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XXXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Recife, PE 2 a 6 desetembro de 2011
TRNSITOS E CONECTIVIDADES NA WEB: UMA ECOLOGIA
AUDIOVISUAL1
Sonia MONTAO2
Suzana KILPP3
Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS, RS
Resumo
O artigo ensaia uma ecologia do audiovisual da web atravs da desconstruo de panoramas daplataforma Justin TV. O uso da metodologia das molduras para tais objetivos mostra como oaudiovisual construdo pela sobreposio de molduras discretas que se tornam ambincias nointerior das quais se do a ver as montagens, os enquadramentos e os efeitos de sentido. Otempo ao vivo, como um fluxo marcado por trnsitos e conectividades diversos um dos
principais sentidos oferecidos ao vdeo contemporneo nos confins da plataforma Justin TV,tensionando e ao mesmo tempo reciclando outros sentidos dados TV nos modos tradicionais.
Palavras-chave
Audiovisual; web; ecologia
IntroduoA imagem audiovisual se dispersa na cultura contempornea. Mesmo quando se
concentra em determinada rea para fins especficos, os usos e apropriaes que dela se
fazem socialmente transbordam as fronteiras do habituado na rea, permitindo conexo
de pessoas, tecnologias e imagens. O fenmeno pode ser bem observado nas
plataformas de compartilhamento de vdeos, nas quais ela aparece ao lado de outras,
tornadas afins segundo os mais diferentes critrios de afinidade imaginada pelos
usurios, colecionadores ou no.
De um lado, observamos a expanso funcional da imagem fora das mdias (para um
fim) e sua apropriao por elas (para outro fim), como o caso daquela captada por
cmeras de segurana que comparece no fluxo de um telejornal. Tambm podemos
pensar nos testes das neurocincias com macacos e braos robticos, por exemplo, que
1 Trabalho apresentado no GP Cibercultura, XI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicao, eventocomponente do XXXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao.
2 Doutoranda no Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade do Vale do Rio dos Sinos -UNISINOS, email:[email protected] Professora e pesquisadora do Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos - UNISINOS, email: [email protected]
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mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected] -
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so experimentos mediados por vdeo; ou nos usos da cmera no esporte profissional,
para captar detalhes dos jogos; ou ainda na medicina nuclear, que usa micro-cmeras
instaladas em nossos corpos para registrar processos orgnicos. Em algum momento,restos de tais imagens a princpio restritas a uma rea se inscrevem no fluxo de alguma
mdia chamada de massa (cinema, TV, Internet) ou no das chamadas mdias mveis,
locativas (telefone celular e aparelhos similares), instaurando um verdadeiro curto-
circuito em nosso referencial imagtico.
De outro lado, observamos que a imagem audiovisual das mdias contagia-se cada vez
mais por essas imagens (virais, em certo sentido), tornando-se mais grficas, por
exemplo; e contaminada por outras de natureza mais similar, produzidas com
finalidades prximas s das mdias (de comunicao), tornando-se esteticamente mais
improvisadas e eticamente mais testemunhais, por exemplo.
O acesso a ferramentas (hardware e software) para produo de vdeo tem se tornado
cada vez mais comum. Os equipamentos de gravao de som e imagem esto se
tornando ubquos, seja por diminuio de custos seja pela incorporao de mecanismos
de gravao em equipamentos cujo fim original era outro (como cmeras fotogrficas,
celulares e computadores mveis). A popularizao da conexo de banda larga e as
diversas plataformas online gratuitas para publicao, por sua vez, tornaram o acesso a
arquivos de contedo audiovisual mais simples, barato e veloz que na poca da internet
discada.
Por estas e outras razes podemos falar de uma generalizao do audiovisual, como
aponta Machado (2007). Ele destaca a presena do vdeo em novas modalidades: o
vdeo-streaming na internet, o vdeo baixado no celular, as live images e os vdeo
jockeys da cena noturna. Alm da videoarte que se transforma em artigo de luxo e passa
a ser vendida a colecionadores em galeria de arte, ele lembra tambm a exploso da
produo amadora e a ampliao dos meios de distribuio e de canais de difuso
exclusiva de vdeo na televiso. Para Machado, a caracterstica da imagem eletrnica
sua extraordinria capacidade de metamorfose: pode-se nela intervir infinitamente,
subverter seus valores cromticos, inverter a relao figura e fundo, tornar transparentes
os seres representados.
Eis por que falar de imagem e som eletrnicos significa colocar-se fora dequalquer territrio institucionalizado. Trata-se de enfrentar o desafio e aresistncia de um objeto hbrido, em expanso, fundamentalmente impuro, de
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identidades mltiplas, que tende a se dissolver camaleonicamente em outrosobjetos ou a incorporar seus modos de constituio. (MACHADO, 2007, p. 36).
Mais especificamente sobre o audiovisual da web, Kilpp e Fischer (2010), propem que
no atual estgio da tcnica o audiovisual espalhou-se de tal modo pelas mdias que seus
usos e apropriaes por profissionais e amadores saram do controle exclusivo das
grandes empresas de comunicao. Criaram-se importantes nichos que vm sendo
disputados acirradamente por diferentes setores relacionados produo, distribuio e
disposio de recursos para consumo e realizao audiovisual. Alertam, porm, que
neles ainda perduram as referncias tradicionais, analgicas, e as narrativas textuais
anteriores ao hipertexto. Para os autores,
O estudo das audiovisualidades decorre de um conjunto de aes articuladas earticuladoras de pesquisadores em torno de uma problemtica emergente nasmdias e na pesquisa em Comunicao, que se relaciona ao audiovisual latu
sensu como dispositivo central do atual momento do processo de globalizaodas culturas (Ib., p.40).
Ainda Kilpp (2010, p. 20), falando das imagens na web, se refere a uma
audiovisualizao da cultura:
Porque resultam de conexes e promovem outras, elas respondem a uma dasurgncias do dispositivo contemporneo, ensaiando vinculaes del (etreas)necessrias local-globalizao. Por conta dos usos e apropriaes que sefazem hoje do arquivo imagtico, que qualquer um rouba para comunicar-se, eque qualquer um incrementa com mais uma imagem qualquer, assistimos hoje auma audiovisualizao da cultura sem precedentes. O que isso? Qual anatureza imagtica desse audiovisual e dessa cultura?
Para responder a essas perguntas analisaremos aqui um recorte feito numa plataforma
especfica de vdeo, o Justin TV,site para transmisso de vdeos ao vivo. Discutiremos
como nele se enuncia o audiovisual da web, e o faremos a partir da metodologia das
molduras, um procedimento de anlise que possibilita uma ecologia do audiovisual e da
mdia.
Metodologia: molduras e ecologia audiovisual
A metodologia das molduras (KILPP, 2010a) implica inicialmente trs eixos conceituais
propostos pela autora (molduras, ethicidades e imaginrios) que so atravessados pelos
quatro conceitos basilares da obra de Bergson (1999) como intuio, lan vital, durao
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e memria, e pelos conceitos de imagicidade e cinematismo propostos por Eisenstein
(1990), escopo a partir do qual a metodologia visa autenticar as audiovisualidades
atualizadas em cada mdia e que, entretanto, permanecem em devir. Em suaprocessualidade, parte da dissecao de molduras discretas que so prprias de cada
mdia, que quando se do a ver as montagens, os enquadramentos e os efeitos de
sentido.
Nas molduras autenticadas percebe-se os quadros e territrios de experincia e
significao de construtos miditicos (as ethicidades), cujo sentido ltimo agenciado
por conta dos imaginrios minimamente compartilhados entre todos os partcipes de
processos comunicacionais. No imbricamento desses agenciamentos tecnoculturais
encontram-se, contagiam-se reciprocamente e atravessam-se ambientes miditicos e
ambincias socioculturais que os produzem; por isso, a metodologia autentica e age sob
e sobre uma ecologia audiovisual.
No caso de audiovisuais na web, as molduras mais slidas so aquelas que permanecem
(ou duram - so as molduras durantes) na tela do computador (fixo ou mvel)
conectado: o navegador, o link, a interface, o sistema operacional, as barras de
navegao, os menus, entre outras. nesse ambiente enunciativo que se produzem os
sentidos agenciados para as ethicidades4, isto , para as pessoas, fatos, acontecimentos,
duraes e objetos que a web mostra como tais, mas que so de fato conceitos ou cenas
do mundo.
A ecologia audiovisual a que nos referimos segue a esteira introduzida nos estudos da
comunicao por Marshall McLuhan. Para ele, os meios tm como efeitos a criao de
ambientes que so entendidos como processos em construo e dificilmente percebidos
por seus contemporneos. J as molduras so aqui consideradas ambientes atualizados
que produzem um territrio e ao mesmo tempo resultam de outro maior, uma ambincia
ou poca scio-cultural, a moldura primeira dessas imagens tecnoaudiovisuais.
Tal perspectiva intenta superar uma viso antropocntrica falida, j que no considera o
meio uma ferramenta ou instrumento de que podemos simplesmente fazer um bom ou
mau uso, perspectiva contra a qual McLuhan (1999, p. 25) se debateu, insistindo em que
qualquer tecnologia pode fazer tudo, menos somar-se, ou dobrar-se ao que j somos.
A perspectiva est em sintonia com a chamada ecologia profunda de Arne Naess (1970),
4 Frisamos que as ethicidades tm sentidos identitrios fluidos, justamente por conta do compsito de molduras emque so significadas.
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ramo do pensamento ecolgico surgido mais ou menos na mesma poca das reflexes
de McLuhan sobre o meio. A ecologia profunda se diferenciou da ecologia superficial
ou rasa ao pensar que nenhuma forma de vida tem um valor instrumental. Como explicaCapra
a ecologia rasa antropocntrica, ou centralizada no ser humano. Ela v osseres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todosos valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de uso, natureza. Aecologia profunda no separa seres humanos ou qualquer outra coisa domeio ambiente natural. Ela v o mundo no como uma coleo de objetosisolados, mas como uma rede de fenmenos que esto fundamentalmenteinterconectados e so interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valorintrnseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um
fio particular na teia da vida (CAPRA, 1998, p. 25-26).
Na metodologia das molduras o olhar do pesquisador necessariamente ecolgico no
sentido de que est desprovido de uma hierarquia prvia, quando, por exemplo, e ao
contrrio, se privilegia o teor conteudstico na anlise de um meio, e h um olhar que
hierarquiza e que no percebe como direcionado para tanto pelo prprio meio. Um
olhar enceguecido. A percepo das molduras, ethicidades e imaginrios presentes nas
imagens desnaturaliza o olhar e permite observar como todos os elementos numa
determinada moldura so relacionados entre si de forma tecnicamente discretajustamente para no ser percebida sua hierarquizao e os sentidos assim privilegiados.
Na cartografia de molduras do audiovisual na web, particularmente no Justin TV,
autenticamos construtos como o vdeo ao vivo, o canal, o usurio, a publicidade, o
prprio Justin, a TV, as mdias, o global e o local, o cidado e o estrangeiro. Sentidos
de trnsito e conectividade tm sido reverberados na enunciao dessas e de outras
ethicidades, o que nos leva necessidade de especificar algumas prticas habituadas no
site.
Trnsito e conectividades no Justin TV
O Justin TV 5 uma plataforma de transmisso e exibio de vdeos ao vivo que est no
ar desde 2007. Replica parte do nome de seu criador e apresenta-se ao usurio na home
(no linksobre ns) como um servio que nasceu da experincia de web broadcast24
horas por dia, de um homem chamado Justin Kan, que tinha sempre um chapu com
uma webcam, filosofia que se reflete na manuteno do princpio de vrias pequenas5 Disponvel emhttp://www.justin.tv/justinkan.
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http://www.justin.tv/justinkanhttp://www.justin.tv/justinkanhttp://www.justin.tv/justinkanhttp://www.justin.tv/justinkan -
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comunidades conectadas grande comunidade Justin TV, sempre sob a moldura
canais. Sua pragmtica contribuiu para a instaurao de um gnero chamado de
lifecasting (transmisso de vida), que pratica veicular ao vivo vdeos produzidos portelefone celular com aplicativos especficos para Android e Iphone; ou ento transmitir
ao vivo imagens-registro das 24 horas dirias de atividade de gatos, cachorros, galinhas,
etc, protagonistas diante dos quais se deixa uma cmera ligada, e que pode ser inclusive
uma cmera web.
Embora o site tenha agregado sua plataforma tambm canais profissionais de TV
(aberta e fechada) de diversas partes do mundo, a transmisso ao vivo da vida
desenrolando-se continua central no sentido que o Justin se atribui, e essa experincia
inaugural opera como importante moldura de todos os sentidos conferidos aos vdeos
que veicula.
A experincia audiovisual no Justin TV (e em outras plataformas de compartilhamento
de vdeo, com ou sem transmisso ao vivo) deve ser pensada em sua moldura primeira:
o contexto scio-cultural do qual ela emerge. Se adotarmos a perspectiva ecolgica de
McLuhan (1999, 1967), que v os distintos meio ambientes tecnolgicos no como
meros realizadores ou veiculadores de produtos aos quais as pessoas se conformam, e
sim como extenses de processos ativos de comunicao, podemos tentar compreender
o ambiente que emerge dos novos meios6, principalmente a partir de suas qualidades de
ubiquidade e pervasividade. Um dos modos como elas so pensadas na informtica a
ubiqidade como qualidade de estar ao mesmo tempo em toda parte e a pervasividade
como a qualidade de se espalhar, de se difundir por toda parte por meio de diversos
canais, tecnologias, sistemas, dispositivos etc. Tambm podemos pensar a primeira
como um tipo de conectividade de tempos e espaos e a segunda como um tipo de
trnsito.
Entre os autores que analisam a contemporaneidade, Bauman (2004) pontua que com as
redes e as tecnologias mveis, telefone celular e GPS, a conectividade passa a ocupar o
centro de uma cultura marcada por compras online, cursos de ensino a distncia,
namoro pela internet, mensagens instantneas etc. Ela permite uma experincia
6 Estamos usando aqui a expresso novos meios conforme proposio de Manovich (2005; 2006). O autor diferenciadois campos de pesquisa diferentes sobre realidades semelhantes: o que se chamou de cibercultura e o que ele chamade novas mdias. A primeira, como o estudo de vrios fenmenos sociais associados internet e outras formas decomunicao em rede. O estudo das novas mdias se ocuparia, entretanto, segundo o autor, de objetos e paradigmas
culturais capacitados por todas as formas de computao, e no apenas pela rede. Ele resume dizendo que acibercultura concentra-se no social e na rede; as novas mdias concentram-se no cultural e na computao(MANOVICH, 2005, p. 27).
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ininterrupta, possvel e desejvel de trnsito, e para isso esto nossos telefones celulares
com baterias devidamente carregadas e com reas de cobertura cada vez maiores. Como
enfatiza o autor (Ib. 2004, p. 78), voc no iria a nenhum lugarsem o celular (nenhumlugar , afinal, o espao sem um celular, com o celular fora de rea, ou sem bateria).
Estando com o seu celular, voc nunca estfora ou longe. Encontra-se sempre dentro
mas jamais trancado em um lugar.
Para o autor (2004, p. 52), essa lgica da conectividade d tambm o tom aos laos
humanos, que passaram de relacionamentos a conexes, e de parceiros a redes;
diferentemente de parentescos, parcerias e relaes similares que ressaltam o
engajamento mtuo, ao mesmo tempo que disfaram o fato de no haver compromisso
com os outros , uma rede serve de matriz tanto para conectar quanto para
desconectar; no possvel imagin-la sem as duas possibilidades. Na rede, elas so
escolhas igualmente legtimas, gozam do mesmo status e tm importncia idntica. o
caso dos chats em que pertencemos ao fluxo das mensagens, das palavras truncadas e
abreviadas para acelerar a circulao porque pertencemos conversa, no quilo sobre o
que se conversa. A nica questo manter o chat funcionando. O silncio equivale
excluso (BAUMAN, 2004, p. 52). A nosso ver, esse fluxo no qual a grande rede
parece nos inserir tem uma forte qualidade audiovisual.
Em outro texto o autor destaca tambm a mobilidade como caracterstica da
globalizao, ainda que revelia dos sujeitos. Bauman sugere que estamos em
movimento mesmo que fisicamente nos parea estarmos imveis, e que a imobilidade
no uma opo estrategicamente realista num mundo em permanente mudana. O
autor lembra que a histria moderna foi marcada pelo progresso constante dos meios de
transporte, e que os transportes (e as viagens) foram campos nos quais a perspectiva
tornou-se rpida e radicalmente outra; o progresso a no resultou apenas na
multiplicao de diligncias necessrias ao transporte, mas implicou a inveno e
produo de meios de transporte inteiramente novos, de massa, como trens e avies. No
que mais nos interessa sobre o transporte, o autor frisa que
Dentre todos os fatores tcnicos da mobilidade, um papel particularmenteimportante foi desempenhado pelo transporte da informao o tipo decomunicao que no envolve o movimento de corpos fsicos ou s o faz
secundria e marginalmente. Desenvolveram-se de forma consistente meiostcnicos que tambm permitiram informao viajar independente dos seus
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portadores fsicos e independente tambm dos objetos sobre os quaisinformava: meios que libertaram os significantes do controle dossignificados (BAUMAN, 1999, p. 21).
A defasagem entre a acelerao dos movimentos dos meios de transporte da informaoe a dos movimentos dos sujeitos da informao gerou uma crise de paradigma: pela
primeira vez na histria o transporte da informao adquiriu mais velocidade que o dos
corpos; depois da TV via satlite, a rede mundial de computadores terminou invertendo
a noo que se tinha de viagem e de distncia a ser percorrida: a informao hoje
instantaneamente disponvel em todo o planeta, enquanto que os sujeitos da informao,
embora mais rapidamente moventes pelos modernos meios de transporte de corpos,
ainda so mais lerdos do que a informao.O movimento da informao e principalmente das redes conectadas gera, ento, um tipo
de trnsito diferente daquele do transporte. um tipo de movimento ps-territorial, que
no mais geogrfico, mas puro fluxo, como explica Di Felice (2009). O autor fez uma
tipologia das relaes entre sujeito e territrio engendrada pelo meio: a escrita, por
exemplo, cria um tipo de viagem que expande as cidades, como foi no colonialismo,
quando entre o sujeito e a paisagem havia um projeto, um texto; j atravs da
eletricidade a paisagem da cidade se transforma numa forma duplicada e mvel como apaisagem desfocada que tem algum que olha pela janela do nibus ou do elevador,
tratando-se de uma forma de deslocamento sem movimento: o sujeito movido
mecanicamente, e a paisagem se movimenta mecanicamente na cidade. Mas tambm no
cinema, que surge nessa poca. Com os novos meios, a sociedade apresenta-se em
fluxos comunicativos. Di Felice pensa, por exemplo, no movimento que temos emsites
como o Second Life ou numgame;mas tambm no movimento de um motorista que se
orienta na cidade pelo GPS, ou no do pedestre que acessa dados em seu telefone celular
diversas vezes enquanto anda.
Nesses casos o trnsito um falso movimento, e assemelha-se mais a um contexto de
imerso. A paisagem deixa de ser algo pontualmente geogrfico e fsico dos sujeitos e
se expande na forma de teia tramada instante a instante apesar dos sujeitos (rede de
informaes). Esta experincia produz um movimento que no est ligado a uma ao
no espao. No mais uma movimentao em que algo passa de um lugar para outro:
uma forma de trnsito, de passagem de um lugar para o mesmo lugar, qual o autor
chama de atpica, e que est em constante transformao. Sinergia entre sujeito,
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Figura 1-canal do Justin TV com molduras de canais relacionados e compartilhamento comredes sociais
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territorialidade e tecnologia informativa, transitar entrar no fluxo informativo,
movimento que no mais nem o do nmade nem o do sedentrio, mas uma terceira
forma levantada por Deleuze e Guattari (2000) no exemplo do arteso que fica imersono fluxo da madeira.
Alm da arquitetura e a geografia, o habitar atpico no mais ligado nascoordenadas topogrficas nem a um genius loci, mas a fluxos informativos e auma espacialidade mutante, nem externa nem interna, um habitar nemsedentrio nem nmade que por meio da tecnologia wireless e da computaomvel, faz do corpo o suporte da informao aglomerando a biomassa com ainfomassa numa inter-relao fluida (DI FELICE, 2009, p. 226).
Ou seja, dessa nova forma de movimento emerge tambm uma nova forma de habitar,
na qual no h territrio para atravessar, nem tampouco geografias em que residir.
Quando vemos o modo, bastante praticado nossites de compartilhamento de vdeos, de
rodear um player principal com vdeos relacionados ou canais relacionados (no
caso do Justin, onde o
canal mais
importante que o
vdeo), e as molduras
que convidam a
compartilhar ou a
direcionar esse vdeo
para outras redes
sociais nas que o
usurio est tambm
devidamente
conectado ( figura 1), pensamos ser essa
uma das formas de tais plataformas sugerirem trnsitos (uma ethicidade, lembramos!);
um convite a realizar um movimento ps-territorial: entrar no fluxo.
Nesse novo contexto, trnsito e conectividade comparecem na web como um construto,
como duas realidades inseparveis. A conectividade sobretudo uma promessa de
trnsito, de poder andar solto em todas as direes, sem fronteiras, deslizar no mundo
global. Por sua vez, o trnsito uma promessa de conectividades de diversas naturezas(humanas, tecnolgicas, imagticas) a cada passo dado.
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Este cenrio ou ambiente, a moldura primeira, produz uma srie de mudanas nas
molduras segundas. A ambincia (web) onde o Justin TV (e as plataformas de vdeo em
geral) est sitiado e acessado no a mesma da TV tradicional. Se bem que a TV podeser assistida em lugares pblicos como estaes, bares, consultrios, sua principal
ambincia a casa. na prpria casa que se assiste a mais tempo de TV e a casa que
moldura as grades de programao de TV, importantssima moldura da televiso, pois a
programao das emissoras dirigida a um pblico que imaginariamente seria o que
est em casa em tal momento: dona de casa = programas de culinria; crianas =
desenhos animados; famlia = jornal. A ambincia do Justin (TV!) pode, no entanto, ser
pensada como o prprio trnsito atravessando espaos que estavam antes to
delimitados - mais no imaginrio do que na vida vivida, bem verdade, assim como os
espaos da casa e da rua nos modos como DaMatta (1999) os aborda.
por isso que o novo ambiente recicla os velhos e instaura os novos espaos sociais,
demandando inclusive novos imaginrios. Telefones celulares, micro e nano
computadores so responsveis pela possibilidade da continuidade ininterrupta de
diversas conexes, e o movimento de imerso no fluxo se torna a ambincia primeira,
ainda que coexistente com os outros modos de trnsito referidos por Di Felice (2009).
Assim, o trnsito e a conectividade possibilitados pela tecnologia (web) caracterizam
tanto o contexto contemporneo quanto a ambincia na qual assistimos ao vdeo. A
ambincia da TV tradicional j nos possibilitava uma srie de conectividades que o
cinema no permitia: como constataram Barbero e Rey (2001, p. 33), o fluxo televisivo
constituiu a metfora mais real do fim dos grandes relatos pela equivalncia de todos os
discursos, pela interpenetrabilidade de todos os gneros e pela transformao do
efmero em chave de produo e em proposta de gozo esttico. A nova experincia
trazida pela TV remetia aos novos modos de estar juntos na cidade. Segundo os autores,
Ao mesmo tempo em que desagrega a experincia coletiva, impossibilitando o
encontro e dissolvendo o indivduo no mais opaco dos anonimatos, [a TV] introduz uma
nova continuidade: a das redes e dos circuitos, a dos conectados. Contudo, o tipo de
conectividade referida passa muito mais pela experincia da recepo que indivduos ou
pequenos grupos tm em comum em meio ao caos urbano e na solido de cada
apartamento. J a conectividade construda pelo Justin e pela transmisso ao vivo do
audiovisual da web de outra natureza ainda.
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Figura 2- uma das marcas visuais do Justin TV
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O vdeo ao vivo como trnsito e conectividade no Justin TV
O lema do Justin (a plataforma) em 2009 era live video and chat for everyone (vdeo ao
vivo e bate-papo para todos); atualmente streaming live video broadcasts for everyone(transmisso de vdeo ao vivo para todos). Isso visvel na barra de navegao superior,
que embora varie conforme o navegador usado, em todos os casos uma importante
moldura da ethicidade Justin TV que, por sua vez, moldura toda a plataforma. O vdeo
ao vivo assistido ou explorado, a transmisso, o todos e, talvez num segundo
plano, o bate-papo (que sempre ao vivo) so centrais na produo de sentidos sobre a
plataforma.
Uma das marcas visuais (figura 2) com as letras JTV brancas sobre fundo azul e um
pequeno crculo vermelho no lado superior direito, um dos construtos que mostra a
centralidade que tem o vdeo ao vivo na plataforma. Esse crculo vermelho aparece
tambm na primeira pgina do Justin (figura 3A), nas chamadas de vdeos. Essa pgina
funciona quase como uma ante-sala, onde o visitante que ainda no faz parte da
comunidade a acessa ao digitar o url, ou que chega a ela por um site de busca. Nessa
pgina (figuras 3 A e 3 B), ele convidado a cadastrar-se ou, se j
cadastrado e no salvou sua senha no hardware por onde est
acessando, convidado a fazer login7. Na pgina inicial, ento, h
uma chamada para assistir aos vdeos ao vivo, que aparece num
conjunto em que h um player (que roda um vdeo) e 4 quadros,
direita do player, onde esto sobrepostas uma imagem, o nome do
canal (canal e usurio so a mesma coisa no Justin), e
novamente o crculo vermelho que aparece na marca visual como sinal do ao vivo. O
vdeo que roda no player mostra o boto vermelho somente quando o mouse apoiado
no player, neste caso, ento, a marca do tempo ao vivo se mostra quando o usurio
interage.
Contudo, o crculo vermelho no canto superior direito a marca da cmera quando
estamos filmando, seja gravando ou transmitindo ao vivo; no um sinal para quem
assiste e sim para quem est olhando pelo olho da cmera. H aqui uma construo que
d transmisso em tempo real sentidos mais largos de tempo, como se fosse um tempo
produzido tanto por quem transmite quanto por quem assiste: um tempo que conecta.
7 Termo ingls que significa conectar-se a algo, mas j est generalizado seu uso em portugus como mostra a figura2 fazer login.
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Figura 3B: pgina inicial do Justin TV (parte inferior)
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A associao entre o olho que observa pela cmera e o que v o vdeo no player sugere
sentidos de mo dupla, reforados nas pginas dos canais pelo chat. O ao vivo do Justin
anunciado como um tempo conectivo onde o usurio transmite e ao mesmo tempo vo que est sendo transmitido e onde quem assiste se comunica ao vivo com quem est
transmitindo, interferindo permanentemente na programao do canal, como podemos
ver principalmente nos gneros lifecastinge a interao com os participantes do chatda
plataforma.
H no Justin, portanto, fortes enunciaes sobre ndices que eram e so complexos na
televiso tradicional, como o canal, o lugar do espectador na programao, a prpria
transmisso e os autorizados a transmitir. Sentidos que esto condensados numa
temporalidade que est sendo chamada de ao vivo e apresentada como um tempo
conectivo, j no como aqueles conectados referidos por Barbero e Rey, mais
relacionados experincia de assistir, por exemplo, a uma copa do mundo ou a um
captulo final de novela. um tipo de conexo que atravessa (transita por) experincias
diversas como assistir, transmitir a prpria vida e ser assistido; interferir no que est
sendo transmitido e formar comunidade.
Na ante-sala do JTV (figura 3A) h dois
destaques na barra superior de cor preta que
apontam para a construo do ao vivo como uma
constelao em movimento, densa em
conectividades. Podemos ver na moldura preta
superior o Justin tv e ao lado o canais ao
vivo, sendo ambos links para o contedo
audiovisual dosite: o primeiro acessa a lista de
canais (todos) e o segundo privilegia a remisso
a um em especial (o das transmisses em
direto). o tom do universo Justin, um
universo em que produtores e mvel
ocupam as primeiras posies de leitura e,
talvez, de acesso, e o gnero
lifecasting atravessa diversas categorias (figura 3C). No extremo direito, em fique ao
vivo, em fundo vermelho (que parece ser a cor do ao vivo) est o link para o canal dousurio, que necessrio acessar para comear a transmitir.
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Figura 3A: pgina inicial do Justin TV (parte superior)
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Figura 3C: pgina inicial do Justin TV com mouse overde canais ao vivo
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Abaixo, a maior parte da pgina est moldurada com fundo branco. H um player no
qual um vdeo est se
desenrolando e, do seulado, quatro quadros com
outros vdeos disponveis
para rolagem; acima de
todos, em letras brancas
com fundo azul, a palavra
explore (que um link)
remete ao conjunto de
vdeos do Justin. Esse
conjunto de vdeos acessveis
enunciado pela palavra explore instaura outra moldura com, as frases Assista o que
est acontecendo e navegue por todos os 2.686 canais ao vivo, que recorta do
conjunto um sub-conjunto, enunciado assim hierarquicamente superior: o dos vdeos ao
vivo. Mas esses termos assim dispostos tambm conferem experincia do usurio
sentidos imperativos de explorao, de aventura, de ao continuada e de fluxo. O
tom imperativo perpassa os convites a transmitir, reforando que se trata de uma mesma
durao, um tempo ao vivo de uma ao contnua, um trnsito nico, um fluxo no qual
se entra seja para transmitir ou assistir e participar do chat necessariamente!
Se na parte superior da pgina enuncia-se fundamentalmente a experincia de assistir o
audiovisual da plataforma, na parte inferior (figura 3B), o acento est na transmisso.
esquerda lemos transmita que voc est fazendo (sic), Comece agora a conhecer
novos amigos e divirta-se. Duas frases que relacionam a transmisso com a
cotidianidade e com um tipo de sociabilidade, de conexo. O conjunto que convida a
transmitir se compe, alm dessas duas frases com o desenho de uma cmera e uma
moldura amarela que sugere um postite (papel adesivo para mensagens rpidas), com
trs passos escritos. H aqui sentidos de simplicidade e cotidianidade que so oferecidos
ao ato de transmitir e, por tanto, plataforma. A cmera aparece na forma de um
desenho minimalista de cmera tosca (inclusive, uma parte dela est oculta pelo
postite): diz-se, assim, que no preciso uma cmera profissional ou sofisticada; no h
destaque para os atributos da cmera, portanto pode-se usar qualquer uma. Tais sentidosconferidos cmera reforam o carter funcional desejado: o que importa que ela
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funcione para nos conectar audiovisualmente em tempo real. No postite h um passo-a-
passo, um como fazer sem se perder: assim, impossvel errar; ou seja, o que importa
mesmo a conexo fcil em tempo real.Arlindo Machado (2000, p.126) j apontava o ao vivo e a transmisso em direto como a
principal novidade introduzida pela televiso dentro do campo das imagens tcnicas.
Para ele, as condies ao vivo parecem contaminar o restante da programao televisual
e imprimir nela as suas marcas de atualidade. O excesso e a incompletude do tempo
real, segundo o autor, ope-se ao tratamento que a indstria cultural d a esse mesmo
tempo, impondo-lhe uma espcie de controle de qualidade por assepsia, uma purificao
do produto de todas as suas marcas de trabalho.
J dizia McLuhan (1999, p. 359) que o ao vivo, o mostrar as coisas (factuais) enquanto
elas esto acontecendo o que faz a televiso mais veicular processos do que produtos.
Para o autor, a imagem de TV gera formas de inter-relao do tipo faa voc mesmo
em um tempo que conectivo, que convida o espectador antes de tudo a entrar em
fluxos. De alguma forma esse imaginrio do ao vivo processual e incompleto, no qual,
instrumentalmente, se pode e quase que se deve interferir a todo e qualquer momento,
comparece enunciado na plataforma do Justin, ainda que ressignificado no horizonte de
um novo broadcaster, que o do chamado proprietrio do canal, na forma em que ele
aparece no chate em outros momentos da navegao pela plataforma.
Ainda na pgina inicial, na metade inferior direita (figura 3B) est a moldura que
transforma um passante qualquer em usurio, em cidado do Justin, uma vez que ele
informa os dados ali pedidos (usurio, senha, aniversrio e email) e faz um
clique na moldura registrar-se. O passante adquire a um login, passa a integrar a
comunidade Justin TV e se torna proprietrio de um canal no qual pode transmitir e
guardar transmisses passadas.
Um usurio do Justin s tal se est conectado internet e conectado ao Justin. Nesse
sentido, algum que se registra, embora tenha as mesmas possibilidades de assistir de
quem no se registra, moldurado de forma diferente: ele o que dispara, no Justin,
nem tanto pelo vdeo que produz e veicula, mas mais pelas conexes que promove e
pelos trnsitos que realiza, uma ecologia audiovisual, nos limites ecolgicos do
ambiente que o inventa, significa e autoriza a agir. Ater-se ou no a esses limites passa
por questes que no foram pautadas nesse texto.
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