazemdamesmaformasuasperspectivaspossíveisdemudança.(MASSEY,2009)

Nesse artigo será discutido de quemaneira o espaço é entendido e construído em relaçãodiretacomperíodosdahistória.PartindodaAntiguidadeatéoRenascimentoesuatransiçãoparao Modernismo, o espaço assumiu diversas formas em constante retroalimentação com associedades que o habitaram. Do período abarcado pela pós-modernidade até acontemporaneidade as abordagens em relação ao espaço compreendem posições divergentesentresi,quetantoocontrolamouoexperimentamcomsuaemancipação.Dessemodo,oespaçoseestabelececomoumcontínuoprocessodeestóriasemcurso,ummovimentoininterruptodosatoresqueoconstituem.

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1. OESPAÇOATRAVÉSDAHISTÓRIA

egundoGiedion1(2004,apudLopes,2015)aabordagememrelaçãoaotemadoespaçoem arquitetura pode ser dividida em três momentos distintos, relacionados aos trêsgrandesciclosdahistóriaedacultura.Oprimeirodelescompreendedesdeasprimeiras

intervençõeshumanasnoespaçoatéoseuapogeu,nasconstruçõesdascivilizaçõesdoEgito,daMesopotâmiaedaGréciaAntiga.Aspirâmidesexemplificamessaprimeiraconcepçãodeespaço,no qual fica evidente a importância da relação entre os volumes construídos, que marcam,simbolicamente, episódios significativos. Nesta apropriação do espaço pela arquitetura, arelevânciadadaaoespaço interiorera inexpressiva,comparadaaoespaçoexternoapreendidoapartirdacorrespondênciadosvolumes.(LOPES,2015)

A segunda forma de expressão do espaço seria aquela abarcada desde o período tardoromanoatéofinaldoséculoXIX,noqualsesobressaiovalordoespaçointerior.Nestemomento,o espaço é resultado da operação de escavação de umamassa sólida, geralmente um volumeidentificável, derivando um vazio delimitado. Riegl2(1997, apud LOPES, 2015) define o panteãoromano(Figura1)comooespaçoclássicoparadigmáticodestafasecomseu"interiordelimitadoeperfeito”, decorrência da subtração a partir de uma volumetria reconhecível. A criação daperspectiva cônica no Renascimento, a partir de fins do século XIV, reforçou ainda mais essaconcepção de espaço, pois passou a ser construído e interpretado a partir da perspectivaindividualdohomem,nãohavendomais"separaçãoanalíticaentreoselementosdoespaçoedaforma”(LOPES,2015,p.21).Dessemodo,comoexpostoporLopes (2015),aapreensãoespacialclássicasedáapartirdapercepçãohumanadeformasescavadasconstruindovazioshabitáveis.

Figura1–Panteão,Roma.118-28D.C.Perspectivaisométricaecorte.Otemplorepresentaoespaçoclássicoparadigmáticoqueseconstituinovaziodentrodeumamassasólida.Fonte:Norberg-Schulz(1975).

Essa concepção espacial - que foi revisitada no período que se entende por pós-modernidade do século XX e XXI - é procedida e refutada pelo terceiromomento que se iniciaentre o final do século XIX e o início do século XX, englobando os primórdios do movimentomoderno. Novamente, o espaço interior é desconsiderado, e prevalece sobre ele a relaçãocontínuadeinterioreexterior.Montaner(2013)identificaumaabordagemprimitivadessetipodeespacialidadenoCrystalPalacedeLondres(1851),construídoparaaExposiçãoUniversalde1851

1GIEDION,S.Espaço,TempoeArquitectura:odesenvolvimentodeumanovatradição.SãoPaulo:MartinsFontes,2004.2RIEGL,A.SpätrömicheKunstidustrie.Paderborn:Salzwasser-Verlag,2013.

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apartirdadescobertadaspossibilidadesdasestruturasmetálicasedo fechamentoemvidro.Oautorconsideraquea "percepção interior (doCrystalPalace) [...]ofereciade forma incipienteavisãodeumespaçodinâmicoelivre,comosobjetostotalmentebanhadosdeluz,ondeafronteiraentre o exterior e o interior ficava aberta" (MONTANER, 2013, p. 30). Esse raciocínio culminouanosmaistardenaproduçãoespacialmodernistaenoquecompreendeoestilointernacional.

2. O(ANTI)ESPAÇOMODERNO

ontaner (2013) identificaquea tradição racionalistanaarquitetura,que teve suamáxima representada pelo movimento moderno, com "a arquitetura de formaselementaristas e cúbicas, ou a cidade zonificada” (MONTANER, 2013, p. 53) foi

introduzidacomotratadoDiscursodométodo(1637),deRenéDescartes(1596-1650).Nessaobra,Descartesencareceuascompetênciasracionaisdoserhumano,numaépocadeemancipaçãodaciência, da medicina e da matemática. Definiu quatro pontos fundamentais para um raciocinocartesiano,quesão:"(i)nãoaceitarnuncanenhumdadoapriori;(ii)subdividirosproblemas;(iii)raciocinar do simples ao complexo; e (iv) realizar exaustivas enumerações de todo o processológico.“(MONTANER,2013,p.53)

Oracionalismodefendidoporessefilósofoestáatreladoàemancipaçãodaciêncianaépoca,que culminaria na teoria de Newton. Esse desenvolvimento só foi possível graças a umpensamentoracional,desligadodequalquerconsentimentocomopassado,equesebaseasseemsuasprópriasevidências(MONTANER,2013).

Essa corrente de pensamento permeou também os períodos do Renascimento e doNeoclassicismo, que se distanciam do teocentrismo, a favor de uma racionalidade baseada naacumulaçãodeconhecimentosempíricosdentrodatradiçãoclássica.Porém,emoposiçãoaessaabordagem do racionalismo, a razãomoderna tratava das experiências do passado demaneiranegativa,fazendodomundotabularasaparasuaspropostascartesianas(MONTANER,2013).

Omododefazermoderno,portanto,fazusodasmetodologiassistematizadas,abandonandoquaisquer meios de propostas espaciais fundamentadas na subjetividade. O apreço pelacientificidade do cálculo inspira os arquitetos modernos a categorizar temas heterogêneos emdadosinteligíveis.AvanguardaDeStijltrazàarquiteturaaoperaçãodereduziramatériaaformaselementares, como nas pinturas de Mondrian e Kandinsky. Desse modo "a vanguarda naarquiteturavaidecomportodososcomponentes:parede,superfície,espaço,composição,cor...”empartes irredutíveis (MONTANER,2013,p.58).Ourbanismomodernodecodificaacidadeemsetores, reduzindo suas complexidades e contradições em partes funcionais simplificadas. Oespaço moderno passa a ser pensado de maneira sistematizada, resultado da fascinação pelamáquina e pelos materiais produzidos em série. Montaner ainda sintetiza que quase toda aprodução desse período pode ser "interpretada como continente de atividades, somatório deinstalações, máquina que absorve energia do entorno, problema de medidas e definição depadrões"(MONTANER,2013,p.61).

Peterson (1980) apresentao conceitodoantiespaçomoderno, emcontraposiçãoaoespaçotradicional. A origem do antiespaço estaria no heliocentrismo da revolução copernicana, quepropunhaumsistemacósmicoinfinitocomobjetosorbitandodemodoindependentedentrodele,efoirepetidopelomodernismo“semarticulaçãoouanálise”.(PETERSON,1980,p.8).Esteespaçoestariaemdivergênciacomoespaçotradicional,quetemoseuaugeduranteoRenascimento,noqualoprincípiodepercepçãoespacialeraaperspectivadohomem,eoespaçoeraconstituídoafimdereafirmaressapercepção.

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Osavanços tecnológicosdosmateriaisdo concretoedoaço foramessenciaisparapermitiressanovaproduçãoespacial.OmodeloDom-ino3concebidoporLeCorbusieréumarquétipodoantiespaçomoderno,produzidopartirdeumaclarezamatemáticadasfunçõesestruturaisdecadaelemento. A proposta de separação da vedação, dos pilares, das vigas e das lajes viabiliza umaplanta livre, criando um espaço vazio contínuo ''fluido, leve, contínuo, aberto, infinito,secularizado, transparente, abstrato, indiferenciado, newtoniano'' (MONTANER, 2013, p. 30) emcontraste ao espaço tradicional que é ‘’diferenciado volumetricamente, forma identificável,descontínuo,delimitado,específico,cartesianoeestático"(MONTANER,2013,p.29).

Esse vaziodoespaçomodernoé, portanto,umvazio ininterrupto,opostoao vazio clássico,que sempre se constrói a partir da subtração de volumes. Nas cidades tradicionais o vazio éoriginado a partir da disposição de volumes. Já na cidademoderna, o vazio fluido se da pelaspropostasdeextensasáreaslivressobedifíciosempilotis.Ourbanismomodernosetorizaobjetosarquitetônicosemumespaçonatural ilimitadoecontínuo,transformandoamatrizdacidadedeumacontinuidadedesólidosaumacontinuidadedevazios (ROWEeKOETTER,1978) (Figura2),sendo essa concepção do espaço um dos principais pontos de crítica no período posterior aomodernismo.

Figura2–Plantadoprojeto“PlanVoisin”1922.NoprojetodeLeCorbusierparaPariséevidenteaabordagemmodernistadoespaçoemcontrastecomacidadetradicional.Fonte:RoweeKoetter(1978).

3. PÓS-MODERNISMO:FRAGMENTAÇÃOECOLAGEMDOESPAÇO

conceito da pós-modernidade é caracterizado por um conjunto de movimentosheterogêneos, cujo denominador comum está associado a uma ruptura com omovimentomoderno,comorigensentreofinaldosanos1950eocomeçodosanos

1960(JAMESON,1996).Opós-modernismoé,portanto,o termoquecomportaumavastagamade posicionamentos relutantes ao modernismo. Essa transformação dos termos deve sercompreendida associada a um contexto tardio do capitalismo, que se diferencia das etapas

3O modelo Dom-ino é um sistema construtivo de fabricação em série paradigmático do racionalismo na arquitetura,propostoporLeCorbusierem1917constituídodelajes,pilares,vigasevedaçõesindependentesentresi.Montaner(2013)identificaacasaDom-inocomoa“cabanaprimitivamoderna”,queteriatraçadodiretrizesfundamentaisparaaconcepçãodeobjetosarquitetónicosdaliemdiante.

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anterioresapartirdaintensificaçãodosfluxosinternacionaisfinanceirosedaglobalização4,enãopode ser entendida apenas como uma virada puramente estética ou de denúncia à essênciamoderna. A expansão do neoliberalismo5, a partir dos anos de 1970, estabeleceu a dominantecultural pós-moderna que compõe-se de uma pluralidade de rupturas com o período anterior(JAMESON,1996).

No campo da arquitetura, o ponto principal da crítica são as produções espaciaismodernas no contexto de austeridade do pós-guerra europeu. As ideias de Le Corbusier e dosCongressosInternacionaisdeArquiteturaModerna(CIAMs)forambemrecebidasnosprojetosdereconstrução das cidades europeias, não tanto por uma ambição ideológica, mas por umanecessidade econômica de suprimir rapidamente os contratempos da guerra. A urgência pelaproduçãodehabitaçõesencontrounosprincípiosmodernistas,dapadronizaçãoedamontagemem série, uma solução eficiente para que os países se reorganizassem. Dessa maneira, areconstrução na Europa seguiu os princípios de um planejamento racional, adotando adensificação e construção a partir de processos industriais, que foi reproduzido também emgrande escala nos Estados Unidos, acarretando a produção espacial contestada pelo pós-modernismo(HARVEY,1994).

As acusações pós-modernas se concentraram nas condições alienantes e massificadasqueapadronizaçãodomodelomodernogeraram,porémseabsteramdealgumassoluçõesmaisbem sucedidas como, a Unité d’Habitacion de Le Corbusier (que teve grande apreço pelosmoradores) e desconsideraram o êxito em empregar soluções economicamente viáveis na“reconstituição do tecido urbano de modo a preservar o pleno emprego, a melhorar osequipamentos sociaismateriais, contribuindoparametasdebem-estar social e, demodo geral,facilitandoapreservaçãodeumaordemsocialcapitalistabastanteameaçadaem1945”(HARVEY,1994,p.72)

JaneJacobsfoiumadasprimeirasautorasacriticaraproduçãoespacialdessecontextoereivindicou no seu tratado antimoderno “A vida e morte das grandes cidades americanas”, de1961,avoltaacaracterísticas,segundoela, intrínsecasàscidades,equeforamdesconsideradaspelos planejadores doperíodo. Jacobs (2000) postulavapor uma complexidade essencial para avitalidade do espaço urbano, que havia sido extirpada com as propostas padronizadas dosplanejadores urbanos modernistas. A autora identificava nas cidades tradicionais o "caosorganizado”, que carecia ao espaço produzido nesse período, e culpava o planejamentocentralizadocomoincapazdeabsorveradiversidadeinerentedascidades.

Na produção pós-moderna, surge também a concepção espacial da colagem comocontraponto ao planejamento total. Em “Collage City” (1978), Colin Rowe e Fred Koetterdefenderam uma concepção de cidade tal qual uma colagem de fragmentos individuais,independentes entre si, que juntos formam uma entidade diversa, porém única. Suas análisesformaisdotecidourbanodascidadesantigasedascidadesmodernas,apartirdasrelaçõesfigura-fundo, identificaram dois modelos urbanos: a produção de espaços pela cidade antiga e aproduçãodeobjetospelacidademoderna(JUNIOR,2008).Acidadecomoumacolagemaceitariaambososmodelosurbanoseincorporariasuascomplexidadesnoseutecido,demodoapermitiruma diversidade de experiências. Também compõe esse pensamento o livro “Complexidade econtradiçãoemarquitetura”(1968),noqualRobertVenturiexpunhaaslimitaçõesdaarquitetura

4Globalização:Aorigemdotermoremontaàdécadade1980eenglobaacontecimentoscomoaexpansãodastecnologiasde comunicação e a internacionalização de investimentos financeiros e a concepção de uma cultura global conectadaatravésdoconsumoemmassa(RIBEIRO,2002).5Modelo econômico que ganhou força a partir da dissolução do bloco soviético e foi sistematizado no Consenso deWashington (1989) por Ronald Reagen, presidente dos Estados Unidos, eMargareth Thatcher, líder do ReinoUnido. OsistemasedifundiuempraticamentetodosospaísesdomundoetinhacomopremissasareduçãodosgastosdosEstadosnacionais,aprivatizaçãodeempresasestatais,aatraçãodeinvestimentosestrangeiroseaaberturaeconômica.

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modernafrenteaumaarquiteturacomumaprofusãodesignificados.Oreducionismomodernista,aopensarparaaarquiteturaeparaacidadesoluçõeselementares,foitaxadocomomonótono,aonão conseguir se articular com uma sociedade diversa. Para tal, Venturi (1968) propunha umaarquitetura complexae contraditóriaque incorporasseambiguidades, a fimdeproduzirespaçoscomriquezasimbólica.

Oposicionamentopós-modernofrenteaoespaço,portanto,procurasereferenciaraumasociedade complexa, incorporando e se apropriando de sua diversidade. Diferentemente doespaçomoderno, entendido dentro de umprojeto utópico, a abordagemespacial pós-modernanãotemobjetivosabrangentesepodiarealizar-seemsimesma.Conceitoscomofragmentaçãoecolagem compõe essa visão, com o intuito de potencializar a singularidade das partes emdetrimentodauniversalidadedotodo.A isonomiaentreaaltacultura6eaaculturademassas7,culturacaracterísticadoperíodo, incorporouàtemáticapós-modernao léxicodocomercialismo,que por sua vez deu vazão a uma prática muitas vezes atrelada a interesses econômicos(JAMESON,1996).

A retomada dos conceitos de espaço tradicional nesse período, materializada tanto narecuperação de centros históricos quanto na simulação da espacialidade clássica em novosprojetos, criou possibilidades de recontextualização da iconografia clássica. A sua reinserção demaneira simbólica no espaço foi apropriada facilmente de maneira comercial. O espaço pós-modernotambémsecompõedesimulacrosquereproduzemformasanterioresesãoalimentadosporumaindústriadeproduçãodeimagenseficiente.

4. OHIPERESPAÇOPÓS-MODERNO

conceito do Hiperespaço pós-moderno é descrito por Jameson (1996) como umamutaçãodoespaçodoalto-modernismo,noqualoserhumanocontemporâneoteriadesenvolvidosuascapacidadespreceptivas.Essamutaçãoteriaresultadonumtipode

espacialidade que os sentidos humanos não acompanharam. Os sentidos emitidos pelo espaçoteriamevoluídosemumamudançaequivalentenascapacidadesdepercepçãodosindivíduos.Essatransformaçãoespacial,queproduziuumaarquiteturadosublime,comoédenominadaporFoster(2013),éderivadadeumaculturanaqualaimagemtemforçahegemônica.Jameson(1996)aindaexemplifica a manifestação dessa situação espacial de maneira total no complexo do hotelBonaventure (Figura 3), inaugurado em 1976 em Los Angeles. O autor comparou nossadesorientaçãosensorialnesseedifício,integralmentepós-moderno,comanossaincapacidadedese apropriar da condição capitalista tardia que o concebeu. O sentimento de opressão nesseespaço extravagante e hiper-estimulante, seria o mesmo do pretendido pela Igreja Católica aopatrocinaraconstruçãodeigrejasbarrocas,sendoqueadiferençaéqueospatronosdehojeemdiasãoas“grandescorporações,governosambiciosos,impériosdoesporteeinstituiçõesculturaiscomomuseusdearte”(FOSTER,2013,p.45).

6Altaculturaéumtermoutilizadoparasereferenciaràumtipodeproduçãoartísticaouintelectual,porvezesatreladaàtradiçãoclássica,quecultivaumaideiadeculturasuperior,demaiorvalor(SCRUTON,2009).7Se refere a uma cultura que se tornou dominante no século XX a partir da difusão dasmídias demassa, como rádio,televisãoe internet.Essetipodeculturaproduziuumahomogeneizaçãodepadrões,sobrepondo-seaculturas locaisemfavordesuadissiminaçãoemmassa.(SCRUTON,2009)

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Figura2–ÁtriodoHotelBonaventure,1976.Fonte:Jameson(1996)

Alémdisso, Jameson(1996) identificaatentativadesimulaçãodegrandepartedas funçõesda cidade no interior deste e de outros espaços do período. Para tal, o edifício prescindiria dacidade, pois aspira ser ummundo completo em si. Suas ambições não extrapolam seu própriointerior e lhe convémpermanecer num tecidourbanodegradado, comopropósitode absorverdele suas funções vitais. Essa recusa à cidade é completamente diferente das propostasmodernistas do período anterior, ao passo que se os edifícios modernos eram alheios ao seucontexto, objetivavam a transformação radical e utópica de seu espaço circundante. Essefechamento em relação ao meio urbano criou uma nova modalidade de enclavescontemporâneos: condomínios fechados e shopping centers. O autor Del Rio (2013, p. 27)caracteriza que esses “sítios de exclusão social”, como denomina esses espaços, “geram novascentralidades,fragmentamoterritóriometropolitanoeresultamemumacolagemdefragmentosurbanos”queseexcluemdoseucontexto.

Essamodalidadedeespaços,queserelacionariamuitomaiscomaesferaglobaldoquecomasuacidadehospedeira,édenominadaporKing8(2004)como“supraurbes"ou“globurbes”(RIO,2013).Koolhaas(2014)designaessetipodeespaçocomopertencentesà“cidadegenérica”,um conjunto de cidades globais totalmente indistintas. Essas cidades não teriam identidadeprópria,amedidaquesuaiconografiaremeteriasempreanecessidadescomerciaisinternacionais,emconstanteprocessodedestruiçãoerenovação.Compreendidasdentrodeumarededecidadesglobaisgenéricas,essaslocalidadesconformamnão-lugares,poisdestituídosdeidentidadeslocais,exprimemsignificadossuperficiaiseconsumíveis.

Essemodelo de urbanidade global condiciona as cidades a se tornarem “competitivas”buscando atrair investimentos de grande porte para poderem se inserir numa economianeoliberal.Osespaçosdopós-modernismocorporativo,queproduziuedifíciossededeempresasmultinacionais com aparência similar, passa a ser desejado por essas cidades em seus distritosfinanceiros.Esse tipodeespaçose tornou tão replicadoqueédifícildiscerniremquecidadeseinsere. Apesar do revestimento de vidro, esses edifícios projetam uma falsa transparência. Naverdade, não criam relação nenhuma com a cidade circundante, apenas espelha uma imagemdistorcidadeseuentorno(JAMESON,1996).

O hiperespaço pós-moderno, portanto, simula experiências comuns ao redor do globo,sem criar vínculos com suas localidades, substituindo as funções do espaço em que se insere.Sensorialmenteseapresentadeformadesnorteadora,sublimeedirigidoaoconsumo(ARANTES,

8KING,A.D.Spacesofglobalcultures:architecture,urbanism,identity.NovaYork:Routledge,2004.

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2015). O interesse original pós-moderno num espaço complexo resultou em “labirintosinescapáveis”(HARVEY,1994),compostode"átriosabarrotados"ehiper-estimulantes(JAMESON,1996), suprimindo qualquer profundidade em benefício de um espetáculo imagético. Essehiperespaço,entendidoporJamesoncomofracassodasambiçõespós-modernasdesereferenciaràumasociedadeheterogênea,foitomadocomomodeloporarquitetoscomoFrankGheryeZahaHadid na produção de uma arquitetura iconográfica, não em objeção à "lógica cultura docapitalismotardio”,masemtotalacordocomsuasregras(FOSTER,2013).

5. O ESPAÇO NA CONTEMPORANEIDADE: O ESPAÇO-LIXO E ODESIGNTOTAL

roduto de uma extensão da pós-modernidade, o espaço contemporâneo pode sercompreendidoemtermosdehipérboledascaracterísticasdoperíodoanterior,porém,aaberturadaEuropanoiníciodosanos1990,apartirdadissoluçãodoblocosoviético,

assimcomoaaberturadomercadochinêsnamesmadécada,simbolizavamumapossívelsoluçãodaarquiteturaparaKoolhaas.OarquitetoviacomotimismoafrenteexpansionistadosmercadosenoBignessumamaneiraque“aarquiteturapudesserecuperarsuainstrumentalidadecomoumveículodamodernização9”(FOSTER,2013,p.44).AeuforiadessamodernizaçãorendeuinclusiveaoseuescritórioOMAgrandesprojetosurbanísticos,comoomasterplanparaodistritoEuralille(1994)(Figura4)emLille,naFrança,etantosoutrosnorecentemercadoasiático.Aesperançadeque a partir do Bigness10fosse possível projetar novamente na escala urbana e “reconstruir oTodo",possibilitandosuadiversidadeinterna,foiabsolutamenterepudiadaanosmaistardenoseuensaio“Junkspace"(FOSTER,2013).

Figura4–Croquidoprojeto“Euralille”,1989.Oespaçopropostoalmejaumaidentidadeuniversal,comoseevidencianainsistênciadodesenhoemsignosdefluxoedeslocamentosglobais(viasexpressas,avião,hotel,trenseescadasrolantes).Fonte:OMA11(2010).

9Entendidacomoprogressoeconômico,desenvolvimentosocial(FOSTER,2014,p.187).10Bignessouemportuguês“Grandeza”éapropostaarquitetônicadefendidapeloarquitetoholandêsRemKoolhaasqueumedifício incorporariaapartirdecertaescalaafimdereproduzircaracterísticasurbanas internamente, inseridonumacondiçãometropolitana intensa (COLOSSO, 2015). Uma tradução alternativa ao termo seria “Desmesura”, e se refere àumaescalatãograndequesetornaincompatívelcomaapreensãotradicionaldaarquitetura(ZEIN,2016).11Disponívelem<http://oma.eu/projects/euralille>Acessoem14out.2016.

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SegundoKoolhaas(2013),oJunkspace,ouespaço-lixo,sãotodososespaçosresiduaisdaúltima onda demodernização. Similarmente ao hiperespaço descrito por Jameson, a produçãoespacial capitalista resultou, para o autor, nessa categoria espacial. A origem do termo é umaanalogiacomlixo-espacial,demodoqueKoolhaasdescreveque"seolixoespacialsãoosresíduoshumanosqueconspurcamouniverso,oespaço-lixoéoresíduoqueaHumanidadedeixasobreoplaneta”(KOOLHAAS,2013,p.69).Oarquitetoexpõe,noiníciodoseuensaio,que:

"O produto construído [...] da modernização não é a arquitetura moderna,masantesoespaço-lixo.Oespaçolixoéoquerestadepoisdamodernizaçãoseguir o seu curso, ou mais concretamente o que se coagula enquanto amodernização está em marcha, o seu resíduo. A modernização tinha umprogramaracional:partilharasbênçãosdaciência,universalmente.Oespaço-lixoéasuaapoteoseousuafusão”(KOOLHAAS,2013,p.69)

Adesilusãocomaspromessasdaglobalizaçãonãoimpedeinclusiveoarquitetodereversuaprópriaautorianacriaçãodosespaços-lixo,aoexporque:

"pensávamos que podíamos ignorar o espaço-lixo, visitá-lo às escondidas,tratá-locomdesdémcondescendente,desfrutá-lo indiretamente...comonãopodíamos entendê-lo, deitamos fora as chaves...Mas agora a nossa própriaarquiteturaestáinfectada,passouaserigualmentesuave,inclusiva,contínua,retorcida,pormenorizada,repletadeátrios..."(KOOLHAAS,2013,p.90)

Koolhaas ironiza toda a produção arquitetônica dentro do star-system12, nomeando-aJunkSignature™, incorporando-a à sua categoria do espaço-lixo. O star-system arquitetônico sedesenvolveu para suprir competitividade das cidades que buscam atrair investimentosestrangeiros a partir da adoção de um planejamento estratégico, dentro de um contextoeconômico neoliberal. Os princípios de competitividade e produtividade empresariais foramincorporadosnagestãourbana,gerandooconjuntodeoperaçõesurbanasentendidascomocitymarketing. Esse instrumento objetiva a criação de uma imagem atrativa das cidades, tantosimbolicamentecomomaterialmente(BANDEIRA,2011).Dessemodo,muitascidadespassaramacontratar arquitetos do star-system a fim de se renovarem imageticamente, a partir demarcosarquitetônicosede sediarmegaeventosparaatrair investimentos internacionais.A categoriadeespaços-lixo englobaria não apenas o tipo de produções espaciais associadas ao citymarketing,mastambématotalidadedelasderivadasdamodernização.Oconsumismointrínsecodosistemapermeariatodosessesespaços,quesetornaramagoraespaçosdoconsumo.

SeDeborddefiniuoespetáculocomo"ocapitalacumuladoaopontoquese tornaumaimagem” (DEBORD, 1997, p. 16) na atualidade o contrário também seria verídico, sendo oespetáculo "uma imagem acumulada ao ponto que se torna capital" (FOSTER, 2013, p. 67). Aonipresençada imagemnaculturacontemporâneaédenominadapor ÍtaloCalvinocomo"chuvainfinita de imagens”, ou seja, uma espécie de sufocamento derivado desse fluxo imagéticoexcessivo (PALLASMAA, 2013, p. 14). O espetáculo dominante na cultura contemporânea comoobservado por Debord (1997), contemplaria todas as relações sociais a partir da mediação daimagem. O sujeito da sociedade do espetáculo seria apenas um receptor passivo, pois “oespetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua únicamensagem é que “o que aparece é bom, o que é bom aparece” (DEBORD, 1997, p. 17). Dessemodo, o espetáculo sematerializa no espaço demodo hegemônico e dificilmente contestável,frenteasuasustentaçãoemimagenspublicitáriaspoderosas.

12Conjunto de escritórios de arquiteturamundialmente conhecidos que atuam emmega-projetos internacionais, comoFrankGehry,ZahaHadid,DanielLibeskind,entreoutros.(BANDEIRA,2011)

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Oespaço-lixodeKoolhaaséentendidocomooprodutodesseespetáculoimagéticoqueéa operação dominante cultural do capitalismo tardio (FOSTER, 2013). Os jargões publicitários,comobrandingemarketing,passaramaserrecorrentesemprojetosdereformulaçãourbanística,entãoassociadosàcriaçãodeumaiconografiaconsumíveldascidades.

Bauman(2001)descreveduastipologiasespaciaiscontemporâneas,dentrodacategoriadeespaçospúblicos,queseassemelhamà ideiadeespaçolixoesecolocamcomohegemônicosno contexto da última modernização. O sociólogo analisa como eles são criados de modo adiminuir ao máximo qualquer tipo de interação social ao se empenharem na tarefa de repelir“corpos estranhos” e indesejáveis desses “lugares públicos, mas não civis” (BAUMAN, 2001, p.133).

O primeiro deles é o que ele denomina por “templos do consumo”, que deslocam acidadaniaàscomprasedesencorajamainteraçãoemfavordaação.Oconsumonessesespaçosselegitima ao se compartilhar o espaço com os demais, sem necessidade de maiores razões. Asinteraçõesinevitáveissãomínimasnessaatividadeindividual,eseresumemaencontrosbrevesesuperficiais. A exclusão do “outro”, geralmente representado por grupos étnicos e sociaisdivergenteséoperadaportecnologiasdevigilância,acessoscontroladose isolamentovoluntárioda cidade. Aliás, esse isolamento simula uma experiência comunitária plena, pois se todos sãosemelhantes,“nãoéprecisonegociarpoistemosamesmaintenção”(BAUMAN,2001,p.127).Asegundacategoriaseriadaquelesespaçospúblicosquedesencorajamapermanência,associadosàsensação desorientadora do hiperespaço pós-moderno descrita por Jameson (1996). Bauman(2001) ilustra a tipologia comapraçadodistritodeLaDéfense, emParis, rodeadaporedifíciosempresariais (Figura 5). Semelhante ao projeto deEuralille, o bairro possui ligaçõesmuitomaisintensascomaeconomiaglobaldoquecomacidadequeseinsere.Aimponênciadaarquiteturanão incita a estadia nesse espaço, e Bauman reforça que os edifícios são “imponentes porqueinacessíveis”(BAUMAN,2001,p.124),esuafunçãopúblicanãoseestendealémdeumaimagemaserprojetada.

Figura5-LaDefénse,Paris,2004.Fonte:WikimediaCommons13(2006)

Seduranteopós-modernismofoidefendidaa importânciadacenografiaemrelaçãoaoespaçoena simulaçãode lugares, no espaço-lixo a cenografia semisturade talmaneira comaarquitetura que se torna impossível separá-las (FOSTER, 2013). O design total tornou-se umaoperaçãocomum,queforçaaintegraçãodediversasdisciplinasnumamercadoriafinalunificada.

13Disponívelem<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Place_de_la_Defense_2004.jpg>Acessoem:12out.2016.

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A expressão design total caracteriza uma tentativa de incorporar ao design a maiorquantidade de aspectos de um espaço. Em outras palavras, seria orquestrar todos os detalhesespaciais, de modo que o arquiteto/designer calcula e controla todos os seus elementos. Oresultadodessaoperaçãoéumespaçosemaberturaaquaisqueroutraspossibilidades.Duranteomodernismo, o design total foi empregado dentro de uma ambição utópica de democratizar oacesso a bens de consumo, a partir da industrialização. Se na Bauhaus, Gropius defendia uma“arquitetura total”, capazdedesenhardesdeumacolherde cháatéa cidade,odesign total nacontemporaneidade se desenvolveu principalmente em espaços que simulam situaçõescompletamente alheias ao mundo externo (Figura 6). A inspiração para o design total vem doconceitodeGesamtkunstwerk,ouObradeartetotaldeWagner,naqualdiferentesdisciplinassefundemafimdeproduzirumaexperiênciasingular.

Figura6–AnúnciopublicitáriodacidadedeCelebration,EUA.AcidadeéumsubúrbionaregiãometropolitanadeOrlandodesenvolvidopelaWaltDisneyCompany.Nelaasresidênciassãoconstruídasemestilospré-aprovados,comoVitoriano,MediterrâneoeColonial,eosedifíciospúblicosedesenhourbanoseguemumaestéticaderevivaldascidadesamericanasdoséculoXIX.Fonte:CelebrationTownCenter14(2016).

Foster (2013)aponta,nosdiscursosdeDeleuzeeGuattari,quenão sedeve identificaressacondiçãocomovanguardista,massimcomoresultadoinevitáveldastendênciasdocapitalemumaeconomiaglobalizada.

A pop art criou uma linguagem mimética ao mundo do consumo, reproduzindo íconesmidiáticos e utilizando as onomatopeias das histórias em quadrinhos distribuídas em série. Asexpressõescomoboom!,bang!,pow! Etc.,encontradasnessaspublicaçõesdegrandecirculaçãoforam absorvidas pelo repertório dos artistas pop que as elevaram ao estado de arte. AlgunstermosdeorigemsemelhanteadentraramouniversoarquitetônicoapartirdosprojetosdogrupoArchigram. As cidades propostas pelo grupo eram descritas pelos termos clip-on eplug-in, quesinalizavam o caráter impermanente dessas ocupações, tais quais produtos consumíveis quesemprepoderiamseratualizados(FOSTER,2013).Koolhaas(2013,p.78)desdenhaessalinguagemeescreveque“verbosdesconhecidose impensáveisnahistóriadaarquitetura–agarrar,grudar,dobrar,vazar,colar,agrafar,duplicarefundir–tornaram-seindispensáveis"naproduçãoespacialcontemporânea. Foster (2013) descreve que, para Koolhaas, essas são as expressões que seinfiltraramnosespaços-lixo.

Grande parte da produção espacial contemporânea é, portanto, uma produção voltada aoconsumo, sendo ela mesma afetada pela obsolescência programada própria das mercadorias(KOOLHAAS, 2013). Logo, todosos aspectosdo espaço se tornaram consumíveis e descartáveis,pois todos sãoprodutosdodesign.Oantigo sonhomodernistadodesign total tomou formade

14Disponívelem:<http://celebrationtowncenter.com>Acessoem:15out.2016.

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modo perverso (FOSTER, 2013), onde todos os seus aspectos estão orientados para acomercializaçãoemmassa.Taléaonipresençadaimagemnaproduçãoespacialcontemporâneaque Foster (2013) identifica nas vanguardas arquitetônicas pós-modernas apenas analogiasimagéticas. Se a fixação pelos objetos construídos a partir do desenvolvimento tecnológico doconcretoarmadoedoaço,comopontesegalpõesindustriais,culminounoantiespaçomoderno,oscritériosdaarquiteturanumcontextopós-fordistaderivamapenasdacorrelaçãocomimagens.Foster(2013)exemplificaessascorrespondênciascomaiconografiaclássicaabsorvidapelospós-modernos e mais recentemente os dados computacionais, que se formalizam nas superfíciesparamétricas,derivaçõessuperficiaiseimagéticasdeconceitosestabelecidos.Oespaçocomolixosemanifestadentrodessecontexto.

6. PONTOS DE APOIO PARA UMA CONCEPÇÃO DO ESPAÇO NACONTEMPORANEIDADE

mcontrapontoaosespaçosabordadosanteriormente,épossível identificaremalgunsautores e arquitetos possibilidades de ruptura com o fechamento do espaço. Foster(2013),porexemplo,fazumcomparativoentrearelaçãodosobjetosutilitárioseaarte

dentro das correntes doArt Noveau e do funcionalismomoderno, a fim de rejeitar ambos. Aopasso que os artistas do Art Noveau pretendiam injetar a arte nos objetos utilitários, osfuncionalistaselevavamoobjetoutilitárioàcategoriadearte.Aleituradoautor,apartirdeKraus,condena as duas operações pois "ambas corriam o risco de uma indistinção regressiva: elasfalhavam em garantir o running room15necessário para a subjetividade e cultura progressistas"(KRAUS16,1912,apudFOSTER,2013,p.65).Fosteraindaesclareceque:

“nada aqui é dito sobre uma essência intrínseca da arte ou uma absolutaautonomia da cultura, o objetivo é de diferenças propostas e espaçosprovisórios, de Spielraum, cuja tradução é literalmente “espaço de brincar"(play room) ou “brincar como espaço”. “Brincar” (play) tem sido um termocrucialnaestéticadesdeSchiller,queoassocioucomaimaginaçãoinventiva:insistir no brincar na arte é se preparar para a liberdade na vida (FOSTER,2013,p.65)(Traduçãodoautor).

AcríticadeFoster(2013)temcomoalvoodesigntotal,anoçãodequetodososaspectosdoespaçosãoplanejados,nãoexistindodistinçãoentrearteeobjeto.Esseespaçototalresultantenãoteriabrechasparao inesperado,ourunningroom.OautoraindadescrevequeKoolhaas,aocaracterizar o espaço-lixo, buscava uma autonomia estratégica dele. Autonomia aqui entendidacomo um posicionamento contestador frente a uma condição de produção espacialcompletamenteintegrada.Fosterindagaoqueénecessárioparaumposicionamentoquepermitanegaressaproduçãoespacial,numaconjunturaemqueelasecolocacomohegemônica.Oautorfazalusãoaotermo“rachaduras”,referindo-seapossibilidadesdeencontrarorunningroomnumcontextodeimersãototalnoespaçolixo.

Épossívelencontrarreferênciasàpossibilidadedorunningroom,comoumaferramentapara uma nova espacialidade, nos posicionamentos para um entendimento contemporâneo doespaço defendidos pela geógrafa Doreen Massey (2009). A autora faz referência a um caráteracidental que pode ser encontrado, mesmo que de maneira pouco expressiva, em todos osespaços, por mais que estes sejam definidos por uma ordem fechada. Massey denomina essa

15Tradução do dicionário para Running room: o espaço ou amargem demanobra que permitam a ampla liberdade eflexibilidadeparaoperar,manobrar,ouexecutarsemqualquercomprometimento.16KRAUS,K.DieFackel.Viena:WienM.Frisch,1936.

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instabilidade em potencial e a impossibilidade de se controlar o espaço completamente de“rachadurasnacarapaça”.

O recursode encontrar nas fissuras dopróprio sistemapossibilidadesde running room(FOSTER, 2013) é proposto por Massey a partir da operação da desconstrução dos mapasocidentais, termo que a autora emprega para caracterizar mapas que pressupõem uma pré-codificação total do espaço, sem abertura a surpresas ou processos. Massey identifica apossibilidadede "retrabalhar a cartografia a partir dedentro" (HUGGAN17, 1989, apudMASSEY,2009,p.163),comoumaformadedesafioàideiadeestabilidade,fechamentoesingularidade,ouseja,odesigntotaldominantenaproduçãoespacialcontemporânea.

A estratégia proposta por Massey (2009, p. 163), para reivindicar autonomia com adesconstrução do mapa ocidental, busca revelar "indicações de multiplicidade” do espaço aliocultas. A autora apreende o espaço como um contínuo de transformações, conexões e nãoconexões,work in progress. O caráter permanentemente inacabado do espaço abriria brechasparaoinesperado,dadaamutabilidadederelações,sendoatodomomentofeitasedesfeitas.Aalternativa de tratar o espaço em aberto, a partir da desconstrução do mapa, possibilitariaencontrarorunningroom,oinesperadodoespaço.

Massey(2009) identificaumatentativadeincorporaroacasonoespaçoemprojetosdaarquiteturadevertentedesconstrutivista,maisespecificamentenoParcdelaVillettedeBernardTschumi.Apropostadoarquitetoeraproduzirumespaçoquenãofossetotalemaspectoalgum,mas sim algo “undecidable”18 (TSCHUMI19, 1988, p.38, apud MASSEY, 2009, p. 168). Para tal,Tschumi(2012)descrevequesuperpôstrêssistemas:umsistemadepontoscontendooprograma,umsistemadelinhas,afimdedirecionaromovimentopeloespaço,eumsistemadesuperfíciesnãoprogramadas,aseremapropriadas(Figura7).

Figura7–Diagramadesobreposição,ParcdelaVillette.Fonte:Tschumi(2012)

17HUGGAN, G. Decolonizing the map: post-colonialism, post-structuralism and the cartographic connection. Baltimore:JohnsHopkinsUniversityPress,1989.18Traduçãododicionárioparaundecidble:caráterdealgoquenãopodeserdecidido.TschumibuscaessecaráteremseuprojetodoParcdelaVilletteemoposiçãoaumatotalidade.19TSCHUMI,B.ParcdelaVillette.Paris:ArchitecturalDesign,vol.58,n.¾,pp.32-9,1988.

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Interessava, a Tschumi, demonstrar que a “sobreposição de três estruturas coerentesnunca pode resultar em uma megaestrutura supercoerente” (TSCHUMI20, 1988, p.38, apudMASSEY,2009,p.168).Asobreposiçãodastrêscamadasindependentesentresideveriaresultarnum espaço indeterminado, acidental. Massey critica a proposta ao pontuar que essas trêsestruturasnãosão,demodoalgum,caóticas,equeaaberturaespacialpretendidaporTschumiderivariaapenasdavariedadedessascamadas.A falhadoprojetodoParcde laVilletteseriadeproporaeventualidadesemlevaremcontaatemporalidade,pensandooespaçocomoauniãodetrêssuperfícieshorizontaisfechadas.

Massey (2009) não anula o caráter undecidable do espaço pensado por Tschumi, maspropõeumaoutramaneiradealcançá-lo.Ao invésdaoperaçãodacolagemdecamadas,quesereferiria muito mais à construção histórica de um espaço, a geógrafa refere-se a trajetóriasmúltiplas entrelaçadas a fimde gerar resultados imprevisíveis. A contemporaneidade radical doespaço só poderia ser alcançada a partir do seu entendimento em termos rizomáticos, queimpossibilitariamacompreensãodoespaçocomcaráterestávelefechado.

Oswald de Andrade encerra seu “Manifesto Antropófago” (1928) ao demarcar que aculturabrasileiraterianascidodefatoapenascoma“deglutição”doBispoSardinhapelos índiosnativos do litoral de Alagoas, em 1554. Omovimento antropofágico, decorrente domanifesto,propunha que a identidade genuinamente brasileira é a da apropriação multicultural e suatransformaçãonumhíbridooriginal.OdiretorZéCelso–quedurantesuaatuaçãojuntodoTeatroOficina Uzyna Uzona aprofundou a pesquisa de Oswald de Andrade – aponta semelhanças naconcepçãodecidadedaarquitetaLinaBoBardi–autoradoprojetodoteatro–emparalelocomasua abordagem artística antropofágica. A proposta cênica de Zé Celso não dissocia a arte docotidiano, e não entende o teatro enquanto um acontecimento privado, frequentementeexpandindooespetáculoparaacidadeeincorporandoespaçospúblicoseprivadosnoinstantedapeça. No Teatro Oficina o edifício do teatro funciona como um teatro-rua, e as peças seassemelhamaumacelebraçãoritualísticaqueinvadeacidadeeseapropriadela.Aantropofagiase manifesta espacialmente na obra de Zé Celso com a incorporação dos acontecimentosmundanosaoteatroesuamutaçãoartística.

Semelhanteaoseuposicionamentoartístico,ZéCelsovênaidealizaçãodacidadedeLinaBoBardiumespaçoinclusivo,antropofágico.Cunhaotermo“terreiroeletrônico”parasintetizaravisão. Terreiro, pois é o espaço de celebração do candomblé, religião que seria perfeitamenteantropofágica,aoseconstituirdaapropriaçãoeressignificaçãodasculturasafricanas,brasileiraseeuropeias. E eletrônico na medida que nos encontramos “em plena revolução tecnológica, emplena [revolução] cibernética, em plena revolução da biologia” (CORRÊA, 2004, p. 104). Aexpressão desse modo, alude a um espaço em constante movimento de mutação ereinterpretaçãonumcontextoculturaldeacúmuloinformacionaletecnológico.

Passadaatemporalidademodernistasingular,queentendeoespaçocomoresultadodasimplesacumulaçãodeacontecimentos,enumarejeiçãoaotemposuperficialeanacrônicopós-moderno, uma saída para a contemporaneidade radical do espaço seria a da incorporação das“históriasqueestãoemprocessoatravésdopresente”(MASSEY,2009,p.177)numaconstruçãoativa do espaço. Dentro do cenário brasileiro, isso poderia se manifestar numa antropofagiaterritorial,queapreendeoespaçoenquanto“terreiroeletrônico”,negaseu fechamentoapartirdesuatomadaemetamorfose.Nesseprocedimento,a indeterminaçãoébaseparaaaberturaàmutabilidade e a transgressão do espaço-imagem. Se “a única imagem adequada é aquela queincluiumsentidodemovimentoemsimesmo”(RODOWICK21,1997,p.88,apudMASSEY,2009,p.177),essaimagememmovimentoromperiacomafixidezdaimagemmercantilizada.

20TSCHUMI,B.ParcdelaVillette.Paris:ArchitecturalDesign,vol.58,n.¾,pp.32-9,1988.21RODOWICK,D.GillesDeleuze’stimemachine.Durham:DukeUniversityPress,1997.

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Oentendimentodoespaçocomoumaexperimentaçãoemcontatocomoreal(DELEUZEe GUATTARI22, 1988, p.12, apud Massey, 2009, p.165), como uma coexistência temporal emtransformação,éamplamente investigadoem instalaçõesespaciais.Mortimer (2013)destacanaobradeHélioOiticica a possibilidadede trabalhar o espaço como “experiência sensorial – e dotoque da cor”, que os arquitetos dificilmente conseguem perceber. Jacques (2001, p. 44)complementaquea“aarquiteturatemgrandesdificuldadesemenfrentarosriscosdoacaso,doaleatório,doarbitrário,dofragmentário.“

EmPenetráveis (Figura8),umasériede instalaçõesespaciaisdesenvolvidasporOiticicaentreasdécadasde1960e1980,épossível identificar tentativasde incorporarumcaráternãodeterminadoaoespaço, tendoemvistaqueaoartistanão interessavapensarnoscomponentesdeseutrabalhoisoladamente,masnamaneiraqueserelacionavam(CRESTANI,2014).Apropostaessencialdesseconjuntodeobraséa ideiadoespaçovivenciadono tempo (MARQUEZ23,2009,apudCRESTANI,2014),poisénapermanênciaeexperimentaçãodosindivíduosnainstalaçãoqueelesdeixamdesercontempladorespassivose transformamoespaçoea simesmos (CRESTANI,2014).Adescobertapaulatinadaobraapartirdeexperiênciassensoriais,quedeslocamosujeitode suas “cogitações convencionais cotidianas” (OITICICA24, 1986, apud CRESTANI, 2014) – comomanusear painéis deslocáveis, caminhar por pisos com texturas não usuais, combinar no olharcoresdiferentes–possibilitaacriaçãodeumespaçoconstantementeemaberto.Nessesespaços“possíveis” (SPERLING25, 2006, apud CRESTANI, 2014) de Hélio Oiticica, o sentido se estabeleceapenas através do corpo emmovimento pelo tempo.O caráterundecidable nos Penetráveis semanifesta,portanto,apartirdavivênciacorporaldopúblico,ao traçardiferentes trajetóriaseminteraçãocomoespaço.

Figura8–Penetrável“Invençãodaluz”,1978.Fonte:LuisaGrassi26(2012)

Jacques (2001) identifica na figura do labirinto o princípio para a concepção dosPenetráveis de Oiticica, dada a sua vivência na comunidade da Mangueira e as semelhançasformais e sensoriais da favela com o labirinto. Entendendo o labirinto como um espaço para a

22DELEUZE,G.eGUATTARI,F.AThousandplateaus.Londres:AthlonePress,1988.23MARQUEZ,R.M.HélioOiticica:DesdobramentosdoCorponoEspaçoinRevistaVivência33.Natal:EdUFRN,200924OITICICA,H.Aspiroaograndelabirinto1986.RiodeJaneiro:Rocco,1986.25SPERLING,D.Corpo+Arte=Arquitetura.AsproposiçõesdeHélioOiticicaeLygiaClark,RevistadoFórumPermanente,2006.Disponívelem:<http://bit.ly/2fQemzJ>.Acessoem:08mai.2013.26Disponívelem:<http://aia-luisagrassi.blogspot.com.br/2012/05/helio-oiticica-e-os-penetraveis.html>Acessoem15out.2016.

SESSÃO TEMÁTICA 6: ESPAÇO, IDENTIDADE E PRÁTICAS SÓCIO-CULTURAIS

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 18

desorientação(FUÃO,2004)e,portanto,abertoàcasualidade,épossívelclassificarduastipologiasdistintasdessacategoriaespacial.

A primeira seria a figura do labirinto com origem na mitologia grega, que teria sidoconstruído a fim de alojar o Minotauro. Nesse labirinto todos os caminhos possíveis sãoplanejados, e não há outras possibilidades de trajetórias para além deles. Desse modo, umaconstruçãoestáticadeterminatodososcomportamentos(FUÃO,2004)e,apesardadesorientaçãoinataaolabirinto,apremissaparaacriaçãodosacasospartedeumaestruturafechada.

A segunda figura do labirinto seria aquela que Jacques (2001) identifica nas favelas. Aautoradescrevequeadiferençacomaprimeirafiguraéqueafavelanãoéplanejadaeestáemconstanteprocessodeconstruçãoporatoresmúltiplos,nãoháumautorespecíficonemépossívelmapeá-la definitivamente. A favela, com suas vielas e becos criados espontaneamente, teriaqualidades labirínticas intrínsecas imediatamente perceptíveis. Nessa figura se baseou a sériePenetráveis de Hélio Oiticica, que são mais labirínticos virtualmente do que formalmente(JACQUES, 2001, p. 75) pois incitavam situações criativas inéditas, de acordo com a ação dosparticipantesdaobra,enãoapartirdeumespaçovisualmentelabiríntico.Essafiguradolabirinto,portanto, se assemelha muito mais a um estado labiríntico do que o labirinto como forma(JACQUES,2001).

Fuão (2004)denominaesse tipode labirintode labirintodinâmicoque,aocontráriodolabirintoclássico,noqualháapenasumcaminhocorretoaocentro,esse labirintopossibilitaum“númeroinfinitodecentrosemmovimento”.Asensaçãodeseperder,implícitaaolabirintoparaJacques (2001), seaproximamaisdeencontrar surpresasemcaminhosdesconhecidosdoqueadesorientaçãoporsisó.Seolabirintodinâmico“nãoémaisocaminhoondeapessoaseperde;éo caminhoqueretorna”(DELEUZE27,1993,apudJACQUES,2011p.96),esseretornarpertenceriaaumtempoemespiral,ligadoaoacaso,àsurpresa.

A possibilidade do labirinto dinâmico enquanto espaço do cotidiano só seria possível amedidaqueomodoutilitaristadetrataracidadecedesseespaçoaomodolúdico (FUÃO,2004).DesdeasuacriaçãocomodisciplinanoséculoXIX,dotadojádecarátermoderno,ourbanismoseempenhounaorganizaçãodacidadedemodoaeliminarsuasexperiênciaslabirínticas,apartirdeumplanejamentoracionalsubsidiadoemplanoseprojetosprévios(JACQUES,2001,p.100).SenaEuropaessapráticaurbanista tratoudesedistanciardascidadesmedievais,queseconstruíramcombaseemconhecimentosempíricos,nascolôniasnaAméricasefundoucomopráticapadrão,principalmentenasdeorigemespanholaeinglesa.

27DELEUZE,G.Mystèred’ArianeselonNietzsche,inCritiqueetclinique.Paris:LeséditionsdeMinuit,1993.

SESSÃO TEMÁTICA 6: ESPAÇO, IDENTIDADE E PRÁTICAS SÓCIO-CULTURAIS

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7. REFERÊNCIAS

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