dominique maingueneau_diversas compêtencias
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8/10/2019 Dominique Maingueneau_Diversas Comptencias
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D o m i n iq u e M ain g u en eau
TRADUO DE
Ceclia P. de Souza e Silva
e
Dcio Rocha
2
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D IV E R SA S C O M PE T E N C IA S
Consideramos um determinado nmero de leis do discurso que
regem a comunicaco verbal. Essas leis que se aplicam a toda atividade
verbal devem, na realidade, ser adaptadas s especificidades de cada
gnero de discurso:
possvel insultar o pblico numa pea de teatro,
mas no numa conferncia; falar num tom professora pode ameaar a
face positiva do interlocutor numa conversa, mas no numa sala de
aula.
O domnio das leisdo discurso e dos gneros de discurso (a com-
petncia genrica) so os componentes essenciais de nossa cOlnpe-
tncia comunicativa, ou seja, de nossa aptido para produzir e inter-
pretar os enunciados de maneira adequada s mltiplas
siruacs
de
nossa existncia. Essa aptido no requer uma aprendizagem. explcita;
ns a adquirimos por impregnao, ao mesmo ten1poque aprende-
mos a nos conduzir na sociedade.
O domnio da competncia comunicativa, evidentemente, no
suficiente para se participar de uma atividade verbal. Outras
instncias
devem ser mobilizadas para produzir e interpretar uni enunciado.
preciso, naturalmente, uma cornpe tncia lingstica, o domnio da
lngua em questo. preciso, alm disso, dispor de um nmero consi-
dervel de conhecimentos sobre o mundo, uma com.petncia enciclo-
pdica.
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ANLISE DE TEXTOS DE COMUNICAO
Essas so as trsgrandes instncias que intervm na atividade ver-
bal, em sua dupla dimenso de produo e de interpretao dos enun-
ciados: domnio da lngua, conhecimento do mundo, aptido para se
inscrever no mundo por intermdio da lngua. Mas os lingistas diver-
gem no que diz respeito a uma dupla questo: quais os componentes
que se devem distinguir no mbito dessas competncias; que relaes
tais competncias mantm entre si.
1 A c om p et n c ia en c ic lo pd ic a
Um co nju nto ilim ita do
a nossa competncia enciclopdica que nos
diz
por exemplo,
que uma sala de espera existe para que as pessoas esperem sua vez; que
a proibio de fumar se aplica ao tabaco; que os cigarros, charutos,
cachimbo, queimam tabaco e soltam fumaa e que a fumaa geral-
mente considerada pelos mdicos
C01110
prejudicial sade; que nos
lugares fechados a fumaa fiel estagnada e pode ser inalada pelos no-
fumantes; que existem regulamentos nas reparties, autoridades en-
carregadas de aplicar sanes etc.
,
tambm, o nosso conhecimento
enciclopdico que nos diz quem so Vercingetrix* ou Drcula, COI110
se chamam os nossos vizinhos etc. Esse conjunto virtualmente ilimita-
do de conhecimentos, o saber enciclopdico, varia evidentemente em
funo da sociedadeernque' se vivee da experincia de cada um. Ele se_
enriquece ao longo da atividade verbal, uma vez qu tudo o que se
aprende em seu curso fica armazenado no estoque de conhecimentos e
se torna um ponto de apoio para a produo e a compreenso de enun-
-ciados posteriores.
O s scripts
Na competncia enciclopdica no existem apenas os saberes,
mas tambm os savoir-faire, a aptido para encadear aes de forma
-adequada a alcanar um certo objetivo. Esse, em especial, o caso
dosscripts
(ou roteiros), que so seqncias estereotipadas de aes.
_Seu conhecimento geralmente indispensvel para interpretar os tex-
-,. Vercingetrix foi chefe dos gau.leses, derrotado por Jlio Csar na batalha de Alsia. (NT.)
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tos, sobretudo os narrativos, que no explicitam todas as relaes
entre os seus constituintes. Como exemplo, examinemos o seguinte
resumo de filme:
Abby, uma jovem veterinria de aparncia comum, apresenta um pro-
grama de rdio. Um de seus correspondentes, seduzido por seus conse-
lhos, convida-a para tomar um drinq~e, mas Abby se descreve com os
traos de sua melhor amiga, uma loira de arrasar. D para imaginar os
qiproqus que essa situao vai provocar.
Tl Loisirs,
n 566, 1997.
Esse pequeno texto parece perfeitamente compreensvel para a
maioria dos leitores. Na verdade, para cornpreend-lo, no basta co-
nhecer apenas a lngua, necessrio tambm ativar na memria dois
s~'Pts:.o~~ programa de rdio e o da paquera . o primeiro que nos
permite fazer uma ligao entre as duas primeiras frases. Devemos co-
nhecer as atividades de um locutor de rdio, saber que ele fala com os
ouvintes pelo telefone durante o programa; devemos ainda saber que
existem programas durante os quais certos especialistas (veterinrios,
por exemplo) do conselhos pelo telefone (sem o que no conlpreen-
deramos de que correspondente se trata). O segundo script permite
compreender a relao de oposio (mas ...), a priori enigmtica, en-
tre ser convidada para tomar um drinque e descrever-se com os traos
de sua melhor amiga; no
script
da paquera, um homem convida uma
mulher para tomar um drinque como preldio a uma operao de se-
duo. Alm disso, o leitor j dever saber que as loiras de arrasar
so tidas como muito cortejadas e que as mulheres de aparncia co-
mum tm muito menos chances de
s-lo.
Portanto, ativando esses dois scripts e todos os saberes que lhes
dizem respeito que podemos imaginar os qiproqus que essa situa-
o vai provocar .
A c o m p et n c ia g en r ic a
A competncia comunicativa consiste essencialmente em se com-
portar como convm nos mltiplos gneros de discursos: antes de
tudo mna competncia genrica. De fato, o discurso jamais se apresenta
corno tal, mas sempre na forma de uni gnero de discurso particular:
u m
boletim de meteorologia, urna ata de reunio, um brinde etc. No se
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ANLISE DE TEXTO S DE CO MUNICA O
encontram os mesmos gneros de discurso em qualquer sociedade ou
tipo de sociedade (no h telejornal entre os ndios da Amaznia), nem
as mesmas maneiras de participar dos mesmos gneros (a pechincha,
na Frana, no normalmente admitida nas mercearias ou nas padarias).
Mesmo no dominando certos gneros, somos gerallnente capa-
zes de idcnrific-los e de ter um comportamento adequado em relao
a eles. Cada enunciado possui um certo estatuto genrico, e basean-
do-nos nesse estatuto que com ele lidamos: a partir do momento em
que identificamos um enunciado cor~10um cartaz publicitrio, um ser-
mo, um curso de lngua erc., que podemos adotar em relao a ele a
atitude que
convm.
Sentimo-nos no direito de no ler e de jogar fora
um papel identificado como folheto publicitrio, mas guardamos um
atestado mdico a ser entregue a nosso chefe. .
A competncia genrica varia de acordo com os tipos de indiv-
duos envolvidos. A maior parte dos membros de uma sociedade ca-
paz de produzir enunciados no mbito de um certo nmero de gneros
de discurso: trocar algumas palavras com um desconhecido na rua,
escrever um carto-postal para amigos, comprar uma passagem de trem
numa bilheteria etc. Mas nem todo mundo sabe redigir uma disserta-
o filosfica, uma defesa a ser apresentada junto a uma jurisdio
administrativa ou uma moo num congresso sindical. Pode-se ver a
uma manifestao particularmente clara da desigualdade social: nume-
rosos locutores so desprezados porque no sabem se comunicar com
facilidade em certos gneros de discurso socialmente valorizados.
Podemos ainda participar de um gnero de discurso de formas
muito diferentes, desempenhando diferentes
papis.
O aluno no ca-
paz de ministrar urna aula, mas pode desempenhar o papel de aluno:
saber quando deve falar ou calar-se, que nvel de lngua usar para falar
com o professor etc. Certos papis exigem uma aprendizagem mais
profunda, e outros, UIDaaprendizagem mnima: o papel de leitor de
um folheto publicitrio requer um aprendizado mnimo, se compara-
do ao papel de autor de um doutorado em fsica nuclear.
A inter o das om pe tn i s
Importncia da competncia genrica para a interpretao
Enumeramos algwnas competncias que intervm no conheci-
mento do discurso. Mas no especificamos em que ordem . elas intervrn.
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Seria simples se elas semanifestassem demodo seqencial, isto ,
uma aps a outra. Entretanto, elas
interaqen
para produzir UlTIainter-
pretao. Com estratgias diferentes, pode-se chegar
mesma inter-
pretao. Nada impede, por exemplo, que se comece identificando,
por intermdio de marcas de vrios tipos, o gnero de discurso em gue
se inclui um enunciado, para determinar de maneira geral seu conte-
do e a direo por ele visada, seus destinatrios e o comportamento a
ser adotado em relao a ele. AsslTI, uma determinada competncia
permite remediar as deficincias ou o fracasso do recurso a uma outra
competncia. Geralmente acabamos conseguindo lidar COITIenuncia-
dos em determinadas lnguas estrangeiras, ainda que no compreenda-
mos o sentido da maior parte de suas palavras e frases, se pudermos
dispor de um mnimo de informao acerca do gnero de discurso em
que se incluem tais enunciados. A competncia exclusivamente lings- ,,::-
tica no , portanto, suficiente para interpretar um enunciado: a COITI- :
petncia genrica e a competncia enciclopdica desempenham um
papel essencial.
Um texto de gnero incer to
No texto a seguir, por
exemplo,
a interpretao pode ser difcil
para inmeros leitores franceses, pela falta de uma identificao clara
do gnero de discurso.
[Este texto foi extrado de um jornal de Yuctn (Mxico): no
canto de uma pgina dedicada s notcias da regio, logo abaixo da
propaganda de uma escola de dana, encontra-se este texto que tradu-
zimos Iiteralmentc.]
V1RGElvl DE GUADALUPE
Faa 3 pedidos, um concreto e 2 impossveis,
Reze, durante 9 dias, 9 Ave-Marias, mesmo que voc no tenha f ser
atendido. Reze com uma vela acesa ou deixe-a queimar at o fim. Pea
por ns, '
Dou gr-aaspelo milagre alcanado.
G.P.N. P.M.M.
Por esto , Mrida, 30 de agosto de 1996.
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A N LIS E D E TEX TO S D E C OM UN IC A O
o
que pode tornar esse' texto mais ou menos obscuro para mui-
tos estrangeiros a dificuldade de
atribu-Io
a um gnero que lhes
seja familiar. A partir do momento em que no se compreende a que
gnero ele se filia, no se pode falar de compreenso: o que faz esse
tipo de texto) nesse lugar) em um jornal regional? como interpretar o
ttulo Virgem de Guadalupe ? .quem o publicou? com que finalida-
de? a quem se refere eu ? o que significam as letras maisculas colo-
cadas no final? etc.
Um texto
linqisticemente
deficiente
Agora) consideremos o documento a seguir) distribudo na sada
de Uil1aestao de metr parisiense; trata-se de um pequeno carto
retangular (8 cm X 10 cm):
Verdadeiro Mdium Vidente
Senhor CISSE
Olhe-bem o que ele tem na mo
uma Prova
fatal Se Voc Quiser Acertar Sua Vida ou Se
Seu Parceiro Partiu com outro(a)
Essa a especialidades dele Voc ser amado e Seu
Parceiro Voltar elr Correr astrs de voc como
o cachorro atrs do dono ele criar entre vocs
um entendimento perfeito com base no Amor
os problemas que parecem sem sada
SERO RESOLVIDOS CONSULTAS
Por Correspondncia envie um envelope selado
Consulta todos dias das 9 horas s 20 horas
RUA CAROLUS DURAN) 8 -75019 PARlS
Esse texto autntico no tem pontuao, sua ortografia muito
. aproximativa, h erros de digitao e algumas frases so dificilmente
inteligveis (cf. Olhe-bem o que ele tem na mo
uma prova fatal Se
voc quiser Acertar Sua Vida , ou ainda sero resolvidos consultas ).
No entanto, apesar desses numerosos erros no manuseio da lngua, o
texto relativamente compreensvel. O leitor consegue vencer os obs-
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tculos, baseando-se em sua competncia genrica e em sua competn-
cia enciclopdica: o fato de que o texto venha num papelzinho distri-
budo gratuitamente na rua indica tratar-se de um panfleto. Como per-
tence manifestamente ao discurso publicitrio (no se trata, por exern-
plo, de um panfleto poltico), pode-se supor que destaca as qualidades
de um produto, a fim de estimular um comportamento de compra em
um leitor-consumidor potencial. O leitor sabe, talvez, ou dispe de
meios para inferir que um certo nmero de imigrantes africanos ga-
nham a vida na Frana dizendo-se mdiuns, e que a maioria dos imi-
grantes no domina bem a lngua escrita. Esse saber permite que o
leitor descarte a possibilidade de considerar esse texto como uma brin-
cadeira. Observe-se que nada no texto indica 'tratar-se de um mdium
africano, a no ser o sobrenome Cisse ; a capacidade de perceber que
se trata de um sobrenome africano decorre tambm da competncia
enciclopdica. Na ausncia de tal saber, a informao poderia ser inferida
pelo simples fato de o distribuidor de panfletos ser um africano, lTIaS
essa apenas uma probabilidade.
4. leitor-modelo e saber enciclopdico
Como a fala uma atividade fundamentalmente cooperativa, o
autor de um texto obrigado a prever constantemente o tipo de com-
petncia de que dispe seu destinatrio para decifr-Io. Quando se
trata de um texto impresso para um grande nmero de leitores, o
destinatrio, antes de ser um
pbli-co emprico,
ou seja, o conjunto de
indivduos que lero efetivamente o texto, apenas uma espcie de
imagem qual o sujeito que escreve* deve atribuir algumas aptides.
A justa medida de competncia lingstica e de competncia enciclo-
pdica que se espera do leitor vai, ento, variar de acordo com os
textos.
ois artigos bem diferentes
Comparemos a introduo de dois artigos. Um foi tirado da se-
o Basquetebol do dirio esportivo
LJquipe
(1); o outro apresen-
tado como
faitsdivers
pelo jornal regional
LeCourrier Picard
(2):
No original, scripteur . (N.T.)
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ANLISE DE TEXTOS DE COMUNICAO
1. E Carter perdeu a cabea ...
o
palcnse um cara legal. No entanto, ele agrediu Adams.
ANTIBES - Faltam 5'51)) de jogo para o intervalo. Adams parte para
a lado oposto ao da bola, empurrando Carter que tenta bloque-lo. O
antibense vem receber o passe de Srerenovic; o palense ultrapassa a bar-
reira imposta por Banato sua passagem e investe violentamente contra
Adams. O cotovelo direito de Howard atinge a nuca de Georgy.
[ean-Luc Thomas, LJquipe,** 1 de fevereiro de 1993.
2. ~ma octogenria agredida em Esclainvillers
Dois indivduos agrediram e maltrataram segunda-feira noite uma
moradora de 82 anos, habitante de Esclainvillers, pequena cidade prxi-
ma de Ailly-sur-Noye. Para essa octogenria que vivia feliz no seu vilarejo
natal, aquela noite ficar para sempre gravada na memria.
Le Courrier Picard;
29 de janeiro de 1993.
o
leitor do Courr ie r P ica rd . baseando-se em sua competncia lin-
gstica e presumindo que o texto coerente) no tem dificuldades
par:l interpretar as expresses nominais referentes aos atores do fait
divers: urna moradora de 82 anos e dois indivduos. Com efeito)
eles so apresentados com termos que pertenceln a um vocabulrio
acessvel a todos ( indivduo) moradora ) e mobilizam determinantes
indefinidos ( dois , uma ) que servem precisamente para introduzir
referentes tidos como desconhecidos do destinatrio. Para identificar
o referente de essa octogenria , basta saber que octogenria desig-
na um indivduo que tem entre 80 e 89 anos e que o deterrninante
essa indica em geral um elemento introduzido anteriormente e mui-
to prximo ...
Em .contrapartida) no artigo de LJEquipc a
compreenso
se ba-
seia muito' menos na competncia lingstica: mais til, pelo menos
em parte; ter uma certa familiaridade com um dado subconjunto da
competncia enciclopdica relativo s regras do basquete e ao campeo-
nato da Frana de 1993. Assim) na segunda frase,
Habitante da cidade de Pau. (N.T.)
Vquipe o maior jornal esportivo francs, trazendo notcias sobre todas as modalida-
des de esportes. (N.T.)
. Le ourrier Picard
o jornal regional da Picardia(rcgio situada no norte da Frana,
cuja capital Amiens).(N.T.)
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DIVERSAS COMPETENCIAS
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o
antibense vem receber o passe de Sretenovic; o palense ultrapassa a
barreira imposta por Bonato sua passagem e investe violentamente
contra Adams.
a designao o antibense , supondo-se que o texto seja coerente, pode,
a priori,
referir-se tanto a Adams como a Carter : num plano exclu-
sivamente
lingstico,
nada permite fazer uma escolha. Para que a lei-
tura seja facilitada, vale mais a pena que o leitor conhea a escalao
das duas equipes que se enfrentam e o nome de batismo de cada joga-
dor (caso contrrio, como saber que Howard Carter e Georgy ,
Adams?). Se o leitor no possui tais inforrnaescle pode ainda se
basear no seu conhecimento do script de um jogo de basquete e racio-
cinar da seguinte maneira: se um jogador corre para o lado oposto ao
da bola, provavelmente porque espera um passe que pediu; pode-se,
ento, supor que Adarns o antibense . Se nosso leitor no domina
suficientemente o jogo de basquetebol, ele pode eventualmente voltar
atrs, ao paratexto (o ttulo do artigo, no caso), que lhe permitir de-
duzir que Carter um jogador de Pau e que, se ele investe contra
Adams, porque este ltimo joga no timeadversrio; portanto, Adams
o antibense. O raciocnio se baseia na suposio de que a tendncia
agredir os adversrios, e no os jogadores da prpria equipe. UnI tal
desvio pelo paratexto dispcndioso para o leitor que, em vez de voltar
atrs, geralnIente continua sua leitura, esperando que as coisas se escla-
ream mais frente.
o
leitor-modelo
Evidentemente, L)quipe 'conta mais com o conhecimento do lei-
tor em matria de basquete do que com seu saber
lingstico,
enquan-
to Le Courrier Picard apela fortemente para a competncia lingstica.
Pode-se dizer que esses dois artigos requerenl. leitores-modelo diferen-
tes um do outro:
o leitor-modelo do artigo do Courrier o leitor de um jornal
. regional, cujo pblico extremamente heterogneo deve apresentar como
denominador comum o fato de habitar uma .mesma rea geogrfica,
reduzindo-se, desse modo, ao mximo as exigncias no campo da com-
petncia enciclopdica.
Porm,
tal competncia no pode.ser totalmente
desconsiderada: a maioria dos leitores provavelmente no conhece Ailly-
sur-Noye (isto
,
no pode localiz-Ia geograficamente) ncrn
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Esclainvillers, mas o jornalista se sentiu no direito de no explicitar o
referente de Ailly, postulando que um leitor modelo da Picardia pro-
vavelmente conhece as pequenas cidades da regio, mas no os vilarejos;
o leitor-modelo de
L'Equipe
visto como algum que se inte-
ressa pelo campeonato de basquetebol e que acompanha atentamente
suas peripcias. Sendo assim, o jornal esportivo procura retorar a coni-
vncia com seu pblico: mesmo que nem todos os leitores sejam capa-
zes de identificar com preciso os referentes dos nomes prprios, eles
tm a
impresso
de fazer parte do crculo dos peritos. Isso explica cer-
tamente o recurso s designaes Howard e Georgy : o uso do
n0 lle de batismo, a princpio reservado aos familiares desses jogado-
res; estendido ao crculo dos leitores. Na verdade, por intermdio
da leitura assdua do jornal que estes ltimos adquirem progressiva-
mente o saber enciclopdico necessrio: Sretenovic e Bonato, nomes
que s aparecem em segundo plano nesse relato, ocuparo sem dvida
o
prirneiro
plano em outros artigos e podero, assim, tornar-se mais
conhecidos.
A
divergncia entre esses dois tipos de leitor-modelo corresponde
a uma diviso bem conhecida entre as produes miditicas que cons-
trocm seu pblico por excluso (pblicos temticos ) e aquelas que
excluem lU11mnimo de categorias de leitores (pblicos generalistas).
Essa divergncia confirmada pelo eXU11edos ttulos dos dois artigos:
o do ourrierPicard um simples resumo da narrao, enqu:ll1to o de
LJquipc associa o reS1lI110 (o subttulo) a um ttulo enigrntico que
recupera ludicamente o texto da Bblia sobre a criao do mundo. Essa
imitao no tem nenhum valor satrico, uma vez que no existe ne-
nhuma relao entre essas frases da Bblia e a frase resultante; trata-se
apenas de criar uma conivncia, reforada pelo emprego de uma ex-
presso ( perder a cabea ) e de um substantivo ( cara) de registro
familiar: o leitor tem a impresso de pertencer a um universo de ini-
ciados.