INSERÇÃO EXTRAJUDICIAL DA MULTIPARENTALIDADE NO REGISTRO CIVIL E SEUS EFEITOS JURÍDICOS
INSTRUMENT OF MULTIPARENTALITY IN THE CIVIL REGISTRY EXTRUDELY AND ITS LEGAL EFFECTS
Gislaine Aparecida dos Santos Rodrigues – [email protected]êmica - Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium de Lins
Mestre Meire Cristina Queiroz Sato – [email protected] - Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium de Lins
___________________________________________________________________RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o conceito de família, suas alterações ao longo dos anos e as novas formas de filiação, em especial o reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva. Tem como principal investigação a possibilidade do reconhecimento da dupla paternidade no registro civil, situação que surge por consequência do vínculo afetivo existente entre pais e filhos socioafetivos de famílias recompostas. Com as várias transformações no conceito de família ao longo do tempo, o critério socioafetivo tem prevalecido cada vez mais com grande importância no âmbito familiar, assim a paternidade socioafetiva mostra-se mais adequada pela relevância da relação de afeto e por abranger o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Por meio do método dedutivo e qualitativo com a pesquisa bibliográfica, buscou-se demonstrar, através deste estudo, a importância do reconhecimento da relação entre pais e filhos socioafetivos, não só pelo valor jurídico, mas principalmente pelo valor afetivo.
Palavras-chave: Paternidade Socioafetiva. Multiparentalidade. Registro Civil.
ABSTRACT
The present work aims to analyze the concept of family, its changes over the years and the new forms of membership, especially the recognition of paternity / socio-affective motherhood. Its main research is the possibility of recognizing the double paternity in the civil registry, a situation that arises as a result of the affective bond between parents and socio-affective children of families. With the various transformations in the family concept over time, the socio-affective criterion has increasingly prevailed with great importance in the family, so the socio-affective paternity is more adequate due to the relevance of the relation of affection and to embrace the principle of the best interest of the child and the adolescent. By means of the deductive and qualitative method with the bibliographical research, it was tried to demonstrate, through this study, the importance of the recognition of the relationship between parents and socio-affective children, not only for the juridical value, but mainly for the affective value.
Keywords: Family: Socio-Affective Parenting. Multiparentality. Civil Registry.
INTRODUÇÃO
A família, conforme a Constituição Federal, artigo 226, é considerada a base
da sociedade e, na maior parte de sua história, tinha como único objetivo garantir o
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patrimônio e a reprodução, independente da existência de afeto entre seus
membros. Contudo, atualmente, fundada nos princípios da igualdade, solidariedade,
liberdade, dignidade humana e afetividade, a família deixou para trás o objetivo
econômico e reprodutivo para abrir espaço para a efetivação dos direitos
fundamentais e o bem-estar de seus membros.
Com as mudanças que o Direito de Família vem passando, que são
constantes, cabe ao direito se adaptar a elas para regulamentar todas as possíveis
situações que poderão surgir. Com as novas entidades familiares surgem várias
questões que repercutem no mundo jurídico e devem ser solucionadas pelo próprio
direito, a exemplo são os efeitos advindos das novas formas de filiação existentes,
tais como os direitos civis e sucessórios.
Observam-se, atualmente, várias mudanças e reconstituições nos lares
familiares formando, assim, as famílias recompostas. Como exemplo, nos casos em
que um casal se case e ambos já tenham filhos do relacionamento anterior, podendo
surgir com o tempo uma relação de paternidade/maternidade socioafetiva gerados
por meio da convivência e do afeto. O Código Civil, em seu artigo 1.593 reconhece a
afetividade quando traz que o parentesco pode ser natural ou civil conforme a
consanguinidade ou outra origem, quando trata de outra origem entende-se pela
afetividade e, com isso, permitindo a parentalidade socioafetiva.
Contudo, com a paternidade/maternidade socioafetiva têm-se origem a
multiparentalidade, pois haverá a coexistência com a paternidade/maternidade
biológica tornando uma realidade que necessita de normas que a regulamente.
Neste contexto, o legislador procurando regulamentar as relações entre
padrasto/madrasta e enteado, promulgou a Lei nº. 11.924/2009 que trata da inclusão
do nome de família do padrasto/madrasta ao nome do enteado no registro civil sem
prejuízo ao apelido da sua família natural, se assim ambos desejarem. No entanto,
não foi claro quanto às formalidades e possíveis efeitos advindos do novo laço
filiatório, deixando lacunas quanto ao instituto da multiparentalidade. Com o passar
dos anos as ações para os casos de reconhecimento de paternidade/maternidade
socioafetiva só aumentou no Judiciário, e ao perceber o legislador a necessidade de
normas próprias para regulamentar esta questão e com o intuito de facilitar os
trâmites para o este reconhecimento, editou recentemente, em Novembro de 2017, o
Provimento de nº. 63 do Conselho Nacional de Justiça que cria modelos únicos para
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a certidão de nascimento, casamento e óbito, regulamentando o reconhecimento
voluntário e extrajudicial da paternidade socioafetiva e trata também da reprodução
assistida.
Dessa maneira, o estudo em questão visa analisar a cumulação de
paternidade/maternidade socioafetiva concomitante com a paternidade/maternidade
biológica no registro civil, formando assim a dupla paternidade no registro civil
procurando esclarecer as formalidades e todos os efeitos advindos desse
reconhecimento, tais como a guarda do menor, o parentesco advindo com este
reconhecimento entre tantos outros.
1 FAMÍLIA E O DIREITO À FILIAÇÃO
A família consiste na unidade basilar da sociedade, tendo sido a primeira
manifestação de agrupamento social verificada na História. Contudo, os conceitos
de família bem como a própria família, sofreram profundas mudanças ao longo do
tempo, tendo sido alterada a sua natureza, sua composição, sua concepção e,
sobretudo, a sua função, visto que hoje a família é encarada como o lócus da
realização pessoal de seus membros.
No Direito Romano a família era uma entidade que se organizava em torno da
figura masculina, que detinha todo o poder sobre os seus filhos, netos, sua esposa,
a esposa de seus filhos, e também era o responsável pelas finanças, pois não
existia o patrimônio da família, mas sim o patrimônio do pater famílias. Com a
decadência do Império Romano e ascensão do Cristianismo, a família patriarcal, que
a legislação civil brasileira tomou como modelo, desde a Colônia, o Império e
durante boa parte do século XX, entrou em crise, passando a família a ter sua
estrutura agregada aos parâmetros da Igreja. Eram definidos como família os
agrupamentos familiares fundadas no casamento, elevado este a condição de
sacramento.
Com Código Civil Brasileiro de 1916 se manteve o patriarcalismo, no qual o
homem é o chefe da família. A legislação civil consagrava o casamento como o
único instituto jurídico formador da família, dificultando a adoção e permitindo o
reconhecimento de filhos apenas quando não adulterinos. Somente com a
Constituição de 1988 que se inaugura o Estado Democrático de Direito, no qual o
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valor maior é a dignidade da pessoa humana. Sendo assim, a origem da família é
reconhecida como natural e, nesse sentido, passa a ser concebida de forma mais
ampla. O casamento, seja o civil, seja o religioso com efeitos civis, deixa de ser a
única forma de constituição familiar, uma vez que a Constituição de 1988
reconheceu, expressamente, a união estável entre homem e mulher e a família
monoparental, constituída por qualquer dos pais e seus descendentes. Desta forma,
o Direito de Família Contemporâneo superou o individualismo jurídico em busca de
uma sociedade livre, justa e solidária, inclusive pelos vínculos afetivos. A família
deixa de ser uma entidade política, para ser reconhecida como uma reunião de
pessoas ligadas pelo afeto, estabilidade, assistência mútua e responsabilidade
social (QUEIROZ, 2007, p. 181).
No ramo do Direito de Família um dos temas que mais sofreu influência dos
valores consagrados pela Constituição Federal de 1988 foi o da filiação, pois o
ordenamento jurídico consagrava tratamento diferente entre os filhos legítimos e
ilegítimos, que hoje não são mais aceitos. O princípio mais importante que traz a
Constituição Federal de 1988 é o princípio da igualdade, e quando se trata de
filiação o referencial norteador será o princípio da igualdade dos filhos, que é
contemplado no artigo 227, § 6. º, da Constituição Federal de 1988.
Neste sentido, não há mais distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, isso
porque a filiação é um fato da vida. Portanto, ser filho de alguém, dentro da família
contemporânea, independe de vínculo conjugal válido, devendo todos os filhos ser
tratados da mesma forma. Nesta linha estabelece o art. 1.596 do Código Civil: “Art.
1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação”.
Portanto, hoje, todos são filhos, havidos fora do casamento ou em sua
constância, mas com iguais direitos e qualificações. Atualmente a filiação tem
conceito único sem adjetivações ou discriminações. Desde a Constituição de 1988
não há mais filiação legítima, filiação ilegítima, filiação natural, filiação adotiva, ou
filiação adulterina. No entanto, atualmente no sistema jurídico a paternidade não
será determinada pelo critério da progenitura, mas sim pela função social de pai em
homenagem ao interesse concreto do filho e em respeito ao seu direito fundamental
de ter uma convivência familiar.
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1.1 As novas formas de filiação no atual cenário das famílias
A filiação é a mais relevante relação de parentesco existente na ciência
jurídica, que é estabelecida entre pai, mãe e filho, seja pelo vínculo biológico, afetivo
e por vínculo de afinidade. Para o direito brasileiro a filiação é biológica e não
biológica, pois é construída através da convivência e da afetividade. Segundo dispõe
Lôbo (2011, p. 216)
Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascidas da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga. Quando a relação é considerada em face do pai, chama-se paternidade, quando em face da mãe, maternidade. Filiação procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais, dependência, enlace.
Contudo nem sempre a família formada pelos laços afetivos foi respeitada e
aceita como entidade familiar pelo ordenamento jurídico pátrio, que antes era uma
legislação preconceituosa, com a extrema proteção da união matrimonial, renegando
qualquer formação familiar diferente do casamento.
Somente com a Constituição Federal de 1988, foi possível observar grande
mudança no conceito de família e filiação no ordenamento jurídico brasileiro,
alterando as antigas concepções, tais como a exclusividade e primazia da verdade
biológica para fins de constatação de estado de filiação. Na atualidade, o vínculo
familiar se dá pela afetividade e a figura de pai e mãe vem sendo cada vez mais
determinada não pela genética ou por presunção legal, mas pela convivência
afetiva.
A Constituição Federal de 1988 trouxe novas normas e reconheceu as
outras espécies de família, como o caso da união estável, considerando o núcleo
familiar não somente advindo da família tradicional, mas sim aquele formado por
qualquer dos pais e descendentes. Atualmente a visão de família é sob o aspecto
pluralista muito mais voltado para a afetividade, verificando-se as responsabilidades
e compromissos, fundados no amor entre os indivíduos.
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2 O RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA MULTIPARENTALIDADE
Diante da realidade da formação dos novos arranjos familiares, seja
matrimonial, homoafetiva, monoparental, formada por irmãos, pela união estável,
entre outras, o sistema disciplinador da filiação também foi alterado. Contudo, surge
a possibilidade jurídica do reconhecimento da filiação na multiparentalidade, a partir
de então o instituto passa a repercutir não só no cotidiano das famílias, mas também
no âmbito jurídico, cabendo ao legislador encontrar meios para regulamentar as
relações familiares da melhor maneira possível, valorizando a filiação socioafetiva
que tem como fundamentos, principalmente, os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana e da afetividade, entre outros.
O reconhecimento da multiparentalidade representa um avanço muito
significativo no direito de família, e isso mostra que o legislador acompanhou a
evolução dos novos arranjos familiares, que hoje é identificado pela presença do
afeto entre as pessoas. Neste sentido dispõe Kirch e Copatti (2013) que “a
multiparentalidade se propõe então a legitimar a maternidade ou paternidade
daquele que ama, educa e cria como se pai fosse, sem desconsiderar a mãe ou pai
biológico”.
Em novembro de 2017 a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça
publicou o Provimento n° 63, que anunciou novas regras voltadas para os Cartórios
de Registro Civil das Pessoas Naturais que regulamenta algumas alterações para
emissão de certidão de nascimento, casamento e óbito. Entre as novas regras
previstas está a possibilidade de reconhecimento voluntário extrajudicial da
maternidade e paternidade socioafetividade pessoas de qualquer idade, ou seja,
sem precisar recorrer a uma decisão judicial.
O Provimento nº. 63/2017 do CNJ foi criado com o objetivo de sanar as
dúvidas e auxiliar as decisões tomadas em casos de multiparentalidade, e é
considerado pelos juristas um importante avanço em matéria registral. Com este
Provimento foi dado um grande salto em relação ao cenário anterior, por conter em
seu texto a regularização e simplificação de questões que antes somente eram
realizadas por meio de intervenção judicial. Observa-se que este Provimento trouxe
à tona a posse de estado de filho, referindo-se ao filho de criação sem vínculo
sanguíneo e sem formalidades, onde existe uma relação advinda do afeto em que o
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filho chama seu padrasto de pai e também é chamado de filho. A partir deste vínculo
afetuoso que surge e solidifica a paternidade socioafetiva, tal como a paternidade
biológica ou adotiva. Conforme dispõe Salomão (2017) “O caminho a ser percorrido
possui determinadas fases, iniciando com o desejo de ser filho e de ser pai um do
outro, passando pelo afeto recíproco, pelo trato, pela fama, pela habitualidade, pela
ininterruptabilidade e pela estabilidade”.
Sendo assim, verifica-se que a paternidade socioafetiva assegura a
estabilidade social, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa em razão da
base emocional criada pelo reconhecimento diário e afetuoso do pai pelo seu filho.
Para que seja realizado o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva
o Provimento trouxe em seu texto alguns requisitos que deverão ser observados. No
artigo 10 e seguintes traz que o reconhecimento será realizado de forma voluntária,
de pessoa de qualquer idade e ocorrerá perante o oficial de registro civil das
pessoas naturais, mesmo que diverso daquele em que foi lavrado o assento, a
exibição de documento oficial de identificação com foto de requerente e da certidão
de nascimento do filho é requisito obrigatório. Uma vez reconhecida a paternidade
ou maternidade socioafetiva será ela irrevogável e somente poderá ser
desconstituída pela via judicial quando houver vício na vontade, fraude ou
simulação, ou seja, invalidação pelo juiz.
Para requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva
é necessário ter no mínimo 18 anos de idade, e no mínimo 16 anos a mais que o
filho que será reconhecido, independentemente do estado civil de qualquer das
partes envolvidas. Não poderão os irmãos reconhecer-se entre si como filhos uns
dos outros, muito menos os ascendentes. O Provimento trata ainda da anuência
pessoalmente dos pais biológicos, na hipótese de o filho ser menor de 18 anos de
idade e da anuência pessoalmente do filho maior de 12 anos de idade.
O Provimento não deixou de tratar da comprovação da posse de estado de
filho, exigindo-se no artigo 12 que nos casos em que houver suspeita de fraude,
falsidade, vício ou dúvida quanto à posse de estado de filho, o registrador deverá se
recusar a praticar o ato e fundamentará sua recusa encaminhando ao juiz
competente nos termos da legislação local. Desse modo, caberá ao Oficial de
Registro observar se realmente configura a posse de estado de filho, que é condição
indispensável à caracterização da filiação socioafetiva.
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Estabelece, ainda, em seu art. 14 que o reconhecimento deverá ser realizado
de forma unilateral, não sendo possível a existência de mais de dois pais ou duas
mães no campo filiação, devendo um dos pais e uma das mães ser registrais. Se
caso houver a vontade de reconhecimento conjuntivo, ou seja, do pai socioafetivo e
o pai biológico concomitantemente, configurando a multiparentalidade. Neste caso, o
registro civil deverá realizar dois atos, um para o pai biológico e outro para o
socioafetivo, e cada reconhecimento será lavrado em termo próprio, sendo o limite
máximo de dois pais e duas mães no registro.
Diante de todo o exposto, o Provimento nº. 63/2017 do CNJ permitiu o
reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva em todo o território nacional o
que antes acontecia somente em alguns Estados da Federação. Contudo, ao
reconhecer a filiação socioafetiva, reconhece também a possibilidade da
multiparentalidade extrajudicial, permitindo às famílias que a verdade real da filiação
esteja presente nos documentos do registro civil, sem precisar recorrer ao judiciário.
Com o reconhecimento jurídico da multiparentalidade tem-se como principal
objetivo a alteração no registro de nascimento para que de fato conste a
multiparentalidade, contudo, é oportuno falar das consequências e dos efeitos
advindos deste reconhecimento registral, até porque uma das consequências
imediatas deste reconhecimento é a criação do vínculo parental em todas as linhas e
graus, conforme leciona Cassettari (2017, p. 80)
Quando uma paternidade ou maternidade socioafetiva se constitui, essas pessoas estarão unidas pelos laços parentais, que dará ao filho não apenas um pai e/ou uma mãe, mas também avós, bisavós, triavós, tataravós, irmãos, tios, primos, sobrinhos etc. Já os pais também receberão, por exemplo, netos, bisnetos, trinetos e tataranetos socioafetivos.
Portanto, pelo princípio da isonomia não haverá hierarquia entre os tipos de
parentesco e fica evidente que os efeitos da multiparentalidade irão se operar da
mesma forma como ocorre nas famílias tradicionais, aplicando-se todos os efeitos
da filiação o do parentesco com a família estendida, ou seja, com os demais
parentes. Entretanto, para que isso ocorra é necessário e de extrema importância
que o reconhecimento da multiparentalidade seja averbado no registro civil para que
os efeitos possam atingir todos os indivíduos deste novo vínculo.
Contudo, resta claro que o filho socioafetivo terá os mesmos direitos
atribuídos ao filho biológico, sem destinção alguma, terá este os mesmos direitos
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civis tal como o nome de parentesco e inclusão do nome de família, direito quanto a
responsabilidade alimentar dos entes familiares, os mesmos direitos sucessórios
pois adquire a qualidade de herdeiro e concorrerá aos direitos previdenciários como
beneficiário do falecido.
CONCLUSÃO
No presente trabalho defendeu-se o valor jurídico do afeto na esfera do
reconhecimento da multiparentalidade, advinda do relacionamento existente entre
pai e filho socioafetivo, analisando a possibilidade da existência da dupla
paternidade no registro civil do filho socioafetivo, com a inclusão do nome de família
do pai socioafetivo sem a exclusão do nome do pai biológico.
A família é considerada a base da sociedade e o seu único objetivo de
garantir o patrimônio e a reprodução, independente da existência de afeto entre seus
membros, atualmente não existe mais. Hoje a família é fundada nos princípios da
igualdade, solidariedade, liberdade, dignidade humana e afetividade, deixando para
trás o objetivo econômico e reprodutivo para abrir espaço para a efetivação dos
direitos fundamentais e o bem-estar de seus membros.
Por meio do texto da Constituição Federal no artigo 226, fica evidente que
independentemente do formato familiar que seus membros escolhem, seja
homoafetiva, adotiva, parental, monoparental, recomposta, é do Estado a obrigação
de amparar e colaborar com toda a proteção que lhe couber.
Atualmente, o afeto é um fator marcante e é apontado como o principal
fundamento das relações familiares, mesmo que não previsto explicitamente na
Constituição Federal como direito fundamental. Entretanto a afetividade, como forma
de união entre as pessoas, adquiriu reconhecimento no sistema jurídico e o afeto foi
consagrado como direito fundamental e a filiação biológica e a socioafetiva
ganharam status de igualdade. Contudo, somente com a valorização do afeto como
elemento fundamental para as relações familiares o sistema jurídico passou a
reconhecer outras formas de família e a socioafetividade como elemento
caracterizador da filiação.
No decorrer da história das relações de família, de forma praticamente
uniforme, era impossível a existência concomitante de uma parentalidade biológica e
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outra afetiva, o reconhecimento de apenas uma era aceita para fins de registro civil e
consequentes efeitos familiares, tais como registral, pessoal, patrimonial e
sucessório. Entretanto, quando o reconhecimento da paternidade biológica ou a
afetiva era colocada de forma optativa, constatou-se certa preferência dos
doutrinadores e juristas pela paternidade socioafetiva. Porém a sobreposição de
uma filiação à outra não é a medida mais justa e nem a mais adequada diante da
realidade social e constitucional, visto que o que prevalece é o princípio da
afetividade para regulamentar questões como esta.
Diante da realidade da formação dos novos arranjos familiares, o sistema
disciplinador da filiação também foi alterado. Contudo, surge a possibilidade jurídica
do reconhecimento da filiação na multiparentalidade, a partir de então o instituto
passa a repercutir não só no cotidiano das famílias, mas também no âmbito jurídico,
cabendo ao legislador encontrar meios para regulamentar as relações familiares da
melhor maneira possível, valorizando a filiação socioafetiva que tem como
fundamentos, principalmente, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana e da afetividade, entre outros. O reconhecimento da multiparentalidade
representa um avanço muito significativo no direito de família, e isso mostra que o
legislador acompanhou a evolução dos novos arranjos familiares, que hoje é
identificado pela presença do afeto entre as pessoas.
O instituto da multiparentalidade surge da necessidade de solucionar o
conflito existente entre a paternidade biológica e a paternidade socioafetiva e é
resultado da mudança conceitual que se deu no conceito de família. Neste sentido,
na doutrina e na jurisprudência houve uma vasta discussão quanto à possibilidade
ou não da aplicação concomitante da parentalidade socioafetiva e biológica, uma
das maiores preocupações era quanto ao fato dos efeitos jurídicos que poderiam
surgir após o reconhecimento desse novo modelo familiar.
Contudo, não é qualquer relação decorrente de uma nova formação familiar
que será o suficiente para configurar o reconhecimento da multiparentalidade, sendo
necessária a comprovação da relação de afeto existente entre os membros da
família concomitante com a análise de cada caso concreto, até porque não é só o
reconhecimento em si, mas os efeitos jurídicos que surgirão como consequência do
reconhecimento da multiparentalidade, como exemplo da maneira de sua formação,
se a afetividade deve ser recíproca, qual é a ação judicial que deve ser proposta
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para discuti-la, se são devidos alimentos nesse modelo, se há direito sucessório, se
o parentesco socioafetivo liga o filho a todos os parentes do pai ou da mãe, se há
direitos previdenciários, entre outros que serão analisados posteriormente.
Diante do exposto, conclui-se que a família apresenta-se, na pós-
modernidade como uma realidade complexa modelada pelos costumes vigentes e
em constante mudança, em que os estudos não se esgotam por aqui, pois sempre
terá algo novo necessitando de regulamentação e o legislador deve estar sempre
preparado para acompanhar as importantes modificações no Direito de Família.
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