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A VIA ANALGICA NO PENSAMENTO DE GEORG SIMMEL1
Lenin Bicudo Brbara I
I Universidade de So Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas, Brasil
INTRODUO AO PROBLEMA
Kracauer abre sua monografia sobre Simmel (ver Kracauer, 2004)2 expondo a
dificuldade peculiar imposta ao intrprete que pretenda rotular o campo das
ref lexes simmelianas. Como posteriormente outros intrpretes de Simmel
enfatizariam, por trs dessa dificuldade est a plasticidade de seu estilo filo-
sfico, que o dispunha a abordar temas os mais inusitados, explorar vrias
linhas de argumentao distintas e no raro contraditrias num mesmo ensaio,
e transpor os limites costumeiros entre os vrios domnios do conhecimento.
Se essa plasticidade deslumbrou vrios ouvintes e leitores, incomodou
profundamente outros, que viam nela incoerncia e falta de rigor. Assim,
entender melhor essa plasticidade tornou-se o grande desafio para seus in-
trpretes, que precisaram transcender tais impresses de leitura, localizan-
do, na obra de Simmel, o ncleo problemtico que alimenta impresses afinal
to diversas.
No presente artigo, esse problema mais geral ser encarado de uma
perspectiva bem especfica. Proponho examinar uma das principais ferra-
mentas de que Simmel se serviu para imprimir em sua obra a marca da plas-
ticidade: a analogia. Para tal, trao um panorama geral dos vrios usos e
funes que o procedimento analgico assumiu no pensamento de Simmel,
tal como este consolidou-se em seus livros de maior interesse sociolgico:
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a Philosophie des Geldes (1900) e a Soziologie (1908)3 buscando identificar como,
e com que fins, Simmel valeu-se desse recurso para articular esses dois pro-
jetos intelectuais.
Os leitores de Simmel decerto tero na memria alguma de suas ana-
logias, pois, s nas duas obras mencionadas, encontramos centenas delas.
Dentre os que, alm de leitores, tambm fizeram as vezes de comentadores
de Simmel, no foram poucos os que se referiram analogia como compo-
nente relevante de seu pensamento. Weber, Kracauer, Freyer, Tenbruck, Wolff,
Levine, Frisby, Lichtblau, Vandenberghe, Dodd e Waizbort todos ao menos
tocaram no assunto,4 e alguns chegaram a problematiz-lo, indicando o vn-
culo do recurso analogia com aquela plasticidade que o prprio Simmel
buscava. Voltaremos a alguns desses autores ao longo deste artigo.
Antes de tomar em mos esse problema, gostaria que o examinssemos
mais detidamente. Esse exame ocupar as duas primeiras sees do artigo.
Na primeira, procuro expor o que eram as analogias para Simmel, recons-
truindo os fragmentos da histria do conceito mais pertinentes ao seu caso.
Na segunda, trato das analogias tal como aparecem no texto simmeliano,
mapeando suas ocorrncias e funes bsicas na Philosophie des Geldes e na
Soziologie. Isso nos dar uma imagem mais precisa do problema, que nos per-
mitir confront-lo com maior propriedade. Reservo esse confronto seo
final do artigo, em que trato de vasculhar a relao do procedimento anal-
gico com o tipo de pensamento a que Simmel adere.
A ANALOGIA AOS OLHOS DE SIMMEL
Em seu Sistema de Lgica, Stuart Mill afirmou no haver palavra usada de
forma mais vaga ou com tamanha variedade de sentidos do que analogia
(Mill, 1961: 361).5 Apesar do exagero, o termo possui mesmo um amplo espec-
tro semntico, adquirindo sentidos marcadamente distintos nos vrios con-
textos em que utilizado. Por isto, o primeiro passo deste artigo consiste em
selecionar o leque de sentidos mais pertinentes ao nosso caso. Para tal, em
vez de propor uma definio fechada do conceito, reconstruirei o quadro de
referncias de que Simmel dispunha para formar sua prpria ideia do que era
uma analogia e de como us-la adequadamente. Essa opo justifica-se pela
circunstncia de que o prprio Simmel no operava com um conceito perfei-
tamente fechado de analogia6 embora possamos discernir dois pares de
designaes bsicas do conceito que de certa forma orientaram os vrios usos
verificados na sua obra. Como, de resto, Simmel no inventa nenhuma dessas
definies, mas apenas apropria-se delas, podemos, para chegar a tal recons-
truo, consultar algumas das fontes que ele mesmo consultara um esforo
que, embora fragmentrio, crucial para evitarmos imputar ingenuamente
a Simmel a nossa concepo de analogia.
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Encontramos na filosofia grega a primeira definio do conceito rele-
vante para Simmel. Nesse contexto, a analogia aparece como um esquema
cognitivo que se deixa expressar na seguinte frmula: A est para B, assim
como C est para D. Encontramos instncias desse esquema peculiar em textos
to antigos como os poemas de Safo (ver Snell, 1992: 253), mas os primeiros
registros de que se tem notcia do nome analogia ocorrem mais tarde, em
particular em Architas de Tarento e Plato.7 Em Plato, que nos interessa por
ser um autor com quem Simmel tinha certa familiaridade, encontramos in-
meros argumentos estruturados na forma de analogia; pensemos aqui na
conhecida passagem da Repblica em que Scrates, visando demonstrar que
a busca pela verdade depende da ideia do bem, argumenta que o Sol estaria
para a viso (e seus objetos), assim como o bem para o intelecto (e seus ob-
jetos), concluindo que aquilo que difunde a luz da verdade sobre os objetos
do conhecimento e confere ao sujeito conhecedor o poder de conhecer a
ideia do bem (Plato, 1965: 94).8
Embora tenha usado a palavra analogia e empregado inmeras vezes
a frmula correspondente em seus dilogos que Simmel, por apresentar-se
como filsofo, no podia ignorar , caberia no a Plato, mas a Aristteles
compor a primeira definio mais explcita do conceito. Aristteles concebe
a analogia como uma identidade de razes, em que a razo concebida como
uma relao entre dois termos. Tal modelo admite expresso aritmtica e
geomtrica, trazendo consigo uma srie de implicaes: pois, se A est para
B assim como C para D, ento A est para C assim como B para D; e, se atri-
buirmos valores a trs desses termos, podemos encontrar o quarto, contanto
que a relao entre essas duas razes seja mesmo de identidade.9 Nesta cha-
ve matemtica, analogia equivale a proporcionalidade.10
Aristteles apresenta essa definio do conceito em sua tica nicoma-
queia, em que explicita sua origem matemtica (ver Aristteles, 1984: 1785-
1786).11 Apesar dessa origem, Aristteles empregava analogias em vrios
contextos discursivos, como na Potica, em que fala da analogia como um dos
princpios possveis para a formao de metforas. O exemplo clssico que
fornece para isso que reaparece na Retrica este: se o escudo est para
Ares, assim como a taa para Dionsio, ento o poeta pode dizer que o escu-
do a taa de Ares, ou ento, mais elipticamente, que o escudo uma taa
sem vinho (Aristteles, 1984: 2332-2333).12 O que confere sentido a essas cons-
trues poticas o que nos faz lembrar do escudo mesmo quando o poeta,
em vez de cham-lo pelo nome prprio, menciona apenas a taa de Ares ,
a proporcionalidade acima mencionada, trivial no imaginrio grego.
No texto de Simmel, podemos identificar inmeras comparaes que
se encaixam perfeitamente nessa frmula, que ele reconhecia como a frmu-
la da analogia. Assim, logo no primeiro captulo da Soziologie, ele afirma que
a sociologia est para as demais cincias especializadas assim como a geo-
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metria para as cincias fsico-qumicas da matria, e chama isso de analogia
(Simmel, 1992: 25).
Mas nem todas suas analogias encaixam-se perfeitamente nessa fr-
mula, pois Simmel tambm chamava de analogia outro tipo de relao en-
tre termos que, embora derive da proporcionalidade, no se resume a ela.
Para acess-la, passaremos da filosofia grega cincia moderna, e mais es-
pecificamente ao texto de Darwin, que teve um impacto importante na for-
mao intelectual de Simmel.
Trata-se, aqui, do conceito de analogia como semelhana funcional. A cer-
ta altura dA origem das espcies, Darwin distingue dois tipos de semelhana
ou afinidade entre os traos dos animais (por exemplo: entre os braos dos
seres humanos, as nadadeiras das baleias e as nadadeiras dos peixes). Darwin
reserva o termo homologia s semelhanas estruturais hereditrias; neste
sentido, os braos dos seres humanos so homlogos s nadadeiras das ba-
leias.13 O conceito de analogia definido por oposio ao de homologia: Dar-
win s considera dois traos anlogos caso a semelhana aparente entre eles
seja devida no descendncia comum, mas, sim, ao que hoje chamamos de
adaptao convergente. Como exemplo, Darwin menciona a semelhana en-
tre as nadadeiras dos cetceos e a dos peixes, semelhana esta que nos induz
a cham-las pelo mesmo nome, e devida circunstncia de que, para sobre-
viver, tanto peixes como cetceos acabaram desenvolvendo estruturas ana-
tomicamente adequadas para a locomoo eficiente dentro dgua (ver Darwin,
1964: 427-428).
O importante no contexto da recepo simmeliana das ideias de Dar-
win que, enquanto o conceito de homologia prescinde da ideia de funo
(dois traos homlogos no precisam ter a mesma funo), o de analogia
ainda depende dela, ainda que num sentido especfico. Pois parte da soluo
de Darwin para o problema da existncia de membros similares, mas cuja
semelhana no herdada, consiste em referir tais estruturas a uma funo
comum, identificando para que servem. Essa estratgia ao menos to ve-
lha quanto Aristteles, mas Darwin vale-se dela num registro diferente do
aristotlico. A diferena que Darwin no se contenta em identificar a funo
comum que explica a semelhana de forma, mas avana com a explicao
ao conceb-la como resposta adaptativa a certas presses ecolgicas pres-
ses essas de natureza sistmica, ou melhor, oriundas de uma teia de rela-
es em que se unem plantas e animais distantes na escala da natureza
(Darwin, 1964: 63). Em suma, o que afinal explica a semelhana formal e
funcional que Darwin chama de analgica sua remisso a certas condies
de vida tambm semelhantes, a sua posio relativa na cadeia da vida.
Simmel, como alis outros socilogos, lana mo de um modelo simi-
lar para relacionar formaes sociais concretas. Assim, a certa altura de sua
Soziologie, ele chama a ateno para a semelhana de funo entre uma lei de
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Tebas, que fixaria o nmero de proprietrios de terra, e uma lei de Corinto,
que fixaria o nmero de famlias indicando como nos dois casos o que es-
taria em jogo seria a sobrevivncia das aristocracias locais (Simmel, 1992:
67).14 Simmel se referia a esse tipo de convergncia formal como analgica;
e assim como, para Darwin, tal convergncia no pressupunha nenhuma for-
ma de transmisso hereditria, assim tambm, para Simmel, tal correlao
entre formaes sociais no pressuporia necessariamente mecanismos de
transmisso histrica, de modo que tais formaes poderiam desenvolver-se
independentemente uma da outra.
H vrias diferenas importantes entre essas verses do conceito de
analogia. Aqui destaco apenas duas delas. Noto, primeiramente, que a fr-
mula da analogia proporcional implica, no limite, uma identidade de razes,
enquanto a segunda modalidade de analogia pressupe apenas uma seme-
lhana geral de forma e de funo sendo este, portanto, um conceito mais
vago do que aquele. Em segundo lugar, enquanto a analogia na acepo ma-
temtica uma equivalncia puramente abstrata de relaes (ou seja, uma
relao de relaes), a analogia na segunda acepo refere-se a entidades em-
pricas ou concretas (ou seja, uma relao mais aparente, uma relao
entre coisas).
Isto basta para passar uma ideia bsica do que era uma analogia aos
olhos de Simmel. Porm, se tanto Aristteles como Darwin estipularam cer-
tas normas para o uso adequado da analogia, tais normas pesavam, no con-
texto intelectual em que Simmel estava metido, muito menos do que aquelas
prescritas por Kant e Goethe a que devemos nos voltar para formar uma
ideia mais precisa do leque de designaes que o conceito de analogia adqui-
re para Simmel.
Kant, que conhecia bem o conceito de analogia, uma vez chamou a
ateno para que seu uso na filosofia era vlido apenas como recurso heurs-
tico ou regulador. Grosso modo, isto significa que uma analogia tem certo valor
quando fornece parmetros formais para a descoberta e conceituao de fe-
nmenos novos, tornando conhecido algo at ento desconhecido. Nas pala-
vras de Heidegger, com a analogia, obtemos apenas a indicao para uma
relao de algo dado com algo no dado, ou seja, a indicao de como ns
temos de procurar, a partir de algo dado, algo no dado, e de onde temos de
ach-lo caso se apresente (Heidegger, 1987: 177).15 Esta funcionalidade heu-
rstica ou reguladora pode ser pensada como uma qualidade cognitiva, como
um recurso que, se adequadamente explorado, pode resultar em ganho cog-
nitivo e esse ganho que Simmel teve em vista quando, por exemplo, su-
geriu aplicar sociologia o princpio dos efeitos infinitamente mltiplos e
infinitamente pequenos [...], que se mostrou eficaz nas cincias diacrnicas
da geologia, da teoria biolgica da evoluo e da histria (Simmel, 1992: 33-
34). A ideia, neste caso, que a analogia com essas cincias orientaria o so-
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cilogo a prestar ateno mesmo s formas mais sutis e volteis de
socializao16 (como a troca de cartas, a inveja, o segredo, a gratido etc.),
pois pode ser que elas desempenhem algum papel na manuteno da socie-
dade como um todo.
Goethe tambm fornece pelo menos duas prescries que merecem
destaque. Primeiro, sugere que a analogia deva ser usada com comedimento:
Tudo que existe um analogon de todo o resto; da que a existncia aparea para
ns sempre ao mesmo tempo ligada e separada. Se perseguirmos a analogia longe
demais, tudo acaba por coincidir na identidade; se passarmos ao largo dela, tudo se
dissipa na infinitude. Em ambos os casos, cessa a reflexo: num caso por viver em
excesso, noutro caso, morta (Goethe apud Simmel, 2003: 95).
A leitura atenta dos textos de Simmel revela que ele tambm evitava
ir longe demais com suas analogias ora apontando os limites de determi-
nada analogia, ora desmontando uma falsa analogia, ora enfatizando que
certa particularidade no admite analogias.
Dodd recentemente chamou a ateno para um segundo aspecto da
inf luncia de Goethe sobre Simmel (e Benjamin) no tocante analogia. Em
seu artigo, ele compara as analogias que Goethe estabelece nos seus estudos
de botnica quelas empregadas por Simmel (Dodd, 2008). Isto indica que
Goethe, cujas pesquisas nesta e em outras reas eram marcadas por uma ten-
tativa de fuso entre arte e cincia, pode ter sugerido a Simmel algo como um
valor expressivo da analogia ressaltando o imperativo de preservar uma qua-
lidade esttica da analogia mesmo ao empreg-la em contextos cientficos.17
possvel reconstruir em maior detalhe esse quadro de referncias,
mas o que temos at aqui basta para os nossos fins. Nas sees seguintes,
veremos como Simmel manejou esses vrios fragmentos da histria da ana-
logia, examinando primeiro o que resultou desse manejo, para depois bus-
carmos pela lgica por trs desses resultados.
A ANALOGIA NO TEXTO DE SIMMEL
Nesta seo, tentarei passar uma ideia da variedade de formas que a analogia
assume no texto de Simmel, focando nos dois livros que se mostraram mais
significativos para a sociologia.
Para o leitor interessado em identificar as analogias de Simmel, ins-
trutivo considerar as duas verses do conceito que acabei de expor (ou seja,
analogia como proporcionalidade e como semelhana funcional). Pode-se
tambm prestar ateno aos recursos expressivos empregados por Simmel
para sinalizar suas analogias. H toda uma gama de meios de expresso que
podem, com maior ou menor preciso, imprimir no texto a marca do proce-
dimento analgico; deles, o mais trivial a palavrinha como.18
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Observando este tipo de coisa, temos uma ideia do quo numerosas
so as analogias presentes no texto de Simmel. S na Philosophie des Geldes
h mais de uma analogia a cada duas pginas; em nmeros brutos, possvel
identificar mais de 700 analogias nessas duas obras somadas (ver Brbara,
2012: 535). Mas, alm de numerosas, as analogias simmelianas tambm so
especialmente variadas. A seguir, exponho dois eixos bsicos em que podemos
registrar tal variao.
O primeiro o eixo temtico. Depreende-se da leitura de Simmel que
ele busca articular o tema central das duas obras aqui em pauta (num caso
o dinheiro e, no outro, a sociologia e as formas de socializao) a temas per-
tencentes aos mais diversos contextos cognitivos. Para passar uma ideia do
ponto, basta observar que, na Soziologie, Simmel estabelece analogias entre
essa forma emergente de conhecimento e todos estes domnios cientficos e
culturais: mecnica, geometria, biologia, lingustica, teatro, psicologia, geo-
grafia, aritmtica, astronomia, msica, filosofia, poesia, pintura, tica, lgi-
ca, direito e economia. Evidentemente, algumas destas analogias recebem
um destaque maior que outras; no primeiro captulo da Soziologie, por exem-
plo, Simmel pe em jogo analogias geomtricas e biolgicas, empregando-as
para elucidar certas questes ligadas aos fundamentos da sociologia. J na
Philosophie des Geldes, Simmel compara o dinheiro a deus e ao diabo, bem como
obra de arte, palavra falada, lei natural, fasca, ao conceito de tempe-
ratura, ao mar, energia, ao ter luminoso, ao sangue etc.
Essa grande envergadura temtica crucial para o estilo simmeliano,
que preza tanto pela capacidade de adaptao ao maior nmero possvel de
contedos e objetos distintos como pela capacidade de transpor as fronteiras
convencionais entre os vrios domnios do conhecimento duas facetas do
ideal da plasticidade. Nessa chave, fica claro que a analogia o mecanismo
predileto de Simmel para realizar essas passagens de um domnio a outro.
O segundo eixo de variao das analogias de Simmel diz respeito sua
contribuio para a soluo dos problemas cognitivos que ele se props a
enfrentar. Podemos chamar esse eixo de funcional, por dizer respeito fun-
o da analogia na realizao das metas intelectuais de Simmel. Para carac-
terizar as vrias contribuies especficas da analogia, precisamos apreciar
as diferenas entre a proposta bsica que orienta os esforos de Simmel como
socilogo e aquela que orienta seus esforos filosficos. O fato de que essas
duas propostas esto interligadas, sendo como dois papis interpretados
pelo mesmo ator, no nos impede de distinguir o que Simmel almejava ao
atuar como socilogo do que almejava ao atuar como filsofo, e gostaria de
propor que suas analogias adquirem funes distintas em cada um desses
contextos cognitivos.19
Comecemos pela Soziologie. Grosso modo, podemos aqui distinguir as
analogias mais ilustrativas daquelas com maior valor cognitivo para a socio-
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logia.20 Quando Simmel, por exemplo, sugere que as ondas esto para o mar,
assim como os indivduos, para a sociedade (Simmel, 1992: 14), ou quando
compara a nobreza a uma ilha (Simmel, 1992: 826-827), temos uma analogia
de orientao mais puramente ilustrativa. Nesses casos, Simmel vale-se de
uma imagem familiar (isto , j presente no repertrio do senso comum) como
expediente retrico para chamar a ateno para um aspecto que julga perti-
nente do problema sob exame (a sociedade, a nobreza). Cerca de um quarto
das analogias presentes na Soziologie encaixam-se nessa classe.21
As analogias de maior valor cognitivo para a sociologia admitem maio-
res subdivises. Podemos, primeiro, separar analogias que operam dentro
do domnio que Simmel destina sociologia das que operam para fora dele,
articulando-o a outros contextos cognitivos. Para classificar essas analogias
que transcendem a sociologia (cujo conjunto corresponde a quase um tero
das analogias presentes na obra em questo) podemos nos valer da diviso
do trabalho cientfico proposta por Simmel, para quem a sociologia, como
toda cincia exata, possuiria certos limites inferiores, em que se cairia na
epistemologia, e certos limites superiores, que seriam da alada da metaf-
sica (ver Simmel, 2006: 35-36). As inmeras analogias entre a sociologia e
outros domnios cientficos que mencionei encaixam-se no primeiro caso;
mas Simmel tambm se serve de analogias para extrapolar a sociologia.
Este o caso de suas analogias entre fenmenos psicolgicos e sociolgicos,
como aquelas entre nossos conflitos internos ou individuais, e os conflitos
sociais. Simmel reserva todo um excurso discusso deste tipo de analogia,
que, nas suas palavras no em si e para si de natureza sociolgica, mas
sim de natureza social-filosfica, j que seu contedo no um conhecimen-
to da sociedade, mas um nexo geral que encontra na forma social apenas um
de seus exemplos (Simmel, 1992: 850).
Implcito a isso que h certas analogias de natureza sociolgica, ou
seja, que operam dentro dos limites que Simmel estipula para a sociologia.
H mesmo grande nmero delas: cerca de duas em cada cinco analogias da
Soziologie enquadram-se a. A maior parte delas segue o modelo da semelhan-
a funcional, ligando duas ou mais formaes sociais concretas, como no
caso das leis de Tebas e Corinto. Simmel utiliza suas analogias no s para
comparar formaes sociais acabadas, como tambm para comparar pro-
cessos scio-histricos de escala variada.22 Por fim, ele tambm recorre
analogia para mapear certas correlaes entre formas depuradas de sociali-
zao, que diferem das formaes sociais concretas por seu maior grau de
estilizao e de abstrao histrica (sendo, por isso mesmo, mais fceis de
encaixar no modelo proporcional de analogia do que as correlaes entre
formaes histricas concretas, que via de regra seguem o modelo da seme-
lhana funcional). Este o caso de suas analogias entre o adorno e o segredo
(Simmel, 1992: 414), ou entre a luta esportiva e as disputas jurdicas (Simmel,
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1992: 305). No grosso dos casos em que Simmel constri analogias de natu-
reza sociolgica, seu objetivo capturar certo padro ou regularidade comum
aos casos comparados buscando, assim, ordenar o material da experincia.
Passemos agora Philosophie des Geldes. Temos aqui uma importante
mudana de nfase. Para comear, observo que sua filosofia pretende incor-
porar os resultados do desenvolvimento cientfico, ou, para ficarmos com
uma imagem mais simmeliana: passar por eles em seu percurso filosfico.
Por isto, h aqui tambm um bom nmero de analogias de natureza socio-
lgica, a que possvel somar algumas de natureza psicolgica (que, alis,
tambm aparecem na Soziologie), histrica, econmica e mesmo biolgica23
que so da mesma famlia das analogias sociolgicas, com a diferena de que,
aqui, servem ao propsito de ampliar o alcance de sua aventura filosfica.
Em linha com a classificao proposta para a sociologia, podemos ima-
ginar que essas analogias, embora levem filosofia simmeliana, no so ain-
da de natureza filosfica; teramos, alm delas e das propriamente
filosficas, algumas com valor apenas ilustrativo. Mas, no contexto da Philo-
sophie des Geldes, temos de lidar com a complicao de que Simmel explci-
to em sua pretenso de operar num registro em que as dimenses esttica e
cognitiva devem funcionar em conjunto.24
Como resultado disto, os limites entre analogias ilustrativas e filos-
ficas acabam se borrando no contexto da filosofia simmeliana. O que podemos
fazer aqui distinguir entre analogias que ilustram diretamente o objeto
especfico dessa filosofia (no caso, o dinheiro e a economia monetria) da-
quelas que ilustram objetos distintos, de importncia mais indireta nesse
contexto.25 Nesta ltima categoria encaixa-se, por exemplo, a analogia segun-
do a qual a finalidade de uma ao propositiva parece amide estar para o
agente, assim como o horizonte para algum que caminha em terra firme
(Simmel, 1989b: 303). A ideia aqui elucidar um aspecto da relao entre o
agente e suas aes propositivas (a saber: a circunstncia de que muitas
vezes parecemos perseguir um fim inatingvel), cuja relao com o dinheiro
explorada em outro ponto do percurso filosfico de Simmel.
Da mesma forma, vrias das analogias que tm como um de seus ter-
mos o dinheiro ou a economia monetria visam ilustrar cada qual um aspec-
to particular do objeto de sua filosofia, como nos casos das analogias entre
deus e o dinheiro (Simmel, 1989b: 305) e entre este e o diabo (Simmel, 1989b:
276-277). Contudo, algumas delas destacam-se por exprimir algo que Simmel
considera ser uma conexo intrnseca ou essencial entre este objeto particu-
lar e a existncia em geral. A diferena que, nestes casos, a pretenso de
Simmel desvelar uma regularidade mais elementar, identificando a razo
que outorgaria verdade e expressividade s analogias mais particulares com
o dinheiro. o caso da seguinte passagem sobre a proporcionalidade funda-
mental da economia, que Simmel considera ser uma condio de possibili-
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dade do mundo econmico: Pressupondo o equilbrio perfeito de todas as
oscilaes e irregularidades acidentais na formao do preo, ento, num
dado circuito de dinheiro, mercadoria e troca, cada mercadoria estaria para
seu preo, assim como o total das mercadorias economicamente ativas num
dado momento para o total de dinheiro ativo nesse mesmo momento (Simmel,
1989b: 144). Para os nossos fins, o que interessa que esse tipo de analogia
concebida como uma conexo universal entre as coisas, que transcende a
realidade imediata e lhe confere congruncia, sendo, por conseguinte, o
alvo de suas consideraes filosficas. No h dvidas da forte carga me-
tafsica ou especulativa destas ideias, que as torna questionveis, se toma-
das ao p da letra. Seja como for, o prprio Simmel apresenta suas razes
para insistir no potencial exploratrio da especulao filosfica, como ain-
da veremos.
Isto basta para passar uma ideia da variedade de funo que as ana-
logias tm no texto de Simmel. Porm, assim compreendidas, as analogias
so apenas registros literrios do procedimento analgico. Tais registros in-
teressam menos por si mesmos, e mais por dizerem algo sobre o processo
que os gerou mais ou menos como os fsseis dizem ao paleontlogo algo
sobre a vida que povoou a Terra num passado remoto. Pois ainda h algo
entre o quadro de referncias para o conceito de que Simmel dispunha e as
analogias que foram parar no seu texto, e a isso que voltaremos agora nos-
sa ateno.
A ANALOGIA NAS MOS DE SIMMEL
Em sua monografia sobre Simmel, concluda em 1919, Kracauer forneceu al-
guns dos elementos bsicos para compreendermos a relao do procedimen-
to analgico com o tipo de pensamento buscado por Simmel. Por isto,
tomarei esse texto como ponto de partida da presente discusso.
Como eu havia adiantado, Kracauer introduz este texto tratando da
dificuldade envolvida na tarefa de classificar o pensamento de Simmel di-
ficuldade esta que Kracauer prope superar sublinhando alguns problemas
bsicos alheios a Simmel, para em seguida reconstruir o mundo de coisas em
que viveria seu pensamento (ver Kracauer, 2004: 143-144). A seguinte passagem
resume bem este ltimo ponto: O que est sempre no centro de seu campo
visual a pessoa como portadora de cultura e como entidade espiritual ama-
durecida, que atua e avalia em plena posse de suas energias anmicas, jun-
tando-se a seus semelhantes no agir e sentir comuns (Kracauer, 2004: 144).
Kracauer detalha esse panorama subdividindo-o em trs crculos te-
mticos, que correspondem (1) s situaes e formaes sociais; (2) ao ser
humano como indivduo; e (3) ao mundo dos valores e das realizaes huma-
nas objetivas.26 Em seguida, prope reconstruir a maneira como Simmel abor-
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da este material, buscando caracterizar os principais modos de relao entre
coisas a que Simmel voltava sua ateno ao embrenhar-se nesses domnios
temticos sendo a analogia um destes modos de relao.
Kracauer desde o comeo enfatiza o papel da analogia no trato com
problemas ligados cultura humana no sentido amplo. Antes mesmo de de-
finir o conceito, busca situ-lo como resposta ao que podemos chamar de
empedernimento conceitual; a ideia aqui que o aspecto prtico dos conceitos
acabaria sobrepondo-se aos demais, levando a uma espcie de esquecimento
das relaes entre coisas que no digam respeito a esse aspecto dos conceitos.
Reduzido ao que tm de til, os conceitos tornar-se-iam no s inf lexveis,
como ainda incomparveis entre si (Kracauer, 2004: 152). Este tpico, que
teria vrios desdobramentos no pensamento alemo, no nem um pouco
estranho a Simmel, como vemos na seguinte analogia:
[...] no domnio puramente intelectual, mesmo as pessoas mais conhecedoras e refle-
xivas operam com um nmero sempre crescente de representaes, conceitos e sen-
tenas, cujo sentido e contedo exatos s entendem de forma inteiramente imperfei-
ta. A tremenda ampliao do material do saber que temos objetivamente disposio
permite, at mesmo obriga o uso de expresses que verdadeiramente passam de mo
em mo como recipientes fechados, sem que o contedo da reflexo efetivamente
ali condensado seja desdobrado diante do usurio particular (Simmel, 1989b: 621).27
O ponto de Kracauer (condizente com o universo conceitual simmelia-
no, como mostra a passagem acima) que, com suas analogias, Simmel con-
seguiria desdobrar o contedo reflexivo dos conceitos, at ento comprimido
pela fora dos constrangimentos prticos. Assim, Simmel livraria as coisas
de seu isolamento (Kracauer, 2004: 153).
Para Kracauer, isto dependeria de que tais analogias no fossem meros
frutos da imaginao simmeliana, ou seja, relaes meramente inventadas.
Ao contrrio: dizer que Simmel estabelece ou constri analogias equivaleria
a dizer que ele descobre certas relaes encobertas pela fora do hbito.
Assim, [...] por mais espirituosa e surpreendente que possa ser uma analogia,
crucial para ela que seja objetivamente verificada; ela algo que conhece-
mos, uma relao dos prprios fenmenos (Kracauer, 2004: 154-155).
Esta passagem integra um longo pargrafo em que Kracauer distingue
a analogia da metfora esta que, ao contrrio daquela, concebida como
uma criao da fantasia subjetiva, sendo regida por critrios de ordem est-
tica, e no mais cognitiva (Kracauer, 2004: 153-155). Em nossos termos, po-
demos dizer que, pela proposta de Kracauer, o valor expressivo das analogias
de Simmel teria, na melhor das hipteses, menos peso que seu valor heurs-
tico ou que as analogias de Simmel estariam mais para as de Kant do que
para as de Goethe.
H um problema nessa leitura: neste ponto, Kracauer acaba perdendo
de vista a relao entre o aspecto esttico e o cognitivo da analogia, para o
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qual Simmel insistentemente aponta (sobretudo em suas obras de orientao
mais filosfica). Sintomtico disso que o que Simmel chama de metfora
no se ope ao que chama de analogia. Para ele, a relao entre uma coisa e
outra mais prxima da concepo que parte de Aristteles, segundo a qual
as analogias dariam o substrato para a formulao e compreenso das me-
tforas; assim, se compreendemos expresses como egosmo de grupo,
porque estabelecemos uma analogia segundo a qual certo fenmeno X es-
taria para o grupo, assim como o egosmo, para o indivduo.28 Nesta chave,
uma metfora como a do egosmo de grupo no mais uma simples fantasia
subjetiva concebida como exposio das relaes entre sujeito e objeto (Kra-
cauer, 2004: 155), ou seja, no mais apenas uma tomada de posio frente
ao mundo. Pois ela no s depende da referncia a um conhecimento inter-
subjetivamente consolidado (no caso, acerca do que seria o egosmo indivi-
dual), que transcende e pe em perspectiva a relao entre sujeito e objeto,
como tambm fornece parmetros para a formulao de algo at ento no
formulado formulao essa que j no est apenas sujeita a critrios de
avaliao esttica. Assim, podemos manipular o tipo de imagem que Kracauer
associaria metfora para mostrar como, e de que modo, ela diz algo acerca
das analogias de Simmel: se estas afinal tambm so frutos da imaginao,
trata-se a de frutos cultivados com a finalidade especfica de nutrir certas
pretenses de conhecimento.
Mesmo concedendo que a leitura de Kracauer acaba desconsiderando
a conexo entre o aspecto esttico e o cognitivo da analogia, cumpre admitir
que ela informada por uma intuio correta. Pois a questo que esses dois
aspectos no se encaixam sem mais. H uma tenso sistemtica entre eles, que
Simmel precisa o tempo todo administrar. No caso de seu projeto de uma
sociologia cientfica, ele tentou resolv-la fora, buscando conter tanto
quanto possvel a dimenso esttica em favor da cognitiva.29 Pensemos nas
analogias propriamente sociolgicas: nelas, o objetivo sempre apanhar al-
gum padro ou regularidade comum aos casos comparados. Podemos enqua-
drar perfeitamente tais analogias no conceito proposto por Kracauer, j que,
com elas, Simmel busca apontar para relaes que podem ser descobertas e
verificadas. A definio de Kracauer, pautada pela oposio metfora como
atitude ou tomada de posio da fantasia, cai muito bem nesses casos justa-
mente porque, ao construir tais analogias, Simmel buscou despoj-las de todo
carter subjetivo, por considerar isso necessrio para que sua sociologia pu-
desse reivindicar o estatuto de cincia.
Mas, como vimos, h uma diferena crucial entre seu projeto socio-
lgico e seu projeto filosfico, que diz respeito ao modo como Simmel pro-
pe encaixar aquelas duas dimenses presentes no seu conceito de analogia.
neste ponto que a distino proposta por Kracauer se mostra insuficiente.
A ideia de que sua filosofia do dinheiro marcada por um colorido esttico
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est colocada com todas as letras no Prefcio a tal obra. Nesse contexto, em-
bora a pretenso de conhecimento ainda ponha rdeas no galope da imagi-
nao (concebida como meio para realizar a ambio filosfica de ampliar o
repertrio do conhecimento humano), esta que na prtica leva Simmel de
um lado a outro, sendo como o corcel sem o qual as rdeas no passariam de
um punhado de tiras de couro e argolas metlicas sem funo.
claro que essa dimenso esttica tambm est presente no projeto
sociolgico de Simmel; mas a ela se impe a despeito de sua tentativa de
suprimi-la, enquanto que no seu projeto filosfico ela articulada de modo
explcito. Por sua vez, a especificidade dessa articulao nos fornece uma
chave para dar conta daquelas analogias de orientao filosfica que apon-
tam para certa regularidade ao mesmo tempo que lhe conferem um colorido
particular colorido este que j no est vinculado a pretenses de verdade
to fortes como aquelas que seriam de se esperar de uma cincia exata (ver
Simmel, 1989b: 9-14; Waizbort, 2000: 83 ss.).
Este colorido com que Simmel pretende pintar a realidade ao atuar
como filsofo o colorido da interpretao. Tanto na Philosophie des Geldes
como no seu Probleme der Geschichtsphilosophie,30 Simmel prope que a tarefa
do intrprete, seja filsofo ou historiador, guardaria certa analogia com a do
artista, na medida em que ambos reconstruiriam uma imagem da realida-
de que traria a marca de uma tomada de posio frente a ela uma imagem
que no espelha a realidade, mas, sim, projeta-se sobre ela, que algo cons-
trudo e no pode, neste sentido, ser simplesmente descoberto. Nesta chave,
assim como dois artistas podem produzir pinturas completamente diferentes
a partir de um mesmo tema, sem que nenhuma delas esteja necessariamen-
te errada, assim tambm um historiador poderia construir duas interpre-
taes histricas diferentes, mas igualmente vlidas, de um mesmo evento.
Da no decorre, claro, que baste propor uma interpretao histrica para
valid-la. Embora essa margem de interpretao pressuponha um gesto do
arbtrio e uma tomada de atitude, no se resume a tal pressuposto. A preten-
so de Simmel ao discutir os problemas da filosofia da histria precisamen-
te articular a dimenso objetiva e a subjetiva do conhecimento histrico,
mostrando como seria possvel que uma criao da fantasia tenha como
resultado um incremento cognitivo, como uma imposio da imaginao cria-
tiva sobre realidade seria capaz de nos dizer algo verdadeiro a seu respeito.
Encontramos aqui outra face da discrepncia entre o projeto sociol-
gico e o filosfico de Simmel. Ainda que reconhea que as formas de socia-
lizao por ele investigadas tm algo de construdo (Simmel, 1992: 178-179),31
ele no apresenta sua sociologia como uma sociologia interpretativa. Isso no
o impediu de fazer uma sociologia que pode ser corretamente interpretada
nessa chave. Mas ainda precisamos remeter ao seu projeto filosfico para
efetuar tal interpretao, pois seu projeto sociolgico no traz esse compo-
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nente interpretativo no plano da explicitao terica como fariam Weber e,
com maior grau de elaborao, Schtz. Da que o caminho mais direto para
ilustrar a aplicao sociolgica do procedimento interpretativo em Simmel
se encontre no na sua Soziologie, mas, sim, na teoria do moderno contida
em obras que ele mesmo considerava filosficas. Tambm aqui, certo tipo
de analogia ganha destaque, como fica claro na ltima seo do captulo
final da Philosophie des Geldes em que Simmel recorre s analogias da dis-
tncia, do ritmo e da velocidade para destacar certos aspectos do estilo de
vida moderno e, assim, construir uma interpretao do presente que at hoje
continua frutfera.32
* * *
Este , alis, apenas um exemplo dentre inmeros outros de como Simmel
recorre analogia para articular alguma ideia ou linha argumentativa impor-
tante para sua empresa intelectual. Essa estratgia to frequente que no
h como evitar a concluso de que a analogia, a princpio concebida como
meio para a realizao de fins cognitivos como, no caso da sociologia sim-
meliana, a fundamentao de uma nova forma do conhecimento, que se pre-
tende capaz de articular de maneira indita toda uma gama de contedos
cognitivos ligados ao domnio mais geral da cultura humana,33 e, no caso da
filosofia, a aplicao da ref lexo a contedos at ento em geral ignorados
pelos filsofos34 tenha se convertido numa espcie de fim em si mesmo.
Para termos uma ideia de quo indispensvel a analogia tornou-se
para Simmel, podemos imaginar como ficariam sua Soziologie e sua Philosophie
des Geldes, caso apagssemos as mais de 700 analogias que podem ser ali
encontradas. No teramos, ento, obras simplesmente mais curtas, mas, sim,
obras sem sentido. Afinal, como Simmel, no primeiro captulo da Soziologie, fez
para demarcar o campo de atuao e a especificidade da cincia que preten-
dera fundar? Trabalhando sobre a analogia de mtodo entre a sociologia e a
geometria. Como que encarou os problemas de definio implicados nessa
mesma tentativa? Explorando uma analogia biolgica. Como em geral coor-
denava os inmeros exemplos apresentados ao longo da Soziologie? Juntando-
-os por analogia. Como fazia para extrapolar as concluses obtidas em suas
investigaes sobre as formas de socializao, para aplic-las a questes de
escopo metafsico? Apoiando-se em analogias. Como descreveu a filosofia
em geral e a particularidade da sua filosofia no prefcio Philosophie des Gel-
des? Combinando uma analogia espacial com outra esttica. Como descrevia
o objeto dessa filosofia? Em inmeros casos, por meio de analogias, quando
no enquanto uma variedade de analogia (a proporcionalidade). Como, nesse
mesmo contexto, resumia e reutilizava os produtos da filosofia sua dispo-
sio? Elaborando analogias. Como relacionava fenmenos aparentemente
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to diversos como o segredo e o adorno ou deus e o dinheiro? Fazendo ana-
logias. Como amide se referia peculiaridade das coisas? Afirmando que,
para tal, no havia nenhuma analogia. Como buscou articular sua interpre-
tao do estilo de vida moderno na sua Philosophie des Geldes? Acionando trs
analogias capazes de exprimir, nessa ordem, o seu conceito metafsico de
espao (cuja analogia a distncia), o de tempo (cuja analogia o ritmo) e o
da ligao entre ambos (cuja analogia a velocidade). Como acabou con-
cluindo a Soziologie e a Philosophie des Geldes, obras por natureza inconclusivas
ou fragmentrias? Fechando-os com uma analogia.35
Assim, cumpre observar que a analogia, graas qual Simmel pde se
realizar intelectualmente, de fazer uma filosofia do dinheiro e uma sociologia
como a do segredo, por outro lado igualmente se imps como limite alm do
qual sua imaginao no chegava, como obstculo para o acesso a partes
desse mundo que ele no ousaria (ou conseguia) tomar em mos; em suma:
como o fim propriamente dito de suas investigaes, o ponto a que elas che-
gavam, ou no qual o movimento de seu pensar achava termo. Dessa forma,
tambm elas, embora orientadas pelo ideal da plasticidade e apesar de per-
mitirem que ele livrasse as coisas de seu isolamento, em muitos sentidos
tambm limitaram o desenrolar de suas ideias. Podemos pensar na analogia
como uma espcie de sada a que Simmel se habituou para solucionar pro-
blemas cognitivos especialmente difceis e que talvez pudessem ter sido so-
lucionados com outros meios conceituais que, porm, permaneceram
inexplorados por Simmel.
Ele mesmo sabia que suas aventuras pela filosofia, pela arte e pela
sociologia envolviam todo tipo de risco, e foi precisamente para evitar o pe-
rigo do empedernimento conceitual que Simmel se orientava pelo ideal da
plasticidade. Vejamos o que ele escreve a Marianne Weber, a quem dedicaria
seu livro sobre Goethe (tema da carta):
Para mim, o livro uma espcie de concluso, uma aplicao derradeira das forma-
es conceituais que vim aplicando. Agora vou trocar as velas e buscar terras inex-
ploradas. Pode muito bem acontecer que a viagem termine antes da costa. Mas ao
menos no deve ocorrer comigo o que ocorre com muitos dos meus colegas, que se
acomodam no prprio barco como se estivessem em casa, a ponto de acreditarem que
o prprio barco seria a terra nova (Simmel, 1959: 240; grifo no original).
Aqui, o resultado da atividade intelectual de Simmel, o ponto de che-
gada do conhecimento que corresponde explorao de pores do real at
ento desconhecidas , ainda figurado como o principal objetivo de sua
aventura nutica. Mas esta nfase preliminar no resultado logo d lugar
nfase no processo, precisamente diante da constatao de que essas terras
podem muito bem no ser encontradas, ou, em termos menos metafricos,
da falibilidade do conhecimento. Ao cabo, o que importa , ainda, produzir
novos conhecimentos, ampliar o estoque de conhecimento disponvel sobre
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o mundo mas significativo que, caso isso no seja alcanado, Simmel
ainda prefira assistir ao prprio naufrgio a ceder ao que vnhamos aqui
chamando de empedernimento conceitual. Se, como prope Blumenberg, as
apropriaes desse tipo de metfora bsica dizem algo sobre o mundo da vida
em que estava inserido aquele que dela se apropriou,36 ento podemos con-
ceber o ideal de plasticidade que aqui no um ponto de chegada (esse
ainda a ampliao do estoque de conhecimentos), mas, sim, uma referncia
orientadora, como as estrelas para os navegadores como um ideal talhado
para lidar com um perigo que avulta depois de iniciada a aventura do pensa-
mento. Pois nesse instante que a possibilidade de que a aventura no o leve
a lugar nenhum ganha peso e concretude, abrindo espao para que a nfase
no resultado (sempre presente nos planos de Simmel) ceda nfase no pro-
cesso, corretamente identificada por seus intrpretes como caracterstica-
-chave de seu estilo de pensamento, tal como reconheceria o prprio Simmel
(ver Waizbort, 2000: 11-34). E precisamente nessa chave, o ideal sublime e
inatingvel da plasticidade deixa de ser algo desatrelado realidade (ou seja,
algo que s podemos contemplar distncia), para tornar-se uma atividade
propositiva bem pragmtica: diante de um pensamento que ainda no alcan-
ou seu propsito, nada mais apropriado do que a exigncia de seguir em
movimento. A contrapartida disso clara: por fora das circunstncias, o
que antes era possibilidade agora aparece como necessidade, de modo que a
analogia se torna indispensvel para Simmel.
Esse tipo de ajuste de expectativas pode ser detectado com muita cla-
reza na sociologia de Simmel. Estava nos seus planos fazer da sociologia uma
cincia exata, mas eventualmente Simmel reconhece que pode ser que se
trate aqui apenas de um princpio e da indicao de um rumo para um cami-
nho interminavelmente longo, e, nesse caso, toda completude sistematica-
mente fechada seria, quando muito, uma autoiluso (Simmel, 1992: 31; grifo
conforme o original) uma iluso anloga quela de seus colegas, ao confun-
dir o novo mundo com o navio que devia conduzir a ele.
Mas o mesmo ajuste tambm est presente na sua concepo filosfi-
ca, em que aparece assentado na sua teoria do conhecimento. Pois o ponto
de partida de Simmel a ideia de que o conhecimento falvel e mesmo
assim possvel, de que a possibilidade do conhecimento depende de sua sele-
tividade, que , por sua vez, um tipo de limitao.
, portanto, o prprio Simmel quem nos obriga a encarar as limitaes
desse que era um dos seus recursos prediletos para produzir conhecimento,
a analogia. Vejamos o que ele tem a dizer sobre um livro do psiclogo Wil-
liam Stern, cujo prefcio assinado por Moritz Lazarus, inf luente professor
de Simmel:
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Este livro interessante e engenhoso prope a tarefa de investigar o papel desempe-
nhado pela analogia no pensamento, no sentimento e na vontade cotidianas. Aponta
inmeros casos em que a criana e o homem ingnuo, em vez de representar direta-
mente a coisa, serve-se desse rodeio peculiar, alis precisa dele se servir para obter
uma imagem de mundo coerente; e ento, de um ponto aparentemente situado
sua margem, recai uma luz cristalina sobre a totalidade do ser espiritual do homem
(Simmel, 2005: 298).
inevitvel colocarmos essa passagem da obra de Simmel ao lado
desta, mais famosa:
Caso a histria das cincias efetivamente mostre que o modo filosfico de conhe-
cimento primitivo, sendo meramente uma especulao sobre os fenmenos com
base em conceitos gerais mesmo nesse caso, tal procedimento provisrio ser ainda
incontornvel frente a vrias questes, especialmente as que dizem respeito s valo-
raes e aos nexos mais gerais da vida espiritual, que, at agora, no podemos nem
nos furtar a responder, nem responder de forma exata (Simmel, 1989b: 9).
Que fique claro: no se trata aqui de acusar Simmel de infantilidade
ou ingenuidade, tampouco de ceder fantasia romntica segundo a qual o
pensador (seja poeta, filsofo ou socilogo) deve ser como uma criana eter-
namente deslumbrada com o mundo ao redor. Trata-se, antes, de enfatizar
que Simmel sabia que sua tcnica predileta para a articulao de suas ideias
era intrinsecamente limitada, no passando de um expediente precrio, mas
no por isso dispensvel, para suprir certas insuficincias de seu pensamen-
to. Trata-se mesmo de ir alm da dicotomia entre a intransigncia de uma
acusao v de imaturidade e a condescendncia idealizadora. Se, no primei-
ro caso, falharamos em compreender Simmel por ignorar a situao em que
ele se achava, no segundo abdicaramos de critic-lo, sob a presso de aco-
modar nossa interpretao s limitaes do seu pensamento perdendo com
isso a referncia sem a qual no podemos mais identific-las, muito menos
confront-las. Num caso como no outro, cairamos nos erros que Simmel
pretendeu evitar, nem sempre com sucesso: pintando ou uma figura empe-
dernida demais de suas ideias, ou uma excessivamente f loreada.
Essa , claro, outra face daquele dilema enfrentado pelos intrpretes
de Simmel um dilema que, embora no esteja colocado apenas para os seus
intrpretes, especialmente agudo no seu caso por nascer de uma tenso
interna ao seu pensamento. Eis como podemos resumir essa tenso: em suas
aventuras pela filosofia, pela sociologia e pela esttica, Simmel eventual-
mente encontrou pores do real que escapavam s suas pretenses de co-
nhecimento, ou seja, com coisas desconhecidas que ele no conseguia
converter em objetos do conhecimento. Para exemplificar o ponto, podemos
nos ater ao caso de sua sociologia: Simmel nunca soube apreciar o valor cog-
nitivo das generalizaes de base estatstica para a sociologia, mesmo escre-
vendo numa poca em que j dispunha dos trabalhos de um Durkheim;37 na
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mesma linha, sua dependncia bem mais radical do ideal da plasticidade, e,
portanto, dos recursos cognitivos talhados para alcanc-lo, est diretamente
relacionada sua desvalorizao de estratgias mais sistemticas de forma-
o conceitual, num franco contraste com um Weber, que, se, por um lado,
tambm favorecia a construo de conceitos maleveis o bastante para dar
conta das f lutuaes do real, por outro nunca se furtou a examin-los de
forma sistemtica, com inegveis ganhos para a sociologia.38 Tudo isso, claro,
s foi se configurando como problema medida que Simmel ia avanando
no seu projeto inicial para a sociologia. Digamos que, a essa altura, ele esta-
va em pleno mar, assim como os seus colegas na academia alem; e que
sabia que os instrumentos que tinha mais mo para chegar aonde pretendia
(afinal os mesmos disponveis para os seus colegas) talvez no bastassem.
Diante disso, ele apostou no instrumental que lhe pareceu o mais verstil
dentre os disponveis no seu tempo, o que parecia melhor se ajustar a todo
tipo de circunstncia, o que parecia lhe dar a maior margem de manobra.
Como tentei mostrar, a analogia foi, nas suas mos, o principal desses ins-
trumentos uma aposta em muitos sentidos adequada, considerando a va-
riedade de usos que esse instrumento em particular recebeu ao longo da
histria do pensamento ocidental. Hoje, estamos em condies de ponderar
que, se esse instrumento mostrou-se til em diversas ocasies, como queria
Simmel, tambm o inibiu, apesar de todas as suas intenes em contrrio, de
explorar tantos outros recursos, como os desenvolvidos naquela poca por
Durkheim e Weber.
Recebido em 22/11/2014 | Aprovado em 10/02/2015
Lenin Bicudo Brbara doutorando em Sociologia pela
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da
Universidade de So Paulo (FFLCH-USP). Suas principais reas de
interesse acadmico so: teoria social, pensamento alemo,
teoria do conhecimento em geral, filosofia e histria das cincias,
e os estudos de gnero. Recentemente, traduziu a Cultura filosfica
(no prelo), de Georg Simmel, e a coletnea Histrias de fantasma
para gente grande: escritos, esboos e conferncias (2015),
com ensaios do historiador da arte alemo Aby Warburg.
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NOTAS
1 Este artigo uma derivao de minha pesquisa de mes-
trado, financiada pela Fundao de Amparo Pesquisa
do Estado de So Paulo (FAPESP). Incorporo aqui trechos
da dissertao que produzi ao fim do mestrado, ainda que
revistos e rearticulados. As tradues de todas as obras que
no esto em portugus foram feitas por mim. Agradeo
aos pareceristas annimos a interlocuo sobre o artigo.
2 Dcadas depois, a primeira parte desta monografia seria
includa na coletnea de ensaios O ornamento da massa,
traduzida para o ingls e, recentemente, para o portugus.
3 Filosofia do dinheiro e Sociologia, respectivamente.
4 Para um levantamento com pelo menos uma referncia
de cada autor ao tema, ver Brbara (2012: 7).
5 Sistema de Lgica, livro III, cap. XX, 1. Sempre que fizer
uma referncia a obras clssicas ou com vrias edies
(como a de Mill), acrescentarei no rodap as informaes
necessrias para localizar a passagem independentemen-
te da edio utilizada.
6 O que est em conformidade ao tipo de conhecimento que
Simmel busca, que se pretende malevel e visa apanhar
a realidade em suas nuances, em vez de aferr-la a defi-
nies ptreas.
7 Para uma reconstruo da histria do termo no seu con-
texto de origem, ver Szab (1978). Observo que Szab no
se concentra na recepo platnica do conceito.
8 A Repblica, 508b-508c.
9 Assim, se 10 est para 5 assim como 6 est para x, ento
o nico valor possvel para x 3; e, nesse caso, ento
10 tambm est para 6, assim como 5 para 3.
10 Por isso, termos como (analogia) e (an-logo) muitas vezes so traduzidos como proporo ou
proporcional nas verses em portugus das obras aris-
totlicas.
11 tica nicomaqueia, 1131a29-1131b12.
12 Potica, 1457b15-1457b35.
13 A semelhana em questo ntida quando comparamos
a estrutura ssea de ambos os traos. Para uma definio
mais precisa do conceito de homologia, ver Mayr (1998: 62-63).
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14 A linguagem de Simmel aqui carregada de metforas
biolgicas; ele mesmo fala em condies de vida e num
instinto aristocrtico.
15 Heidegger comenta aqui Kant (2010: 210, Crtica da razo
pura, B 222).
16 Socializao aqui traduz Vergesellschaftung, conceito-
-chave da sociologia de Simmel. H quem prefira verter o
termo por sociao ou associao, visando evitar con-
fuses com verses distintas do conceito de socializao,
que em geral possuem um sentido mais restrito do que a
Vergesellschaftung de Simmel. Considero essas opes
vlidas, de modo que meu objetivo aqui no desautori-
z-las; h, contudo, certa controvrsia a respeito do as-
sunto, e, como me foi apontado, mais de uma vez, a im-
portncia em justificar essa opo, exponho aqui minhas
razes. A principal delas que a palavra socializao
parece-me transmitir bastante bem a ideia bsica do con-
ceito de Simmel, isto , a nfase no processo formativo
da sociedade. verdade que essa opo pode levar a con-
fuses, mas no me parece que as outras opes sejam
vantajosas neste quesito, especialmente no caso de as-
sociao. Quanto a sociao, o uso do neologismo pode
induzir o leitor a imaginar que se trata de um conceito
original de Simmel, ou mesmo de um termo por ele in-
ventado, o que no o caso.
17 Este ltimo ponto mais uma interpretao minha sobre
os achados de Dodd, embora ele mesmo fale em algo pa-
recido ao destacar a capacidade de revigorar a discus-
so prpria de algumas das analogias de Simmel. Diga-
-se que, em minha pesquisa, no fiz o confronto com o
texto de Goethe para investigar em detalhe o que Simmel
aprendeu com ele acerca da analogia (como fiz com Aris-
tteles, Kant e Darwin). Parece-me que tal confronto
revelaria aspectos ainda mais centrais do que aqueles
apontados por Dodd, sobretudo considerando os pontos
de contato entre Goethe e Simmel discutidos em Waiz-
bort (2000: 75 ss.).
18 Em alemo: wie. Kracauer (2004: 155) foi quem primeiro
chamou a ateno para isso, embora tenha exagerado ao
qualificar esse sinal como indispensvel. Wolff tambm
especificou alguns desses recursos expressivos (ver Sim-
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mel, 1959: ix). No trabalho em que se baseia este artigo,
elaborei uma lista mais completa (Brbara, 2012: 97-115).
19 No caso da Philosophie des Geldes, devemos ponderar que
essa obra apanha uma poro mais restrita de sua atuao
como filsofo, ao passo que a Soziologie condensa a maior
parte de sua produo sociolgica. Escolhi a Philosophie
des Geldes precisamente por seu impacto e interesse para
o socilogo contemporneo.
20 O que entendo por analogia ilustrativa algo prximo do
que Dodd (2008: 432) tinha em mente ao utilizar a mesma
expresso; contudo, Dodd contrasta isso com o que chama
de analogias substantivas, algo distinto das analogias com
valor cognitivo para a sociologia a que me refiro.
21 Para mais detalhes, ver Brbara (2012: 117-159 e 534). A
referncia vale para todas as menes ao nmero das
analogias de Simmel apresentadas nesta seo.
22 Para alguns exemplos, ver Brbara (2012: 133-134). No livro
sobre as Questes fundamentais da sociologia, Simmel expli-
cita o ganho cognitivo que espera de analogias entre pro-
cessos scio-histricos de larga escala (ver Simmel, 2006:
24-25; comento a passagem em Brbara, 2012: 264-267).
23 Para exemplos disso, ver Brbara (2012: 151-157). Somadas,
temos a cerca de um quarto das analogias da Philosophie
des Geldes.
24 Sobre isso, ver Waizbort (2000: 75 ss.). Convm acrescentar
que, em alguma medida, a dimenso esttica e a cognitiva
tambm acabam vinculadas na sociologia simmeliana. Po-
rm, ao contrrio do que se passa com seu projeto filos-
fico, Simmel busca, ao fazer sociologia, suprimir o fundo
esttico do seu pensamento, por considerar isto necessrio
dadas as pretenses cientficas de sua sociologia e essa
busca que fundamenta a distino entre as dimenses es-
ttica e cognitiva com que opero.
25 O que segue uma verso simplificada da tipologia pro-
posta em Brbara (2012: 141-160).
26 Kracauer (2004: 144-148) dedica um pargrafo a cada uma
dessas dimenses. Sua proposta um claro aceno teoria
da cultura simmeliana: se (2) e (3) correspondem, respec-
tivamente, aos mundos da cultura subjetiva e objetiva, (1)
corresponde ao plano das interaes e processos que in-
tegram os vrios portadores de cultura.
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27 Pensemos no conceito de analogia: quantas vezes o re-
passamos, sem nos darmos conta, por exemplo, de sua
origem matemtica?
28 Esta metfora (baseada, como vimos, numa analogia) apa-
rece no texto de Simmel (1992: 411).
29 Esta tendncia foi enfraquecendo com o tempo, mas o
ponto que, em algum grau, ela sempre esteve presente.
30 Problemas da filosofia da histria. A analogia com a arte
percorre boa parte do primeiro captulo do livro, em que
me baseei para elaborar o pargrafo a que se liga esta
nota. Ver, especialmente, Simmel (1997: 286-290).
31 Escolhi esta passagem por ter sido reproduzida e comen-
tada em Cohn (2003: 63 ss.), em que Cohn discute o car-
ter construdo das formas de socializao em Simmel no
contexto de uma comparao com Weber.
32 Diga-se que o prprio Simmel (1989b: 657), ao introduzir
o assunto, estabelece o vnculo entre tais analogias e o
procedimento interpretativo.
33 Simmel formula a questo nesses termos j em 1892, no
seu livro sobre a diferenciao social, ao falar na pos-
sibil idade de uma cincia da sociedade (ver Simmel,
1989a: 116-117).
34 Algo semelhante pode ser detectado na sociologia sim-
meliana, que eventualmente amplia seu escopo visando
formalizar ou pelo menos assimilar fenmenos como a
troca de olhares, o perguntar ao outro pelo caminho, o
adornar-se para os outros, a gratido etc.
35 Desenvolvi todos esses pontos em Brbara (2012).
36 Para quem as transformaes nas metforas bsicas in-
dicam mudanas na compreenso do mundo e na com-
preenso de si (Blumenberg, 2001: 140; 1993: 31). Ao in-
vestigar a metfora bsica da viagem nutica, o mesmo
Blumenberg (1997: 24) comenta a carta de Simmel que
acabamos de ler.
37 E, neste contexto, convm apontar que foi com base num
argumento de analogia que Simmel questionaria o valor
de tais generalizaes para a sociologia. Ver Simmel
(1992: 631-632).
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38 Podemos comparar a discusso de Simmel sobre o proble-
ma da ao no comeo do terceiro captulo da Philosophie
des Geldes (Simmel, 1989b: 254 ss.), toda pautada por ana-
logias e metforas, com a discusso weberiana sobre o
tema. Ou, ento, a discusso de ambos acerca do proble-
ma da dominao. Weber tinha grandes reservas relati-
vamente ao tratamento que Simmel dispensaria a esse
problema no terceiro captulo da Soziologie (Simmel, 1992:
160 ss.; Weber, 1991: 12). Isto porque, para ele, a noo
simmeliana de interao ou inf luncia recproca (Wech-
selwirkung) seria demasiado inespecfica, a ponto de
induzir o socilogo a desconsiderar os casos de imposio
unilateral da vontade de um sobre o outro (o que, alis,
Simmel ilustra por meio de analogias), algo que Weber
no podia admitir. Diga-se que essa questo em particu-
lar bem complicada, e merece ser tematizada num ar-
tigo parte; mas no geral me parece que, neste caso, a
crtica de Weber acerta o alvo, e que sua discusso con-
segue incorporar sociologia uma dimenso do mundo
social que Simmel, quase que por definio, tendia a ne-
gligenciar: a violncia. Claro est que tambm as propos-
tas de Weber e Durkheim tinham seus pontos cegos; mas
como, neste artigo, estamos tratando da proposta simme-
liana, s cabe explicitar as limitaes desta, e para isso
a comparao com esses autores, que afinal trataram de
pores do real de que Simmel no tratou com tanto de-
talhe, parece instrutiva.
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A VIA ANALGICA NO
PENSAMENTO DE GEORG SIMMEL
Resumo
Neste artigo, trato do papel do raciocnio analgico no pen-
samento de Georg Simmel (1858-1918), um dos fundadores
da sociologia alem. Meu objetivo principal aqui apreender
as relaes entre o procedimento analgico como recurso
cognitivo e o estilo de pensamento a que Simmel adere.
Como primeiro passo rumo a isso, recolho os fragmentos da
histria do conceito de analogia que considero mais relevan-
tes para a recepo da parte de Simmel. Em seguida, propo-
nho um breve mapeamento das ocorrncias de analogia que
podem ser identificadas naquelas obras de Simmel que mais
teriam influenciado a sociologia, a saber: a Philosophie des
Geldes (1900) e a Soziologie (1908). Finalmente, ataco a questo
quanto ao modo como Simmel manejou suas analogias na
sua busca por articular tais projetos intelectuais visando
expor o nexo entre esse recurso e o ideal cognitivo da plas-
ticidade, concebido como princpio orientador dominante do
pensamento sociolgico e filosfico de Simmel.
THE ANALOGICAL PATH IN THE
THOUGHT OF GEORG SIMMEL
Abstract
In this paper I deal with the role of analogical reasoning in
the thought of Georg Simmel (1858-1918), one of the found-
ers of German sociology. My main goal here is to grasp the
relations between analogy-making as a cognitive resource
and the style of thought to which Simmel clings. As a first
step towards this, I gather the fragments of the history of
the concept of analogy that I consider to be the most rele-
vant to Simmels reception of it. After that, I put forward a
synoptic survey of the instances of analogy that can be iden-
tified in those of his works deemed to be the most influen-
tial to sociology, viz., his Philosophie des Geldes (1900) and his
Soziologie (1908). Finally, I face the question regarding how
Simmel handled his analogies as he set out to articulate
such intellectual undertakings aiming to lay bare the con-
nections between this resource and the cognitive ideal of
plasticity, conceived as a pervasive guiding principle of Sim-
mels sociological and philosophical thought.
Palavras-chave
Georg Simmel (1858-1918);
Analogia;
Pensamento alemo;
Histria da sociologia;
Imaginao
Keywords
Georg Simmel (1858-1918);
Analogy;
German thought;
History of sociology;
Imagination.
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