dominique maingueneau_diversas compêtencias

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  • 8/10/2019 Dominique Maingueneau_Diversas Comptencias

    1/11

    D o m i n iq u e M ain g u en eau

    TRADUO DE

    Ceclia P. de Souza e Silva

    e

    Dcio Rocha

    2

    a

    edio

    3

    ,

    ; ~

    d

    sr

    ~~.

    .. -

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    D IV E R SA S C O M PE T E N C IA S

    Consideramos um determinado nmero de leis do discurso que

    regem a comunicaco verbal. Essas leis que se aplicam a toda atividade

    verbal devem, na realidade, ser adaptadas s especificidades de cada

    gnero de discurso:

    possvel insultar o pblico numa pea de teatro,

    mas no numa conferncia; falar num tom professora pode ameaar a

    face positiva do interlocutor numa conversa, mas no numa sala de

    aula.

    O domnio das leisdo discurso e dos gneros de discurso (a com-

    petncia genrica) so os componentes essenciais de nossa cOlnpe-

    tncia comunicativa, ou seja, de nossa aptido para produzir e inter-

    pretar os enunciados de maneira adequada s mltiplas

    siruacs

    de

    nossa existncia. Essa aptido no requer uma aprendizagem. explcita;

    ns a adquirimos por impregnao, ao mesmo ten1poque aprende-

    mos a nos conduzir na sociedade.

    O domnio da competncia comunicativa, evidentemente, no

    suficiente para se participar de uma atividade verbal. Outras

    instncias

    devem ser mobilizadas para produzir e interpretar uni enunciado.

    preciso, naturalmente, uma cornpe tncia lingstica, o domnio da

    lngua em questo. preciso, alm disso, dispor de um nmero consi-

    dervel de conhecimentos sobre o mundo, uma com.petncia enciclo-

    pdica.

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    ANLISE DE TEXTOS DE COMUNICAO

    Essas so as trsgrandes instncias que intervm na atividade ver-

    bal, em sua dupla dimenso de produo e de interpretao dos enun-

    ciados: domnio da lngua, conhecimento do mundo, aptido para se

    inscrever no mundo por intermdio da lngua. Mas os lingistas diver-

    gem no que diz respeito a uma dupla questo: quais os componentes

    que se devem distinguir no mbito dessas competncias; que relaes

    tais competncias mantm entre si.

    1 A c om p et n c ia en c ic lo pd ic a

    Um co nju nto ilim ita do

    a nossa competncia enciclopdica que nos

    diz

    por exemplo,

    que uma sala de espera existe para que as pessoas esperem sua vez; que

    a proibio de fumar se aplica ao tabaco; que os cigarros, charutos,

    cachimbo, queimam tabaco e soltam fumaa e que a fumaa geral-

    mente considerada pelos mdicos

    C01110

    prejudicial sade; que nos

    lugares fechados a fumaa fiel estagnada e pode ser inalada pelos no-

    fumantes; que existem regulamentos nas reparties, autoridades en-

    carregadas de aplicar sanes etc.

    ,

    tambm, o nosso conhecimento

    enciclopdico que nos diz quem so Vercingetrix* ou Drcula, COI110

    se chamam os nossos vizinhos etc. Esse conjunto virtualmente ilimita-

    do de conhecimentos, o saber enciclopdico, varia evidentemente em

    funo da sociedadeernque' se vivee da experincia de cada um. Ele se_

    enriquece ao longo da atividade verbal, uma vez qu tudo o que se

    aprende em seu curso fica armazenado no estoque de conhecimentos e

    se torna um ponto de apoio para a produo e a compreenso de enun-

    -ciados posteriores.

    O s scripts

    Na competncia enciclopdica no existem apenas os saberes,

    mas tambm os savoir-faire, a aptido para encadear aes de forma

    -adequada a alcanar um certo objetivo. Esse, em especial, o caso

    dosscripts

    (ou roteiros), que so seqncias estereotipadas de aes.

    _Seu conhecimento geralmente indispensvel para interpretar os tex-

    -,. Vercingetrix foi chefe dos gau.leses, derrotado por Jlio Csar na batalha de Alsia. (NT.)

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    D IV ER SA S C OMP ET N CIA S

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    tos, sobretudo os narrativos, que no explicitam todas as relaes

    entre os seus constituintes. Como exemplo, examinemos o seguinte

    resumo de filme:

    Abby, uma jovem veterinria de aparncia comum, apresenta um pro-

    grama de rdio. Um de seus correspondentes, seduzido por seus conse-

    lhos, convida-a para tomar um drinq~e, mas Abby se descreve com os

    traos de sua melhor amiga, uma loira de arrasar. D para imaginar os

    qiproqus que essa situao vai provocar.

    Tl Loisirs,

    n 566, 1997.

    Esse pequeno texto parece perfeitamente compreensvel para a

    maioria dos leitores. Na verdade, para cornpreend-lo, no basta co-

    nhecer apenas a lngua, necessrio tambm ativar na memria dois

    s~'Pts:.o~~ programa de rdio e o da paquera . o primeiro que nos

    permite fazer uma ligao entre as duas primeiras frases. Devemos co-

    nhecer as atividades de um locutor de rdio, saber que ele fala com os

    ouvintes pelo telefone durante o programa; devemos ainda saber que

    existem programas durante os quais certos especialistas (veterinrios,

    por exemplo) do conselhos pelo telefone (sem o que no conlpreen-

    deramos de que correspondente se trata). O segundo script permite

    compreender a relao de oposio (mas ...), a priori enigmtica, en-

    tre ser convidada para tomar um drinque e descrever-se com os traos

    de sua melhor amiga; no

    script

    da paquera, um homem convida uma

    mulher para tomar um drinque como preldio a uma operao de se-

    duo. Alm disso, o leitor j dever saber que as loiras de arrasar

    so tidas como muito cortejadas e que as mulheres de aparncia co-

    mum tm muito menos chances de

    s-lo.

    Portanto, ativando esses dois scripts e todos os saberes que lhes

    dizem respeito que podemos imaginar os qiproqus que essa situa-

    o vai provocar .

    A c o m p et n c ia g en r ic a

    A competncia comunicativa consiste essencialmente em se com-

    portar como convm nos mltiplos gneros de discursos: antes de

    tudo mna competncia genrica. De fato, o discurso jamais se apresenta

    corno tal, mas sempre na forma de uni gnero de discurso particular:

    u m

    boletim de meteorologia, urna ata de reunio, um brinde etc. No se

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    ANLISE DE TEXTO S DE CO MUNICA O

    encontram os mesmos gneros de discurso em qualquer sociedade ou

    tipo de sociedade (no h telejornal entre os ndios da Amaznia), nem

    as mesmas maneiras de participar dos mesmos gneros (a pechincha,

    na Frana, no normalmente admitida nas mercearias ou nas padarias).

    Mesmo no dominando certos gneros, somos gerallnente capa-

    zes de idcnrific-los e de ter um comportamento adequado em relao

    a eles. Cada enunciado possui um certo estatuto genrico, e basean-

    do-nos nesse estatuto que com ele lidamos: a partir do momento em

    que identificamos um enunciado cor~10um cartaz publicitrio, um ser-

    mo, um curso de lngua erc., que podemos adotar em relao a ele a

    atitude que

    convm.

    Sentimo-nos no direito de no ler e de jogar fora

    um papel identificado como folheto publicitrio, mas guardamos um

    atestado mdico a ser entregue a nosso chefe. .

    A competncia genrica varia de acordo com os tipos de indiv-

    duos envolvidos. A maior parte dos membros de uma sociedade ca-

    paz de produzir enunciados no mbito de um certo nmero de gneros

    de discurso: trocar algumas palavras com um desconhecido na rua,

    escrever um carto-postal para amigos, comprar uma passagem de trem

    numa bilheteria etc. Mas nem todo mundo sabe redigir uma disserta-

    o filosfica, uma defesa a ser apresentada junto a uma jurisdio

    administrativa ou uma moo num congresso sindical. Pode-se ver a

    uma manifestao particularmente clara da desigualdade social: nume-

    rosos locutores so desprezados porque no sabem se comunicar com

    facilidade em certos gneros de discurso socialmente valorizados.

    Podemos ainda participar de um gnero de discurso de formas

    muito diferentes, desempenhando diferentes

    papis.

    O aluno no ca-

    paz de ministrar urna aula, mas pode desempenhar o papel de aluno:

    saber quando deve falar ou calar-se, que nvel de lngua usar para falar

    com o professor etc. Certos papis exigem uma aprendizagem mais

    profunda, e outros, UIDaaprendizagem mnima: o papel de leitor de

    um folheto publicitrio requer um aprendizado mnimo, se compara-

    do ao papel de autor de um doutorado em fsica nuclear.

    A inter o das om pe tn i s

    Importncia da competncia genrica para a interpretao

    Enumeramos algwnas competncias que intervm no conheci-

    mento do discurso. Mas no especificamos em que ordem . elas intervrn.

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    DI VER SA S C O MP ET N CIA S

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    Seria simples se elas semanifestassem demodo seqencial, isto ,

    uma aps a outra. Entretanto, elas

    interaqen

    para produzir UlTIainter-

    pretao. Com estratgias diferentes, pode-se chegar

    mesma inter-

    pretao. Nada impede, por exemplo, que se comece identificando,

    por intermdio de marcas de vrios tipos, o gnero de discurso em gue

    se inclui um enunciado, para determinar de maneira geral seu conte-

    do e a direo por ele visada, seus destinatrios e o comportamento a

    ser adotado em relao a ele. AsslTI, uma determinada competncia

    permite remediar as deficincias ou o fracasso do recurso a uma outra

    competncia. Geralmente acabamos conseguindo lidar COITIenuncia-

    dos em determinadas lnguas estrangeiras, ainda que no compreenda-

    mos o sentido da maior parte de suas palavras e frases, se pudermos

    dispor de um mnimo de informao acerca do gnero de discurso em

    que se incluem tais enunciados. A competncia exclusivamente lings- ,,::-

    tica no , portanto, suficiente para interpretar um enunciado: a COITI- :

    petncia genrica e a competncia enciclopdica desempenham um

    papel essencial.

    Um texto de gnero incer to

    No texto a seguir, por

    exemplo,

    a interpretao pode ser difcil

    para inmeros leitores franceses, pela falta de uma identificao clara

    do gnero de discurso.

    [Este texto foi extrado de um jornal de Yuctn (Mxico): no

    canto de uma pgina dedicada s notcias da regio, logo abaixo da

    propaganda de uma escola de dana, encontra-se este texto que tradu-

    zimos Iiteralmentc.]

    V1RGElvl DE GUADALUPE

    Faa 3 pedidos, um concreto e 2 impossveis,

    Reze, durante 9 dias, 9 Ave-Marias, mesmo que voc no tenha f ser

    atendido. Reze com uma vela acesa ou deixe-a queimar at o fim. Pea

    por ns, '

    Dou gr-aaspelo milagre alcanado.

    G.P.N. P.M.M.

    Por esto , Mrida, 30 de agosto de 1996.

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    A N LIS E D E TEX TO S D E C OM UN IC A O

    o

    que pode tornar esse' texto mais ou menos obscuro para mui-

    tos estrangeiros a dificuldade de

    atribu-Io

    a um gnero que lhes

    seja familiar. A partir do momento em que no se compreende a que

    gnero ele se filia, no se pode falar de compreenso: o que faz esse

    tipo de texto) nesse lugar) em um jornal regional? como interpretar o

    ttulo Virgem de Guadalupe ? .quem o publicou? com que finalida-

    de? a quem se refere eu ? o que significam as letras maisculas colo-

    cadas no final? etc.

    Um texto

    linqisticemente

    deficiente

    Agora) consideremos o documento a seguir) distribudo na sada

    de Uil1aestao de metr parisiense; trata-se de um pequeno carto

    retangular (8 cm X 10 cm):

    Verdadeiro Mdium Vidente

    Senhor CISSE

    Olhe-bem o que ele tem na mo

    uma Prova

    fatal Se Voc Quiser Acertar Sua Vida ou Se

    Seu Parceiro Partiu com outro(a)

    Essa a especialidades dele Voc ser amado e Seu

    Parceiro Voltar elr Correr astrs de voc como

    o cachorro atrs do dono ele criar entre vocs

    um entendimento perfeito com base no Amor

    os problemas que parecem sem sada

    SERO RESOLVIDOS CONSULTAS

    Por Correspondncia envie um envelope selado

    Consulta todos dias das 9 horas s 20 horas

    RUA CAROLUS DURAN) 8 -75019 PARlS

    Esse texto autntico no tem pontuao, sua ortografia muito

    . aproximativa, h erros de digitao e algumas frases so dificilmente

    inteligveis (cf. Olhe-bem o que ele tem na mo

    uma prova fatal Se

    voc quiser Acertar Sua Vida , ou ainda sero resolvidos consultas ).

    No entanto, apesar desses numerosos erros no manuseio da lngua, o

    texto relativamente compreensvel. O leitor consegue vencer os obs-

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    D IV ER SA S C OM PE T NC IA S

    tculos, baseando-se em sua competncia genrica e em sua competn-

    cia enciclopdica: o fato de que o texto venha num papelzinho distri-

    budo gratuitamente na rua indica tratar-se de um panfleto. Como per-

    tence manifestamente ao discurso publicitrio (no se trata, por exern-

    plo, de um panfleto poltico), pode-se supor que destaca as qualidades

    de um produto, a fim de estimular um comportamento de compra em

    um leitor-consumidor potencial. O leitor sabe, talvez, ou dispe de

    meios para inferir que um certo nmero de imigrantes africanos ga-

    nham a vida na Frana dizendo-se mdiuns, e que a maioria dos imi-

    grantes no domina bem a lngua escrita. Esse saber permite que o

    leitor descarte a possibilidade de considerar esse texto como uma brin-

    cadeira. Observe-se que nada no texto indica 'tratar-se de um mdium

    africano, a no ser o sobrenome Cisse ; a capacidade de perceber que

    se trata de um sobrenome africano decorre tambm da competncia

    enciclopdica. Na ausncia de tal saber, a informao poderia ser inferida

    pelo simples fato de o distribuidor de panfletos ser um africano, lTIaS

    essa apenas uma probabilidade.

    4. leitor-modelo e saber enciclopdico

    Como a fala uma atividade fundamentalmente cooperativa, o

    autor de um texto obrigado a prever constantemente o tipo de com-

    petncia de que dispe seu destinatrio para decifr-Io. Quando se

    trata de um texto impresso para um grande nmero de leitores, o

    destinatrio, antes de ser um

    pbli-co emprico,

    ou seja, o conjunto de

    indivduos que lero efetivamente o texto, apenas uma espcie de

    imagem qual o sujeito que escreve* deve atribuir algumas aptides.

    A justa medida de competncia lingstica e de competncia enciclo-

    pdica que se espera do leitor vai, ento, variar de acordo com os

    textos.

    ois artigos bem diferentes

    Comparemos a introduo de dois artigos. Um foi tirado da se-

    o Basquetebol do dirio esportivo

    LJquipe

    (1); o outro apresen-

    tado como

    faitsdivers

    pelo jornal regional

    LeCourrier Picard

    (2):

    No original, scripteur . (N.T.)

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    ANLISE DE TEXTOS DE COMUNICAO

    1. E Carter perdeu a cabea ...

    o

    palcnse um cara legal. No entanto, ele agrediu Adams.

    ANTIBES - Faltam 5'51)) de jogo para o intervalo. Adams parte para

    a lado oposto ao da bola, empurrando Carter que tenta bloque-lo. O

    antibense vem receber o passe de Srerenovic; o palense ultrapassa a bar-

    reira imposta por Banato sua passagem e investe violentamente contra

    Adams. O cotovelo direito de Howard atinge a nuca de Georgy.

    [ean-Luc Thomas, LJquipe,** 1 de fevereiro de 1993.

    2. ~ma octogenria agredida em Esclainvillers

    Dois indivduos agrediram e maltrataram segunda-feira noite uma

    moradora de 82 anos, habitante de Esclainvillers, pequena cidade prxi-

    ma de Ailly-sur-Noye. Para essa octogenria que vivia feliz no seu vilarejo

    natal, aquela noite ficar para sempre gravada na memria.

    Le Courrier Picard;

    29 de janeiro de 1993.

    o

    leitor do Courr ie r P ica rd . baseando-se em sua competncia lin-

    gstica e presumindo que o texto coerente) no tem dificuldades

    par:l interpretar as expresses nominais referentes aos atores do fait

    divers: urna moradora de 82 anos e dois indivduos. Com efeito)

    eles so apresentados com termos que pertenceln a um vocabulrio

    acessvel a todos ( indivduo) moradora ) e mobilizam determinantes

    indefinidos ( dois , uma ) que servem precisamente para introduzir

    referentes tidos como desconhecidos do destinatrio. Para identificar

    o referente de essa octogenria , basta saber que octogenria desig-

    na um indivduo que tem entre 80 e 89 anos e que o deterrninante

    essa indica em geral um elemento introduzido anteriormente e mui-

    to prximo ...

    Em .contrapartida) no artigo de LJEquipc a

    compreenso

    se ba-

    seia muito' menos na competncia lingstica: mais til, pelo menos

    em parte; ter uma certa familiaridade com um dado subconjunto da

    competncia enciclopdica relativo s regras do basquete e ao campeo-

    nato da Frana de 1993. Assim) na segunda frase,

    Habitante da cidade de Pau. (N.T.)

    Vquipe o maior jornal esportivo francs, trazendo notcias sobre todas as modalida-

    des de esportes. (N.T.)

    . Le ourrier Picard

    o jornal regional da Picardia(rcgio situada no norte da Frana,

    cuja capital Amiens).(N.T.)

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    DIVERSAS COMPETENCIAS

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    o

    antibense vem receber o passe de Sretenovic; o palense ultrapassa a

    barreira imposta por Bonato sua passagem e investe violentamente

    contra Adams.

    a designao o antibense , supondo-se que o texto seja coerente, pode,

    a priori,

    referir-se tanto a Adams como a Carter : num plano exclu-

    sivamente

    lingstico,

    nada permite fazer uma escolha. Para que a lei-

    tura seja facilitada, vale mais a pena que o leitor conhea a escalao

    das duas equipes que se enfrentam e o nome de batismo de cada joga-

    dor (caso contrrio, como saber que Howard Carter e Georgy ,

    Adams?). Se o leitor no possui tais inforrnaescle pode ainda se

    basear no seu conhecimento do script de um jogo de basquete e racio-

    cinar da seguinte maneira: se um jogador corre para o lado oposto ao

    da bola, provavelmente porque espera um passe que pediu; pode-se,

    ento, supor que Adarns o antibense . Se nosso leitor no domina

    suficientemente o jogo de basquetebol, ele pode eventualmente voltar

    atrs, ao paratexto (o ttulo do artigo, no caso), que lhe permitir de-

    duzir que Carter um jogador de Pau e que, se ele investe contra

    Adams, porque este ltimo joga no timeadversrio; portanto, Adams

    o antibense. O raciocnio se baseia na suposio de que a tendncia

    agredir os adversrios, e no os jogadores da prpria equipe. UnI tal

    desvio pelo paratexto dispcndioso para o leitor que, em vez de voltar

    atrs, geralnIente continua sua leitura, esperando que as coisas se escla-

    ream mais frente.

    o

    leitor-modelo

    Evidentemente, L)quipe 'conta mais com o conhecimento do lei-

    tor em matria de basquete do que com seu saber

    lingstico,

    enquan-

    to Le Courrier Picard apela fortemente para a competncia lingstica.

    Pode-se dizer que esses dois artigos requerenl. leitores-modelo diferen-

    tes um do outro:

    o leitor-modelo do artigo do Courrier o leitor de um jornal

    . regional, cujo pblico extremamente heterogneo deve apresentar como

    denominador comum o fato de habitar uma .mesma rea geogrfica,

    reduzindo-se, desse modo, ao mximo as exigncias no campo da com-

    petncia enciclopdica.

    Porm,

    tal competncia no pode.ser totalmente

    desconsiderada: a maioria dos leitores provavelmente no conhece Ailly-

    sur-Noye (isto

    ,

    no pode localiz-Ia geograficamente) ncrn

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    ANLISE DE TEXTO S DE CO MUNICAO

    Esclainvillers, mas o jornalista se sentiu no direito de no explicitar o

    referente de Ailly, postulando que um leitor modelo da Picardia pro-

    vavelmente conhece as pequenas cidades da regio, mas no os vilarejos;

    o leitor-modelo de

    L'Equipe

    visto como algum que se inte-

    ressa pelo campeonato de basquetebol e que acompanha atentamente

    suas peripcias. Sendo assim, o jornal esportivo procura retorar a coni-

    vncia com seu pblico: mesmo que nem todos os leitores sejam capa-

    zes de identificar com preciso os referentes dos nomes prprios, eles

    tm a

    impresso

    de fazer parte do crculo dos peritos. Isso explica cer-

    tamente o recurso s designaes Howard e Georgy : o uso do

    n0 lle de batismo, a princpio reservado aos familiares desses jogado-

    res; estendido ao crculo dos leitores. Na verdade, por intermdio

    da leitura assdua do jornal que estes ltimos adquirem progressiva-

    mente o saber enciclopdico necessrio: Sretenovic e Bonato, nomes

    que s aparecem em segundo plano nesse relato, ocuparo sem dvida

    o

    prirneiro

    plano em outros artigos e podero, assim, tornar-se mais

    conhecidos.

    A

    divergncia entre esses dois tipos de leitor-modelo corresponde

    a uma diviso bem conhecida entre as produes miditicas que cons-

    trocm seu pblico por excluso (pblicos temticos ) e aquelas que

    excluem lU11mnimo de categorias de leitores (pblicos generalistas).

    Essa divergncia confirmada pelo eXU11edos ttulos dos dois artigos:

    o do ourrierPicard um simples resumo da narrao, enqu:ll1to o de

    LJquipc associa o reS1lI110 (o subttulo) a um ttulo enigrntico que

    recupera ludicamente o texto da Bblia sobre a criao do mundo. Essa

    imitao no tem nenhum valor satrico, uma vez que no existe ne-

    nhuma relao entre essas frases da Bblia e a frase resultante; trata-se

    apenas de criar uma conivncia, reforada pelo emprego de uma ex-

    presso ( perder a cabea ) e de um substantivo ( cara) de registro

    familiar: o leitor tem a impresso de pertencer a um universo de ini-

    ciados.