einaudi parentesco i

38
/. I · Enciclopédia Einaudi volume 20 Parentesco J IMPRENSA NACIONAL· CASA DA MOEDA

Upload: guilherme-cardoso

Post on 28-Oct-2015

81 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: EINAUDI Parentesco I

/.I

·Enciclopédia Einaudivolume 20

Parentesco

J

IMPRENSA NACIONAL· CASA DA MOEDA

Page 2: EINAUDI Parentesco I

íNDICE

__\ 1.,.••.••1. ,:A~oLJ.,;,.fl"f) 1 -." \1i.'~r_le..~."".v~,~

/ <UG. ~ e;.,z,~,11 Masculino/feminino (Françoise Hériticr)

21 Parentesco (Françoise Hériticr). . ... ~.'lk"'."' ...ll"""':)'\kH.J

I . 81 ,Fam11ia (Françoise Hériticr) -l..•.."',,"c .. '1'>0 ,.;", ',;,,1,-J'<1 , "~ •..••••

l.',,~~.l - 95· I t (F . H~'b' \ '_.-nces o ranço18C. .•••.•cri'" IC''"'''''' V,""'/<, "'. "Q'~""'''&5 L-,S;- 125 Endogamialexogamia (,Françoise Héritier)~ 140 Casamento {FraaçoiIe Htriticr) :of'

/141 'Homemluulber ~ Godelicr),/165 Mulhcr (Fnnca otigaro Basaglia)

199 Casta (Valerio Valeri)220 Totem (Alain Tcstart)

,241 Plano da obra249 Gráfico

1"19 '\ 6-i:'...-').t1,;.l .~'jj).\"","- ~)~ ~

("'ll~'" ~~~.,)..e. )r •••.•••.~"'" ~~ r.o..\~ " '-J'('G""~' >,0.. ~1.,.

r·i

.'

DireClor

Ruggiero Romano

ConndlOru do projeclOAlfredo Salsano, Giorgio Benoldi, A1essandro Fontana,

Jean Petitot, Massimo Piallelli Palmarini, Massimo Galuzzi,Fernando Gil, Krzysztof Pomian, Giuseppe Geymonat,

Giuseppe Papagno, Gian Paolo Caprettini, Renato Betti,Giulio Gioreno, Clemente Ancona.

EDlçAO PORTUGUESA

Coordtnodor-respomáwlFernando Gil

SureUlriado

Vasco Rosa, Leonor Rocha Vieira

OriIfItaFIJo gráfu:aGabinete Editorial da INCM

C 1989 Imprenn Nacional·Casa da Moeda

l"l~q-(~

Page 3: EINAUDI Parentesco I

... ~,

,

TraduçiJa

Magda Bigone de Fipciredo (Cuamento, BudopmiaIexopmia,Fam1Iia, Homem/mulher, MucuJiDolfemilllno,

Parentesco, Totem),MarprIda Santos (Mulher),

. R.ui SIDWII Brito (Cata),ToDIIZ Vez da snva (lDcato).

~ ·,..1'*l!.••NOTA DO EDITC1k

Na sua venlo original, esta Erteic/opldia dispOe-se alfabeticamente, de eÁbacoo a~cZeroa, num 'total de 551 entradas em 14 volumes. A Erttic/opldia foi pomn COIICe­bida tematicamente, DI forma de 79 conjuntos de entradas. No fim de cada umdos volumes da presente ediçIo, o leitor eDCODtrIrio gdfic:o da obra, tal como elase distribui pelos conjuntos tem4ticos: os conceitos sublinhados - chamados por­t4IIIti DI ediçIo italiana, quer dizer, «portadores. do conjunto - correspondem aostítulos dos nossos volumes. Com efeito, DI ediçIo portuguesa os conjuntos foramreagrupados, segundo um critério de proximidade conceptUlI1,num CDT/1IU de 41 volu·mes. 8eguir·se-Ihes-lo dois outros que correspondem ao vol. 15 da ediçlo italiana(Sútllftdtica). Neles se apuram as correlações internas e as grandes linhas de fundoda BneiclopIdia.

ApóI cada artiao, um pequeno texto, da responaabilidade da redacçIo da Enci·c/opIdia, deman:a í problClÚtica global rapec:tiva; nesse texto, as palavras em itá­lico 810 deIignaç(les de outras entradas da obra. Todos os artiaos propllem assimitinedrioa de leitura - difemltcs em cada caso - atra~s do torpIU. NIo se trata,naturalmente, de recomeDdlÇGesrfaidas de leitura mas tIo-só de indicaç(les, que suge­rem 10 mesmo tempo os encadeamentos na base da Ertticlopidia; e convidam tam·~ o leitor a CODltruiros seus próprios percursos. A circu1açlo dos conceitos estáainda _",Iada por um sistema de ref~ cruzadas dentro das próprias entradas,

Os nomes de autores que figuram no texto dos artigos entre pmnteses rectos,assim como as dataa entre puinteses rectos que se seguem aos nomes dos autores,reeovWn aos dados bibliogdtIcos completos no fim de cada entrada. SIo indicadas•• traduçaea portU&Ue8ISaiJtentcs. Estes dados bibliogrdficos refemn-ao unicamenteu obras citadas ou meDCioDadano corpo dos artiaos: nIo alo de modo ~ biblio­grafias. Os títulos das obras em italiano, frances, ingles, espanhol, citadas no corpodos artiaos, alo indicados DI llngua original. Quanto u obras em alemlo, russo,úabe, chines, ele., menciona-se no texto do artigo o título em portugUes, seguidopelo título original entre pmnteses curvos, se 010 se reenvia aos dadoS bibliognfi·cos; se po«m tal reenvio é feito, o título original achar-se-1Inesses dados. No quese refere aos c1úsicos gregos e latinos limitamo-nos a dar o título em português nocorpo do artigo, com as indicaçOes necessárias para identificar os passos citados. Aspalavras em hebreu, grego, úabe, etc. foram transliteradas.

As datas entre pmnteses rectos nos dados bibliognficos alo as da composiçloda obra ou representam uma referência cronológica diversa da 1.. ediçIo (que figura,com indicaçlo do autor e do lugar de publicaçlo, depois do título), por exemplono caso das obras póstumas.

Page 4: EINAUDI Parentesco I

MASCULINOIFEMININO

, A sociedade ocldeSltal,pI[Il,'qUC',pl a observa, caracteriza-se por uma claradominaçlo masculina. A subotdinaçio da mulher é evidente no domínio dopolítico, do cconómico, do simbólico. Hll poucas representantes femininasno~ órgãos locais ou centrais de governação (executivos ou administrativos).No plano económico, as mulheres estio a maior parte das vezes confinadasl esfera doméstica, da qual, alills, n10 saem, nunca absolutamente: de facto,as mulheres que exercem uma actividade remunerada (artesanal, coJnercial,etc.) devem na prlltica coordenar as duas actividades. Quanto tem activida­des fora do campo doméstico, é raro que as mulheres coniigam ascenderao topo, aos cargos de responsabilidade, de direcçio, de prestígio, na suaprofisslo.

No plano do simbólico, orientado pela tradiçlo e pela educaçlo dada aos ,filhos, as actividades valorizadas e apreciadas 810 as que os homens exer­cem. Para além disto, um conjunto de juizos de valor põe em evidênciadiferenças, apresentadas como naturais e irremedi4veis tanto quanto irrecu·sllveis por este facto, no que respeita ao comportamento, ls acçOes,ls capa­cidades, ls «qualidades» ou aos «defeitos», considerados como marcados poruma importAncia tipicamente sexual: um discurso negativo mostra as mulhe­res como criaturas irracionais e ilógicas, desprovidas de espírito crítico, curio­

~discretas, faladoras, incapazes de guardar um segredo, rotineiras, poucodota~ de espírito inventivo, pouco criativas especialmente nas actividadesde tipO"intelectual ou estético, medrosas e cobardes, escravas do seu corpoe, dos seus sentimentos, pouco aptas para dominar e controlar as suas pai.xões., inconsequentes, hist&icu, inconstantes, pouco dignas de confiança eaté mesmo traidoras, manhosas, ciumentas, invejosas, incapazes de seremboas camaradas entre si,' indisciplinadas, desobedientes, impúdicas, volúveis,perversas. .. Eva, Dalila, Galateia, Afrodite. •. Existe um outro género dediscurso aparentemente menos negativo. Frllgeis, caseiras, pouco dotadastanto para a aventura intelectual como para a aventura física, doces, emoti·vas, amantes da paz, da estabilidade e do conforto do lar, fugindo das res~ponsabilidades, incapazes quer de espírito de decisão quer de espírito decontinuidade, crédulas, intuitivas, sensíveis, ternas e pudicas, passivas, asmulheres têm por natureza necessidade de ser submetidas, dirigidas e con·troladas por uin homem.

II

! I••

Page 5: EINAUDI Parentesco I

Em ambos os casos, e sem DOSpreocuparmos com as contradiçties(a mulher ardente, a mulher fria; a mulher inconstante, a mulher flel, anjodo lar; a mulher pura, a mulher corrupta e impura, ele.), este disculso aim­b6Jico remete para uma naturaa feminina, morfológica, biológica, psicoló­gica. As Kries de qualidades enumeradas têm um sinal negativo. ou depre­ciativo, ao passo que as .mes qualitativas masculinas correspondentes têmsinal positivo ou valorativo. Exiate um sexo principal e um sexo ~­rio, um sexo «ÍOl'tCte um sexo cfraco», um espírito «ÍOl'tCte um espírito«fraco». Esta fraqueza natural, co~nita, das mulheres implica e le8itimaa sua sujeiçlo, at~ a do pnSprio corpo.

Nlo se ponl aqui a questlo de saber se esta re1açIo Dlo igualitária. elos

sexos na sociedade ocidental pode e deve mudar e, no caso afirmativo, em

que modalidades, mas colocar-se-Io duas questlies totalmente diferentes.B passtvel dizer que esta dominaçlo masculina ~ universal? Se aim. ondese situa a origem, a explicaçlo desta desigualdade inata entre os sexos?

NIo ~ de maneira nenhuma certo que se disponha de um recenseamentoexaustivo das sociedades humanas existentes ou que tenham existido, e ~indubitável que todas as sociedades conhecidas Dlo 810, por esse motivo,necessariamente descritas. E, quando o do, Dlo ~ fOlÇOSlmentede umamaneira que ponha em evidência a natureza da re1açlo entre os homens eas mulheres. Feitas estas reservas, que implicam a ausência de provas cien­tíficas absolutas, hi uma forte probabilidade estatística da universalidade dasupremacia masculina que decorre do exame da literatura antropológica sobreo assunto.

Uma das críticas feitas a esta afinnaçIo, de um ponto de vista feminista,~. a de que a maior parte dos estudos antropológicos foi elaborada porhomens. AU se acrescenta que, quando 810 orientados por mulheres, estasparticipam necessariamente da ideologia dominante da sua própria sociedadeque valoriza a masculinidade, e por consequência prestam mais atençlo ao

mundo dos homens, considerado· mais interessante e de qualqseiramais acessível. Um duplo desvio, etnocêntrico e androcêntrico, faz co quese observem outras sociedades com olhos da nossa sociedade e mais p '­cularmente com os olhos do homem que na nossa domina.

Por último, sendo o mundo das mulheres particularmente secreto efechado para um antropólogo, ainda por cima do sexo masculino, recorre­-se, no que lhes diz respeito, à vislo que os homens têm da sua ~iedade.As mulheres das sociedades estudadll seriam desta maneira consideradasaeaundo um critmo duplamente masculino, o que explicaria que Prevaleçana .literatura antropológica a imagem da sua condiçlo humilhada,

Nlo ~ possível refutar totalmente este argumento, mas ~ con~enienteatenuar-lhe o alcance,. por variadas razlies: admitindo que as antrP~logasparticipam da ideologia dominante da sua pnSpria sociedade, ~ cobtraditó­rio pensar que noutras sociedades as mulheres possam ter uma rq1resenta­tividade radicalmente diferente da dos homens. A tendência natural de qual­quer antropólogo ~ a de se interessar pelos aspectos exóticos e mais diferentesda sua pnSpria cultura, nIo sendo pois evidente que os homens sejam inca­pazes de ver e de notar os casos em que as mulheres desempenham um

\,

. ,

, iII

II

MASCUUNOIFBMININO 12 13 MASCUUNOIPBMINlNO

f~~::j.. , .papel importante e aetivo, afastado dos clDones da nossa pnSpria c:u1tura.Também DIo est4 excluído que uma peuetnçIo maciça no mundo dai mulhe­res, levada a cabo por antropólogas e feministas, nIo faça aparecer c:enudesvantagens suplementares aU aqui ignoradas. POI'outro lado, um traba­lho receote [Whyte 1978] sobre correlaçGes estatísticas entre variáveis rela­tivas 1posiçIo das mulheres e ao sexo do observador - num estudo deDOYCDtae ~ popu1aç(ies- mostra que este último dado tem uma inci­dência sem importAncia. O autor conclui que os relatórios masculinos nIodo necesaariamente exaustivos e seguros, mas que nIo existe distorçlo sis-

'." telÚtÍCa na apresentaçlo da condiçlo feminina como anormalmente baixa.> "', U••• maior quantidade de documentos fornecidos por observadores de sexot ' feminino daria uma YÍ;do mais pormenorizada e, por consequência, mais

',' 'íuata do papel desempenhado pelas mulheres, mas nIo indicaria forçosamenteque a parte delas fosse melhor do que aquela geralmente admitida. a ver­dade, por exemplo, que Phyllis Kaberry [1939] rectificou a imagem, dadapor Malinowski sobre os arborfgenes australianos, de mulheres humildes,diferentes perante o homem, esmagadas, mantidas 1distincia. Mas esta novaimagem Dlo chega para inverter o sentido geral da sua história.

Uma outra crítica, geralmente feita 1afirmaçIo da píobabilidade estatís­tica da universalidade da dominação masculina (baseada no exame dedocumentos antropológicos), ~ a de que da nIo toma a história suficiente­mente em conta. Bate argumento ~.apresentado de duas maneiras diferen­tes. Nas grandes sociedades actuais existiria um nivelamento cujo eixo cen­tral ~ uma dominaçlo de tipo patriarcal que priva as mulheres de direitosou de situaçGes privilegiadas que elas detinham anteriormente, por influên­cia de fac:tores VÚÍOI: as religiOes reveladas, a judaico-cristi, a isl4mica;o desenvolvimento do com&cio e da ind\1stria que privilegiam ·actividadesde tipo novo e que por essa razlo perturbam as situaç(les adquiridas; a inci­dência do colonialismo que' promove e agrava estes dois !actores nas regiõesonde grasaou. Pode retorquir-se que se Dlo vê muito bem como ~ que reli­gilies reveladas que privilegiam o papel do homem podem ter..nascido edesenvolver-senum sentido absolutamente inverso ao da ideologiadominante;do mesmo modo, Dlo se percebe muito bem por que razlo as mulheres,se tivessem sido dominantes politicaJbente, economicamente, ideolOgicamente,

teriam sido incapazes de se adaptar ~ U'8DSformaçOessociaisprovoéadas pelaalteraçio da ordem económica ou pela colonização. Em qualquer dos casos,este nivelamento ~ o do agravame~t() de um estatuto, nIo da sUli inversão

propsiva. I'E verdade que muitas situaç~ ae confundiram e se modifit:8ram pelodesenvolvimento da economia m~til e pelo colonialismo. Deste modo,sociedades matrilineares, ou seja, .ociedades em que o poder ecdnómico epolítico está na posse de homens qtH: pertencem a grupos definidos social­

mente por uma regra de filiaçlo q~e passa exclusivamente pelas mulheres,passaram lentamente a formas biliJieares ou mesmo patrilineares, enquantoa inversa nunca se verifICa (porqu~, aliú, ~ impossível por razOes estrutu­rais). Na TanzAnia, por exemplo, os homens começaram a criar plantaçõesnas terras colcetivas dos grupos matrilineares, para responder à procura curo-

Page 6: EINAUDI Parentesco I

peia. Passou-se então, lentamente, da grande fanúlia, que cultivava cereaise outras plantas alimentícias em terrenos de propriedade comum, para a tiuní­lia individual centrali7Jldanum homem que ganhava dinheiro, depois da indi·vidualizaçlo da propriedade das te;rras. Tal nIo significa, todavia, que nasociedade matrilinear inicial as mulheroll e a sociedade não estivessem sobcontrolo masculino.

No que respeita ao segundo modo do apresentar a argumentação baseada

na história, trata-se da teoria evoluciO~'.ta, bem conhecida, domatriarcadoprimitivo, derivada de Bachofen [1861 , segundo o qual teria havido umestado inicial da humanidade marcado a ignorância da paternidade fisio­lógica no culto das deusas-mães e pela' 40minaçlo feminina - polí*a, eco­nómica e ideológica - sobre os homcQI. Não é este o lugar para fazer a

crítica das teorias evolucionistas da h~'lanidade; dir-se-ll simplesmente queo termo fmatriarcado', que implica a i eia de poder feminino, foi e conti­nua a ser frequentemente utilizado em ....ferência a situaçl5esreais de matri­linearismo; em que os direitos eminent!=Ssão os dos homens nascidos nosgrupos de .filiaçãodefinidos pelas mulheres ou em refedncia a situaçOesmíti­cas como'a das Amazonas.

A sociedade humana, que, do ponto de vista da antropologia, parece terestado mais próxima da definição do matriarcado, é a dos Iroqueses [Brown1970b], estudada por numerosos autores, depois do jesuíta Lafitau [1724]e do relato da vida de Mary Jemison por Seaver [1824]. Nas seis naç(ieIiroquesas, as mulheres não eram tratadas com uma deferEncia ou com aten­ções especiais, e é possível que, segundo Morgan, os homens se consideras­sem superiores, consagrando todas as suas actividades à caça a grande dis­tãncia (uma campanha podia durar um ano) ou à guerra. Mas as mulherea,ou pelo menos algumas delas, gozavam de direitos e de poderes raramenteigualados. .

A regra de filiação passava pelas mulheres, e a residência era matriloca1.As mulheres que pertenciam à mesma linhagem viviam na mesma grandecasa, com os seus maridos e fllhos, sob a tutela de «IIllltroDUll,as quaisnão sabemos, infelizmente, com exaetidão, como eram escolhidas. As matro­nas, que comandavam e dirigiam a vida das grandes casas, dirigiam igual­mente o trabalho feminino agrícola, apanágio das mulheres, realizado emcomum nas terras colectivas que eram propriedade das mulheres da famí­lia. As próprias matronas procediam à redistribuição da alimentação cozida,

por lar, junto dos hóspedes e junto dos membros do Conselho. Estas mapo­nas estavam representadas, se não no Grande Conselho das Seis Naçõeslro­quesas, pelo menos no Conselho dos Al)ciãos de cada nação, através de umrepresentante masculino que falava em nome delas e fazia ouvir as suas vozes.Esta voz não era, de facto, negligenciável, dado que as matronas dispunhamde um direito de veto no que respeitava à guerra, se o projecto bélico lhesnão agradava, e podiam, de qualquer maneira, impedir a realização de umprojecto de guerra impedindo simplesmente as mulheres de fornecerem aosguerreiros a provisão de alimentos secos ou concentrados que lhes era neces­sário levar consigo. Para Judith Brown, as matronas iroquesas devem esteestatuto elevado ao facto de controlarem a organização económica da tribo

MASCULINOIPEMININO 14 IS . MASCULINOIPEMININO. ~. - ··.•il •••

(do igualmente elas que redistribuem o produto da ta masculina), o queé posstve1se tivermos em conta a estrutura social matrilinear favontve1 por_que a actividade fundamental das mulheres, a agricultura de ~, nIoé incompatível com a possibilidade de tomar conta dos filhos. Segundo am~ autora, e d~ modo muito interessante, existem apenas três tipos de~ económicas que permitem esta acumu1açlo de tarefas: a colheita,a agricfütura de enxada e o comércio tradicional (o que não significa quetodas &fi sociedades que pratiquem estas formas de actividade ofereçam àsm~erp situações privüesiadas). Acresce ainda que não é indiferente queseJ~ ~ matronas a gozar de um alto estatuto no caso dos Iroqueses. Maisadiantei ~ol,caremosa este palItO.

. A PfOCWll de ~ verdede'oriIinal tenta apoiar-se no estudo das socie­dades qde ConsiderImóe DÍak.primitivas (se' bem que elas próprias tenhamuma hÃlJt6ria),ou lleja, a dos caçadores-recolectores, essas populações qu~não conhecem nem a agricultura nem a criaçlo de gado e que vivem da .'apanha ~ta dos frotos da natureza, através da caça, da pesca, da criaçlode insectos e de pequenos animais, da apanha de b88ll8, frotos e gram{neasselvagens.

Aetualmente existem trinta e duas sociedaes de caçadores-recol~resque nIo oferecem aquela visão comum das relações homem/mulher que ~supõe serem uma sobrevivEncia de um l1nicomodelo arcaico. Todas mani­festam a existência de uma supremacia masculina, mas com enormes dife­renças que vlo da quase-igualdade dos dois sexos entre os Anasbpi, índiospescadores, até àquase-escravatura das mulheres ezistente entre os Ona daTerra do Fogo. "

a verdade que em· certas sociedades de caçadores-recolectores da Aus­tntlia e de Africa as mulheres gozam de uma grande autonomia. MaurlceGodeUerexplica isto pelo facto de não haver diferença entre economia dolJ1&.

tic~ e econo~ pl1blica, pela .ausência de propriedade privada e porque ae familiar não é exclUSivamente conjugal. Os homens Rio exercem

aí con~ imentos ~ísicos; os trajectos de um grupo que se desloca 810escolhld para comb1D8ruma boa caçada e uma boa colheita· as mulheresdo livres dos seus movimentos e de disporem de si mesma's.

, Mas estas viatlea«idílicasllnIo devem fazer esquecer a existEnciade outrosgrupos que pertencem ao mesmo tipo de economia dos caçadores-recolectorese.em q~e as re1açfteados homens e das mulheres são marcadas pela violEn­Cl8.Anne Chapman, no seu livro sobre os Ona [1982], descreve uma socie­dade onde as mulheres não tEm qualquer direito, onde os maridos podembater, ferir e até matar a mulher sem qualquer sanção,' onde as mulheresdesp~ Rio conhecem diariamente seRlo a brutalidade na sujeição e,penodicamente, ~urante as sessl5esda sociedade de iniciação masculina quepodem durar .v4rios meses, o terror e a violEncia infligidos pelas máscaras.Neste caso é mteressante notar que um mito de origem explica este estadode dependEncia.

. Na origem, ~lica Anne Chapman, os homens postos em abjecta sub­mlssã~ eram obngados a fazer todos 01 trabalhos, incluindo os domésticos,e BerVlamas suas esposas, reclusas na grande casa das mulheres de onde

I :

Page 7: EINAUDI Parentesco I

saiam OS rugidos de mMcaras aterrOrizantes. A,Lua dirigia as mulheres. Istodurou aÚ ao dia em que o Sol, homem entre todos os homens, que, traziacaça para junto da cubata inici4tica para alimentar as mulheres, surpreendea troÇa das jovens sobre a credulidade dos homens e compreende que asmMcaras nlo alo a emanaçlo de forças sobrenaturais aterradom, dirigidascontra os homens, mas apenas um subterfdgio utilizado pelas mulheres paraos manter em estado de dependencia. Os homens estrangUlaram entlo todasas mulheres, à excepçlo de tres jovenzinhas, e inverteram os papéis. A Luavoltou para o ~, onde continua sempre a tentar vingar-se (os eclipses doSol alo disso a prova). As mulheres alo mantidas na ignodncla da situaçlooriginal (o mito só é transmitido aos homens durante os períodos de inicia­çIo); tanto elas como os homens veetn na Lua e nos seres que lhe adoassociados inimigos do género humano, na medida em que os sabem boItisaos llCUS irmIos, filhos, maridos.

, Magnífico exemplo da natureza mftica, ou seja, puramente ideológica, dotema do matriarcado primitivo, cujo objectivo é legitimar a dominaçlo mas­culina, numa sociedade .primitiva», de tipo patriarcal. NIo é um exemploisolado. Entre os Bemya da Nova Guiné, que nIo alo caçadores-recolectores,mas sim horticultores que também praticam as inici~ masculinas, ensina-seaos homens, no decurso desses períodos inici4ticos, que foram as mulheresquem na origem inventou o arco e as flautas cerimoniais. Os homensroubaram-lhos ao penetrarem na cabana menstrual onde esses objectos esta­vam escondidos. Desde aí, só eles sabem servir-se deles (a flauta é· O' meiode comunicaçio com o mundo sobrenatural dos espíritos), o que lhes con­fere toda a supremacia [Godelier 1976]. Entre os Dogon da África Ociden­tal, cereaIicultores, o mito narra uma aúloga privaçlo do poder das mulhe­res sobre o mundo do sagrado, tendo-lhes os homens roubado as' saias dasDWcuas feitas de fibras pintadas de encarnado. Em todos estes casos trata­:.sede sociedadescom um nítido poder masculino, que se referem a Um estado

mítico matrlarca1 original. Mas, nas sociedades lacustres da ~o Mar­fun, sociedades matrilineares, onde também o poder é detido peloS il ,evocam nos seus mitos um estado original inverso, baseado, aqui;:' insti·

, tuiç6es patrilineares. O Rio exise ao grupo o sacrifício de uma cribça antesde se deixar atravessar. A mulher do chefe recusa oferecer o seu fiUio;a irmIdo chefe dá o dela, a fim de salvar o irmIo e o grupo todo. E o ch"'e decideentlo que a partir desse momento a transmisdo dos poderes e dOabens sepassa a fazer nIo ao fJ1hodo homem'h- ao filho da irmI, 10 IObtinho ate­rino. Mas aqui, nenhuma violeDclafeminina é exercida sobre os hGlbena porlhes terem tomado o poder. Duu mulheres: a mulher, a irmI; dua atitudesfemininas sentidas como d.iametralmente opoIt8S e a partir da. q. o chefedecreta a nova lei de filiaçlo: o egoísmo da eapou-estl'lJlPÍ1'l, o ~truílmoe a dedicaçlo da irmI-consaDgUínea. Mas j' o chefe é macho e .0 estatutodo chefe permanece com o macho.

O facto é que o mitonlo fala da história: transmite uma mensagem.A sua funçlo é a de legitimar a ordem social existente. Os exemplos ona,baruya, dogon explicam que a ordem social, encarnada na preeminencia domIscu1ino, assenta numa violência original feita •• mulheres. O mito declara

MASCUUNOIPIMININO17

~.",.~~ •••>

explicitamente que.tqUllquer cultura, qUllquer sociedade, se ~ na desi­gualdade sexual e que esta desigualdade 6 uma violêIIcia. a DeCCllfrioporisso acreditar em verdadeiros aetos inteneiooais de violeacia iDicial, comoaeto8 fundadores da ordem social? Pode por isao lCl'editar-se numa perdahiatcSricade poder, ou tratar-se-ll simplesmente do discurao justificativo quea sociedade pronuncia sobre si própria para dar conta de uma situaçAopro.duzida por Um conjunto de causas Dlo intencionais, objectivas? Adiante vol­taremos a este ponto fundamental.

O mito legitima a ordem social estabelecida, dissemos. No entanto, nemtodas as sociedades e1a,borarammitologias propriamente ditas para d'undar»• dominaçlo masculina, para lhe dar um sentido. Mas todas têm um dis­curso ideológico, um corpo de peJ*Jnento simbólico que tem essa mesmafunçlo de justificar a supremacia do homem aos olhos de todos os mem­bros da sociedade, tanto aos das mulheres quanto aos dos homens, porquequer uns quer outros participam iJbr definiçlo da mesma ideologia, incul.cada desde a infIncia. ,

Bates discursos simbcSlicosalo Cbnstruídos sobre um sistema de Clteso­riu binúias, de pares dualistas, qUe ~ frente a frente séries como Sole Lua, alto e baixo, direita e esquerda, noite e dia, claro e escuro, lumi.JlOIOe sombrio, leve e pesado, frente e costas, quente e frio, seco e hl1mido,ma&CU1iDoe feminino, IUperior e ihferior. Aí se reconhece a estrUtura sim­bcSIicado pensamento filoIcSfiooe 1nédico grego, tal como o encontramosem Aristóteles, Anaxjmandro, Hi~rates, onde o equiUbrio do mundo edos elementos como também o dó corpo humano e dos seus, hUmores sefundam numa harmonioaa combinaçlo destes contrários, e, por consequên­cia, qualquer excesso num dos ~pos causa desordem e/ou doença. No

pen-memo grego, as categorias ~trais do as do quente e do frib, do secoe do hdmido, que estio directamebte associadas 1masculinida~,(o quentee o seco) e • feminilidade (o frio e'leihl1mido) e, de maneira apaÍtntementeinexplic:dvel,veem-se afectados de',valores, positivo por um ladd, negativopor outro, embora haja uma ccrtallmbivalência do seco e do hWnido, que

nIo c:ontêm em ~ mesmos valores Jx>si~vosou negativos, mas ~•. assumem,18lIOCiados, em diVCl'108contextos. :a assun que, na ordem do corpo, o quentee o hdmido estio do lado da vida, da alegria, do conforto, portanto do posi­tiw; o seco e o frio estio lado IaM da morte, do negativo por consequência(01 mortol têm sede). Mas na ordem das estações, o seco esU dO'lado posi­

tivo com o quente do Vedo, e o h1Írl1idodo negativo com o frio d~Inverno.Se pauarmos • ordem sexual, as niUlheres, corpos vivos e portanto quentese hdmidOl que arrefecem e se aq\ll:cem com as perdas menstrUais, deve­riam por essa mesma razIo ser ma\s,secas do que ,os homens. oni, o machoé seco e quente, associado ao fogo e 10 valor positivo; a tàea é fril, hWnida,associada • que e ao valor negativ~ (Bmpédocles, Aristóteles, lnpcScrates).

. Trata-se, segundo Aristóteles, de Uma diferença de IIQturua na tipacidadeem tICOZe1'lI o sangue para a partir üele se constnúrem os humores do corpopróprios a cada um dos sexos: a inenstruaçIo na mulher é a forma inaca­bada e imperfeita do esperma. O esperma, rarefacçlo e depuraçlo do san­gue através de uma cocçio intensa, é a subst4ncia mais pura, que atingiu

16MASCUUNOIPBMININO

I'

I I

Page 8: EINAUDI Parentesco I

o dItimo grau de elaboraçio. A relação perfeiçiorunperfeiçlo, purezafunpu­reza que é a do esperma e dos mênstruos, consequentemente do masculinoe do feminino, remete por isso para uma diferença fundamental, natural,biológica, na aptidão para a cocçlo: é porque o homem é à partida quentee seco que conseguiu perfeitamente aqllilo que a mulher, porque é natural­mente fria e h11mida,só consegue imPJrleitamente, nos seus momentos demaior calor, sob a forma de leite.

Este discurso fllosófico-médico, qU(ldá uma roupagem às crenças popu­lares é como o mito, um discurso p~isamente ideológico. As correlações, , ,

das o~çôes binárias entre si Dlo tê~ qualquer re1açIo com qualquer rea­lidade, mas apenas com os valores pbtitivos ou negativos atribuídos desdeo início aos próprios termos. Tal comi? o mito, este discurso tem por fun­çllo legitimar a ordem do mundo e a prdem social. Assim, num todo per­feito, q,,~ une o mito, a classificação 41>& vegetais e a r;1açI~ ideológica dossexos, Detienne [1977] explica (a ParW das lendas nutológtcas da concep­çlo de Ares e de Juvenca' sua irmll; ~camente por Hera) por que razlo

a alface~:legume- frio e h\lmido, é co~umida pelas mulheres: é excelentepara favprecer a menstruaçio e o boDl;defluxo de sangue, mas o seu corol'·

rio é a ftustraçio do prazer. a por esta ~ que os ho~ nunca a comem~com medo da impotência e de serem· pnvados do deselo e do prazer (f01a alface ~ue tornou Adónis impotente), Porque o prazer sexual pertence pordireito aos homens, devendo as mulheres contentar-se em conceber epreparar-se para tal através do cons~o dos alimentos adequados.

O pensamento grego condicionou a hossa cultura ocidental, como se verá.Mas como explicar, a Dlo ser por copstantes próprias do trabalho simbó·lico, com base no mesmo material, Í8Joé, na relaçio social entre os sexos,que esta mesma lógica dos contrários, das oposições binárias com valorespositivo e negativo, se encontre nas sociedades onde a influência do pensa­mento grego Dlo se fez de modo algum sentir?

a o caso do pensamento taoísta oQde o yin e o yang são dois princípiosconsti~tivos do universo, euja existêllcia harmoniosa está baseada na unilocllll'lUDCfltepercebida dos contrários. Yin é o feminino, a terra, o frio, a som­bra, o Norte, a chuva, o inferior; yang é o masculino, o céu, o calor, a luzdo Sol, o Sul, a impetuosidade, o su~rior. Entre os Inuit do Arctico Cen- ,traI [Saladin d'Anglure 1978], onde Lua é do ~ masculino e onde o Sol I

é sua irmã, onde, ao contrário dos exemplos gregos e chineses para algunsl'dos termos em presença, o frito, o cru e a natureza es~o do lad~ do hOflem,o calor, o cozido e a cultura do lado da mulher, o nuto da ongem Dlo fazdas mulheres nada mais para além de «homens rachados»: foi de um homem

que nasceu a primeira mulher, e a mulher procriadora é apenas um saco, t

um recipiente que abriga temporariamente uma vida humana gerada pelohomem. Sempre confmada aos espaço doméstico, ela só pode sair da ordemmasculina onde se encontra através de uma evasão no sentido real da pala­vra que a conduz à morte por esgotamento.

Muitos outros exemplos, africanos, indonésios, americanos, ele., se pode­riam enumerar [cf. Héritier 1978; Ingham 1970]. Em todos os casos, con­juntos de reduçocs simbólicas conferem sentido às práticas sociais. Natural-

MASCUUNOIFEMlNINO 1819 ~LlNOIFBMININO

t~~mente, noutras culturas, outros sistemas binúios diferentes daquele que sebaseia no calor e no frio podem designar as mesmas pnlticas ou entlo,' comonos Intuit, um sistema binmo baseado no calor e no frio pode inverter total­mente ou parcialmente a série das associações conexas. De faeto, Dio existenesta escolha uma racionalidade fundada na apreenslo objeetiva de um dadonatural, nem mesmo quando eles parecem legítimos. a preciso considerarestas oposições binárias como sinais culturais e Dlo' como portadoras de umsentido universal - o sentido reside na própria existência destas oposiç&lse nIo no seu contel1do -; é a liDguagem do, jogo soCial e do poder.

Q dtscurso da ideologia t~ eempre em toda a parte toda a apareneiada razão. O DOS8O ~rio diIc:uno cultural, herdado de Aristóteles, baseiatambéJQek,em ~ ~, de uma pretensa natureza eterna, umare1açIo aoc:ialin8titUrda. Deste ponto de vista, é interessante considerar odiscurso científico e médico do s6culo XIX, tal como ele se exprime porexemplo nos escritos de Julien Virey [ci. ICnibiehler 1976]. Através de evo­luções sucessivas, ele passa de uma caraeterizáçlo dos sexos de tiw binárioà justificaçlo da dominaçlo de. um sexo sobre o outro, a coberto da argu­mentaçlo científica mais moderna, objectiva, racional, baseada na observa.çlo de um dado biológico.' No entanto, nada mais nos é dado para alémda reconstituiçlo do discurso de Aristóteles, ou dos esquimós Intuit, ou dodos Baruya da Nova Guiné [Godelier 1976]. Para Virey, o casal ideal é um«macho moreno, peludo, HCO, qrunu e impetuoso (que) acha o outro sexodelicado, hrlmido, liso e branco, tímido e pudico•. :aa energia do espermaque confere a segurança e a coragem às mulheres casadas: cé certo que oesperma masculino impregna o organismo da mulher e que ele lhe avivatodas a funçoes e as aquece». A mulher possui uma sensibilidade «requin.tada» devida aos seus tegw,nentos elásticos e finos e à sua ramificaçlo, mais 'intensa do que no homem, dos nervos e dos vasos sanguíneos sob a pele.Esta sensibilidade requintada dá-lhe uma aptidão particular para o prazer,uma inflamaçIo fdcil das paixões e, portanto, um tendência grande Para oimpudor, a depravaçio, mas também a impossibilidade de se concentrar ede reflec:tir, aetos que 810 por si sós eminentemente e naturalmente mas­culinos. Esta mesma sensibilidade, que atribui por natureza à mulher o cui.dado da crianças, dos doentes, dos velhos, gera também sentimentos peri_gosos e essa é a razlo pela qual o homem tem a obrlgaçlo de a controlarde perto. Diz Virey em De l'éducatWn (1802) que, se a mulher é fraca porconstituição, a natureza quis portanto torná-Ia submissa e dependente na uniIosexual; ela nasceu portanto para a doçura, a ternura e até para a paciência,a docilidade; deve portanto suportar sem queixume o jugo da dominaçio paramanter a concórdia na família através da submissão.

Contrariamente ao que pensa Yvonne Knibiehler, nlo se trata de umponto de vista individual «ingenuamente- falocrata influenciado por estereó­tipos da época, mas sim de uma exposição constiuída, sob a forma douta,com arquétipos universais. Este texto justifica, de maneira pensada, os juí­zos de valor populares do tipo daqueles que foram enumerados no iníciodeste artigo. Ele esd no prolongamento do pensamento de Aristóteles, queelaborava ele próprio racionalmente arquétipos muito anteriores, e prefi-

Page 9: EINAUDI Parentesco I

20· (

gora O diacuÍ10 dos m6dicos alienistas e higienistas do ~ XIX,e&pe­cialmente no que respeita à histeria feminina, e em particuJar o disc:uraode Freud sobre a inveja do pénis (P",imeitl): a mulher DIo tem espermanem capacidade natural para o produzir.

O discurso simbólico legitima sempre, como vimos, o poder muc:u1ino,quer seja em virtude das viol!nclas iniciais que as mulheres teDham feitosofrer os homens e, por conseq\lêDda, de uma m4 utilizaçlo do poder quaDdoelas o detinham nas suas mIos (mito ona da Terra do Fogo), quer seja em.virtude da impossibilidade cnaturaP, bio16gica, .na qual se encontram, deaceder ao grau superior, o do homem. Em todos os casos, o homem 6 amedida de todas as coisas: ele cria a ordem social. Os Baruya da Nem ~,sesundo Godelier, exprimem direc:tamente este mesmo conceito: as mu1he­res representam a desordem; sIo certamente nWs criativas do que os homens,maa de forma trapalhona, deaordenada, impetuosa, irret1ecIida. Deste modo,no princípio dos tempos, foram elas que inventaram as tlautas e o arco queos homens depois roubaram e que do o almbolo do poder masculino. Maselas tinham montado o arco ao contrúio e matavam às cegas, de maneiraandrquica, l sua volta. Os homens, depois de o terem roubado, montaramo arco correctamente: desde entlo, o arco mata como deve ser. Onde asmulheres criativas trazem a desordem, o homem traz a ordem, a medidarazoável das coisas. Assim falam o mito e os discursos· simbóliCoS.

Como explicar entlo o estatuto DIo particular, entre outros ttxemplos,das matronas iroquesas? Iudith Brown [1970aJ declara que as fontes anti­gas Dlo permitem saber o modo de designaçlo das «matronas», dhefes dasgrandes casas. Mas, ela própria, seguindo as pisadas dê outros abtores, asdesiana segundo o termo de decanas de uma certa idade (,lderlj he4ds ofhouuIwlds). Daí concluímos que se tratava provavelmente de mUlhefes deidade avançada, e, se o seu turno à frente da casa DIo se efectuavt automa­ticamente por simples sucessAo,tratar-se-ia de mulheres de idade ~ pode­1'0888 do que outras, em earácter, em força de Animo, em autoridade. Devepois postular-se que o termo «matronas., utilizado pelos antigos autores,designa mulheres de idade, ou seja, para dizer as coisas de· uma outramaneira, segundo a sua verdade fisiológica, mulheres que ultrapaasaram ou

. atioairam a idade da menopausa.:A menopausa DIo 6 um assunto sobre o qual se possam encontrar. mui­

tas info~ na literatura antropológica; assunto sobre o q" DIo sepel18l, assunto incómodo, assunto C1tnsurado, se Dlo mesmo tabl1~Fala-sedo avanço da idade, da· velhice, como estádio da vida, maa nIo.tlo limiarem que tudo se torna irreversfirel. No entanto, sobressai de mod~ ~ nosrelatórios antropológicos, quando se trata de mulheres, que o estatuto indi­vidual delas tem tendência para se modificar na velhice, isto é, quando che­garam à menopausa ou, no caso de serem estéreis, nas situaçõeS em queas mulheres nIo doou já nIo do capazes de conceber.

Um artigo muito interessante de Oscar Lewis [1941J fala daquelhs a quemostndios Piegan canadianos chamam as mulheres com «coraçio de homem».Nesta sociedade, descrita como perfeitamente patriarcal, o comportamentofeminino ideal é feito de submisslo, reserva, doçura, pudor e humildade.

21 MASCUUNOIPIMININO. ~...p. . ..

Existe, DO entanto, um tipo particular de mulheres que Dlo se compocwncom a reserva e a modátia do seu sexo, maa com qreasividade, arro"neiae aud4cia. NIo t~ contenslo nas palavras nem nos aetos (algumas urinampublicamente como homens, cantam cantos de homens, intervem nas con­versas masculinas). Este comportamento existe pari panu com um domínioperfeito das tarefas tanto masculinas como femininas que elas executam.Fazem tudo mais depressa e melhor do que as outras. Orientam os seuspróprios assuntos sem 'o apoio dos homens e por vezes at~ nem deixam queo marido empreenda seja o que for sem o seu consentimento. Pensa-se quesejam activas sexualmente e Dlo convencionais no amor, mas elas própriasapiram a uma maiot virtude do que as outras mulheres. NIo temem, em

. caso de adult&io, ser arrastadas na praça pl1blieaporque as acusam de estarprontas a defender-se através de feitiçaria. Não temem tamh6m. as conse­quencias místicas dos seus aetos. Finalmente, têm direito, tal como oshomens, a organizar danças do Sol e a participar nas ordálias. Elas tem at1ÍOI'Ç8II.

O que ~ que entlo é preciso para se ser reconhecida como mulher comcoraçlo de homem entre os PieganiOscar Lewis indica que é pRclso a com­binIçIo de duas características: ~ pteeiso ser-se rica e ter uma pdsÍçAosocialelevada; ~m dessa, ~ preciso ser tasada. Tambl!m ~ melhor ter mostradona idncia sinais precursores, ter ,lido uma filha preferida com um dote

de cavalos. Uma mulher pobre senlespancada ou metida a ri~o se pre­tender comportar-se como uma mulher de coraçAode homem. Cerfas mulhe­res SÓ se tomam tICOraçIode homb. depois de muitos casamentos e viu­vezes sucesaivasem que herdaram Jma parte dos bens dos ~ defuntos.Uma vez tomadas «coraçio de hotnem-, casam (esquema mascUlino) commaridos mais novos do que elas (dtlco a vinte e seis anos, segundo as esta­tfstic:as de Oscar Lewis) que elas dominam sob todos os pontQi de vista.

O casamento ~, pois, uma necessidade absoluta para se ser «coraçlo dehomem» e 6 dele que prov~m riqu~za e estatuto elevado. a, aliú~ lamentá­vel que Dlo saibamos mais nada ~bre o sistema de pensamento dos Pie­gan, maa ~ muito possível que as liideiasaristotélicas do tipo da .que Vireydesenvolveu em D, Ia f,mm, (1823) (a mulher casada tem qualquer coisa

mais viril, ~ masculina, mais iegura, mais audaciosa do qut a tímida

e delicada ~ ... Vêem-se raE muito gordas perdeta gorduraquando se casam,. como se a ene , do esperma imprimisse lI1jÜsrigideze secura li suas fi~raS) fossem muto próximas das suas. O homóm, a qua­lidade do esperma do homem, fatIa mulher. a qualidade da mulher.

a necessário que uma condiçãO[~plementar seja preenchida para se seruma mulher «com coraçlo de ho~. Ela DIo faz explicitament~ parte dascondições enumeradas pelos info.dores, o que nfo nos deve. surpreen­der, pois se trata da condição ~ flUI non: é preciso ter uma idade avan­çada. Nas cento e nove mulheres tasadas da amostragem de Oscar Lewis,catorze do do tipo lCCOraçlOde hdlnem». Uma tem quarenta e cinco anos,outra tem quarenta e nove, as outras têm entre cinquenta e dois e oitentaanos. Uma 11nicatem trinta e dois anos. Oscar 1..ewis, por consequência,junta aos dois critérios anteriores o da maturidade. Mas a palavra é certa-

Page 10: EINAUDI Parentesco I

mente demasiado fraca. Para a maior parte da amostragem, trata-se demulheres fora do período de fecundidade, na menopausa. Sobre nenhumadelas é feita alusão aos fllhos que tedo podido dar à luz, o que é lamentá­vel porque teria sido interessante saber se a mulher de trinta e dois anos,considerada como mulher com «coraçIQde homem», esteve ou Dio grllvida.De qualquer maneira, Oscar Lewis declara ele próprio que o desacordo entreas informaçOessobre o canleter «co~q de homem» desta ou daquela mulherapenas diz respeito às mais jovens. "

Menopausa e esterilidade suscitam imaginários, atitudes e instituições

extremaFente contrastados segundo .,'sociedades, e todavia explicáveis con­soante ltIPesma lógica simbólica. Se a'modelo iroqu& ou piegan Dio é rarono que respeita às mulheres de idadq, outras sociedades, africanas em par­ticular, fazem da mulher depois da lJlenopausa uma mulher perigosa, queacumw-calor, e sobre quem há o n.co de pesar a acusaçlo de feitiçaria,especiabnente se ela for pobre e vi\lva~e por consequ~ia sem «força»parareagir e Se defender. Não é pois o c'pntrllrlo do exemplo piegan, mesmo

se uma plhadela rllpida o pudesse fazer supor, porque à mulher de «coraçAode hom.:m- que, inversamente, se ri Qas acusações de qualquer ordem por­que tem a .força» para responder imfunemente mediante a feitiçaria, temde ser pca e casada. ..

Na D1!ÚOrparte das populaçOesdi~ primitivas, a esterilidade - feminina,

entend~-$e, dado que a esterilida~ masculina Dio é geralmente reco­nhecich(.•..é a dominação absoluta. AWsnem sempre. Assim, entre os Nuer

da Afrij:a Oriental, uma mulher q~o é reconhecida estéril, isto é, depoisde ter lÍ~docasada e de ter permanec1CWsem filhos durante um ';Crton~de anoll (possivelmente até à menopausa?) regressa à sua fam11iade ongemonde é a partir desse momento considerada como um homem: «irmIo» dosseus i.rmIos, «tio» paterno dos fdhos dos seus irmãos. Ela vai poder consti­tuir um rebanho, como um homem, com a parte que lhe cabe enquantotio, ou com o gado entregue como preço da noiva para as suas sobrinhas.Com este rebanho e com o fruto da sua própria actividade pessoal, ela vaipoder por sua vez pagar o preço de uma noiva por uma ou duas esposas.n enquanto marido que entra nestas relações matrimoniais institucionais.As suas esposas servem-na, trabalham para ela, honram-na, testemunham­-lhe o respeito devido a um marido. Ela recruta um servo de uma outraetnia, Dinka na maior parte dos casos, a quem pede, entre outros serviços,o serviço sexual da sua ou das suas esposas. Os filhos nascidos destl\ rela­ções são seus, chamam-lhe pai e tratam-na como é costume tratar um pai­-homem. O genitor só desempenha um papel subalterno, ligado talvez efec­tivamente aos seres que gerou, mas sem passar de um servo, como tal tratadopela mulher-marido, mas também pelas esposas e pelos filhos. Serll recom­pensado pelos seus serviços com uma vaca, «preço da procriação», de cadavez que se casar uma das fdhas que tiver gerado.

Quer seja absoluta ou relativa, isto é, devida à idade, à menopausa, a este­rilidade e o corpo social das instituições e comportamentos que ela suscitapodem sempre ser explicados segundo os esquemas das representações sim­bólicas atrlls analisadas. O que sobressai, em todo o caso, é que a mulher

MASCULlNOIPEMINlNO 2223 • ~UNOIPEMININO

Í'~~estéril Dio é ou j4 Dio é propriamente uma mulher. De maneira positivaou negativa. Mulher falhada ou homem falhado, ~ estll mais próxima dohomem. Deste modo, nio é o sexo mas a fecundidade que estabelece a dife­rença real entre o masculino e o feminino, e a dominaçio masculina, quecony~ agora tentar compreender, é fundamentalmente o controlo, a apro­priaçlo da fecundidade da mulher, no momento em que esta é fecunda.O ~, as componentes psicológicas, as aptidOes particulares que compOemos qulfdros da masculinidade e da feminilidade conforme as sociedades eque .-o supostas justificar adominaçlo de um sexo sobre o outro, é umprodu~ da educaçio, da ideokJIia, portanto: .Nlo se nasce mulher, torna­

-SC» (SlJnooc de Baproir). Deste modo, nIo existe instinto maternal no sen­tido em que este~CIlDteock oanaaImente, ou seja, em que a maternidadeseria algo puramente biológico e que, implicitamente, determinada pela suanatu~, a mulher tivesse vocaçlo para cuidar das crianças e, para al~cUsto,para cuidar da casa. A maternidade é tanto um facto social como umfacto biológico (o mesmo acontece com a paternidade) e Dio há nada nofacto biológico em si que explique por que razIo a mulher deve ser ineluta­velmente ligada às tarefas domésticas e a um estatuto de subordinaçio.

Se nos basearmos nas an41isesantropológicas, 6 evidente que DIo pode­mos ~erizar as mulheres como universalmente esmapdas e dominadaspelo desejo daquilo que lhes falta: o falo. Segundo a teoria freudiana, a cona­ci~ncia desta aus~ncia é que cria a inferioridade feminina. De facto, a teo­ria freudiana a este respeito é em si mesma um produto da ideologia domi­nante, e o desejo de falo é um efeito secund4rio, e nIo a causa, do tipode sujeiçlo femininil que se pode encontrar na nossa sociedade. Inversamente,um certo ndmero de prllticas sociais ou mesmo corporais revelam um desejodo macho em se apropriar do que constitui a superioridade fundamentaldo outro sexo: a fecundidade, a capacidade de se reproduzir. :a o caso dosritos e comportamentos de «choco», em que é o marido que mima as doresde parto, ou entlo se mete na cama, descansa, recebe os parabéns, as visi­tas e as prendas, se queixa do seu cansaço, enquanto a esposa, desembara­çada, se ocupa dos seus afazeres habitUais, sem que o seu estado suscite

uma atençlo particular à sua volta. Ou ainda~. falsas regras menstrusis

masculinas, entre 08 Wogeo melanésios, que en periodicamente no mar,fazem incisOesno pénis e deixam escorrer o sangue água [Guidieri 1975].

A apropriaçAo através do corpo está destinada o insucesso: Dio podenunca haver seDio simulacro. Ela passanl, pois, pelo controlo: apropriaçlodas próprias mulheres e dos produtos da sua fecundidade, repartiçAo dasmulheres entre os homens. As mulheres são fecundas, inventivas, criam avida, mas o homem traz a ordem, a regulamentação, a ordem política. Estecontrolo é tornado possível através da desvantagem que acompanha a fecun­didade: a mulher grllvida ou que amamenta tem uma menor aptidão paraa mobilidade do que o homem. Aasim, foi possível' demonstrar que, entreos Bosquúnanos, caçadores-recolectores nómadas, sem animais domésticosque lhes possam fornecer leite, um homem percorre entre cinco mil a seismil quil6metros por ano e uma mulher entre dois mil e quinhentos e três mil.

"

I I

Page 11: EINAUDI Parentesco I

o entrave 1 mobilidade 010 implica por isso uma inferioridade das apti­d4lel ltaicas (nem, a fomori, das aptidoea intelectuais), no entanto, deve teracarretado um certo tipo de repartiçlo de tarefas, no interior das socieda­dea pn!-históricas de homens selvagens, caçadores-recolectores, que depen­diam unicamente da natureza (sabe-se que a agricultura e a criaçIo de gadodo invenções relativamente recentes da história da humanidade). Para oshomens, a caça aos animais de grande porte e a protecçlo dos desarmadoscontra os predadores de toda a ordem; ls mulheres, a vigilAnciadas crian­ças de peito e a colheita dos recursos alimentares de mais fácil acesso quea caça grossa (010 é fácil caçar com um bebé agarrado ls costas): repartiçloque nasce de limitações objectivas, e 010 de predisposições psicológjcu deum· ou de outro sexo para as tarefas que desse modo lhes do distribuídas,nem de uma imposiçlo física feita por um dos sexos ao outro. Repardçioque 010 comporta em si mesma qualquer princípio de valorizaçlo.

O controlo social da fecundidadc das mulheres e a divido do trabalhoentre os sexos do provavelmente os dois ~ da dcsigualdadc sexual. Por­tanto, convém entender os mecanismos que fazem desta dcsigualdadcumarelaçlo valorizada de domínio/submisslo. .

O parentesco é a matriz geral das relaçOes sociais. O homem d um serque vive em sociedade; a sociedade só existe dividida em gruPOSl que sebaseiam no parentesco, e ultrapassam esta divido original através da coo­peraçlo.

A instituiçlo prim4ria que d4 origem à solidariedade entre os grupos éo casamento. Um grupo que só contasse com as suas próprias forças inter­nas para se reproduzir biologicamente, que praticasse o incesto, e apenaso incesto, estaria condenado à destruiçlo, indiscutivelmente. A troca dasmulheres entre os grupos é a troca da vida, uma vez que as mulhcres for­necem os filhos e o seu poder de fecundidade a outrem que 010 aos seuspróximos. O nl1cleo fundamental da dominaçlo masculina, articulada comas restl'içOesecoDÓmicasda divido das tarefas, es~ certameote aí: na renl1n­cia ml1tua dos homens a beneficiar da fecuodidade da suas filhas e·das suasirmIs, das mulheres do seu grupo, em benefício de grupos estraogeir!Js.A leida exogamia, na qual se baseiam todas as sociedades, deve ser ehtendidacomo lei de troca das mulheres e do seu poder de fecuodidade entre,bpmens.O que é no~ve1 é o facto de haver sempre, através de regras d' ~e de aliança particulares, apropriaçlotinicial por parte dos homens ao poderespecttlco de reproduçlo das mulheres do seu grupo, bem como: das quelhes do dadas em troca das suas. :a só neste ponto que a viol~, a forçapodem ser evocados como explicaçlo I1ltima. .

A apropriaçlo do poder de fecuodidade das mulheres, vital plU1la cons­tituiçlo e a sobrevivência de qualquer sociedade, mediante a troca das·mulhe­res, é acompanhada pelo coofmameoto das mulheres neste papel. Teremos

.a mie e a ama de leite. :a tanto mais fácil quanto a criança é amamentadadurante longos meses. Esta situaçio só termina, nas sociedades que 010conhecem o aleitamento artificial nem as modernas técnicas de alimentaçlodos bebés, por volta dos doia anoSe meio ou mesmo dos tres anos. A criança

BachoCcn, J.1861 Dtu Mllltm'lcht. EiM UIltmllt1nml ilNr dil GyMiMArcuie tÚr alun WI1, IIIIC" ih"r

~_ rmd rw:"tlie1mt NIIlIIr, KniI UDd Hoft"mann, Stuttprt.

MASCUUNOIPBMINJNO25...

••~I"

só conhece comof ama a mie durante anos e continuará a dirigir-ae-lhequando já 010 mamar, e isso tanto mais cnaturalmeotClt quanto o confina­mento social do papel de ama, de guarda e de maoutençlo tiver existido.A mie pode ser elevada muito alto, considerada com muita reverencia, masisto 010 es~ em contradiçlo com a noçlo mesma de poder masculino.

A apropriaçlo e o controlo da fecundidade das mulheres, o coofinamentodas mulheres no papel de amas facilitado pela dependência allioentar dacriança, em suma, esta espécie de ~uestro, foram acompanhadas pela cria­çlo de capacidades técnicas especiàlizadas, ou seja, pela utilizaçlb exclusivapor parte do sexo masculino de certas técnicas que necessitam de uma apren­dizagem real ou &lsamente sofisticada, mas às quais a mulher nIo tem acessosem que nada na constituiçlo feminina explique a razlo disso. Os homenscriaram um campo reservado, tal como havia um campo reservado, inaces­sível, das mulheres: o da reprodu~o biológica. Deste modo, para retomarum exemplo dos povos caçadores-recolectores, entre os Ona da Terra doFogo, a caça com arco é apan4gi(>dos homens, que aprendem a fabricaro arco, U flechas e eventualmente o veneno. Desde a mais tenra idade queeles aprendem a atirar com o arco, e esta aprendizagem é-lhes, exclusiva­mente reservada. Anne Chapman ,'demonstra que, sem aprendÍiagem idó­oca, as mulheres 010 podem, no sêntido físico da palavra, servir-lIe daquele

objecto. O domínio reservado de aptidões técnicas altamente es~ializadas,corolirio de uma repartiçlo sexual'prim4ria do trabalho e ba~ em limi­taçGesobjectivas, tem como efeito 'Umanova limitaçlo das mulhetres a tare­fas que também requerem um conhecimento e uma capacidade técnica (nlopróprias de um sexo: os homens também podem efectuar as colheitas emtempo de pemtria), mas que nuo!:a f&rlo parte do domínio reservado aoshomens. O importante do é que· de tempos a tempos a1gumallmulheresconsigam chegar ao domínio reserVado, é a própria razlo de ser,da existên-cia do domínio reservado que est4 em causa. .

A isto vem juotar-se o trabalho 'intelectUal,a criação ideológiCa,quevimosem funcionamento nos simbolismo. expostos atrás: atribui-se wtl !valordesi­gual la tarefas desempenhadas. /I. ;parte das mulheres, no que respeita àcolheita, atinge por vezes mais d,70 por cento dos recursoslÜimentares

do grupos Da sociedades de caçad~Jjes-recolectores,mas isso DIq•.~ impor­docia:' o verdadeiro prestígio es~ :IJ,gado1 funçlo do caçador. ~!s-nos con­fron~ o I1ltimo enigma. Ô. que é valorizado pelo hometn, do ladodo homem, é Certamente o facto 4e ele poder verter o seu saDg\le, arriscara sua vida, tirar a vida dos outrost ·através da decido do seu livre-arbítrio;a mulher «vê»correr o seu saoguee dá a vida sem necessariamente o que­rer ou poder impedi-Io. Nisto ~de talvez o motor fundamental de todoo trabalho simbólico exercido sobre a relação entre os sexos. [F. H.).

)24MASCUUNOIPBMININOI'

Page 12: EINAUDI Parentesco I

MASCUUNOIFEMININO26 •

Brown, J. K. • _. __ : 'A th po'....: ••- LXXII S19700 A IIOU011111,diviJion o{ "'bor b,y IIX, m on.o•••ncan n ro "'&"'~, "pp. 1073-78. I .. oBthnohiatory.

1970b B_ic OIJlIlIUalÍOll/JII111,posiliml o{womm tI7IIOIIgli., roqums, ID ,XVII, 3-4, pp. 1Sl-67.

Chal'9~ ~ Powcr ÍIIo HIUIling SocWty. The Scl1c'rri1711o{ Tima dei FIM/to, CambridJe Uni­venity Presa, Cambridge.

Detienne, M. ·.eul I pp 3-81977 POI/J"rü de {emmcs, 011COIII/IIIntengmdm '''''', m tureo" . •

Godelier, M. , . .-' _,. . . ba"""" dclla NIM1/)/J1976 1i JlUO C_ {ondammto ultimo deU ordirN ,.,,; •••••• , ~ ~' '-r: . MiIaoo

GuWa. Mito , rraltà, in A. VerdigIione (0l'I.), Sasualitd , politica, Feltrindli, ,

pp.337-72.

Guidieri, R. '. • L'H XV 2 pp 103·191975 No" svr " rapport m4h-{crulh iIJl MIUmúie, m • 01IllDe., ". •

He!ritier, F. . -'__ " L_A !-,~,,,m_.ali ,1IJdCAJ_1978 Flctmdill" ntrilitt. La tradIIclÍOll d, cc' no/lOlUauno Cnu",,, "'"":"5"'- y ••ICimlifiqIMI, in E. Sullerot (org.), Le Foit {tmittin, Fayard, Pans, pp. 387-96.

In8= JOn Muiam Folk MedicÍIII, in oAmerican Anthropologiab, LXXII, 1, pp. 76-87.Kaberry, Ph. M.

1939 Aborifirral WOIII/JII, Sacred and Pro{_, Roudedge, London.

Knibiehler, Y. ., . XXXI •1976 ta na"',., {tmÍIIÍIII /JII umps dII Codc eífIil, m oAnnalea., , 't.

Lafitau, J.-F. . Sa••_IR1724 Mcnrs de, ,_,u amkiqllaÍIIs, compariu ou _" de, prtIIIII" ump" ••••••••l'afDe!, Paris.

Lewis, O. . . Anth I' XLIII1941 Ma~,alf,d _11 /J1IIOIIf111,North PiIgaII, ID«A.mencan ropo oglSb, ,2, pp. 173·87. .

Saladin d' Anglure, B. . 1IIIUCII1'1978 . L 'h_ (tmpl), I, {tI, (imiq) " '" /IImílrf (q/JII).. GIl " cm:" dll poIIfIOIr. 11I

cha lu llIuit de l'Arcliqll, cilJl/r/JI, in oAnthropolOSlca., n. S., XX, 1-2, pp. 101-44.

Scaver, J. E. . eanan •.••:_ •• N Y1824 A Narratiw o{ Ih, Li{, 0/ M" MO'Y,JIIfIÚDII, Beamis, •••••••-..

Whyte, M. K. ., _1>_1._' Sei1978 Crou-eultural ,1IId~, o{ womm and lhe mah buu probhm, m ••••••••vlOr enc:eResearch», XIII, 1, pp. 6S-80.

o A dominaçlo do 1wmemsobre a mW1Icr(eC. IIl'fIOIllnhor) m&;nifeata-se~m tal evidbIc:ia .na,ociedade ocidental DOplano do simbólico (eC. ,€IIIbolo), do poUueo (eC. polflica) e do econóDUCO(eC. «OIIOIIIia), que'parece um reaultado de uma inferioridade ~jectiva e natural ~cf.~lIIs4o/intc­

INf'O, na",,.,.a) da mulher relativamente ao ~omem. Toda!ta, embora a aMlise hllt6=hislma) e antropo16gica (cf. anthropos) de SOCIedadeaaetu8IS e passadas,. nIo ~ .nada que altere easa vislo, tnta-lIe, na realidade, de um reaultado de viIlles ~~ (cf.ideologia) do problema em queatlo. De Cacto, a inveatipçlo de uma «verdade onainal. (cf. ~~­turalculturaI e origens) eCecruadaem sociedades ditas primitivas (cC.~rimitifIII,~CIfJI­

IWdo' caça/colheita poIlorltia), se por um lado manifeata como condiçlo de aistencia da sociedadehu~a e da ~açlo da eapc!cie, o tabu do inculo e a otroea de mulheres» (cf. lfIdoga­

mial'XDf/Jlllia, {amQia, ca,a_lD, pal'lnluco), por outro, faz en~der esta t~ como 0=tado de uma spropriaçlo (cf. propriMl4dc) do poder (cf. podcrIlIIIIOI'idadc) ~ fecundidade dapor pane do homem (eC. hDlllllltlmldh,r)j lato tornou-se posslvd ~evldo • me~r diaponibUi­dade da mulher na descoberta e produçio dos meios de subslateocl& (cC. domuncaç4D, rmmos,

,xced,",,) devido ao seu empenho, bastante maior do que o do homem, DOproceaao reprodu­

tivo (cC., 'para aipos aspectos partlcularea, hillcria), pelo qu~ menos como produt~ ,e ~,com lodu as coDaequêoeias que daqui tenham podido advlr, ate! no plano das 1/I$/ItII1f1lu.

If

PARENTESCO

o estudo do parentesc~ é O domínio porexce1ência da antropologia.O temor reverencial que isso incute deriva um pouco paradoxalmente daideia, comum aos Dio-especialistas, de que não é necessário ser um técnicopara -compreender e até para praticar o que releva das ciências sociais. Paraalém disto, como já acontecia com 'família' e 'cRl18mento', o termo 'paron­

tesco' tem uma aparência tão familiar e benévola que faz al10rnr em quemo escuta ou lê experiências tão íntimas e naturais que ninguém julga igno­rar do que se trata nem sequer nutrir a suspeita de que as suas experiên­cias familiares e aparentemente inteligíveis Dlo sejam as mesmas para todosos povos do mundo - à excepção de certOs costumes exóticos conhecidose invejados, como a poliginial A literatura antropológica sobre o parentescodestrói cruelmente estas ilusões.

De. facto, estas (tuas ideias do radicalmente falsas. Entrar no domíniodo parentesco significa entrar numa esfera de estranheza: um velho chamaa uma rapariga «tnAo; um homem que goza da consideração geral pode casar­-se com a ftlha do irmão da sua mie, mas é considerado o mais miseráveldos seres, expulso, talvez espancado, ou condenado à morte, se tiver rela­ções suspeitas com a fIlha do irmlio do seu pai, ou até com a neta do irmãodo seu avô paterno; uma mulher brinca livremente com o irmlio mais novodo seu marido, injuriando-o com termos obscenos, mas baixa humildementeos olhos perante o irmão mais velho, a quem serve de joelhos e a quem.nem sequer dirige a palavra ...

Tudo isto não significa, no entanto, entrar no reino de um total arbí­

trio. Os conjuntos diferentes do nosso, ela~s por outras sociedades,funcionam de modo equilibrado (quando estas sodêdades não são perturba.das pela introdução das religiões reveladas e pela extensão selvagem da civi.lização ocidental) e encontram intelectualmente justificação aos olhos dosseus próprios membros através da própria harmoIÚada sua adequação a todosos domínios da actividade social, económica, política, natural e simbólica.

Há já muito tempo, desde o livro de Morgan [1871] sobre sistemas de con­sanguinidade e afmidade da fam11iahumana, que os costumes de parentescodiferentes dos nossos Dio do considerados com um interesse folclorísticocomo

costumes «selvagensllou «bárbarosll destituídos de sentido, mas que se pro­curam compreender e e1ucidar segundo as suas leis de funcionamento.

Page 13: EINAUDI Parentesco I

PARENTESCO29

~t~~\ remeter para Murdock 1949; Fox 1967; Augé 1975; por outro lado, dar-se­

-li como conhecida a obra fundamental de Uvi-Strauss Les slnlCturtS lli­mentoim de Ia partnlé, 1967]. Parece preferível apresentar novos pontos dereflexlo e dados mais recentes no 4mbito da pesquisa sobre o parentesco,e isso segundo três directrizes: 1) quais são as leis gerais a partir das quaisslo elaboradas as terminologias de parentesco; que possibilidade existe dese chegarem um dia a estabelecer as correspondfncias profundas que unemsistemas terminológicos, regras de ftliação e regras de matrimónio?2) pegando directamente nas questões levantadas por Uvi-Strauss (1965),de que modo funcionam as estruturas semicomplexas da aliança? 3) por\lltimo, como surge a passagem b estruturas complexas?

1. As leis gerais do parenlestO

Foi dito que o estudo do ~tesco se refere às relações que unem oshomens entre si atrav& de laços.baseados na coosanguinidade e na afini­

dade. A utilizaçlo do termo 'coapanguinidade' suscita imediatamente pro­blemas e remete para debates antigos retomados recentemente com a teo­ria da selecçio de parentesco (lein sel«tion), proposta pela sociologiaamericana. Antes de mais, trata~se de um problema de definiçlo: deixe­mos de lado o facto de, em direito romano, tal designar exclusivamente

os parentes em linha paterna, bs agnados, com excluslo dqs uterinos;entendamo-Io como um conjunto',cognlltico (dir-se-li também ••ijilateral••out<indiferenciado••), ligado ao Ego por intermédio de homens e de mulheres,

em ~ directa ou em linha: ~olateral, segundo cadeias, ,enea1ógicaspreClSllS. ,

~ claro que esta defmição, propnamente biológica, RIo se adap.taàs socie­dades humanas onde a co~e é o resultado de uma estólha. Podemdar-se alguns exemplos: em muitàS sociedades, incluindo a nos., epater istquem nuptiae demonstranb; a a4dpçlo cria laços de consangQiilidade fictí­cia cujos efeitos 810 tão constranltdores, juridicamente, quantel os da con­sanguinidade real: Dlo é lícito c~ com o irmão adoptivo; na' sociedadesque tem um sistema de metades Cômcasamento com a prima direita bilate­ral (cf; o artigo «Endogamial~), os primos cruzados, isto é, os filhosde um irmão e de uma irmã, nIO se consideram em si como consanguí­

neos, ~o afins, ou seja, ~mo indivíduos casllveis e cailados, dadoque pertencem Por nascimento a,~etades düerentes; só os prürlos paralelossão considerados consangulneos: da filhos de dois irmãos pertencem à mesmametade e não podem casar entre,lIi, tal como os fühos de duas Irmãs (nestaprimeira parte do artigo, 'filhos', ~ utilizado sempre como 'filhos e filhas',salvo indicaçlo em contrmo). ,

Portanto, a consanguinidade él nas sociedades humanas, apedlssuma rela­çlo socialmente reconhecida, e 6 característica dos sistemas d~ parentesco(conjunto de regras que presideni à filiação, à residência e à aliança) o factode se distinguir por uma certa autonomia em relaçlo às leis naturais da espé­cie: a reproduçlo dos homens é um meio de reprodução da ordem social.

28

o estudo do parentesco é, pois, o estudo das relações que unem oshomens entre si mediante laços baseados na consanguinidade, enquanróiela­çlo socialmente reconhecida, e na afmidade (a aliança matrimonial); tais rela­ções encontram uma traduçlo nos sistemas de designação mútua (as termino-logias de parentesco), nas rtgras de jiliaçiJo que determinam a qualidade dosindivíduos como membros de um grupo e os seus direitos e deveres no inte­rior do grupo, nas rtgras de aliança que orientam positiva ou negativamentea escolha do cônjuge, nas regras de residência, nas rtgras de transmissão doselementos que constituem a identidade de cada um e, fmalmente, nos tiposde agrupa""ntos sociais nos quais os indivíduos estio ftliados.

A especificidade do estudo antropológico do parentesco e o motivo peloqual ele se apresenta para muitos como um empreendimento aterrorizanteresidem no facto de as unidades discretas do seu material humano, que cons­tituem o seu objecto (sobretudo no que respeita aos campeis privilegiadosdo estudo das terminologias e das regras matrimoniais), se prestarem natu­ralmente, por assim dizer, a análises técnicas de uma grande abstracção(pense-se nos estudos formais e componenciais de terminologias de paren-

\ tesco, na moda durante um certo período, através de obras de Lounsbury.' ou de Goodenough), a formulaç(lesalgébricas e, em certa medida sem dúvida

\ menor, matemáticas [Buchler e Selby 1968; Ballonoff 1974], e, ainda, a tra­Itamentos por computador [cf. Kunstadter 1963).T\ldo isto parece muito afastado dos dados concretos da experiência.

Porém, Dlo se deve crer que, por essa razlo, se submetam sempre os fac­tos ao leito de Procustes, apenas pelo prazer de nos entregarmos gratuita­mente aos jogos do espírito: o computador tornou-se o meio indispensávelpara atingir as realidades do funcionamento matrimonial das sociedades quede outro modo Dlo se poderiam atingir, e as análises formais de Lounsbury(1964), por criticllveis que possam ser, permanecem entre as maisestimu­!antes e esclarecedoras que têm sido escritas sobre a lógica interna!dos sis­temas de parentesco crow e ornaM. Todavia, uma boa parte dos trabalhosde tipo componencial ou matemático desemboca apenas numa tradu4ão labo­riosa n()utra linguagem d~ factos cuja concatenaçlo teria ficado totalmenteclarificada através de uma exposição em língua natural.. Um outro motivo de temor reverencial reside 00 facto de Dlo eiistirem,ao que parece, domínios de antropologia que tenham suscitado disc:u.sOestiovivas, tio duradouras, tio técnicas e tio bizantinas (e, por isso, apareJÍtementereservadas aos iniciados), como as quól:>puseram durante anos, por exemplo,

, os defensores da teoria da füiaçAoe os da teoria da aliança [cf. Barnei 1971;

Dumont 1971], ou as que se desencadearam em tomo do problem~4a exis­

! teneia ou Dlo de casamento patrilateral (com a filha da irml do pai [ef. Need­I ham 1958; Maybury-Lewis 1965», ou"ainda, a um nível mais con~r.eto, asI levantadas a propósito das düerentes interpretações que se podem '.fâzer de

descrições etnológicas sobre determinadas populações [Uvi-Strauss 1973], oua propósito da definição dos conceitos utilizados no campo do parentesco.

Nada disso constituirá explicitamente o nosso propósito neste artigo, queDlo visa a exaustlo. Não se procuranl, pois, apresentar uma história ou umacrítica às teorias do parentesco nem acervos conceptuais [para tal, basta

Page 14: EINAUDI Parentesco I

Ela f~ parte da representação simbólica de tal ordem a ponto de ter sidopossível dizc;r que um sistema de parentesco existe apenas na consciênciados homens'. e não é senão um sistema arbitrário de representação.

Isto é in~ontestável. De outro modo não existiriam variações importan­tes no modo de classificar, calcular e viver o parentesco, nem existiria adistinção eIltre regras diferentes, e até opostas, que nos criam tantos pro­blemas. Pode afirmar-se que foi a parili de um dado biológico elementar,que não pode deixar de ter sido invariável desde sempre, que o pensamentohumano aperfeiçoou, simbolizou, explorando as possibilidades lógicas decombinações paradigmáticas que este substrato podia fornecer, e elaborouos grandes tipos de sistemas de parentesco de que se vêem actualmente asformas tal como a história da humanidade as modelou.

Algumas das possibilidades lógicas de combinação não foram, todavia, rea­lizadas (cf. o artigo «Incesto»): é a sua ausência, mais do que a existência deoutras, que assinala os pontos fortes destas leis universais que procuramos.

Deve ser claro que esta posição implica que estas escolhas de estruturaforam realizadas independentemente umas das outras entre o pequeno númerode escolhas possíveis facultadas à reflexão humana desde a constituição dohomem em sociedades. Este ponto de vista recusa totalmente a ideia de umadistinção progressiva dos sistemas de parentesco a partir de um estado deindistinção cognática original, ou de uma predominãncia original do direitomatemo e dos sistemas matrilineares. Mas não recusa a ideia, pelo contrá­

rio, de que estas escolhas estejam associadas de maneira sintagmática a im2C­rativos exteriores aos do dado biológico elementar (sistemas de produção, e&­logia, etc.), nem a de que houve, com toda a verosimilhança, para muitosgrupos observados recentemente, importantes mudanças com as vicissitudesda história (veja-se um exemplo da passagem possível de estruturas matrili­neares a estruturas patrilineares no artigo «Masculino/feminino»).

O dado biológico de base é de extrema banalidade:

_ existem apenas dois sexos, o masculino e o feminino;_ a procriação comporta uma sucessão natural de gerações;_ uma ordem de sucessão dos nascimentos no interior de uma mesma

geraçAo permite distinguir os mais velhos dos mais novos.

31PARENTESCO

30

I

1

• ""- PARBNTBSCO- ',lfi'"f'"

Estas três relações naturais exprimem a diferença. a este material banalna sua universal simplicidade que manipula em toda a parte o trabalho sim­bólico do parentesco, através de séries de derivações que adiante se verão.

Indubitavelmente, estes factos foram há muito observados no domínioda análise antropológica: todavia, não foram enunciados claramente comoos elementos de base da combinatória própria a qualquer sistema de paren­tesco, devido à sua grande banalidade ou, mais precisamente, devido à forçada sua evidência.

Kroeber (1909], criticando a distinção- na altura corrente entre sistemasterminológicos classificatórios e sistemas terminológicos descritivos, mostraque o m1meIdtotal das~eren1a posições de parentesco possíveis num campode parentela· de exb!Ddo m&:Iia se eleva pelo menos a várias centenas;nenhuma lfogua possui termos diferentes para designar especificamente cada

I uma destas posições de parentesco, e, portanto, todos os sistemas terminoló- .gicos são classificatórios. «A nossa palavra 'irmão' inclui simultaneamenteo irmão mais velho e o irmão mais novo e tanto o irmão de um homem comoo de uma mulher: compreende ou classifica juntamente quatro relações dife­rentes. Apalavra inglesa 'cousin' denota ao mesmo tempo primo e prima,do lado do pai ou do lado da mãe, primos que descendem do irmAo oudeuma irmã do pai ou da mãe, primos respectivamente mais velhos ou maisnovos que um determinado indiVÍduo (Ego), ou primos cujospais são res·pectivamente mais velhos ou mais jovens que os pais do indivíduo, e Egoé, ele próprio, no interior desta relação, um homem ou uma mulher. Umallnica palavra inglesa denota portanto trinta e duas relações de parentescodiferentes» (trad. it. p: 311). E se ultrapassássemos o nível dos primos deprimeiro grau, acrescenta Kroeber, o nllmero de relações diferentes que taltermo poderá exprimir é incomensuravelmente superior a trinta e dois.

Por consequência, Kroeber procura fazer a recensão dos critérios de clas­sificação ou, melhor, dos tipos de relações que são expressas de maneiraregular pelo trabalho sintético e redutor que conduz, em lllrima' análise, àsterminologias dúcteis que conhecemos. Ele distingue oito tipos de relaçõespossíveis que podem ser ou não ser utilizadas conforme os tipos de termi­nologia. São elas, exprimindo o dado biológico de base:

- a diferença de gerações, geralmente reconhecid~, com excepção dossistemas terminológicos crow e omaha relativamente a certos tipos deconsanguíneos;

- a diferença entre as relações de tipo linear ou colateral. Esta distin­

ção não é válida, por exemplo, quando um sistema utiliza um ~termo para designar o pai e o irmão do pai, ou um mesmo termopara designar irmãos e primos;

- a diferença de idades na mesma geração;- o sexo do parente que se nomeia;- o sexo de Ego;- o sexo da pessoa intermediária que estabelecea relação entre Ego e Alter:

um avô é tanto um pai do pai quanto um pai da mãe. Esta distinçãonão é-reconhecida pelo nosso próprio sistema terminológico específico;

I!

! I

Page 15: EINAUDI Parentesco I

(Neste artigo utiliza-se a notação inglesa das relações de' parentesco:F = Father, M = Mother, B = Brother, S=Sister, s. son, J.daughter,H = Husband, W = Wife, ch •• child. MBd ••Mother's. Brothet's daughter'fdha do irmAoda mãe'. A equação FB=F=MB le-se do segUinte modo:.Irmão do pai••=«Pailt••drmlo da mle»).

Murdock, no espantoso trabalho de dassificaçAo das formas de paren­tesco que é Social StnIChn'e[1949], escolhe como base para a sua tipologia

- a distinçAoentre parentes consanguíneOs e parentes por afmidade (cri­tüio da aliança), devida l universalidade da proibição do incesto;

- um \1ltimocritério, utilizado mais raramente, que tem em conta o factode a pessoa intermediária poder estar sempre presente ou 010: poderenunciar-se l designação de «sogro••, por exemplo, se o cônjuge tivermorrido ou se tiver voltado a casar, ou entlo podem usar~se designa­ções particulares para caracterizar relações que já 010 existem.

Os sistemas europeus utilizam apenas quatro destes critérios (geraçlo;sexo do parente ao qual se dá o nome; parentesco de sangue ou de casa­mento; parentesco linear ou colateral).

Lowie [1928] aperfeiçoa o segundo critério, ao nível da primeira geraçloascendente (a dos genitores de Ego), que lhe parece ser a mais apta a for­necer uma base sólida a tentativas de dassificaçlo por famílias doi sistemasterminológicos. Declara ele que trQ$ possibilidades l6gicas sIo as seguintes:1) tios e tias do assimilados terminologicamente aos pais; 2) o irmlo dopai é·assimilado ao pai, enquanto o irmIo da mie é designado POI:um termoespecífico; simetricamente, a irmI da mie é assimilada l mie enquanto airmI do pai é designada por um termo específico; 3) tios e tias, conformesejam do lado paterno ou do lado matemo, distinguem-se tanto dos paiscomo entre si; 4) tios e tias, do lado patemo ou do lado matemo, 810 per­feitamente distintos dos pais, mas Dlo se distinguem entre si•• (p. 266).

Mas Lowie engana-se: ao propor esta classificaçio, ele nIo faz um inven­tllrio das possibilidades 16gicas, mas apenas das que efectivamente do reali­zadas. Falta uma posSIoilidade lógica, l qual se voltarll em seguida. Se esta­belecermos as eq~ (para parentes masculinos), obtemos:

"das nomenclaturas" 'Parentesco Dlo a geração imediatamente superior •de Ego mas a do próprio Ego, isto é, compara entre si os termos que desig­nam QS germanos (irmlos e irmIs), os primos paralelos (nascidos de doisirmIos OUde duas irmls) e os primos cruzados (nascidos de um irmão ede um irmã).

Ele estabelece, sob a forma reconhecida actualmente, a tipologia dos seis

grandes tipos terminológicos de parentesco, que, cruzados com as formasde f1liação, lhe permitem elaborar a lista ·de onze grandes tipos de estruturasocial. De facto, nIo existe uma relaçao necessariamente untvoca entre regrasde filiaçlo e sistemas terminológicos, mas, no entanto, nem todas as com­binações 810 possíveis duas a duas, como ressalta claramente da relaçAonumérica de 6 ali.

Podem representar-se estes seis tipos com as fórmulas seguintes (em queG = Germanos, P = Paralelos (primos paralelos), I = Cruzados (primos cru­zados), Ip = primos cruzados patrilineares, 1m = primos cruzados matrili­neares):

PARENTESCO

EsquimóHavaianoIroquêsSudanes

Crow

Omaba

G=I:[P =/]G= P =1[G= p]"1G ri> P ri> Ip ri> 1m

1m

rG= p]# <:Ip

tG= p] # <: 1"'\Ip ,lI

(Os sistemas crow e omaha constitu!tm variantes da fórmula iroq'uesa). Tam­bém aqui falta uma possibilidade lógica que é a seguinte:

[G.' I] " P. I

~ altura de nos determos um pouco nos sistemas terminolõaicos crowe omaha, que se pensa representarlql as duas faces simétricas e'ihversas deuma mesma armaçIo lógica, uma adaptada. matrilinearidade (sistetnas CTOW),

a outra adaptada à patrilinearldader:(sistemas omaha). Detemo-nos, mais pre­cisamente sobre os sistemas omah~l em primeiro lugar porque,~tes serãoamplamente tomados em considera~Aono seguimento deste artigd, e depoisporque do mais fáceis de represdlltar dada a sua patrilinearid.de.

Estes sistemas tem interessado Ptttrlcularmente e desde hll multb os antro­pólogos [cf. Durkheim 1896-97; itbhler 1897] por causa do modo bizarrode classificação dos consanguíneoll e. por causa do irritante enigtna da sua

razlo de ser [cf. Lesser 1929; Ld:i.i 1934; White 1939; Radcliffe-Brown1952]. . .

Um sistema terminológico omq pode ser caracterizado da maneira maissimples como se segue:

- os fdhos dos germanos do' mesmo sexo, que 810 .primeiros primosparaleloSlt, chamam-se entre si cirmAOSlte .irmAs••. Nas geraçOCs

3332PARENTESCO

FB-F-MBCIIJ[FB•••F]

"MB.~

FB"F

"MB~

[FB-MB]

"FBOI

\ mas falta a r""",

ffiIDJ[MB-F],. "FB

Page 16: EINAUDI Parentesco I

PARENTESCO

Netos (filhos dos filhos)

*

TEgo

Netos (filhos dos filhos)

i1

Ego

35

Lounsbury [1964J examina as possíveis variações terminológicas deste sis,tema de base. Noçntanto, mantêm-se em aberto as questões da razão deser destes sistemas e da imperiosa necessidade interior que explique a cons­tAnciados seus traços específicos nas diferentes sociedades humanas que ()Iutilizam. As an4llses baseadas na derivação automática dos termos deduzi­veis imediatamente da relação fundamental de germanidade paralela ou cru­zada com Ego ou Alter do genitor intermédio, ou dos genitores interm~­dios de Ego ou de Alter entre si, também não respondem a tais quest(leslcf. Coult ]967. com base in Tax ]9371. ,

r-xrynnFilho Filho drmio» «Filho

da irmI da irmL

llJjlI da-JDie"

Evidl:11temente,existiram inllmeras tentativas para explicar a génese dc:stl:Ssistemas. A mais famosa é a de Kohler que explica os sistemas terminológi­cos ,omaha como um resultado de o costume do casamento ser efectuado

. ..;"'4"1"i

Sempre relativamente a Ego, os ftlhos da irmã do pai (primos cruzados

'\ patrilaterais) 510 remetidos terminologicamente para a geração inferior à deEgo. A própria irmã do pai está ligada a Ego por uma relaçlo particular

\ de germanidade (dotada por vezes de um nome especial). Ego masculino! chama aos f1I.hosda irmã do seu pai «fJ.1hosde irmã», tal como se eles fos­I sem ftlhos da sua própria irmã, e chama aos f1I.hosdestes «ftlhos de irmã»I os seus «netos»; Ego feminino chama aos fJ.1hosda irmã do seu pai .ftlhos»

como se fossem fJ.1hosda sua própria irmã, e aos fJ.1hosdestes «fJ.1hos.,seus«netos».

34

Netos (ftlhos dos filhos)

A/t :LA-6 / ~~/ 6 GermanosEgc:»

~drmllo

da ~e»

Jk

1Ego

~«Irmlon

drmllo eM§e"da mãe••

PARENTESCO

seguintes, os fJ.1hosde dois «irmão$Jtou de duas «~» serl~ sempreentre si «irmãos»e «ÍrmllSJt.Estes primos paralelos a vmos nívetSgenea·

lógicos chamam «pai»àquele que o seu pai cham~ «irmão., e chamam«mãe» às mulheres a quem a sua mãe chama «Irmã»;

o/L :Lo-~Paio/ _A/O Germanos• Ego

- as denominações são mais complexas para o~ desce~dentes ~os ger­manos de sexo diferente, verdadeiros ou classdicatórlOS, ou sela, paraos primos cru7..ados.

Em, relação a Ego, masculino ou feminino,. os fIlhos de ~ h~mem dapatrilitibagem da tnlie, ao qual a mãe chama «~ão." e. em p.nmelfO lugar

(OS ftlh,OSdo verdadeiro irmão da mãe 510 remeudos te~ologlcament~ paraa geração superior à de Ego. Ego chama ao ftlho do irmão da mãe «1fD1ãoda mllelt e à sua f1I.ha«mãe••. Os ftlhos de um homem chamado por Egocinnllo da mãe» 510 sempre para Ego, consoante o seu sexo, cinnllos da mãe..ou ..niãeSJt;os fJ.1hosdas mulheres a que Ego chama «mãe»510 ~pre paraele «germanos... Os filhos ~os «irmão$Jt510, p~ Ego mascu~o apena~,«fllhos»como os seus propnos, e os ftlhos das «lftnliS»51~~obrinhos uten­nos••ou «fJ.1hosdas irmãs••, como os fJ.1hosda sua própr18 1rmã. Para Egofeminino, os fJlhos daqueles a quem ela chama ~os» constituem umavariedade particular de «germanos••, e os fJlhos das «irmãs» são «fJlhos».Osfilhos de «ftlhos.. e os ftlhos -de «fllhos de irmãs.. serão sempre «netos»(filhos - masculinos e femininos - dos filhos\

Page 17: EINAUDI Parentesco I

com a fllha do irmIo da esposa. O respectivo esquema é tirado de RadclifTe­-Brown [1952, trad. it. p. 76]:

2)

f2)

Para Ego, o grupo dos irmãos e das irmãs do seu pai é da mesma natu­reza do seu pai; todavia, Ego serve-se, na maneira de os designar, de dis­tinç(les que traduzem a diferença de sexo e os estatutos relativos de maisvelho e de mais novo. Radcliffe-Brown explica deste modo por que razão

37 PARENTESCO~~..

ria, distinguindo ncrinterior dessa categoria apenas a düerença ~tre homense mulheres. Quando se aplica este princípio l terminologia, uma pessoa exte­rior 1linbagem, mas em relação com ela, utiliza os mesmos termos de paren­tesco para todos os membros do mesmo sexo. .. pelo menos durante trêsgerações. Levado ao seu mais alto desenvolvimento, quando aplicado ao clã,este princípio tem como consequencia que uma pessoa relácionada de certamaneira com o clã aplique um tinico termo de parentesco a todos os mem­bros do clb [ibid.).

Assim, em virtude da aplicaçlo deste princípio, no sistema omaha, todosos membros por nascimento da linhagem da mie do, indüerentemente doslIeUS genitores reais, tidos como tIIllies. e como tcinnlos da mãe.. Infeliz­mente, este princípio não é tio rigoroso como parece; Lounsbury [1964]mostrou mediante exemplos étnicos precisos que os termos 'mie' e 'irmloda mie' podem ser atribuídos a pessoas que nlo pertencem por nascimento1linhagem da mie (por exemplo, MMSs é um tcinnlo da mie» para Ego).e inversamente que se encontram muitas vezes diferenciações terminológi·eu DO interior desta linhagem (por exemplo, o irmão da mie esUl postona categoria -avô. e 010 na categoria .irmio da mIe»).

NIo haveR, pois, soluçio? Como j4 entio pensava White. pode con·siderar-se que -aquilo de que necessitamos. .. não é procurar Cactossuple­mentares, mas reintegrar os factos que existem em quantidade suficiente sobos nossos olhos. [1939, p. 573].

:a preciso voltar ao dado biológico de base: dois sexos, duas geraçõesque se sucedem, relações entre mais velho e mais novo, sobre o qual o géniohwnano tio engenhosamente teceu hipóteses.

Radcliffe-Brown tinha visto perfeitamente a importlncw da sucesdo dasgeraçOCs,por um lado, e das relações entre os sexos, por outrO, como ele·mentos explicativos dos sistemas terminol6gicos. Ele tinha corppreendidomuito bem que a organização das terminologias decorre do modo como éconsiderada a relaçlo dos germanos, consoante eles do do mesmo sexo oude sexo diferente.

Ele enuncia claramente um duplo princípio: o da solidarie4~de internado grupo dos germanos, do qual deriva o da «unidade do grupo dos germa­nos, não j4 no que respeita 1coesão interna do grupo que eles constituem,mas sim no que respeita ao modo como são colectivamente entendidos etratados do exterior, por todos aqueles que se encontram numa relação par­ticular de consanguinidade e de aliança com um deles.

36PARI!NTBSCO

A

EIllI3 I"l ...

I Se D casar com C, filha do irmio da sua mulher (WBd), para. G e h,seus filhos, C,que é a MBd deles, torna-se madrasta deles e é chamada GIe»,e E, que é o MBs, torna-se o irmão da «mie» deles. Diz RadclifTe-l:lrownque Kohler «presume que a terminologia de parentesco preexiste.l realiza­ção deste tipo de aliança» [ibid.); sem mesmo estar realizado o casamento,G e h chamam «D1ie»a C, que é a sua futura madrasta eventual, e «irmãode mie» a E que é o seu futuro tio matemo. Reciprocamente, f chamaráantecipadamente câllho. a G e «filha»a h, e E chamar-lhes-4 «filhos de irJnh.

:a, naturalmente, difícil explicar, mesmo o mais engenhosamente possí­vel, um sistema terminológico através de um casamento secundário raro eque, aliás, 010 é praticado por uma boa parte de populações que possuem,no entanto, uma terminologia omaha, mesmo quando este casamento secun-

? d4rio se coaduna perfeitamente com a terminologia. Restaria explicar o 'casa­. mento de D com c, que não pode ser ad infinitlmt um casamento com a WBd.

\ Criticando Kohler, Durkheim demonstrou que os sistemas omaha'estiOem eatreita C()nexiocom a ti1iaçlo patrilinear, e os crows com a filiaçIo matri­

f linear, mas todos os sistemas patri- ou matrilineares 010 possuem forçosa­, mente uma terminologia crow ou omaha, donde se conclui que esta nAo é

uma explicaçlo suficiente (se bem que necessária).Lowie vai mais longe ainda neste ponto, ao associar estas terminologias

010 apenas l elristêncià de uma regra de unifiliaçlo mas ao desenvolvimentomáximo de grupos sociais clAnicos, baseados na unifiliaçlo. O eli é enten­dido como uma instituição que pode nascer, morrer, declinar e deSaparecer.Nas suas formas juvenis, o sistema tertninológico será simplesmente iroquês;nas suas formas adultas, será crow. ou omaha.

Este ponto de vista, expresso sob'uma forma curiosamente evolucionista,prefIgU1'llde uma certa maneira o de Radcliffe-Brown com a sua teoria dadOlidariedade de grupo. e da «Unidadede linhagem». Escreve Radcliffe-Browna propósito dos sistemas crow e ornaM que, 14onde os grupos de unifl1iação.corem importantes, podemos falar de solidariedade do grupo, que se revelaem primeiro lugar nas relações internas entre os membros do grupo. libid.,

p. 88); por «princípio de unidade de linhagem., Radcliffe-Brown entendeque uma pessoa. que 010 pertença l linhagem, mas que com ela está rela­cionada através de um laço importante de consanguinidade ou de aliança,ClConsideraos membros de tal grupo como constituindo uma tinica catego-

. iiii

I'I

',' ,I

I1

I

j

Page 18: EINAUDI Parentesco I

FB = F e MS = M em inúmeras sociedades; por que razão FS ~ por vezesdenominado «pai feminino" e MB .mie masculina., ou por que razão, emcertas tribos australianas, Ego é designado por um mesmo termo pelo seupai e pelos irmios e irmis do seu pai e por um termo diferente pela suamãe e pelos irmãos e irmãs da mie. No entanto, Radcliffe-Brown Dio explo­rou a fundo estas premissas. A este~ dois princípios fundamentais devejuntar-se um terceiro, que é o da idelltidade e/ou da equivalência dos ger­manos do mesmo sexo, cujo coroláIiq é o da diferença dos germanos dosexo oposto. Remetemos para o ~ .Incesto", onde se encontram anali­sadas as consequências estmturais de .~ terem ou ~o em consideraçio estesprincípios e seus corolários (identidadq .pos pares pai/filho, mãe/filha em opo­sição à diferença dos pares pai/fJ.lha, ~ãe/filho), em particular no estabele­cimento da proibição do incesto e d~s regras exogâmicas.

A identidade dos germanos do mesfllo sexo foi por vezes entendida, masde uma maneira passageira, sem que lne fosse atribuído o pleno valor expli­cativo sobre a g~nese e a concatenaç~o dos sistemas terminológicos e d.ossistema" 'sociais que nós lhe conferÍÍ1los. Deste modo, Kroeber escrevia:.Uma mulher e a sua irmi 510 mais parecidas do que uma mulher e o seu

fIlho, e esta diferença é conceptual, 'por outras palavras, linguística e aomesmo tempo sociológica... Uma mqlher e a sua irmi, ao pertencerem aomesmo sexo, situam-se numa categoria de relação superior à da mesmamulher com o seu irmão; isto quer ctizer que elas são mais parecidas emtermos de relaçio de parentesco e que é por isso natural denominá-Ias como mesmo termo" [1909, trad. it. pp. 320-21]. .

:a a consideração deste princípio fundamental que explica os casos ine­xistentes na combinatória dos possíveis que vimos atrás. Pela mesma ordemde ideias não existe também uma possibilidade lógica de filiaçio: a filiação, ..alternada, na qual o pertencer ao grupo e a transmissio dos dtrelt?S passa-ria de pai para filha e de mie para filho. ~ impossível que Lowle [1928]ao enumerar as suas «possibilidades l~cas. Dio se tenha dado conta de quefaltava uma. O facto é que no seu conceito de .lógico", ele achava naturalque ela devesse faltar, mas isso só é natural se se puser em :vid~ncia, comopropriedade intrínseca aos factos do parentesco, que uma solidariedade para­lela é mais forte do que uma solidariedade cruzada.

Trata-se de coisas que parecem tão naturais, tão evidentes, que não neces­sitam de explicações, apesar de se es~rem a ver. Mas acontece tamb~m queelas podem não ser vistas. :a o que se passa com um segundo princípio quedecorre da manipulação do dado biológico, que nos parece, combinadtJ como precedente, susceptível, para já, de fornecer uma explicação coerente sobrea lógica interna das terminologias omaha e até de fornecer uma resposta àquestão colocada anteriormente: por que razão o sistema terminológicoquando associado de modo preciso à patrilinearidade não está submetido ~mtodos os povos a uma regra de filiação patrilinear? Chamamos a este cflté-

, rio, esquecido pela teoria do parentesco, «8 valência diferencial dos sex~s».Tal com" os "utros enumerados por Kroeber. este pode ser ou mo odo

('.::J .•.''=t.l :u re-~v~ & j:'\L.-e::!~"'\"'~,CO ~ & ::::'-...4li..~ D:I'l2 ~

posta à questão anterior.

PARENTESCO 38 39 PARENTESCO

~"",1"Existem três relações básicas: entre homem e muit'er (segundo os qua-

tro modos: irmiofuma, pailfiIha, mie/fIlho, marido/mulher), entre geraçõescon~utivas, entre mais velhos e mais novos, mas a manipulação ideoló­gica tende a considerar estas relações como mutuamente dependentes e iso­morCas. A relaçio entre homens mais velhos e mais novos pode traduzir-seem termos de gerações como se se tratasse de uma relaçio de pai para fIlho.~ o c~ das populações austro-asiáticas Ho e Santal [cf. Bouez 1979];e assim. acontecia na corte do Rei-Sol, segundo o sistema dos títulos em

vigor flp os membros da fam11iapróxima do rei: o irmio mais novo dorei usa O mesmo título (Monsieur) que o filho mais velho do rei, e a mulherdo irm40 IQIÍS novo do rei usa· o mesmo título (Madame) que a fllha dorei, enquanto o títq11 de J4aciemoiselle- era reservado às «J)Ctites-fillesdeFrancClt '(~ndo u du-tas 'da Princesa Palatina).

Em geral, ~ a relação homem/mulher que pesa sobre o segundo ou sobreo terceiro, sendo estes concebidos como modelos hierárquicos que expri-

I mem a dominaçiO masculina.Os dois sexos nunca têm o mesmo valor. A sua diferença está traduzidana linguagem corrente mas tam~ na linguagem do parentesco, como umarelaçio desigual, quer de pai para fIlha, quer de irmio mais velho para irmãmais nova (cf. ainda o artigo «Masculino/feminino.).

Poder-se-iam citar numerosos exemplos, tirados· da literatura antropoló­gica ou jurídica, em que ao longo das páginas transparecem observações que·estabelecem esta diferença hierárquica entre os sexos. Zuidema [1977] assi­nala que entre os Incas uma irmI ~ uma fiIha para um irmIo adulto, e que,do mesmo modo, depois· do casamento, uma mulher se torna a eftlha» doseu marido. Margaret Mead [1935] mostra como, entre os Arapesh, todaa organizaçio social ~ baseada na analogia estabelecida entre os fIlhos e asmulheres que 510considerados como um grupo mais jovem, menos respon­sável que a sociedade masculina. Entre os antigos Romanos a esposa tinhao estatuto legal da ftlha, para já Dio falar do Código Napoleónico.

Não podemos contentar-nos em alinhar índices desta maneira. Por meulado, postulo que se o critério da valência diferencial dos sexos for de factoum parimetro do parentesco, os seus efeitos, quando ele é conhecido comoum tipo de sistema de parentesco, devem aparecer na própria terminologia,quer da consanguinidade quer da aliança, quer como refer!ncia quer comoindicaçio. Tal critério terá entio valor explicativo do sistema.

Assim, entre os Gonja descritos por Esther Goody [1973], onde a filia­çio é bilateral e a terminologia havaiana ao nível de Ego (mas iroquesa aonível dos pais e dos fIlhos), a posiçio geneaJógica é extremamente impor­tante, porque, escreve Goody, .no i~terior do grupo de germanos, o maisnovo deve obediência ao mais velho, enquanto este é sucessor no título e·herdeiro em primeiro lugar. [ibid., p. 221]. Deste modo, ela refere-se mani·festamente à re1açio entre mais vc1hoe mais novo entre homens. Com dáto,ar:.b~ .~ ~.:icit~.e qz ~ tm'.t1:a~W) fII:f1:JXe,* 11'''.[íhid.J; elas Dio possuem nem transmitem direitos nem propriedades.

: I,

"

Page 19: EINAUDI Parentesco I

2. As estruturas semicomplexas\ de aliança

Numa conferência. realizada erl1 1965, sobre o futuro dos estudos deparentesco (o essencial do contel1dq dessa intervenção foi retomado no pre­fácio à segunda edição das StnlCture~ êlémentaires de Ia parenté). Lévi·Straussdeclara que Dlo se pode aspirar a I1mateoria geral do parentesco enquantoesta nlIo tiver em consideraçllo todos os tipos de sociedade humana e nãofor capaz de dar conta quer do funcionamento das estruturas elementaresquer do das estruturas complexas de parentesco e de aliança. Ele acres-

41 PARENTESCO

::'!'r1- .

de meu pai, etc. ~, pois, qualquer que seja a nossa geraçtO de nasci·mento, todas iguais. Mas eu própria e todas as minhas «irmII-, ctiua e tias·-avós paternas somos consideradas como tizendo parte da seraçio dos filhosde meu irmIo, dado que a filha do meu irmlo chama aos seus própriosfilhos seus .tilhos», tal como, a1ids,o chama a todos aqueles a que eu chamo.tilhos»: um vertiginoso peso sociológico para baixo, que faz sempre do con­junto das mulheres nascidas de uma determinada linhagem o equivalentea «filhas», ou a netas, para os homens da Iteração mais recente. "

Filhos de Bgde de Alter

~Filhos AltercleBgo

e de Alter

Por consequência, um sistema ttrminol6gico omaha corresponde a umavisllo precisa do sexo feminino, onde as mulheres já Dlo silo consideradascotno irmAsmais novas (da mesma leração), como no caso precedente. mas

i como filhas (de geração inferior à de Ego). Isto corresponde a um êxito par­ticularmente acentuado de uma vÍSlo ideológica da relaçio en~ os sexos.

Pode pôr-se como hipótese que os grandes tipos de sistemas de paren­tesco derivam de escolhas ideol6gic:asrealizadas. sob o influxo de factoresa dete~r. atrav~s das diversas ,combinações possíveis das três relaçõesde base entre sexos, entre gerações, 'entre primogénitos e irmãos _ novos,cujas duas figuras extremas seriam:lj uma. a cisllo perfeita entre as' três rela­ções; outra, a transcrição integral d~primeira e da terceira sob 'a' forma dasegunda, de tal modo que se pudeste escrever [homens/mulherest'e/ou [pri­mogmitos/mais novos]=genitores/4fuos, mas nunca [mulheres/hoitlens] e/ou[mais novos / prImogénitos] = [geni~ores/fllhos]. .

PARENTBSCO

Terminologicamente - e ~ aqui que reside o mlcleo do problema -, sea mulher tiver irmIs mais velhas ou mais novas, ela só tem como indicaçAo«irmIos mais velhos»; simetricamente, um homem tem irmIos mais velhose mais novos, mas tem apenas «irmIs mais noV8S».Citamos textualmente:«Enquanto os homens designam um irmIo mais velho com o termo nda

(o meu irmIo mais velho) e umirmlo mais novo com o termo nsupo (o meuirmIo mais novo), designam a totalidade das irmAs, mais velhas ou maisnovas, com o termo nsuputche (o meu germano feminino mais novo)>>[ibid.].Este facto acarreta uma consequência importante que consiste no carácteriroquês da terminologia na geração imediatamente ascendente, e, réciproca­mente, na geração imediatamente descendente. Esther Goody sublinha, ,semexplicar, que apenas os germanos paralelos do pai e da mie (FB, M$) dodiferenciados por Ego em função do seu estatuto relativo de mais velhO oude mais novo relativamente ao pai ou à mie de Ego: existem assim -paismais velhos» (subentende-se: do que o pai); .pais mais novos», .mães maisvelhas», .mães mais novas». Mas existe apenas um terrtlO para designaro irmão da mãe (n'wopa) e a irmI do pai (ntana).

Tudo isto parece ser a consequência do facto de as irmãs serem sempreterminologicamenteas irmãs mais novas dos seus irmãos. Se a irmã de umhomem for a sua irmã mais nova, a irmã do pai de Ego será sempre umairmll mais nova do pai, e a mãe de Ego será sempre uma irmã mais novado tio matemo. Nllo é, pois, necessário especificar o estatuto atrav~ da ter­minologia, uma vez que este é datW de facto pelo pr6prio uxo. Em contrapar­tida, dada a importAncia atribuída ao estatuto relativo de mais velho e demais novo, ~ necessário que Ego faça terminologicamente a diferença noImbito do grupo dos germanos do mesmo sexo de cada um dos seus Ptores.

"Eis, pois~ um sistema de fI1iaçAoindiferenciada. e terminologjcamentehavaianafll'OQUCS8,que Dlo estabelece aparentemente diferença entre os sexos.e onde transparece, no entanto. aminorizaçio (no sentido de tlCStadodemenOf», conceptualmente, estatutariamente. terminologicamente) Ido sexofi •• Iemmmo. .

Que dizer entio dos sistemas ornaha? A irmI pertence sempre\ de facto,à geraçio inferior à de Ego masculino. Lesser tinha claramente. visto estaequivalência, quando escreveu: .o'facto de reunir o irmão da mlle e todosos seus descendentes masculinos sob o mesmo termo parece ser logicamenteconsequência da igualdade em termos de parentesco de uma m~lher com

a irmã de seu pai e com a fllha cf seu irmão» [1929. p. 712]4Se considerarmos o que se passa terminologicamente com Ego feminino

no interior da sua própria linhagem. o ponto comum das divel'Sllsvarieda­des possíveis (no plano terminol6gico) de sistemas ornaha - 1) ej[istem ter­mos para FS e MB; 2) não existem categorias FS; 3) MB.~ desi;nado pelomesmo termo que desig& o avô; 4) FS = S. ME = MÀ(C- é realmente aequivalência que é estabelecida entre irmã e filha é,-emse8uida. ~ntre irmãdo pai de Ego e fllhado pai de Ego, ou seja, irmI de Ego. tt!:.

O sistema omaha tem um peso sociológico para todas as mulheres per­tencentes à mesma patrilinhagem. Eu, Ego felninino. chamo "meus fllhos»aos fllhos das minhas irmãs, das «irmãs» de meu pai. das «irmãs» do pai

: liI

, I

".

Page 20: EINAUDI Parentesco I

centa que o ponto crucial da compreensão da passagem de uns a outros residena elucidaçio do funcionamento dos sistemas crow-omaha [1967, trad. it.pp. 27-28], daquilo a que chamaremos mais genericamente, ultrapassandoo caso particular destes sistemas, as lle8truturas semicomplexas de aliança».Estas são, com efeito, consideradas como um ponto de articulaçto entre asduas fórmulas, pelo facto de, ao dec~ proibições matrimoniais, e nãoprescrições mas em termos de filiaçip a grupos, poderem ser consideradas

como depe~dentes das es~turas ele~entares, enquanto a r~e probabilis~ade aliança, que estas proibições engepdram com toda a lÓgica, as faz den­var das estruturas complexas. Mas q ~eu funcionamento, como mais generi­camente o das estruturas complexas,;é até agora um terreno desconheCidoda antropologia do parentesco. ' ~

Por «complexos» entendem-se oSllistemas de aliança em que a escolhado cônjuge, longe de obedecer a uma designação pré-estabelecida em ter­mos de,.'filiação social, é aparelitemepte deixada à iniciativa individual nointerior·de espaços relacionados que fião são unicamente determinados peloparenteSco. É o caso do casamento llas sociedades ocidentais. No entanto,mesmQ'aí, a estrutura complexa de ~roca obedece a uma lei que dependedo aspecto elementar: a da proibiçãQ do incesto. De facto, a classifICaçãodos coqsanguíneos em parentes des~veis, por um lado, e não-desposáveis,por outro, efectuado nos sistemas elFmentares, tem como corolário tornarincestuosa qualquer união com um pàrceiro que entre na categoria dos con­sanguíneos não-desposáveis. Nas, sociedades ocidentais, a proibição só dizrespeito a relações primárias do ponto de vista da flIiação e da colaterali­dade (a mile, a fllha, a irmil para u~ Ego masculino), pelo menos na suaversão mínima. É possível actualmente, depois de obtida a respectiva dis­pensa, casar entre primos germanos (ou entre tio e sobrinha ..• ), mas emdireito canónico era considerada incestuosa qualquer uniilo não apenas comprimos germanos mas também com primos nascidos de germanos (terceirograu canónico), e tal proibição era ainda respeitada, pelo menos em certasregiões rurais, no princípio do século.

Isto reconduz-nos aos sistemas crow e omaha, que provêm das estruturassemicomplexas da troca e que escolllemos pelo seu valor exemplar. Paraalém de uma terminologia de p~n'esco muito particular, estes sistemas

, caracterizam-se pela unilinearidade dá filiação (os sistemas crow são matrili­neares, os sistemas omaha são patrilineares) e pela presença de séries de proi­

bições matrimoniais - que vão de dois a seis grupos - variáveis seiUIldoas sociedades. Lévi-Strauss forneceu 'a seguinte definição geral: «Caãa vezque se escolhe [segundo o princípio de flliação considerado) uma linha paraobter um cônjuge, todos os membros dessa linha são excluídos do grupo doscônjuges potenciais para os outros membros do grupo durante um períodoque cobre várias gerações» (ibid., p. 30). Deste ponto de vista, pode dizer-seque estes sistemas abrem ainda mais amplamente o leque de proibições doque o direito canónico, dado que englobam entre os cônjuges proibidos indi­víduos outros que os estritos consanguíneos colaterais, primos germanos enascidos de germanos; desde que os laços genealógicos intermediários entreEgo e Alter sejam,todos do sexo do princípio de flIiação, primos muito mais

43PARENTESCO 42PARENTESCO

•.•.•'1'-•.....

af~tados serão proibidos, e até pessoas destituídas de qtaIquer relação genea­lÓgIcacom Ego, mas que pertençam de direito ao mesmo grupo de unifllia­ção. Por out.ro lado, .restringe aparentemente esse leque através da aplica.ção da defimção de hnhagem ou de clã. Com efeito, o direito canónico, aoque parece, não faz nenhuma distinção entre os diferentes tipos de primosno limite dos gra~s proibidos, enquanto, segundo a fórmula acima apresen. .". .tada, poucos pnmos entre os do segundo e terceiro graus canónicos(incluindo os de relação oblíqua) ficariam sob a alçada da proibição. Consi­de~doexcIusi~ente os primos nascidos de germanos, a fórmulagene­ralizante' de Uvi-Strauss não dá Fonta, numa óptica omaha, isto é, patrili.near, seD40, da impossibilidade para um qualquer Ego (masculino oufeminino) de casar ~. }UDll.,~.ou um primo que pertença às linhagens(ou aos cas) de sua mãé e dj mie do seu pai, ou seja, apenas duas fIguraSdas doze possíveis (MFBsd, FMBsd); tal fórmula não explica a impossibili-dade de casar com alguém do seu próprio grupo (FFBsd) ou a impossibili.dade de casar com alguém que pertença ao grupo da mãe da mãe (MMBsd).

As proibições matrimoniais podem, ser formuladas tanto em relaçAoa gru.pos definidos na sua globalidade por um princípio de flliaçio (sistemas semi.

I complexos) quanto a graus de parentesco calculados genealogicamente (sis.I temas complexos das sociedades tradicionais; direito canónico), ou ainda em

relação ao aparente total arbítrio da escolha do c6njuge devido à indistinçãodos indivíduos nas sociedades ocidentais modernas, urbanas ou industriais:em qualquer dos casos as proibições provocam - ainda que retlectindo sim­plesmente sobre os dados brutos do problema - aquilo a que Uvi.Strausschama uma «turbulência permanente» do campo da aliança que torna impro­vllvel, senão impossível, a existência de uma estruturação particular destecampo. De facto, cada casamento realizado representa uma fórmula origi­~, difer.ente da das uniões contraí~ pelos ascendentes nas gerações supe.nores, e mtroduz uma nova perspectiva de conjunto dos consanguíneos paraa geraçio seguinte. Daqui se conclui que, excluída da consanguinidade~ e~olha do cônjuge, aleatória, obedece então a leis probabilísticas, o qu;lmphca que se não conforma a nenhuma lei de recorrência ou de regulari.dade. Por consequência, não haveria nenhuma estrutura detectllvel (pelomenos no registo do parentesco) contrariamente ao que se passa nos siste­mas elementares onde a escolha do cônjuge é orientada, geração após gera­ção, para uma certa categoria de indivíduos ou de grupos. O problema quese coloca é então de saber se surgem estruturas matn'moniais apesar de tudo

e se o seu modo operatório é radicalmente diferente ou não daquele queocorre nos sistemas elementares. .

Não sé deve pretender que o conhecimento do funcionamento dos siste­mas.semic~mplexos forneça imediatamente a chave dos sistemas complexos,quanto mais não se,a por causa da diferença assinalada acima (uns falamde graus genealógicos de parentesco no interior de um conjunto cognático;outros, baseando-se nos relatórios antropológicos, falam de grupos determi. (nados por um princípio de fl1iação, mesmo se, como se verá adiante estadistinção não é absolutamente pertinente). Mas dado que eles são fo~al­mente de idêntica natureza e dado que os sistemas semicomplexos (parti.

"

II I'

Page 21: EINAUDI Parentesco I

culannente cror»-Omaha) operam em populaçOCs de dimensões restritas onde

concretizaçoes especiais das formas de aliança têm mais oportunidades desurgir de modo visível do que nas vastas sociedades ocidentais, parece ldgico

começar por eles.Na já citada conferência, Lévi-Strauss sugeriu duas vias de investigaçio

para os sistemas crow e omaha. Uma ~ de ordem matemitica: "trata-se decalcular o nllmero de possibilidades teóricas de escolhas matrimoJiiaís paraum dado indivíduo, em funçio de uma parte do nllmero e da qualidade

das proibições que ele deve respeitar e do mlmero de grupos disc~tos de

J~~. A segunda ~ de ordem informática, baseada em prOcedimentos desimulaçio: em sociedades fictícias, defmidas por um dado mlmero de· uni­dades de clA ou de linhagem - 1reproduçlo das quais se aplica, aeraçio

ap61 geração, um certo ndmero de padmettos demogdficos - fazem-8e inci­dir proibições matrimoniais na escolha do cônjuge durante um n\lmero degerações suficientemente elevado a fun de que haja hipóteses de surgiremregularidades, se elas existirem no empareJhamento dos matrimonidveis entresi. Um cálculo matemático foi empreendido por Bernard Jaulin, com base

em duas proibições apenas, atingindo valores incrivelmente elevados (23 436possibilidades teóricas de aliança para um indivíduo no caso d~ existiremsete clis, 3 766 140 quando existem quinze clls, etc.). Face a estes resulta­dos, "pode postUlar-se que qualquer confJgU1'8Çio particular e recorrente p0s­sível de ser observada, por simulaçAo ou de outra maneira, não' poáerd lerc01I$equlncia do acaso. As raras tentativas de simwaçlo levadas li cabo at~aqui falharam,· ao que" parece, por saturaçio rápida da memória.

O procedimento por D68 escolhido foi diferente; pareceu-nos que o pri­meiro passo a dar era o de e1ucidar sobre o modo de funcionamerlto de umasociedade real que apresenta estrUturas semicomplexas de parentesco e dealiança. Para tal, procedemos com a ajuda da informática ao tratamento dedados genea1ógicos e matrimoniais recolhidos para este efeito em três aldeiàs

) dos Samo do Alto Volta, populaçlo patrilinear, com um sistema "terminoló­gico de parentesco de tipo omaha [cf. H~ritier 1974, 1976, e in Au8'! 1975).As comunidades de aldeia autónomas agrupam linhagens excSga1:has,geral-

. ) mente repartidas em duas metades de aldeia que Dlo parecem desempenharqualquer papel na troca matrimonial. As linhagens podem compórtar linhasdistintas, entendendo-se por 'linhas' os conjuntos genealógicos Aue termi­nam em antepassados masculinos específicos, sendo esta série de· antepassa­dos fundadores de linhagens consit4Frada pelos membros vivos dk:linhagemcomo irmIos classificatórios, sem que a memória destes vivos ~isa preci­

ur qual o laço genealógico real em colateralidade agnlltica q~é os une.Distinsuem-se três estatutos matrimoniais de casamento p~, con­

siderado indissohlvel, e um contrato que une entre si duas linhdgens enioindivíduos. Uma rapariga ~ prometida em casamento, ainda de t~nra idade,

pelos homens da sua linhagem, a um homem geralmente maduto, Ela teráapenas um l\nico marido legítimo deste tipo, enquanto um homem pOderáter vúias mulheres em casamento primário legítimo. Em caso de fàlecimentodo marido, ela deve em princípio casar leviraticamente com um irmIo mais

n~vo do seu marido.

PARENTESCO45

•. o;or'}o}•..

O casamento secundário une entre si os indivíduos e nio as linhagens, depoisda ruptura do casamento primário, por viuvez ou por separaçio cuja validade~ reconhecida pelas fam11ias. O casamento secundúio faz-se entio nas mes­mas comunidades locais. Quando se trnta da fuga de uma esposa, a uni40 seCun­

dma! extreDiamente precú'ia devido às buscas efectuadaa pelo marido e pelafuni1ia da mulher, faz-se no exterior. a este tipo de casamento secundário queabre ao exterior o campo da aliança.

O terceiro estatuto ~ uma relaçlo p~-conjugal oficial, que duraria três anosse nIo desse fruto antes, caso em que a jovem e a criança seriam imediata­mente entregues ao marido legítimo, sendo a criança considerada como o.pri­mogwto da união legítima.

Apenas o casamento legítimo primário exprime uma vontade de linhagem;mas todos devem obedecer às mesDUis proibições (com algumas alteraçocs nocaso das duas últimas regras) que se ~nunciam seguidamente, sempnt em rela-ção a um homem:" .

1) um homem Dlo pode casar cohl uma mulher que pertença ~r nasci­mento 1 sua própria linhagem Patrilinear,l da sua mie, ou às linhagensda mie do pai (FM) e da mie da mie (MM); l'

I 2) um homem Dio pode casar com uma mulher que pertença a usna linha­gem onde um cpai» - ?U seja, ~ homem da sua patrilinhagem perten­cente 1 geraçio supenor 1 sull - ou entio um .irmlo» - isto ~ umhomem da SUl patrilinhagem que pertence 1 sua geraçlo - já te~amtomado esposa; estas duas regtas, enunciadas separadamentd, corres­

pon~ 1 defmiçilo generalizada dos sistemas crow-omaha proi>osta porLévi-Strauss;

3) uma terceira regra vem juntar-. a estas duas regras cl4ssicas: \lÚl homemnio pode casar com uma muniu que pertença a uma das quàtro linha­gens de base de uma das suas' precedentes esposas (nas patrl1inhagensde W,.WM, e nas linhas disctetas de WFM, WMM).""

. Tratava-se, n~te es~udo, de veri~car por u~ lado se as proibiçtÍes enun­ci;adas pela p~pna SOCIedade 810 de·l~to respeatadas e, por outrd, ;de testar

hipóteses partiCulares elaboradas a PIl'tir dos dados de observaçlo~:J tam~mde uma reflexio atenta sobre o mõ(Ib' como as regras 810 formul;Jas tanto

as enunciadas pelos Samo como as equnciadas pelos antropólogos pára'outras~iedades ~~ plano mais geral, teRdo em conta Dlo apenas o que as regrasdizem explicitamente, mas tam~mds seus silêncios.

O ponto de partida desta reflexlu. ~ a defmição generalizante do~. sistemascrow-omaha proposta por Uvi-Strau •• como vontade de dar conta dA mosofla

~bstraeta destes sistemas e das suas #alizações: «Sempre que se escblhe umalinha para obter um cônjuge, todos 01inembros dessa linha vêm a ser automa­

ti~ente. excluídos do n~mero dos <!O,hjugesdisponíveis para a Iinh' de refe­~nc~, e Isto durante váriaS geraçõe ••. [1967, trad. it. p. 30); tal fotmulaçlounplica, pelo uso do neutro (emembrda» do grupo, indivíduos), que ela se aplica

tant~ às ~ulheres como aos h~mens do grupo. a assim que surge o problemada S1Dletna entre Ego masculmo e :ego feminino.

Já vimos que esta definiçlo era insuficiente, dado que nIo cobre todosos casos de proibições enunciadas, atendo-se estritamente aos indivíduos ins­critos pelo nascimento em linhagens (ou clis) ou em linhagens proibidas.

4"PARENTBSCO

Page 22: EINAUDI Parentesco I

,.

I I,

II

I

i.rI

I

I!

47..••• PARENTESCO.~: ..

t""grupo). Os pares de consanguíneos do mesmo sexo funcionam simetrica-mente; os pares de consanguíneos de sexo diferente funcionam simetrica­mente; mas disto não se conclui necessariamente que estes pares unissexua­dos e bissexuados funcionem de modo homólogo.

. A primeira vis!~ pode parecer que esta análise, se bem que pertinente,seja de eSC!l8sautilidade. Com efeito, é esta inversão possível que forneceuma d~s i:haves do funcionamento dos sistemas semicomplexos, em parti-

I cular porq"e ela permite a troca das irmãs, reais ou classmcatórias em cadaduas ~çges, ~ ~ nenhuma regra.. 'Será.W:Cesúrioabnr um parê~: a etnologia da tribo Úldia dos Omaha

propriamente ~ parece ~ostIV f8c:tos contraditórios relativamente ao queacaba de ser di.to. Na~dei ,lCIUDdoo relatório elaborado por Dorsey[1884], um homem podia casar-se com duas mulheres em m\1tua posiçãode irmãs ou de irml de pai I.f1lha de irmão:

a possível que tenha existido esta possibilidade de sororato; tà1a-sede soro­rato quando as três mulheres (.) do mesmo esquema se encontram estru­turalmente na posição recíproca de irmãs, como se viu e de um certo

ponto de .v~~, slo idên~c~s intercambiáveis (cf. o artig~ .incesto»). Muesta posSibilidade só CXlSbararamente e em casamento secunc:lúio compagamento, enquanto o primeiro casamento era validado por uma trocade. presentes, pelo menos segundo Fortune [1932, p. 20]. (Esta tolerAnciaexlSte ta.qlbém entre os Samo, também em casamento secundário, ou sejaaq~ele que ~ tratado pelos próprios indivíduos e não pelos membros mas:cuJin08 da linhagem). Para além disto, ao examinar .os textos, não pareceque esta mesma possibilidade tenha existido para os outros membros mas­~08. da mesma gens que Ego (1 excepçllo talvez dos seus irmãos verda.

I delCOs,sempre em razlo do princípio da equivalência dos germanos doI mesmo sexo). Isto decorre da difícil exegese dos textos de proibições for­

muladas por ~rsey ~ ,~e constituem um ensaio de transcrição sob formaabstracta das lmpo8S1billdadesde casamento próprias ao seu velho informa.dor Two-Crows. Assim a fórmula .Um homem não pode casar com umamulher que pertença 1subgens da mulher do fllho, do sobrinho ou do neto;nem. uma mulher que pertença 18ubgens do marido da sua ftlha, da suasobrinha ou da sua neta» [1884, pp. 256-57] (entendendo-se por 'sobrinho'e 'sobrinha', f1lho e f1lha do irmão; e por 'neto' e 'neta' fllho e fllha dofllho) dá conta do ponto de vista de um homem maduro' que declara não~er ser casado, entre outras coisas, como o seu ftlho ou o seu neto. Toda.V18, esta fóonula é reversível: um homem não pode escolher mulher no

46

A

.~

BI· t t'1-~~

•ou

C

A

~

B

? 9

fi

t

PARENTESCO

na qual A, B, C estão a representar os grupos de unifiliação patrilineares;o sinal L-J indica casamento possível, e o sinlll L;LJ casamento proibido.

Mas nada, nem na maneira como são expressas as regras particulares reco­lhidas nas diversas sociedades, todas e sempre marcadas pelo androcentrlsmo,nem na 16gicadas implicações que são Possíveis inferir a partir destas regras,permite dizer que, se um homem casou com uma mulher de um grupo deunifl1iação, a sua «irmã» ou a sua «fJ.1h!l»(relação bissexuada: o «par assim\!­trico••segundo a expressão de Uvi-Strauss [ibid., p. 574]) não possam esco­lher um cônjuge nesse mesmo grupo, ou, simetricamente, que se uma mulhertiver sido dada em casamento a um grupo de unifiliação, o seu «irmão» ouo «fllho»do seu «irmão••(relação bissexuada) não possa nele escolher mulher:

(As duas figuras excluem-se mutuamente. Se tal não acontecesse, isso sig­nificaria que era permitido ao par de consanguíneos do mesmo sexo(<<pai»l.fllho.,irmã de pailfllha de irmão) casarem-se dentro do mesmo

c

Mas também é evidente que tal defInição extrapola, graças ao silêncio dasregras sobre o ponto preciso da simetria, de uma relação de consanguini­dade primária entre pessoas do mesmo sexo onde esta simetria existe, parauma outra entre pessoas de sexo diferente onde ela não existe. Com efeito,se um homem, num sistema patrilinCllr semicomplexo, casou com umamulher de um determinado grupo (linhflgem ou clã), os seus «irmãos» e osseus «filhos» - termos entendidos no s,ntido próprio e no sentido classifi­catório no interior do grupo de unifll.~ão - não poderão casar com uma

mulher deste ~esmo grupo de unifilia~4.0.1st? implica, ipso facto, com umpuro rigor lÓgiCO,que se uma mulher iiver Sido dada em casamento a umhomem, as suas «irmãs» agnáticas e as lifllhas»dos seus «irmãos» não pode­rão ser dadas em casamento a um homem da mesma patrilinhagem ou patri­clã. Daqui decorre a simetria entre pessoas consanguíneas do mesmo sexo

Page 23: EINAUDI Parentesco I

(/;, -I"ri

Alter

Alter, nascida na patrilinhaaem da 'mie de Ego, pertence a uma linha­gem proibida por Ego

49 PARENTESCO

juge proibido (por e~tlo; ele nio.pode"casar-se com a sua FFJidd; umavez que ele pertence por nascimento 11 linhagem patrilinear da mie destaprima; outro tanto para FFSsd e FFSdd).

Mas isto Dlo basta; para compreender a razlo das proibições respeitan­tes aos consanguíneos até 80 ten:eiro grau canónico; que DlO pertencem toda­via pelo seu nascimento a um grupo patrilinear proibido por Ego ou Alter(MFBdd, FMSsd, FMBdd, MFSsd, MMSdd, MFSdd, MMBdd), somoslevados a introduzir a noçlo de partilha em comum das mesmas linhagensda mie ou das avós, ou de tal maneira que a linhagem materna de um sejauma linhagem de uma avó do outro, critério"totalmente diferente do da per­tença por direito (por nascimento) a um grupo patrilinearmente definido,expresso todavia unicamente pelas regras

! t t lElO Alter

Ego e Alter nIo oaaceram tecipro.camente na patril.iohagem da miedo outro, mas partilIumaem comuma mesma patrilinhagem materna

. Esta noçllo, que na estratégia ~trimonial desempenha um papel tãounportante quanto o facto de se pertencer ao grupo de unifdiaçllOt implicauma exaeta ava1iaçlo das relações jenealógicas reais até aoterteiro grauexacto, e, portanto, mesmo para sistemas deftnidos por uma JDe$ha regrade unifiliaçlo estrita, um reconhecÍltltnto das relações de consaDJWnidade

puramente cognalticas, tal como U>unsbury tinha presumido at.-vés doestudo formal das terminologias de plÍ1'entescocrow e omaha: «Nesta ópticaa avaliaçllo do parentesco é claramijlte baseada na avaliaçllo ge'ittaJógica.As extensOes nllo 1140 conllideradaslçomo designações gerais dcl'''grupoSsociais" . •• mas antes como prod~i4las por uma série de deriv~ões que

se entrelaçam de um indivíduo p~ outro ao longo de uma linhlllgenealó­gica» (1964, p. 381). Nllo se trata naturalmente de bilinearidade ou de paren­tesco dito complementar, no sentido :em que o interpretava Meter Fortes[l9S3j 1972). Esta visllo extensionistit,e genealógica opõe-se evidentementeli de Radcliffe-Brown [I952J, que e~~lica os sistemas de denominação e dealiança crow e omaha em função do Rrincípio da unidade de linha. excluindoqualquer intervenção do parentescO!bilateral.

Mas, enquanto as proibições baSeadas no facto de se pertencer a umapatrilinhagem proibida por Ego nlo reconhecem o critério de, geração(enquanto os laços genealógicos intcrlnédios forem integralmente 'compos­tos por homens, em sistema patrilineil1'.por exemplo ou, mais simpll:smente,enquanto existir a consciência da pertença a uma linhagem), as qúe se ba­seiam na partilha em comum das mesmas linhagens da mie e das avós ape­nas agem (nos casos africanos de que nos ocupámos) sobre três gerações -

48PARIlNTESCO

9

mesmo grupo onde o llCU pai escolheu, ou o pai do 8eUpai (reai" ou c/aslli­lIcat6rí(8), porque tal implicaria que o pai ou o avÔfosse casado do mesmomodo que o seu filllo ou neto. Simetricamente, uma mulher Dlo pode, pois,casar-se com um homem de uma geraçllo imediatamente superior· ou infe­rior li do grupo onde uma innI, irmll do pai e filha do i.rmliotenha já C8llado.

(Neste esquema apenas se representam as mulheres proibidas (I.) a Egorelativas ao grupo de unifiliaçllo (a gem) da mulher do seu fdhb. Poderiater-se feito uma representaçllo relativa às gentes das esposas do neto (ss) edo sobrinho (Bs». I

Eis, pois, uma intereasante aplicaçllo do princípio da equival~hciarmter­permutabüidade dos germanos de sexo idêntico, com um jogo mbito subtilsobre a possibilidade p~pria aos sistemas omaha de considerarem estrutu­ralmente, objeetivamente, e até por vezes terminologicamente, como irmIsas mulheres do mesmo grupo de unifiliaçIo. Isto só'se aplica, como vimos,li geraçllo de Ego masculino, raramente e· em caso de casamentd lIecundá­rio.' Mas a possibilidade existe, todavia. Entre membros de g~oes suces­sivas o que realmente opera é a regra de nio-aimetria para -ót1ollsanguC­neos de sexô diferente. Existe mesmo um exemplo significativo na 'genealogiade Tow-Crows: o seu irmllo e a sua ftlha (<<pai»e «fdha-, consequ'ntemente,na denominaçlo recíproca) eram casados na mesma subgem. E isto basta para

o que diz respeito aos Omaha. I

Uma anlllíse do mesmo tipo da da simetria, reforçada por um inquéritoaprofundado levado a cabo junto de duas sociedades de terminológia"omaha

(os SkD10 e os Mossi), conduz li crítica da noçlo de fJliaçllouniJÜ1earcomo; nec:easllriae sufsciente para circunscrever o conjunto das proibi~ semi-

••.. \ complexas, e leva a pôr a questllo da razlo de ser, no plano qu~nos inte-'ll~)-,,\ rasa, dos grupos unilineares de fÜÜ\llo aos quais estio geralmente associa-i dos atei sistemas semicomplexos. Com efeito, para ser breve, acqntece que,

Deltas duu sociedades (aliás, como noutras sociedades do Oeat~ Africanode que só ~ pouco tempo se deu conta terem sistemas omaha),nlo é pos­sível casar com nenhum dos primos ou primas do segundo ou tetetiro'graucanónico, se bem que na sua grande maioria estes Dlo pertençam: por nas-cimento às linhagens proibidas a Ego (F, M, FM, MM). Um certo nl1merode cuos silo explicados pelo facto de a regra das quatro patrilinhagens proi­bidas ser também Vlilida para Ego feminino, apesar de a regra ser apenasformulada no masculino, o que torna impossível a um homem a realizaçllode uma unillo com alguém para quem ele se encontra em posição de côn-

i,I'

II·

;1'II

I

i

1I

I,';';"I

•••

Page 24: EINAUDI Parentesco I

sendo a quarta aquela em que se situa o antepassado que está na origemdos dois ramos. Este nl1mero DIo é ao acaso, corresponde evidentementeao nl1mero de gerações que coexistem, mas também corresponde ~teao mimero de gerações, incluindo a de Ego, onde estão situados OSascen·dentes directos que são tidos em consideração para estabelecer as regras deproibiçio (F, M, FM, MM). Para cada Ego, o sistema de proibições agesobre dois eixos e, em cada mudança de geração, o ponto de vista de Egodifere em metade do do seu pai e desloca·se horizontalmente uma casa parabaixo. O esquema seguinte permite apenas uma representação estática:

o critério da partilha em comum das mesmas linhagens maternas e dasavós como fundamento para as proibições matrimoniais pode parecer à pri­meira vista não ter um valor universal no que respeita aos sistemas crow­-omaha, que são considerados as formas extremas d~ matri- e de patrilinea­ridade, e por isso apenas susceptíveis de serem aplicados a casos particulares,não clllssicos, destes sistemas.

Tanto o caso dos Samo como o caso dos Mossi, nesta óptica, não passa­riam de variantes abastardadas de modelos puros, DOSquais apenas a pertençade linhagem seria reconhecida. Este ponto de vista parece-nos contestávelpor duas razões. Antes de mais, a definição destes modelos puros [Mur­dock 1949] foi feita a partir da recolha acrítica das formulaçOes autóctones

das regras (e é verdade que por toda a parte elas apenas fazem refera,ciaa grupos de fJ1iação)e de inquéritos efectuados no local insuficientementeaprofundados, isso tanto mais que o a priori da linhagem contribuía paraque se procedesse às cegas. Em segundo lugar, e principalmente, hll umfacto que se encontra de modo evidente em todos os sistemas omo;ha sobreos quais existem descrições (tanto quanto sei), facto esse que demonstra porsi só a existência universal do critério da partilha em comum das linhagensmaterna e/ou das avós para os sistemas semicomplexos: trata-se, em todaa parte, da impossibilidade de desposar a prima paralela matrilateral, a fJlhada irmI da mie (MSd). Se consideramos o nascimento e a pertença a patri­linhagens, ve-se perfeitamente que esta prima não pertence l linhagem da

SI PARBNTBSCO'li.

·~l·

mie de Ego, e reciprocamente, que ElO Dlo pen~ l sua linhagemmaterna, mas ambos têm em comum uma mesma linhagem materna:

íOra um princípio geral requer que qualquer sistema forme um conjunto

coerente que obedeça a leis que DIo suportem falhas lógicas ou excepções.Se POStularmoso contrdrio, I aprendizagem de um dado sistema por partedos própriOs 'actores e~a reproduçlo desse sistema tornam-se impossíveis.Por consequtacia, se tOdos 08 iiItemu omaha, pelo menos tanto quanto meé dado saber, Dlo admitem o casamento com a MSd, isto implica a pre­sença do critério da partilha em comum da mesma linhagem materna e, porextensão, a partir do momento em que mais de duas linhagens são proibi­das, a ·aplicaçAodeste mesmo princípio aosconsanguíneos bÜlteraÍ8 que seligam por intermédio de mulheres a estas linhagens suplementares proibidas.

I Dir-se-ll que a pertença a uma linhagem por unifiliaçIo e_~~ _~~.~~~.guinidade l?Ült~ são vamveis extremamente interdependentes que mtervêmI siMultaneamente no plano da aliança nos sistemas aem.icomplexos.Mas a evi.) dencia da forma fixa e estável que representa o grupo de unifiliaçAofaz com. que ela domine a expressão autóctone das regras e mascare aos olhos dos antro­. pólogos o lugar ocupado pela realidade móvel da conaaDguinidade cognática.As regras falam no masculino e falam de linhagens (resta mostrar em que é que

; issocorresponde a sistemas ideológicos), mas o seu silenciosobre as outras reali.i dades DIodeve nem pode ser interpretado como a prova de que elasnAoexistem.

Voltando aos Samo, tendo em conta as regras enunciadas e as suas exten.sões cogriáticas, parece ser extremamente difícil encontrar cônjuges autori.zados dentro de aldeias de pequenas dimensões. Com efeito:

- todos os membros das quatro patrilinhagens proibidas a Ego estio--lhe proibidos como cônjuges, qualquer que seja a sua relação realde consanguinidade com ele;

- nu11Íintervalo de tres gerações relativamente a um antepassado comumsituado na quarta, todos os consanguíneos provenientes de casamentosde filhas pertencentes ls patrilinhagens proibidas a Ego estão proibidosem casamento a Ego, qualquer que seja a sua miação de linhagem;

-. cada União contraída por um homem fecha uma linhagem como áreapossível de escolha aos seus cirmlos» e «fLlbos»da mesma linhagem,e simetricamente cada união contraída por uma mulher fecha umalinhagem ls suas «filhas de irmIos» e às suas «irmãs»;

-por 11ltimo,cada união contraída por um homem fecha-lhe no futuroquatro outras linhagens como área possível de escolha.

O material analisado em computador consiste nas genealogias da popu­laçAode tres aldeias que formam uma unidade poUtico-social tradicional;esta populaçAoestá repartida em vinte e seis linhagens patrilineares; a exten­são cronológica das genealogias vai de cinco a nove geraçOesem linha agná·

SO

Geraçõesproibidas.Nenhuma limita­çAo do ntlmerode patriliDhagensinteressadas

F M

Ego

PARENTESCO

FM

IIÁrea

de consanguinidade Gru trilineares. pos paC~t1c. . proibidos.proIbIda Nenhuma limitaçAo

do Dl1merode gerações

Page 25: EINAUDI Parentesco I

tiea,.atc! ocasionalmente doze em linha uterina (diferença que se explica peladiferença de idade no casamento e no primeiro nascimento segundo os sexos).O corpru examinado retlne 2461 casamentos [cf. Hc!ritier 1976; 1975).

Com base em simples deduções numéricas, três coisas surgiram imedia­tamente, que no entanto parecem • primeira vista incompatíveis com a estrita

aplicaçlo das regras de proibiçlo da aliança:

- a taxa global de endogamia no interior das três aldeias c!.da ordemdos 60 por cento, tendo em conta tanto casamentos primários comosecundários; ela ultrapassa 75 por cento para a aldeia que tem maishabitantes e mais linhagens;

- se consideramos apenas os casamentos primários legítimos, ou seja, osque implicam uma política deliberada de escolha efectuada peJds ..~ns

da linhagem, 1,25 por cento apenas ocorrem com mulheres ~trangei­ras (10 em 800 casamentos primários masculinos); inversamente, 1,15por cento apenas de casamentos contraídos pelas mulheres fora das trêsaldeias 810 de tipo primúio legítimo (7 casamentos em 601)t

- por \lltimo, pode notar-se, com uma simples leitura das genealogias,que existem laços' preferenciais de aliança entre linhagens, .~ quaisnos apercebemos facilmente ou porque 810 directos (A dá a B quedá a A) ou 810 mediatizados por um terceiro termo.

Por essa razlo, das duas uma: ou as proibições Dlo 810 respei~das ouslo-no. Se o 810, isto pressupõe entlo a existência de estratc!gias plrticuJa­res e, por corolllrio, a presença de estruturas de aliança a descobrir.

Ora, efectivamente, as proibições 810 respeitadas em proporçMs variá­

veis segundo, as regras; encontram-se 0,95 por cento de infracçõe8. à regra

no que respeita ao interdito que incide sobre as quatro patrilinhagFts fun-

\ damentais de ElO (Ego, M, FM, MM); 3,5 por cento de infracções à regrade proibiçlo que respeita aos· consanguíneos bilaterais durante três geraçõesI (aqueles que partilham com ElO as mesmas linhagens materna e/ou de avós);

3,7 por cento de infracções • regra de proibiçlo de um homem se casarna linhagem em que um «irma:o. já efectuou o seu casamento legítimo;7,5 por cento de infracções à regra que proíbe a um homem casar-*<: numadas quatro linhagens fundamentais das suas esposas precedentes (W, WM,WFM, WMM). Nlo c!, pois, na prática sistemática da infracçloàs regrasque se poderá encontrar uma explicação para os fenómenos oUservados.

, ,Partindo destas obse.rvaç.ões .con.-etas, e das reflexões =.:'. ;teóricasacima expostas sobre o problema da simetria entre ElO masc b e· ElO

r feminino, e sobre o ,ent1'!Cruzamento de dois tipos de consanguini e, umaderlDida puramente de maneira patrilinear sem Iimitaçlo de tempb, a outradefinida de modo cognlltico sobre um lapso de tempo limitado a ,três gera­ções, construí hipóteses que foram submetidas a exame informátito sobreo corpus registado.

Em primeiro lugar, as regras proíbem a aliança com os membros de qua­tro patrilinhagens e, durante três gerações, com todos os consangutrleos nas­cidos de casamentos das filhas que pertencem a estas patrilinhagens,mas nãofalam da conduta a manter face às linhagens a que pertencem ascendentes

No esquema precedente, em rell\l1tado da primeira regra d' :proibiçãoda aliança que estabelece que as qU~tro linhagens de ascendentd directos

dé uma fJ;ltria sejam distintas das <tuatro linhagens de ascendentes dos seuscônjuges, O encontra-se fora do Anlbito do parentesco de A, A dt B, C deB e E de B I • Em consequência da sefUnda regra, a esposa E de B I Dlo pode

pertencer às linhagens A e C, dado cíUeum homem não casa com uma mulherproveniente de uma linhagem ns qUal um irmão já se casou. Em consequên­cia da terceira regra, as duas mulijeres de B nilo têm qualquer relaçilo deparentesco entre si, uma vez que um homem não casa com uma mulher numadas quatro linhagens fundamentais, das suas esposas precedentes.

Tendo recebido uma mulher de A, na geraçIo seguinte B pode, sem infrin­

gir qualquer regra (recorde-se o silêncio das regras acerca do comportamento

A.~.: ...: D"

AD

53 PARENTESCO

mais afastados (tal t;~:a mie do pai da mie, ou a mie da mie do pai)ou face a consanguíneos bilaterais alc!m do terceiro grau canónico. A hipó·tese c!, pois, a de que c! possível que haja uniocs efectuadas, preferencial­mente na ausência de qualquer regra conscientemente formulada, entre indi·víduos nascidos de pais que nlo podiam eles próprios casar entre si pelo factode pesarem sobre eles as regras de proibiçlo fundamentais. A esta hipótese

, junta-se uma outra, segundo a qual escolhas desta ordem, entre consanguí­\ ocos do quarto ou do quinto grau canónico, seleccionam e privilegiam linhas

\ genealógicas particulares no grande mimero de laços possíveis que vão de

j Ego a Alter. ., ; A segunda hipótese, que diz respeito às trocas regulares entre linhagens,

~e da ideia de que as proibiçOCS, longe de acumularem os seus efeitos, seanulam entre si, em consequência sobretudo das diferentes regras de simetria

que regem as escolhas matrimoniais Para pares de consanguíneos membros damesma patrilinhagem, consoante elesslo do mesmo sexo ou de sexo diferente.

Só uma frataria (conjunto de Í1'Jt1Ios e de irmãs) possui em comum asmesmas quáúõproibições fundamentais: as patrilinhagens de Ego é da mie,as patrilinhagens da mie do pai e da. mie da mie, e os consang\tíÍleos cag.nllticos que a ela se ligam. Se os irmãos forem apenas meio-gel'Dlénos pelopai, já Dlo tênl os mesmos grupos 'de filiaçlo da mie, e da mieda mie,uma vez que um homem Dlo pode ter duas esposas aparentadas· entre si.

Isto c!tambc!m válido para primos ~rmanos paralelos patrllaterais, liado quedois irmIos Dlo podem casar com mulheres da mesma linhagem. a verda­deiro a jortiori para os filhos de primos de primeiro grau (primos. paralelospatrllaterais igualmente) que não têhl, para além do mais, a mesn1a patrili­nhagem para a mie do pai, uma vez que um "pai. e os seus «fIlhos» e dois

cirmlos» Dlo podem casar dentro ~o mesmo grupo de unifiliaçilo.

; . '.

52PARBNTBSCO.•.

Page 26: EINAUDI Parentesco I

>>>

55 PARENTESCO

':~1~O modelo abaixo reproduzido, que nAoinfringe neol. regra, apresenta

a acumulaçlo dos constrangimentos mais estritos: troca de irmIs reais entreduas Unhas de descendencia apenas por linhagem. Vemos, no entanto, que

i a troca restrita pode ser realizada em cada duas gerações, efectuando para alémdisso um fechamento no interior da consanguinidade nIo proibida na quintageraçlo. No caso em que houvesse maior n\1mero de linhas de descendênciae de ca~ntos em que se nlo trocassem irmls reais mas antes primas para­lelas patrilaterais classificatórias(que sAochamadas terminologicamente tirmIs.por Ego), como é o caso entre linhas diferentes de uma mesma linhagem, astroe8s tornar-se-iam possíveis combinando-se de modo alternado em todas asgerações. '

Fpram eStashipót4feSque,fortm submetidas a exame sistemático, em com­putador,1Obte o etII#tU de ca.1IIIl"mOS registados. Considerando todos os casa­mentos em que as genealogias ascendentes permitem conhecer para cada umdos dois cônjuges entre dois a treze bisavós e mesmo mais, encontramos umapercentagem de casamentos conaanguíneos que ultrapassa os níveis proibidos,da ordem dos 43 por cento, percentagem essa que seria provavelmente maisalta ainda se todos os bisavós e tetravós dos dois cônjuges fossem conhe­cidos.

Para além disto, demonstra-se estatisticamente que estas escolhas D10 inci-dem indiferentemente sobre todos os indivíduos ligados a Ego pelos diversos

\ laços genealógicos possíveis. Estas escolhas sAofeitas muito próximo do ~ueera considerado pelos genitores dos cônjuges incestuoso para eles própnos.A ordem estatística estabelecida segue exactamente a ordem hierárquica de

classifiçaçlo dos consanguíneos dada pelo pensamento local: os co~sanguí­neos ligados por intermédio de uma mulher a uma das quatro linhagensfundamentais de Ego (o par ancestral dos germanos é constituído por umirmlo e pela sua' irmI) estio mais próximos e muito mais escolhidos queaqueles com que Ego partilha apenas uma linhagem de bisavó materna,segundo qualquer cadeia genealógica (o par ancestral de germanos é com­posto por duas irmls).

54

Troca originaldeirmlsentre duas linhas

:z

Troca de irmIs

entre duas linhasalternadas3 Troca de irmIsentre as duas•• primeiras linhas

e fechamentt r

s

consanguíneo

permitido

PARENTESCO

matrimonial dos pares formados por consanguíneos de sexo diferente, e apossível inverslo), dar uma filha à linhagem A. No caso particular ilustradopelo esquema, ele dá ao f1lhodo irmIo da sua mulher A, ou a f1lha que eletiver tido da sua esposa C (com a linica condição de que a linha da mie deC e a da mie de D sejam diferentes), ou a filha que o seu irmIo ,B' tivertido da sua esposa E (com a condiçlf:) de que a linhagem de E e a de De as linhas da mie de E e da mie d~ D sejam diferentes).

A troca seria ainda mais fácil se sybstituíssemos os pares fraternos A eB por primos paralelos patrilaterais cl~~ificatórios; o que representa o caso,aliás, o caso mais frequente, pois qqe, os casamentos primários se decidemao nível da linhagem e D10 ao níve\9a fam11iaelementar.

Poder-se~ia dizer q~e, a partir ~o fDomento em q~e as linha~en~ incluí­rem no mínimo duas linhas agn4t1c8s,de descendênc18 (o que significa, nomínimo, os descendentes de dois innio!), a fortiori se incluírem mais, e sobre­tudo se existirem no interior da ~ verdadeiras linhas nitidamente sepa­radas do nível ancestral (cf. pp. 44-4S'- existem na verdade 92 linhas para

, 26 linhagens -, entlo, a trocare,strita regular torna-se possível entre patrili­nhagens ,duas a duas (ficando assente naturalmente que cada patrUinhagemgoverna várias séries destas associaçOcsmatrimoniais regulares com outraspatrilinhagens), com a linica condiçlo 'de que as linhas distintas alternem assuas prestações em cada geraçllo. Isto t possível, pelo facto de em.~da duasgerações á série de esposas dos homens presentes numa mesma liJihagempro­vir de camadas familiares diferentes, lt pelo facto de serem reciprocamenteexclusivas em geraçOCsconsecutivas, para conservar a lógica de conjunto das

regras para as duas situações represe~1tadasna fi8,Uraa p. 46.

(No nível 3, as duas mulheres pertencem apenas reciprocamente à linha­gem da mie do pai de um primo paralelo patrilateral (de terceiro grau canó­nico) do seu marido. No nível 5, o fechamento efectua-se entre consangui·neos que são legais reciprocamente em linha directa da linhagem da miedo pai do pai do pai (linhagem 'não proibida) de cada um deles. A e A

e casam com FFFMBsssd, FFFFSsssd; O e • casam com FFFMBssss,FFFFSssss). >

Page 27: EINAUDI Parentesco I

Parece, pois, que os sistemas semicomplexOl, de tipo omaha, funcionamde modo endCSpmo como supenistemas aranda (os qusia dependem dasestruturas elementares), escolhendo de maneira privilegiada parceiros na

(Ve, J' quinta geraçIo seguinte àquela onde está situado o antepassado comum aduas linhas de descendência (isto é, desde a primeira geraçIoa segUir àstr& gerações proibidas) no conjunto dos consangufneos cogn4ticos, mas selec­cionando de modo nIo alcatMo entre eles certas linhas genea1ógicassegundoos critérios de proximidade defmidos pelo sistema local. '

No que diz respeito à segunda hipótese, relativa às trocas regulares entrelinhagens, e se bem que os aflcu10saetua1mente disponíVeistratem apenas dastrocas regulares entre linhas distintas de linhagens - o que nIo representa &eniouma pane e Dlo a totalidade das trocas -, verifICa-se,no entanto, que 30 por

i cento dos casamentos entram no jogo complexo das idas e vindas, quer com

\ séries simples (sessenta séries de doaçio, seguida de contradoaçlo directa, querIpor troca de ccinnls»quer na geraçlo seguinte) quer com séries mais requinta-das que vlo de três a dez trocas contempodneas ou sucessivas, alternadas gera·çllo apCSsgeraçllo (recordemos que as linhas discretas incluem tambént v(riaslinhas de descendência aptica).

Como jd se viu, estes dois modos operatórios (casamento seJecti\io con­sanguíneo, a partir daquilo a que no Ocidente se chamou o quarto arau

canCSnico,e trocas restritas entre grupos) do perfeitamente com:;tttve entre. si. Conjugam-se por outro lado com um sistema cklico de p .sene-

ra1izadas (A -. B -. C -. •.• -. A), cuja existência decorre quase au omati­camente da combinaçAo entre a multiplicidade dos laços matrimoniais quecada patrilinhagem mantém de modo reguJar com vdrias outras e o casa-mento .consanguíneo preferencial a partir da quarta geraçlo. •

Uma investigaçlo de ciclos orientados, com dez Jaços no tndxiDld, mos­trou que os casamentos de tipo primdrio legftimo, isto é, os que sio trata­dos pelos ancillos' da linhagem e os pais das filhas, defmem ciciei. numaproporçilo que é mais de vinte vezes superior à que encontramos. para oscasamentos realizados em unilo secunddria. :s periIÚtido pensar que. é por­que os primeiros obedecem a uma política impUcita de prestações generali-zadas entre linhagens, o que nllo acontece com os segundos. ;

Perante o conjunto destes resultados, é claro que Dlo se podeíJl tratarde concatenaçOes nascidas do acaso no interior de conjuntos pro~~bi1fsti­cos, mas de verdadeiras concatenaçOesestruturais que decorrem logfcamenteda articuJaçllo entre as regras de classificaçlo dos consanguíneos e IIs regrasda ,aliança. . '

Bscolha preferencial entre os consattumeos de um ceno tipo, trbclasres­tritas entre linhagens,' Í'eprodução periódica das alianças, troca gen~raJizada'

11I0as modalidades de funcionamento dos sistemas elementares efdJdadospor Uvi-Strauss. Demonstra-se, entllo, que os sistemas semicomptexos,' sebem que funcionando ao contrário dos sistemas elementares (caracterizam·-se pelas proibições e Dlo por prescrições matrimoniais), obedecem ~s mes­mas leis que estes e apresentam fonoas estruturais homólogas que podemser reveladas. Podem igualmente ser defmidos da mesma maneira comomodos de repaniçlo dos consanguíneos em casdveis e em Dlo-casdveis, ou

3. Passagem as 1StnIM'1U compl,xas d, aliança

Falta-nos ainda tratar da passage~ das estruturas semicomplexas às estru-

turas complexas de parentesco. UtiliIando como base alguns trabalhos - infe- ) -; ,Jizmente raros e tanto mais raros quándo fornecem dados estatísticos -, esco- ~.lhidos na literatura antropológica cOiltemporânea e que tratam das formas ..',complexas de aliança, vamos apresébtar algumas hipCStesesque poderio tal- ',;vez estimular futuras investigaçõesf, O assunto será abordado segUndo um\lnico ponto de vista: o dos modos operatórios do fundonamentd :matrimo-

) nial. O termo 'passagem' nllo deve,;p<>is,ser entendido numa ac~llo histó­rica ou evolucionista (sempre que cates pontos possam ainda ser objecto dedebate), mas num sentido meramen~llestrutural. A interrogaçlo cdnsiste em

mostrar se existe ou Dlo uma soluçpó de continuidade entre os mVdos ope-ratórios observados nas sociedades copt estruturas semicomplexas, tais comoas apresentadas, e os observados em sociedades de estruturas complexas.

Esta questão apresenta todavia Wn aspecto complementar qde pode ser

formuJ~do da seguinte maneira: nals\,sociedades contempodneas bumerica­mente numerosas que Dlo parecem ~r socialmente organizadas com base noparentesco, este 11Itimodesempenha:nu Dlo um papel na escolha do cônjuge?

O primeiro exemplo refere-se a algumas sociedades andinas onde a aliançaé regida por proibições que Dlo silode tipo crow-omaha,sem grupos de unifi­Jiaçlo: entre os Incas cldssicos [Lounsbury 1978; Zuidema 1977) e nas comu­nidades peruvianss modernas [Earl. 1971]. No entanto, no que respeita aos

PARENTESCO.. " '".i'\ '"

57

melhor, como sist "'Mde repaniçlo das mulheres. Mas enquanto os siste­mas elementares reservam o acesso' acenos consanguíneos próximos (porexemplo MBd), deixando os seus consanguíneos mais afastados à disposi­çIo dos outros grupos para quem eles silo consangu{neos próximos, os sisotemas semicomplexos reservam o acesso aos consanguíneOSafastados, dei-

. xando os seus consanguíneos próximos Adisposiçllo dos outros grupos paraI quem eles silo consanguíneos afastados.

O princfpio de filiaçlo nos sistemas semicomplexos é um princípio deordem e de simplificação: este operil entre todos os consanguíneos cognáti­cos clivagens que têm por objectivo ordenar e hierarquizar esses consanguí­neos em relaç10 a Ego.

Resta saber se este esquema pode ser aplicado de modo convincente atodas as sociedades com estruturas semicomplexas de troca. Com base nasIazões estruturais acima analisadasj, a resposta deveria ser aftrmativa. Noentanto, os trabalhos baseados em estatísticas aprofundadas Dlo existem parase poder sustentar com rigor esta afumaçllo. Mas, na descrição de outrassociedades com sistema de parentCllCOomaha e estruturadas segundo proi­biçOes de aliança, encontram-se factos and1ogos aos que acabamos de des­crever: por exemplo, entre os Minil&nkapatrilineares do Mali (segundo umestudo inédito de Daniele Jonkhers), entre os Gagu bilineares dllCosta doMarflOl, com sistema termino1CSgicdcrow (informaçllo fomecida por Jean­-Pierre Chauveau). A porta está l\)ena a outras experimentaçOCs.

f'.,!:.

56PARBNTBSCO••

Page 28: EINAUDI Parentesco I

i . __.•. __\

No âmbito dos pa11aCIJ as relações terminológicas de fraternidaJc nào desig­nam apenas ligaçOCshorizontais entre germanos reais ou classwcatórios, mastambém as ligaçOCsverticais entre pais e fllhos. Cada um dos conjuntos defraternidade assim constituídos geração após geração tem um nome: cayao,payan, collana, ca";; estes correspondem aos quatro graus fundamentais deparentesco relativo ao genitor, mas que remete igualmente para uma divisãoquadripartida da sociedade que encontramos de maneira clara e evidente nosmitos, na corte, nas organizaçOespolítica, hierárquica, militar, etc. Esta uni­dade socialbaseada no parentesco, numa visão particular da consanguinidade,

Incas, Floyd Lounsbury, na já citada análise publicada recentemente em fran­cês pelos cAnnales», aventava, baseando-se nos textos históricos conhecidos,que se tratava de um sistema terminoldgico raro com certeza, visto que simul­taneamente de tipo crow para os locutores femininos e de tipo omoha para oshomens, estando a totalidade relacionada com as linhas de filiação paralela,agnática para os homens e uterina para as mulheres. Para além disto, teriahavido um casamento preferencial assimétrico com a prima cruzada matrilate­ral (MBd). Lounsbury chega a estas conclusões através de inteligentíssimas

extrapolaçOCssobre algumas posiçOCsde ~ntesco cuja designação termino­lógica ~ conhecida, e a partir da qual ele .jnfere as designaçOCsdesconhecidas

de outras posiçOCs.Baseando-se nas mClSfnasfontes históricas, Zuidema des­trói esta apresentação dos factos, conserv$do como um dado adquirido a acen­tuação paralela da filiação. A sua argumeplação, que não ~ possívelexpor suma­

riamente, é convincente. Por consequênFia, é sobre a sua interpretação quenos baseamos para apresentar a realidade inca.Os anti!os Incas não conheciam os ;grupos de uniflliação, fossem eles

clAsou linhagens, mas apenas parentela~, que Zuidema define como .orien­tadas», porque elas apresentam linhas de .sucesslo masculina para os homens,feminina para as mulheres, num conjunto de cinco gerações a partir de umnúcleo inlçial formado por um genitor qusculino, pelos seus fdhos e fIlhas.Dois terqtos designam um tal grupo: p<lnIJcae ayllu.

Panaca remete explicitamente para Q grupo formado por .irmlos» e por.irmãs» descendentes de um mesmo antepassado segundo o sistema de filia­çlo paralela descrito atrás, ao longo de quatro geraçOCs,isto do ponto devista do falante masculino, membro do grupo. Inversamente, o termo ayllu

remete para o mesmo grupo, mas do ponfo de vista exclusivo do antepassado­-genitor. Deve notar-se que neste esquema da unidade social inca se voltaa encontrar o número cmeia) de cinco J[eracõcs:

PARENTESCO

}eaylO I' P.ym Collana Cari

58 59 PARBNTESCO"",,1'-

r estrutura todo o resto do universo dos Incas. O sistema t~lcSgico inca DIoi seria ao mesmo tempo crow e omaJuJ, como na hipótese de Lounsbury, mas, de tipo havaiano, como propõe Murdock.

Sempre segundo os textos antigos, o casamento seria proibido entre os filhos,os netos e os bisnetos de dois cunhados, isto ~, os fundadores do panIJca, at~e incluindo o conjunto conana (segundo Guam4n Poma e Ayala). O casamentotorna-se possível, por outras palavras, só entre descendentes de collana, ouseja, ao nível can, tendo em conta apenas as linhas de filiação paralela. Umatal possiQilidadede casamento, enquanto Dlo proibido, está comprovada comoum tipo pectivamente realizado; Garcilaso de la Vega acrescenta que, só aosnobres, e em,casos excepcionais, eta. poaíVeJ contrair casamento antes do limiterepresentado pelos quatro graQJ: os homens comuns podiam casar normalmentecom FFPS44d. Z~ cODlliera que é esta possibilidade endogAmicaquefaz com que o grupo local, nas culturas andinas, seja concebido segundo omodelo do ayUu e seja designado pelo mesmo termo. .

I O fechamento do panaca na quinta geraçlo (incluindo a do fundador), ouse se preferir, todas as cinco gerações, é confirmado por Pércz Bocanegra nasua obra e na famosa figura aqui reproduzida. Ele coDsideraa sucesslo de qua-tro homens e de quatro mulheres em linhas distintas como uma unidade. Umcasamento deve ser efectuado entre um tetraneto em linha agUtica e uma tetra­neta em linha uterina do fundador, para que uma nova unidade, um novofHlnIJCa,

I possa nascer. a, pois, deste modo que o modelo com fechamento em cinco gera­! çOCsestrutura o ayllu. A importância deste facto é tanto maior quanto existe

necessariamente uma ruptura na sucesslo da filiaçlo propriamente uterina nomomento em que um genitor-antepassado funda um novo ayUlI//HlnIJca, vistoque ~a partir dele, e Dio da sua esposa, que se vão constituir ao longo de quatrogeraçõesas linhas de descendênciauterina criadas a partir das suas filhas. O casa­mento na quarta geraçio entre representantes das duas linhas de filiaçAopara­lela sexuada suprime esta contradição e esta soluçio de continuidade.

Mas Dlo ~ tudo; ao que parece, existiam usos, ou mesmo regras positivasde aliança, que preconizavam a troca das irmis entre os homens, entendendo­-se o termo 'irmis', na acepçio inca, como os membros femininos do mesmopanDCa segundo as linhas de filiação paralela própria à facilitação da trocamatrimonial da mesma geração. A confIrmar esta informação, algumas equi­valênciastertninológicas (HMMB = WMF, o irmiI.oda mie da mie do marido= ao pai da mil.eda esposa); HFMB = WFF (o irmio da mãe do pai do

marido = ao pai do pai da esposa) levam à construção de um modelo quepermite, como no caso samo, ao mesmo tempo um fechamento sobre si pró­prio todas as cinco geraçOCs(que é o fechamento endogAmico do panIJca) eséries de trocas regulares, geração após geração, entre matrilinhas e patrili­nhas de ayllu/panIJca aliados. A troca das irmãs não deve ser tomada neces­sariamente no sentido estrito de membros da mesma frataria: em cada nível,os membros do mesmo panIJca slo entre si irmãos e irmãs.

a necessário considerar que cada panaca dispõe de várias patrilinhas ede várias matrilinhas, e portanto de m\lltiplas possibilidades de troca semno entanto infringir as proibiçOCsde aliança até à quarta geração que inci­dem sobre os descendentes reais de casamentos efectuados através de trocade irmis.

11

!. I

Page 29: EINAUDI Parentesco I

Ca

(A letra maiúscula indica o nome db grupo do pai, a letra minliscula o nomedo grupo da mãe). t

Todavia, por muito que se trate de um modelo estrutural, o evidenciarde matrilinhas, enquanto o ayllu ~ defme patrilinearmente, tem estreitasrelações com a realidade. De factoj Barls faz sobressair um princípio matri·linear de herança para o gado e para as estandas (alguns casos do compro­vados durante cinco ou seis gerações); os agrupamentos para criaçio de gadodo matrilocais, enquanto a transmisdo do nome se faz por linha paterna.Num tal modelo, em cada cinco gerações um antepassado comum está no

Ad

61 PARENTESCO

:~~ .

Zuidema não d6iiOe, naturalmente, de' uma documentaçio estÀtfsticaparademonstrar a sua teoria; a sua an4lise baseia-se na difkil exegese dos textosantigos. O mesmo acontece a JoOO'Earls, se bem que ele trate de sistemasandinos peruvianos actuais, estudados nas duas comunidades vizinhas deVicos e de Samua. Em ambos os casos, nada nos é dito sobre o sistematerminológico.

Em Sarhua estamos perante duas metades fortemente solidárias e rivais,que se defmem de modo patrilinear, e do endógamas e nio localizadas.A oposiçio marcada entre as metades encontra-se em diversos aspectos: nosmitos, na cosmologia, na organizaçio política e nas estruturas ideológicasde conjunto. No interior das metades coexistem unidades exógamas, quenão têm atributos orginicos para além de usarem em comum o mesmo nomede grupo. Um indivíduo pertence simultaneamente 1unidade de nome doseu pai e 1da sua mãe. Todos aqueles que usam o mesmo nome de grupoconsideram-se entre si como irmios. :é proibido casar com alguém que tenha

. o mesmo nome de grupo que o seu (o do pai) ou o mesmo nome de grupoque a mie. O. casamento preferido faz-se através da troca das irmls.

A partir da andlise escrupulosa destes dados, Bar1s demonstra que bas­tam quatro grupos exógamos deste tipo para que todoi os indivíduos se pos­sam casar correctamente, e que as relações alternedas dos grupos dois a doisdescrevem uma fórmula (de tipo ararula, sistema australiano com secçoes)na qual se pode ver que a mesma estrutura se encontra em linha agniticaem cada duas gerações - e isto graças 1troca de irmIs, casamento prefe­rido, que é um operador de simetria - e em cada cinco gerações apenasem linha materna. O que ele constrói é um modelo e nio uma representa­çIo genealógica; modelo que simplifIcamosapresentando-o do seguinte modo:

/~I

Fipra 1.A partir de Pedro sucedem-se ao 1011IO de quatro seraçlles uma linha de .falhos» e uma

linha de «fiIhas». (A partir de P&e2: Bocanegra, RiIJuII1_lariD, ]63]).

1':\RI!S'fI!SC:O

Page 30: EINAUDI Parentesco I

Tirando todas as conclusões possíveis destes dados, Earls chega tambémr ele à conclusão (como Zuidema) de que este modelo é compatível com tro­I cas regulares entre as linhagens em cada duas gerações. A primeira vista

isto parecia-lhe impoSSÍVel,uma vez que o casamento é proibido entre pri­mos nascidos de germanos. Mas o que é proibido para os verdadeiros des­cendentes 010 o é para os colaterais em linhas paralelas de descendência.

início de duas linhas; as duas linhas, uma masculina e a outra feminina,juntaram-se exactamente como entre os Incas clássicos. O tetravO e o seutetraneto ocupam posições estruturalmente homólogas. Ora, todos os anos,durante uma cerimónia em honra da terra e dos antepassados, chamada_abertura da porta,., o patrão de uma ~tancia entra em transe e comunicacom o seu tetravO, de quem ele ~ a ~carnaçlo, por meio de um duplopercurso, e que foi, tal como ele, o matido da f1lhaherdeira. Os factos etno­gráficos confIrmam deste modo o mOflelo.

Na comunidade de Vitos, Barls deilcreve desta vez uma sociedade quepossui vC';rdadeirosgrupos de linhagenaj com forte patrilinearidade e solida­

riedade. Para além disso, estas linhagé~s exógamas estão d.esta vez localiza­das e fOIlDlll1,portanto, unidades ~te individualizdveis. Os Vico­sinos, co~o os Sarhua, declaram 010 poiter escolher cônjuge no mesmo lugarde onde provém a mãe, e declaram praticar a troca preferencial de irmãs.Calculam, além disto, a distância cor~ta entre futuros cônjuges segundoo critério explícito de que dois cOnjugejlpotenciais 010 devem ter antepas­sados comuns no interior de um intervalo de cinco gerações. Dado que setrata sempre do universo cultural inca. voltamos a ·encontrar, sem que talseja uma surpresa, estruturas idênticas ou muitíssimo próximas das dos Sar­hua e dos'·antigos Incas. A partir das ntgras matrimoniais enunciadas, Barlschega à cóoousão de que bastam quatro·grupos de trocas para permitir trocas

I regulares entre !tropos e fechamentos c~nsanguíneos em cada cinco gerações.

PARENTESCO

A B c D

62 63 PARENTESCO"...•..~

\ Os colaterais no interior da mesma linhagem podem t;roduzir, de maneirasim~trica ou alternada, o casamento que só ElO _. com os seus pnSpriOl! germanos - Dio pode renovar. Basta que cada patrilinhagem tenha duas

linhas de descendência distintas, renovando cada uma as suas alianças em. cada cinco geraçOes, com duas gerações de distAncia. Se se prefere, o casa­. mento de cada homem reproduz o do irmio do pai de seu pai (FFB),! e 010 o do seu aVÔpaterno (FF).

Isto é nem mais nem menos o esquema de funcionamento matrimonial deuma sooiedade com estrUturas semicomplexas, que vimos anteriormente a pro­pdsito ~os Sarno: trocas regularea entre grupos (patrilinhagens, comunidades

den0lDf=,qtmaca) alternadu. pOr linhas de descendência (com a condiçlo deque ~ grupo de. ~ ~ pelo menos duas ünhas distintas), cada umadas ~ renovando Is IUlSpnSprias alianças em cada cinco gerações.

Earls fornece alguns exemplos que ilustram os seus modelos, mas 010dispõe ·infelizmente de um verdadeiro aparelho estatístico. Como Zuidema,as suas demonstrações são no entanto apresentadas de maneira interessantee convincente com base na mitologia, nos rituais e na organizaçAo polí­tica.

Nas sociedades puramente cogniticas, seD:lgrupos de filiaçio reconhe­cidos - unilineares, bilineares, paralelos ou outroe - as proibições matri­moniais incidem sobre os graus de parentesco. O ponto importante está,pois, em saber se nelas encontramos ou nio UDiileacoosanguíneas, ou seja,fechamentos no interior da consanguinidade ao fim de um certo nl1merode geraçaes, e isto de modo evidente. O problema elas trocas regulares,sim~tricas ou alternadas entre grupos de troca D10 se põe sob a formade grupos reconhecidos com base na filiaçio, lD.lI8pode pôr-se sob a degrupos eu;a existência ~ reconhecida com base noutras características:o património, por exemplo.

A primeira pergunta a fazer ~ se se pode estabelecer um limite 1 exten­são de um parentesco cognitico? Esta questlo tem duas faces: qual ~ ondmero máximo de pessoal que qualquer individuo pode reconhecer comosendo seu parente quando nIo existe a marca imediata de reconhecimentoque é a pertença a um corpo de linhagem constituído? a possível desco­brir limiares? E a que níveis de memória se situam?

Em 1438, um arcebispo de Cantuária fundou a cátedra de A1lSoul's CoI­lege, e nos estatutos de fundação, pediu que ela fosse sempre confiada, comprioridade absoluta, a um membro da sua parentela. Em 1723, aquando deuma eleição, houve contestação sobre o facto de saber se o professor emquestão podia ser ou Dio considerado como pertencente à parentela do fun­dador (Freeman). Este problema permitiu a Blackstone publicar o seu Essayon Collateral Consanguinity [1750] em que estabeleceu o seguinte cálculo:partindo da suposiçio de que nenhum casamento se verifique entre consan­guíneos, na vigésima geraçio, cada homem tem já 1 048 576 antepassados.Se cada casal destes antepassados tiver apenas dois fllhos e se cada um des­tes fIlhos tiver outros dois e assim por diante at~ à vigésima geraçio, Ego

! conta entre a sua parentela 274 877 906 944 pessoas. a, pois, evidente quenenhuma sociedade humana pode evitar o casamento entre consanguíneos.

II

I I

Page 31: EINAUDI Parentesco I

O casamento entre parentes tem como consequencia nlo apenas a reduçãode antepassados (se se casasse sempre com uma prima cruzada matrilinear,Ego teria apenas oito bisavós, em vez de dezasseis), mas também a de cola­terais [cf. Kasakoff 1974]. O facto é estatisticamente inevitável. O prot>lemaestá em saber se ele é conscientemente procurado, a que nível é que Se situae em que proporções se realiza.

Freeman demonstra que Dlo existem, ao que parece, socied*s .ondea.relaçlo com primos nascidos de germanos Dlo seja conhecida (trata-se doterceiro grau canónico, do sexto grau civil, do segundo grau inglis). Deresto, o homem vive normalmente com trfs níVeis de coexistênci1tempo­ral: avós, pais, filhos e seus colaterais. :a bastante frequente, POÜlt'lIioJ?re­tudo em sociedades diferentes da nossa, em particular sua formá' 8rbana,que se conheçam parentes ainda mais afastados. O reconhecimento âpeftn­tela nlo consiste tanto na capacidade de reconstruir •. verdadeira cadeiageneal6gica quanto no facto de saber, ou de imaginar, que os a~ de Egoe os de Alter tivessem sido primos germanos ou filhos de primoll germa­nos; neste caso concreto, a parentela cogw(tica, intuída ou presumida, seráde quinto grau canónico ou décimo grau civil. A amplitude da Parentelaconhecida varia evidentemente de sociedade para sociedade e de indivíduopara indivíduo. Freeman, no seu notável trabalho sobre o conceito de .,aren­

tela (1961J, mostra, através da documentaçto etnográfica existente, urp& assiMnalável uniformidade para as sociedades cognllticas de economia 'slmples:a maior parte limita-se a um conhecimento do quarto grau canónico (oitavo

civil ou romano, terceiro ingles), e um certo número de sociedade ~gnáticasestá em situaçto de reconhecer primos dos quinto e sexto graus C}lMnicos(como por exemplo, os Iban e os Melanau). Todavia, nem todos OStonsan­guíneos 810 reconhecidos do mesmo modo no interior dos mesmoll grausde parentesco. A par da amnésia causada pelo maior ou menor afa*tiunentoresidencial, existe uma camnésia estrutural» que pode ser bi- ou unilateral.

O jogo matrimonial vai desenrolar-se entre estes. Murdock [1949]estabe­

lece como um princípio que as parentelas mostram normaIlnente u~ tenden­cia pUa a exogamia comparávell das linhagens, e que mesmo nos EstadosUnidos o casamento entre indivíduos que se reconhecem como perlençendol mesma parentela é normalmente «tabu». Freeman, no entanto, demonstraque, inversamente, nas sociedades cOgnáticas, da Malásia especialmtnte, nllosó d casamento no Ambito da Parentela Dlo é proibido, como é até ~ferido,

a partir dos primos de terceiro grau ctDónico (sexto civil). Deste tido, seriam75 por cento dos casamentos entre os'ban, 80 por cento entre os Sumbawae • volta dos 90 por cento entre os Bisaya. Estes números, na verdade notá­veis, deveriam ser suficientes para demonstrar a questlo, mas todavia será útilexaminar também as sociedades cognáticas europeias. . I

Nas sociedades ocidentais 810 as proibições da Igreja e o seu prQgressivoabrandamento que têm conferido, ao longo dos séculos, os limiare. de con-sanguinidade além dos quais as uniões se tomam possíveis. .

No século XI, Piem Damien sai a campo a combater uma má interpre­taçlo que se estava a difundir sobre a regra canónica que regia a aliança:as proibições pesavam então sobre o conjunto dos consanguineos' cognáti·

..

III!

i

J

,.'i I

," :ij,I

PARENTBSCO 64 6S PARBNTESCO

'~~.. . ,

coa, reconhecidos q.~ por meio dos homens quer por meio das mulheres,a~ l ~ geraçIo a partir de um aniepassado comum. O erro que se ~tia consistia em interpretar este nWnero nIo contando as geraç6eI nas duasliohas de descendencia, mas sim os graus: quatro numa das linhas e trêsna outra. A importAncia reside no facto de Piem Damien, ao defender

.' a regra, ter plena consciência dos seus\'efeitos: a exopmia consanguíDeaabso­: luta fora da parentela deveria ser refofçada por alianças preferenciliis entre

consanguineos na geraçio seguinte l btinçlo das proibições. Escreve Pierre

Damien que quando se extingue a f~ia baseada no parentesco, ad mesmotempo que as palavras para designar tata, a lei do casamento surgeHmedia­tamente e restabelece os direitos do atntigoamor entre os homens nbvos ...U, onde falta a mio do parentesco' que tinha reunido aqueles de que seapoderara, o casamento lança imediatlbente a sua garra .para trazel' ~ voltatodo aquele que se afaste.. . I

Guy Tassin publicou em .Inter~l:lord. [1978J um artigo mui~res­sante sobre a aetuaçlo das relações ~trimoniais de uma famt1ia, do­

-se no estudo das genealogias q~e . em ser reconstituídas atrav~ .,deumasap ialandesa, dita de cfam1J.ia,o,l' ~a Sap. O autor, que patural­mente verifICOUas datas, pôde trar a existência de uma nouvel con­v~ia entre as infonnaçoes fomecidas nesta SIga e as retiradas de outrostextoll históricos. A consequtncia didd é a possibilidade de tratar eSte textocomo documento histórico, e nIo a~ como literário. O período histó­

rico do qual trata vai de 884 a 130ij as proibiçOes canónicas estatielecidaspela Igreja islandesa, por volta de Ill2-23, consideram o sexto ~u can6­nico como o primeiro autorizado em tasamento, o que representa,~is, umprogresso relativamente l situaçlo aptesentada por Piem Damietl. Dir-se­-ia que pua o autor também o sextO grau constituiria o limite .admitido,antes da criatianizaçlo, o que podem significar que a Igreja ~ ,tido emconta a tradiçIo. " " ,

Apenas cinco alianças se real~o' aquém do sexto grau can6~o, e de

cada uma das vezes, tanto quanto parece, em troca de uma reccij:iliaçIo.Mas, e é isto que nos interessa, ~_~ da sexta geraçlo, em 1~,9indiví­duos casdveis, classiflCldospor geUI'i~, e pertencentes aos nove gr:uposresi­denclaia nomeados no texto, 62, ou :'si:ja, um pouco mais de metade, con­traíram casamento de facto entre coris8nguíneos. Na própria sext8 geraçlo,relativamente ao antepassado, havia ~~ indivíduos casáveis, dos quais II secasaram entre consanguíneos, tendo Ilpenas 5 escolhido o seu cMjuge noexterior da fam11ia.Para além disto, é 'claro que se efectuam estratélias polí­ticas em tomo das escolhas entre o é~ento consanguineo e o casamentoexterior.• 810 as ftlhas que preferencillbnente se dão aos consanguíneOs»[ras­sin 1978, p. 86J: 66 por cento das raparigas casáveis 810 dadas a parentes,contra 38 por cento de homens. O&.ramos primogénitos sobretudo casam­~se entre eles, e unem-se nIo apena~pelas obrigações mútuas dos consan­guíneos que tendem sem dúvida a ctnfraquecer por volta da sexta geraçllo,mas também através das que unem 01 aliados entre si. Os ramos mais novosdo mais atraídos pelo exterior e «SIo particularmente sensíveis à riquezados futuros cônjuges, dado que devem estabelecer-se e Dlo apenas consoli-

Page 32: EINAUDI Parentesco I

dar as suas posições» [ibid., p. 95J. Do mesmo modo, os ramos mais novostêm um raio de aliança muito mais amplo (cerca de 80 km) do que os ramosprimogénitos, sobretudo quando estes praticam casamentos consanguíneos,dado que nenhum dos futuros cônjuges está afastado do outro mais de47 km. Pode concluir-se que existe uma estratégia matrimonial nestes casa­mentos consanguíneos: servem interesses políticos precisos, coesio, selida-·riedade, prestígio. Em todo o caso, não do efectuados ao acaso: Tassin espe­cifica que «os descendentes de Bjõrn Bpna têm um bom conhecimento dasua genealogia e têm-na em conta antes de se casarem» [ibid., p. 87]. Valea pena, todavia, precisar que Tassin n4P considera os casamentos além dosexto graq como consanguíneos, reservaMo o termo, como fazem demógra-

J fos e genetistas, para os casamentos aqUém do terceiro grau canónico. Do

meu ponto de vista são-no, e do ponto '~e vista dos actores eram-no, dadoque tinh8lD como objectivo declarado aÇlUmularo estatuto de parentes e de

consanguípeos: os /raendr tornam-se t~ir, reforçando com a redução dosantepassadós a coesio dos grupos. Tam~ém Freeman [1961] tinha notado,a partir dQ$dados exóticos supracitadoll,)que o casamento regular entre con.

sanguíneos Jem como consequência a co"aolidação dos~, e que isso cons­titui um traço significativo de um certo btimero de sociedades bilaterais quetêm uma rede de parenteseo estreitamcltte cimentada e solidária, desempe­nhando o 'pápel principal nas múltiplas ~tividades da vida social, enquantoestas mesmas sociedades carecem da +dura de coerência simplificadorarepresent~da pelo grupo de unifiliação.'

Os habitantes da ilha de Tory desertos por Robin Fox (1979] repre.sentam actualmente um aglomerado de· quatrocentas pessOas; a filiaçlo écognática e o sistema dos termos de n,ferência é esquimó. Seguem.se as

prescrições negativas canónicas no seu F&tadoactual: o casamento é proi­bido normalmente entre primos germanos e aquém deste grau de paren.tesco, por exemplo entre tia e sobrinho.p grupo de descendência, o n11cleode parente4, está centrado num antepal\88docomum que se situa no sextonível genealógico. Os indivíduos colocam-se sempre em relação a este ante­passado cpmum: os primos germanos aAoos «primeiros netos» do ante­passado, os primos nascidos de primos germanos 510 os «segundos netos»do antepassado, e seguem-se os terceiros·netos ou netos «claros»,e os quar­tos ou netos «escuros».

Toda a vida social se estabelece em tomo da relação de germanidade en1lreos filhos do antepassado, relação reproduzida em todas as gerações, comuma nítida dominante agnática. Deste modo, as tripulações de pescaefectuam-se entre irmãos, depois com primos paralelos patrilaterais (primosgermanos e ftlhos de germanos) e, finalmente, caso seja necessário, com osmaridos das irmãs. As relações de fraternidade dominam a vida social em

detrimento das relações de aliança. A vida conjugal não ocupa o primeiroplano, tanto que se prefere sempre viver entre germanos; as irmis mesmocasadas continuam a ocupar-se de cada um dos seus irmãos e vêm acabaros seus dias junto deles.

(O representa indiferentemente um homem ou uma mulher·; • o6. indi­cam que o casamento é possível nesta geração).

Ainda um último exemplo, desta vez francês. Pierre Lamaison [1979]ela~borou, com o auxaio de um computador, um trabalho muito interessantede recoJlStituiçlo e de análise das estratégias matrimoniais baseando-se nosarquivos genealógicos de uma paróquia de Gévaudan entre o século XVII eo século xvm. O sistema é inegavelmente complexo, com filiação indiferen­ciada (cognática), nomenclatura de parentesco de tipo esquimó e interditosmatrimoniais estabelecidos pela Igreja, e que não ultrapassam na época osprimos nascidos de primos germanos (ou seja, de terceiro grau canónico).

A noção de património é neste caso fundamental. Lamaison demonstra,seguindo o fio das gerações, que a preocupaçlo dominante é a manutenção

Filhos «malcheirosos>

ct:,~c' (·':rl.~.J,,:.J'"1Inca

C4"'\.'_,,\~,~JJ.UTory

67 PARENTBSCO. ....f~1

No entanto, é preciso que as pessoas se casem; o tipo de casamentopreferido serd aquele que une um homem e uma mulher que 510 ambos«segundos netos» do mesmo antepassado, que 510 pois entre si primos nas­cidos de primos germanos. Este tipo de casamento representa 95 por centodos casamentos realizados nesta ilha durante este século. A partir do

(,) momento em que cessa a proibição, como dizia Damien, «Ocasamento deitaT a sua garra para trazer de volta aquele que se afasta»; realiza-se um fecha­mento np interior dos consanguíneos do terceiro grau canónico. Não esta­

mos multo longe d? modelo do paruu:a inca, apesa; d.a dife~nça substan·cial do tllodo de filiaçIo, paralela num dos casos e mdiferenciada no outro.

Em ambos os. casos t po~.fYel reconhec.er a i~ponãncia social do mlcleofraterno por um laiIo (irmIoIirmIo, llmão/1lD1ã), enquanto por outro

sob;':':::l a importAncia do conjunto de consanguinidade formado por umnúm;;1fmito de gerações. Estes conjuntos finitos têm, além disso, emambos qs casos uma dupla extensio: ultrapassada a geração em que sepode efClCtuara aliança entre consanguíneos, duas gerações suplementares

são recophecidas e contadas como fazendo pane dos S!!!!!BJl~eos •.mas .r ~ '

são designadas de maneira a evidenciar a sua exclusio do nl1mero central: ~'~.netos «c~aros»e «escuros» nos Tory islandeses, filhos «nus» e «ma1cheiro- . -~lIOS»nos Incall:

Netos cJaros»

Primeiroa netos

,,~'/. Segundos netos....•... ..~. .

66PARENTESCO

Page 33: EINAUDI Parentesco I

da intearidade do patrimdnio do onal, e até • poutvel o aumento da rela·tiva riqueza através de dotea trazidos pelos cônjuges do herdeiro. O patri.mdnio a defender, a aumentar e a transmitir desempenha, neste sistema com­plexo, a mesma funçlo de primeiro ,plano que a fJ1iaçlo ou· a repetiçlo daaliança nos outros sistemas, elementares ou semicomplexos, ou. que pode­riam desempenhar outros elementos, a determinar cada uma das vezes, nou·tros sistemas igualmente complexos. Em Ribennes, no Gévaudan, o impe­rativo categórico, representado pela transmisslo do património intacto emprecípuo, desembQca numa negaç!o parcial da import4ncia do sexo:·os paislICl'Í8m» um herdeiro em cada O$tal, macho ou fêmea (75 por cento 810

homens, 43 por cento sIo mulheres), escolhendo aquele que lhes parece maiscapaz de gerir os bens, ou aquele que se casa primeiro, com o de\'er 'dereceber o encargo dos pais ou do herdeiro de dotar os irmIos e as irdsexcluídos do património. A regra consiste em nIo se casarem dois herdei·ros, pois que de outro modo chegariam a uma tal concentraçio de bensincompatível com uma vida social harmoniosa e com a própria subsiitaltCia

~~..... \ d.Osistema. Um herdeiro (uma herdeira) casa com alguém mais noto que~ lhe traz um dote, o qual sem geralmente utilizado para dotar por ~ .vez~ um ou mais irmIos mais novos do herdeiro. Em 1576 casamentos exImiDa·dos, dos quais 455 dizendo respeito a um herdeiro macho ou fêmea, apenastIfs se realizaram entre dois herdeiros pertencentes 1paróquia de :Riben.nes, e vinte e tIfs entre um herdeiro de Ribennes e um herdeiro da 4reado cantlo. Com excepçlo dos casos em que dois excluídos da herança se

casam entre si (e poderio talvez fundar um patrimómo), todas a~ unioesequivalem 1concesslo de dote entre duas linhagens. Lamaiaon chaD!i linha

\ ou linha patritno~t ao conjunto que engloba «O casal originalmen~ (Ieten·tor do ostal, 08 filhos deste casal, seguidamente os filhOl do berdeitd ac0­

lhido entre ospreeedentes, e depois de novo 01 fllhos do berde:iroa [1979,p. 727], ele. Esta defmiçlo é importante, uma vez que a an4lise du imioescoD8lJ1lUÚ1ClSrealizadas com dispensa eclesiástica (e por uniOes con*nguí.neas é preciso entender, como no caso de Tusin, as unioes aqu~ enio'além do terceiro grau cancSnico)mostra que nenhum casamento co~.neo, isto é, necessitando de dispensa, se produz, dentro da mesDia linhapatrimonial, entre um herdeiro e um irmIo mais novo. Os trinta e cincocasamentos que necessitaram dispensa verificaram-se entre innIos mais,novosexcluídos do patrimdnio, insuficientemente dotados para poderem casâr comum herdeiro, e que pedem dispensa ao bispo epor motivo de póbreza••Segundo Lamaison, os herdeiros das:Jinhas patrimoniais 010 transgridemos interditos canCSnicosporque se movem exaetamente no sentido da ,lógicado sistema matrimonial. que «Sebaseia numa circulaçlo de bens entre linhas;a ,endogamiapatrimonial impediria que esta circulaçio se estabelecesse»[1977,p. 265 ter]. Os mais novos têm um comportamento mais endogâmicoj tem·torialmente falando, mas também em tertnos de consanguinidade, em comPa­raçIo com os herdeiros para quem o raio de aliança é o cantlo e nIo a aldeia.

Existiriam, pois. pouqlÚSSimoscasamentos consanguíneos, e nunca den­.tro da mesma linha patrimonial. «Nenhuma consanguinidade - escreveLamaison [1979, p. 733] - aparece entre proponentes pertencentes ao

mes~o ostal ou à mesma linha patrimonial. tal como nenhum casamento

PARBNTBSCO 68 69 PARENTESCO

. tt'·~p~· ..(ou quase) se efectÚa entre herdeiros de. osurls düerentes-. a evidente queé necessdrio, a este nível, entender por linha patrimonial alio diverso doque acima foi dito. Com o sistema de excluslles previstas para cada gera·çIo, um casamento consanguíneo equivaleria a uma uniIo entre. membrosde uma mesma frataria, ou entre primos germanos, se tivermos em contaa presença possível de herdeiros ditos menores (irmIos mais novos que per­manecem junto do herdeiro maior, mas nIo a sua descend~ adulta).-a preciso, plausivelmente, entender linha patrimonial como uma parte (ouaté a totaUdade) dos consanguíneos ~ticos descendentes do metmo casalde antepassados, do qual parte a linha patrimonial propriamente dita; o con·

."'. junto numa profundidade m4xima tle oito a dez gerações a que t:hamare·~ lb08 .grupo de descendência •.; . •. Cada indivíduo pertence desde que nasce a um ostal, a uma linha patri-

monial, mas está ligado genealogi~ente a muitos outros grupos de des­ceodeucia: através dos avós dos seuS avós, por exemplo, j4 est4 teoricamenteIipdo a 16 linhas diferentes. De resto, a escolha de um cônjuge mais novoprovido de dote, numa linha patrimonial düerente da sua, nIo exclui paraum herdeiro a procura de um casaúiento CODSIJ!8UÍIleoem quarto ou quintoou leI.to grau cancSnico.A técnica inform4tica utilizada pelo autor é tal que,no que respeita a cada proponente. o cônjuge escolhido B6 é identif1Cldo,isto é, genealogicamente situado, látivamente 1sua linha patrimonial. Ora,por definiçIo, cotno se viu, ele pertence - através dos seus antepassadosdirectos mais novos dotados que contraíram aliança na sua linha - a mui­t08 outros grupos de descend!ncia. Cada indivíduo nIo tem apenas um linhapatrltnonial 1qual pertence e que. 'o identifIca como membro de um ostalespecjfico mas também uma verdádeira parentela - de extenslo variávelconforme 'os indivíduos - na qual/ ele se reconhece menos em Junçlo de

elementos precisos da cadeia ge~gica do que do conhecimento mais oumenos seguro que ele possa ter da relação de consanguinidade ou' de aliançaque unia entre si os seus próprio~ ascendentes com os dos outros.

AsSim, no esquema seguinte, Sgo, uma herdeira, 010 casard com um

Idecendente de N, porque ele se lig. a ela através da sua própria tUma....patri­

tnonial (ele saiu da sua própria cda); mas o seu cônjuge mai&:hovo comdote pode pertencer ao grupo de ~escendencia ao qual pertence Y, a suabisavó, irmI mais nova com dote qut casou com o seu bisavô em linha patri­tnonial: este cônjuge possível podeda ser um primo de que ela soubesse que

I o avô ou a avó era primo ou priJha da sua própria avó paterna.

N--------

Page 34: EINAUDI Parentesco I

Se tivesse sido possível localizar, para os 3800 indivíduos analisados, o seuexacto lugar nos diferentes grupos de descendência que constituem a suaparentela conhecida no momento do casamento, postulo que encontraría­mos, a partir do quarto grau can~nico, uma frequente realização de uniõesconsanguíneas entre herdeiros de linhas e irtnãos mais novos com dote. Não.se trata de querer fazer passar para primeiro plano o desejo de casar dentroda parentela a partir do momento em que cessam os interditos, mas estavontade não seria incompatível com as outras estratégias que visam o casa­mento em mundo fechado e o reforço! do ostal. Tudo isto corresponde à

opiniãO dos protagonistas (.Segundo a lfadição oral, as pessoas casavam-segeralmente entre primos•• [ibid., p. 730p e também à do autor: .Na reali­dade, é visível que, depois de se ter t~ido um conjunto de laços com umgrande mlmero de [ostals] (da comuilid~pe local), as famílias preferem unir­-se no exterior durante uma ou duas gerações [e isto significa o casamento

de hcrdeifOscom irmãos mais novos cOJIldote de paróquias vizinhas] e reno­var posteriortnente as alianças no interior do seu antigo círculo••[Lamaison

, 1977, p. 2il]. Enfun, não é impossível 'tue se produzam até um certo ponto

fechamentos consanguíneos de maneira puramente natural, se assim se podeI dizer, a j~ar pelos trabalhos, especialmente de simulação, efectuados pelos

demógrafos e genetistas.MacChiér e Schull [1970] dedicaram-se a um trabalho ~e simulaçãO em

conjuntos de características e de duraç40 variáveis (400 e 200 anos) cujosparâmetros demográficos alo calculados em função daqueles que alo real­mente observados na população japonesa da ilha de Takushima. Os resul­tados da simulação podem deste modo ser comparados com os observadosna população real. A simulação é feita tm computador segundo o modelode Hajnal, o qual postula que em nenhuma população humana o casa­mento é realizado ao acaso (atribuindo a este tertno o seu sentido estatís­tico), mas sim sempre em função do intervalo que existe entre as datasde nascimento dos futuros cônjuges. Este postulado acarreta uma série deconsequências. Assim, por exemplo, por' razões de ordem puramente demo­gráfica (idade conjunta dos dois sexos na altura do casamento, idade nomomento da primeira maternidade/paternidade, diferença de idades entreos cônjuges, etc.), é mais fácil encontrar nas diversas sociedades humanasum cônjuge potencial na pessoa da filha do irmão da mãe que na f1lhada irmã do pai, o que ilumina de modo interessante a controvérsia sol9rea existência ou Dio de sociedades que pratiquem de forma regular o casa­mento com a prima cruzada patrilateral [Leach 1961; Maybury-Lewis 1965;

Needham 1958].De facto, as filhas casam-se e têm filhos geralmente mais cedo do que

os seus irmãos, e são geralmente mais novas do que os seus cônjuges,segundo números médios detertninados; o que implica, por consequência,que uma ftlha de irmã do pai seja com toda a verosimilhança demasiadovelha para Ego, enquanto as ftlhas de irmão da mãe se encontram nortnal­mente na situação correcta para se casarem.

PARENTESCO71 ~~.l~'Os cálculos de MacCluer e Schull têm em conta a possibilidade de casar

com as quatro primas de segundo grau, os P-~-~~-~ oblíqua (porexemplo: a fl1ha da ftlha do irmão do pai), e os do terceiro grau canónico(estes primos alo designados à maneira inglesa como fazendo parte respec­tivamente do primeiro e do segundo grau). Uma das conclusões mais inte­ressantes - que é aquela a que eles se atém a maior parte das vezes parao cálculo daquilo a que chamam matrimónio consanguíneo no limite doestatuto de primos em terceiro grau canónico - consiste no facto de, a par­tir do momento em que se tem a possibilidade de estabelecer genealogias(fictícias ou reais) de mais deiete ou oito gerações, verificarmos que oscasamentOlfnointer;»r da coJ18lJlguinidade afastada (ou seja, além do ter­ceiro grau canóDÍClO)flleDla1lDlelltlr consideravelmente o coeficiente médio.de consanguinidade da populaçio. Este facto verifica-se também através detrabalhos de simulação efectUados em populações artificiais que não apre­sentassem qualquer preferência por nenhum tipo de casamento consan­gulneo. -

Seria pois muito surpreendente que em cerca de três séculos a popula­ção de Ribennes (Gévaudan) tivesse podido evitar totalmente casamentosconsanguíneos afastados, dos quais uma parte é estatisticamente inevittfwl.Por outro lado, é possiVel que os casamentos consanguíneos a partir doqu8rtO grau canónico sejam mais frequentes quando o cônjUge provém deuma paróquia vizinha (onde, por consequêilcia. o portnenor genealógicofalta) do que quando ele provém da própria paróquia e da vizinhançadirecta.

Outros trabalhos- de simulação - como o de Dyke [1971], baseado nosdados de uma população real (Northside, na ilha de Saint-Thomas DaIAntilhas), que calcula os cônjuges potenciais por coortes, segundo impo­sições demognflcas e sociais cada vez mais requintadãS e sempre em fun­ção de re1açOesde parentesco primárias (que postula, erradamente em nossaopinião, terem possivelmente uma importância sociológica maior queoutras) - demonstram que os casamentos endógamos, isto é, no interiorda comunidade local, são geralmente mais distantes do ponto de vista daconsanguinidade que os casamentos exógamos, isto é, no exterior da comu­nidade.

Isto poderia ser também o caso de Ribennes (Gévaudan) onde 1123 dos1576 casamentos estudados portnenorizadamente põem em contacto um habi- .tante de· Ribennes com um cônjuge originário das paróquias vizinhas e cujagenealogia Dio é reconstituída.

r Em todo o caso, Laniaison demonstra de maneira explícita a existênciai de um sistema que acumula as trocas restritas e as trocas generalizadas, enten­didas no ·sentido da circulação de dotes entre irmãos mais novos e herdei­ros, entre as diferentes linhas patrimoniais. Uma das modalidades de ime- .diata reciprocidade, «sentida como ideal••, funciona como o modelo da trocarestrita entre grupos (três no mínimo) que vimos atrás para os sistemas semi­complexos nas sociedades poligAmicas:o chefe de um ostal, casado por duasve~es, casa uma fl1ha tida de cada uma das suas esposas com um parente(irmão ou sobrinho) da outra esposa. Os exemplos de troca generalizada

70PARENTESCO

Page 35: EINAUDI Parentesco I

põem em relaçlo quatro a sete oltals e levam por vezes vmas gerações, atéseis, para se fecharem. .

I

Seis gerações (isto ~, cento e quarenta anos) representam evidentementeum, caso extermo, mas se se puder demonstrar, com exemplos p~isos decirc:u1açlonlpida de dotes .entre ma ou quatro OIt4ls, que se trata reâlmentede uma estratégia consciente e organizada, em que argumentos é 4ôe nospodemos basear para pretender que ciclos mais longos, que levam maistempo e que unem mais grupos entre si, mas que funcionam rigoroH1nentesegundo os mesmos principios (circ:ulaçãode dotes entre linhas patritiloniaisde mais novos para herdeiros, sendo o sexo indiferente) se devem ~lusi·vamente ao acaso?

A organizaçIo apresentada por Lamaison com os seus seis ciclos de trocaremete-nos para os debates, objecto de longas discussões, mais ou menos

\ sofistic:as, sobre os seguintes problemas: se, em primeiro lugar, quando fal­

tam positivas regras de aliança (prescrita ou preferencial), as populaç(b estioconscientes ou nIo das estratégias matrimoniais que elas desenvolvetn real­mente e que se detectam atrav~ de análises estatísticas, quando estas estra­tégias ultrapassam os níveis imediatamente perceptíveis, por causa tanto dasua evidência física (como a troca de irmIs) quanto da sua frequentia;se,em segundo lugar, se pode falar de estratégias e de estruturas quando:aquelasque se detectam relevam do modelo estatístico e Dio do modelo conSCiente,

e se se podem determinar limiares, do! quais seja possível passar, c4m todaa certeza, de uma realidade social vivlta, inteligível para os pro~iústas,consciente de si mesma, para uma outra que DJo o seja, constitu1da pormecllnismos obscuros aos indivíduos nela implicados; se, finalmente, se deve

\ atribuir valor sociológico a estruturas que se descobrem através de mitodosrequintados de análise mas que Dio 510 imediatamente reconhecidas comosuas pelas populações que as põem em pnltica.

Tais questões Dio slo, a priori, destituídas de sentjdo, mas, pírtsandomelhor, passam a sê-lo, na medida em que postulam necessariamehte queexiste,uma multiplicidade de soluções possíveis para o problema da aliançae das, suas modalidades nas sociedades humanas e qJ1e, em última análise,

..

i'

PARBNTBSCO 72

Linha

patrimonial

73 PARENTESCO

.o::,.'~•jV ~

cada tipo de sociedàde, se oAocada sociedade, ~ capaz de apraentar umafórmula totalmente original. Ora isto ~ impossível segundo a IcSgica,dadoque todas as sociedades humanas funcionam, como vimos no início, a par­tir do mesmo reduzido material, que Dio permite seDio um ntlmero fmitode figuras de base.

Lamaison evidenciou, em Gévaudan, duas destas fIgUras: a troCa restritae a troca generalizada. Os outros autores, no trabalho dos quais nos baseá­mos para tratar do funcionamento matrimonial dos sistemas complexos, mos­

,Itraram a existência de uma terceira fIgUra, a que chatnámos o fechamento';'.PO Ambito da consanguinidade cogJ1ática- segundo fórmulas variáveis em01_ ; profundidade e em relação ao tipo de cadeia genealógica -, fIgUraacompa-;. .\ ibada claramente ou Dlo de trocas, restritas ou generalizadas. Postulámos,

por llltimo, no furi de uma extensa análise sobre o trabalho de Lamaison,a existência de fechamentos consanguíneos do mesmo tipo, tam~m no~udan, que Dlo foram detectadbs pelo autor em virtude daS própriascondiçc1esda andlise (em Ribennes, as genealogias nio do estabe1ecidaspataos cônjuges exteriores; os cônjuges. 110 confrontados em relaçlo l~ua linhapatrimonial e oAo em relaçAo a todf, os grupos de descendência aos quaispodem pertencer). '

NIo ~,necessúio que os indiví4uos que nascem dentro de Jna famí­lia, aí vivam e aí desenvolvam laços de sociabilidade com a vizinhançamais ou menos próxima e com a ~ntela (porquanto estes dois termosse excluem reciprocamente) tenhlUft um conhecimento perfeito dos diver­soa quadros de consangu.inidade na intersecçlo dos quais o nascimento oscolocou. Do mesmo modo que pata a aprendizagem, durante .• infincia,do emprego correc:to da terminologia do parentesco, ~ sufic:ient~·conheceras regras de converslo que permitem passar do termo que o pai ou mieutilizam para designar uma pessoá ao que deve ser utilizado para desig­nar essa mesma pessoa; assim, é:suficiente, para estabelecera sua redede parentela afastada e a existênc:iáde um parentesco, por mai. ·vago queeste sejp, conhecer a existência de ,uma relaçlo, ou apenas de uma desig­nação de parentesco, entre os seus ascendentes e os do outro:' bs nossosavós eram primos.

Quando, por sua vez, Ego se tdma avô (avó) e que ele transrlUte a suarede de parentela aos seus netos (c~ todas as lacunas e esqueciirlbntos que

a história bem como o moviment~' 'tural da populaçlo impõem)"este vagoestatuto de primos pode deste m ~ cobrir, genealogicamente (aiando, at~sete gerações. Lembremo-nos de \te este ~ o mlmero de gerações proibi­das em casamento pela Igreja no século XI.

Três é o mlmero médio das gtrações que podem coexistir; cinco é on\lmero ~o de gerações conhecidas de Ego ao longo da sua vida: conheci

I1 os meus avós, conhecerei os meus netos; sete constituem sem dúvida o valorL múimo do conhecimento e transmisslo oral directa, da apreenslo globalda consanguinidade, da memória.:

Page 36: EINAUDI Parentesco I

Não énecessúio insistir para recordar a import4ncia que têm estes valores(sobretudo as três e as cinco gerações) na literatura etnológica, em virtudeda universalidade do dado ~·lIncr~·to quc elas rCI'rcsentam.

1':

PARENTESCO75

~j'.Ii~

A indiferenciaçAo social do sexo (e da ordem do riascimento) que tornaigualmente herdeiros os machos ou as fêmeas, fUhos segundos ou primogé­

nitos - o que é perfeitamente compatível com o próprio princípio de fllia­ção indiferenciada -, é a astúcia social que permite às estratégias matrimo­

niaisconstituírem-se em ciclos de troca de dotes em volta dos patrimóniosa conservar, aumentar e transmitir, no interior de parentelas que teriam ten­

dência a fechar-se sobre elas próprias, ultrapassado o quarto grau canónico,se a argumentação adoptada estiver correcta. Esta asnicia social é a que Uvi­-Strauss [1967] designa «um elemento arbitrário, uma espécie de clinamen

sociológico que, todas as v~ .que o mecanismo subtil da troca for blo­

queado, vW como UlJl dnu ", IffQthina dar a ajuda indispensável ao forne­cimento de um novo arranque» (trad. it. pp. 610-11).

Sempre que a troca matrimonial se encontra regida por regras negativasque incidem sobre um número finito de graus de consanguinidade (estrutu­ras complexas) e que surge no primeiro plano da escolha de cônjuge umapreo:cupaçio especial (percebida estatisticamente) em realizar preferencial­mente algo que nada tem a ver com a preocupaçlo de casar dentro do seuparentesco, como por exemplo a procura da consolidação do prestígio, dasegurança ou dos bens, devemos interrogar-nos qual é o «elemento arbitrá­rio» que permite ao sistema funcionar segundo as modalidades elementaresda troca nas suas diversas flgUraS possíveis. .

De facto, e é esta a primeira hipótese avançada, em todas as sociedades

que funcionam com estruturas complexas de parentesco e de matrimónio,profundamente escon~das e difíceis de descobrir, se encontram estas moda­lidades elementares de troca de que demonstrámos a existência em socieda-

! des que funcionam com estruturas semicomplexas de troca e das quais pelomenos se intuiu a existência, graças ao exemplo de um certo número desociedades dependentes das estruturas complexas.

Esta hipótese Dio pode deixar de ser demonstrada, seja qual for a lógica.Uvi-Strauss tinha perfeitamente visto isso quando escreveu que «li estruturade troca Dio é necessariamente solidária com a apreciação de um cônjugepreferido. E mesmo que a multiplicação dos graus proibidos elimine primosde primeiro, segundo ou terceiro graus (segundo o senso comum; segundoo direito canónico, trata-se de primos de segundo, terceiro e quarto graus)

do número dos cônjuges possíveis, as formas elementares de troca, que nosempenhámos em definir, continuarão ainda a funcionar» [ibid., p. 606].

Troca restrita, troca generalizada, fechamento no interior da consangui­

I nidade, repetição das alianças são as modalidades de base, tanto nas estru­! turas elementares como nas semicomplexas e complexas de parentesco.

A troca generalizada, nas estruturas elementares, liga entre si grupos detroca por intermédio do casamento assimétrico dos homens com a f1lha doirmIo da sua mie (MBd). O fechamento no interior do parentesco consan­guíneo ocorre deste modo, em todas as gerações, no segundo grau canó­nico, e este fechamento reveste apenas uma única forma imediatamentedetectável (um único tipo de cadeia genealógica), mesmo que as suas con­sequências sejam rigorosamente inversas consoante se considere o ponto de

74

Estudo

global deuma área

possfveldeconsangui­nidade

Al 1 Conhecimento

ter recíproco

Coexistência

,II..•

PARENTESCO

r-Ego e Alter 1'0- Idem transmitir L_

aos seus netos oconhecimento

que eles própriostêm de que osseus avós Cf8ID

primos em tercei­ro grau canóJÜco

..

Estas linhas de divagens sucessivas desenham áreas de densidade dife­rencial deconsanguinidade, que sio de toda a maneira mas onde se exerce

uma certa familiaridade relativamente ao exterior. Reconhecer-se primo no

acaso de uma conversa, por ocasÍlo de uma festa, de um casamento, deum enterro, significa já dar um passo na intimidade de outrem; aproximar­-se legitimamente e sem medo dele, é «poderem frequentar-se».

Formulamos como principio que estas áreas de consanguinidade máxima,que estão para além do núcleo que formam os graus de consanguinidade proi·

'. bidos, constituem a área preferencial da escolha do cônjuge nas sociedadesI tradicionais de estruturas complexas de parentesco. Todos os grupos huma­nos hesitam entre o que se pode chamar os dois pólos da recusa: o incestoe o estrangeiro, o demasiado próximo e o demasiado longínquo, e decidematravés de regras culturais o que pertence a uma outra categoria (cf. o artigo

cEndogamia/exogamia»). Como escreveu. divertidamente e justamente JamesBossard: ..cupido pode ter asas, mas aparentemente estas não estão adapta­

das a grandes voos» [1932, p. 222]. Falava ele sobre a residência dos futurosesposos, mas nio é tudo: as asas de Cupido não são suficientemente podero­sas para que ele possa sair não apenas d,o campo deatracçlo da residência,mas também das linhas de força do campo do parentesco.

Casamentos consanguíneos cognáticos deste tipo, situados entre o de •. a­siado próximo e o demasiado longínquo, podem harmonizar-se com muitasoutras exigências que aparentemente se tornam primordiais. Conforme oscasos, tomar-se-á em consideraçlo em primeiro lugar a classe social, a pro­fissão dos pais, o estatuto, a religião, o nível de fortuna ou de educação,a vizinhança geográfica, etc. No Gévaudan, no século XVIII. trata-se de con­servar e de transmitir o património a um único herdeiro. Mas contraria­

mente ao que pensa Lamaison, o casamento consanguíneo cognático Dio favo­rece a concentração dos bens entre as mesmas mlos, a partir do momentoem que ele se verifica entre linhas patrimoniais diferentes, a menos que doisherdeiros se casem entre si.

Page 37: EINAUDI Parentesco I

vista masculino ou feminino e as rqral de rillaçlo. Quando os fechamentosCOJ18IDIUÍDC08 810mais tardios, sobretudo a partir do quarto grau canóilico,e os percursos genea1dgicos possÍVeis 810 numerosos (dezasseis nó quartograu; trinta e dois no quinto, etc ... ), poderia parecer legítimo pretenderque os ciclos de troca generalizada, quando os descobrimos, Dlo exprimemnada al~m do simples efeito de uma lei de ordem probabiUstica. Isto seriatalvez verdade se Dlo houvesse nunca a mínima vontade dirigista na esc0­lha do cônjuge no interior das sociedades com estruturas complexas dealiança. A nossa segunda hipótese introduz, por consequência, dois ...,j e DIoapenas um - «elementos arbitrlbiosa para permitirem ao sistema ma.trimo­nial funcionar. O primeiro é a tal ajuda que anula um dos dados do pro­blema para permitir a realizaçIo recorrente de um projecto primordial P'I'Itodos os protagonistas da sociedade. No ~udan, é a indiferenc. dosexo e da posiçao de nascimento de um t1nicoherdeiro (se bem que Sé tenhaassinalado que se trata de datas fundamentais do parentesco) que il'll per_mitir aos dotes circulareln em ciclos de troca mais ou menos longos, aomesmo tempo que permite ao patrimdnio-ostal ficar intaeto. O segUndo é

\ o seguinte: nos sistemas semicomplexos, as rqras que proíbem a éliançareferem-se a grupos definidos geralmente por uma regra de unifiliaçio e omi­tem qualquer referência • consanguinidade cognática biologicamente, oUantesgenea1ogicamente, fundada. Todavia, esta parentela cogndtica desempenha

Dlo só um papel, mas um papel central na escolha do cônjuge. Os primosbilaterais situados fora dos grupos interditos de unifiliaÇlo 810proibidos emI casamento para Ego durante um lapso de tempo que corresponde Imen­i sIo média da vida, ou seja, daquela coexistência de gerações de que fald­

\ mos. Ultrapassado este limite, constituem o campo preferido de ~, masi Dlo de maneira indiferente: segundo escolhas que 810 consequência'dá,hie-rarquia imposta pelo próprio princípio de riliaçlo. No vasto campo da con­sanguinidade bilateral, a regra de filiaçlo secciona conjuntos organizados deconsanguúleos perif~ricos, e as linhas de força da aliança reconduzetrl siste­maticamente ao centro alguns deles. Inversamente, nos sistemas complexos,onde a regra negativa de aliança é expressa em termos de graus genealógi­cos sem qualquer referência a um princípio de filiaçio ou a uma qualquerpreferência por um tipo de percurso sexuado ao longo de cadeias intermé­dias,. e onde no entanto o exame atento da regulamentaçio matrimonial pode

fazet àparecer igualmente a mesma at,pcçllo da periferia para o cenirb, Dlose pode excluir a hipótese de que a ari"álisedas escolhas realmente optradaspor grupos humanos suficientemente vastos e com uma profundidad~ sufi­ciente faça aparecer a existência de critérios dependentes de um ,sistemaimplícito de filiaçllo e de classificaçllo hierárquica dos diferentes tiPos deconsangut'neos em virtude deste sistema implícito de ftliaçllo. .

Para acabar, algumas achegas sobre outros temas de reflexão. É precisorepensar a noçllo de ftliação (unilinear, bilinear, paralela, alternada I etc.)como um artifkio que permite efectuar uma classif1C8Çllono conjunto dosconsangut'neos cognãticos, privilegiando certas linhas genea1ógicas em rela-

I çlo a outras ~t~' conhecidas. Lounsbury apercebeu~se disêo, • partirda análise das terminologias de parentesco consideradas como u formas tipi­camente mais puras de patrilinearidade (sistemas omaha) e de matrilineari­

\ dade (sistemas crow) e concluiu: «Parece•.• que nllo do muito numerosos

. os sistemas. .. que nilo têm em conta genealógica bilateral o parentesco individual, por mais unilinear que seja a aparência, ou oblíqua que seja a ava-

, liaçIo da geraçllo» [1964, p. 381]. A escolha de um sexo como prindpiode filiaçIo e/ou de um modo de flliaçllo orienta de maneira espetial umaordem hierárquica dos critérios de proximidade dos consangut'neos'relativos

.;' • Ego, no pensamento local, sendo l>emclaro que Dlo existe umàsituaçllo­-tipO, em resposta a uma mesma e~olha, por causa da história pi'ópria de

;,..,. cada sociedade. '

Esta mesma escolha remete pacl uma reflexão sobre o estatutb do par

I formado por um irmllo e por uma itmll, o «par assimétrico»'~do a fór­J mula de Uvi-Strauss [1967, trad. i~. p. 574], tantas vezes entendido como

particular nu sociedades tradicionais: os .belúSÍlDOSJodos Wintu. «Ocon­junto sagrado» da Nova Caledónia, ~ base do /HJ7UICtJ entre os locas, ou daverdIdeira intimidade entre os Toryislandeses. A re1açlloirmllorll'JDl,aquelaem que a identidade dos germanos ido mesmo sexo oscila para a diferença(d. o artigo .Incesto»), tal como s'e pode entend~-lo através dos, sistemasde designação e dos comportament~ matrimoniais e outros que deles decor­rem, ~ a fJSU1'8central onde se encartla a relaçllo religiosa, cconó1JÚdle socialentre íunç(les de produçllo e de repri>duçllo.Três fórmulas, apenâs, sIo pas­sfveis de conferir a estas funções PJsições respectivas dependent~ de umaref1exlo ideológica, e da qual de<ibtrem, por consequ~ncia, es40lhas dediversa ordem, entre as quais a da Sistemática do parentesco: irmllb = irmll,irmIo > irmll, irmllo < irmll. Est.s três fórmulas, as l1nicas lojicamente

, possíveis, surJiram desde as origens l reflexão humana sob aparências menos.abstractas que as equações precedentbs, por causa do trabalho simbólico efcc­tuado debaixo das exig~ncias do dado biológico representado pelas relaçõeshomem/mulher, primogénito/mais r\ovo, genitor/fdho (ou anterior/posteriorem termos de geraçllo) que se imbricam estreitamente (cf. o ard80 «Mas-culino/feminino»). Deste modo, te~.mos: '

I;:: ~ , f

- um homem e a sua irmã são cônsiderados como pertericent~ âo mesmo

nível genealógico, mesmo se lfC: encontram numa relaçio desJgual, fic­tícia, entre primogénito e ~ mais nova;- um homem e uma mulher são considerados numa relação genealógica,

e de autoridade, de pai a ~;- um homem e a sua irmll sãdl considerados como tendo ultta relação

genealógica, simbólica mas dio de autoridade, de mie a fdho.

Deveria ser possível, pois, estabelecer uma teoria geral do parentesco (ter­minologia, fdiação, aliança) mostrando como se organizam, a partir das tr~sfórtnulas iniciais, as grandes linhas das séries associativasparadigmáticas quese encarnam em sistemas concretos,. das sociedades reais, utilizando leis sim-

..PARENTESCO , 76

Ii

I,I,!

77 PARENTESCO

Page 38: EINAUDI Parentesco I

PARENTESCO 7879

PARENTESCO

pies e universais: princípio de repartição e de hierarquização dos consan­guíneos que limita o campo do incesto, princípio de não-contradiçlo, prin­cípio da unidade dos modos operativos da aliança, seja qual for a aparentedesordem e a multíplice variedade de modalidades observadas em socieda·des singulares. (F. H.).

Augt, M.

1975 Le, domaill" dc Ia pare,.,é. Fi/ialion, al/ian", ré,iderlCc,Maspero, Paris.Ballonoff, P. A.

1974 Gellealogical Malhemalier, Mouton, The Hague· Paris._. Barnes, ]. A.

1971 TIIrr, Slylu ill lhe SlUdy 01 Kimhip, Tavistock, London.Blackstone, W.

1950 Ali ElSo, 011 Callateral Con,anguillily, 111Limill, Exltll/ alui Dllralio,,: More ParticlI­lari)!A, I1 I, Re,arded by lhe SlalUles 01Ali SOl/I, Cal/e,e ill lhe Ulliwnily olOxlord.TnrÇu, Chifly Relalm, to lhe Allliquilitl and Lawr 01 E",land, Owen, London.

Bossard, ]. H. S.

1932 Relidtntial ptopinquily 11I a lactor iil marriagese/ecliOll, in cAmerican ] ourna! of Socio­logy., XXXVIII, pp.219·24.

Bouez, S."

1979 RéciprocilJ" hilrarchit. Etude compal'tlliw tU ÚIpartlllé che./er Ho elltl Salllal (0rirIa,Inde) (tese de doutoramento), Universitt de Paria-X, Nanterre.

Buchler, I. R., e Selby, H. A.

1968 Kinship alld Social Organizalion. Ali IlllrodllClion10 17IeoryaM MelhoJ, Macmillan,New York.

Coult, A. D.

1967 Linta,e ,olidarily, lramlormotional analyris and lhe meallm, 01 kimltip IIrmiIlOlQfie"in .Man •• nova atrie. 11. I. pp. 26-47. '

Dorsey, ]. O.

1884 Omaha ,ociology, in .Annual Repons of the Bureau of Ameriean Ethnology., IJI,pp. 205-370.

Dumont, L.

1971 (org.) l,.,rodllCliollà dellX lhéorier d'alllhropolo,ie ,ociale, Mouton, La Haye - Paris.Durkheim, E.

1896·97 Prol. J. KoItler eZllr Urgeschichteder Ehe. TOlemi''''I/$, GruPPcllehe,Mllllerrtchl.,in .L'Annte sociologique., I, pp. 306·19.

Dyke, B. '

1971 POlmlial mate' m a ""ali hllma" /XIPlllalilln,in .Social Biology., XVIII, I, pp. 28-39.Earls, ].

1971 TIl. '1rIIClUrr01 motkm Andeall social cate,oritl, in .Joumal of the Steward An~pological Societyo, I1I, I, pp. 69-106.

Fortes, M.

1953 TIIe 'IruClUrtof IIlIilintaldesce'" fI'lIllpS,in -Arnerican Anlhropologisto, LV, pp. 17-41.1972 Kimhip and lhe lOCialarder: lhe I.,acy 01 L. H. Morgall. Alllhor', Prici, and RtTlitwl,

in .current Anthropology., XIII, 2, pp. 284-96.Fortune, R. F.

1932 Omoha ItCrtl lOCitlier, in cColumbia University Conlribulions in Anthropology., XIV,pp. ]-]93,

Fox, R.

1967 Kimhip and Marria,e. Ali A,.,hropoiogital Perrpec/i"" Pcnguin Books, Harmondsworth(trad. It. Ofrlcina, Roma 1973).Tory Islanden. A Peopl, ollh. Celli. Frill", Cambridge University Press, London.

Freeman, ]. D.

1961 On lhe Ctmeepl01 lhe lIilldrrd, in .]ournal of lhe Royal Anthropological lnatitute",XCI, 2, pp. 192·220.

Goady, E. N.

1973 Conuxu 01 Kimhip. Ali Essay ill lhe Family Sociology01 lhe Gonja 01 Nortl"m Ghll'l(I,Cambridge University Preas, London.

Htritier,F.

- 1974 Syrllme, omaha de parrml " d'alliance. ElUde ell ordinalellr dll 10llclillnllemenlmalri.mallial ri,1 d'_ ,rill a/rltaille, in Ballonoff 1974, pp. 197-212.

.- •...1975 L 'ordiruJlIIII'" I'IIIIde du lanctimutement matrimoniald'/III syrtlme omaha, in Aup 1975,pp.95·117.

--- 1976 ContriiuIion () ÚItIrIotW di l'aIiara. CAmmeru lanctiomlnu le, JyJIRnt, d'allianc, omahaJ,in <dACormatiqueet Scle8ceI humaincs., XXIX, pp. 10-46.

Kasakoff, A. B. '. .

]974 11",. _11)I 1'IÚIfilIu, iD Ba1l0n0ff 1974, pp. 215-35. .Koh1er, ]. .

]897 Z", Urruthichl' thr Eh,. Tote"'UmI/$, Gruppe",he, MII/lerrrchl, Enoke, StUltgart.Kroeber, A. L.

]909 . CllJlliflCalorysyrllllll 01 rrÚlliorrship,iD .]ournal of lhe Royal Anlhropological Insti.tute., XXXIX, pp. 77-84; 810ft in 1M Naturr 01 Culturr, University of Chicaao Presa,Chicago 19684 (trad. it. n Mulino, BoIopa ]974, pp. 3] 1-22).

Kunstadter, P., e altri

.]963 Demographit wriobiliIy and prelmntilll marriagepaltmu, iD cAmerican ]0UI1II1of Physi­cal Anlhropology., XXI, pp. 511-]9.

Lamaison, P.

1977 Parrntl, patrimoilte et '/I'IIUfÜ' "",trimonialn "'~ ord;""""r. U", paroisu dll Halll­-Glwudall du XVII' au di"'" du XIX' likk (tese de doutorametlto), Universitt RentDescartes, Sorbonne, Paris.

1979 Les '1rtI11,us "",trimonial" IÚIm 1111 'yrlime compkx, de parrnti: Ribell"" en GlNII­

IÚIII (1650-1830), in cAnnales. Economies, Socittts, Civilisationso, XXXIV, 4,pp.721-43.

o Uvi·SttaulS disse que o I1nico tabu com relevAncia universal é provavelmente o illCellO;e é aobre eita base que a ,ociedade humana tem vindo a articular a ITOCade mulhere, entre

os grupos (cC.ITllPO)familiares (ef. lamilia, endoga",ilIIexo,amia) atravts do ca,a""II/O (cf. ;'11_

li/llif6u), estabelecendo dessa maneira uma rede de relações económico-sociais (eC. dádiva, eco­lIOIllia, dirrilo, h4bilo COllIIIIlUdin4rio)das quais o parente8COrepresentou um esptcie de arma­dura. Se o incesto pode ser considerado universal, o mesmo Dlo acontece com os sistemasde parentesco (cC. lisum4tica • clalli/kaçilo) que dependem de toda uma outra strie de vari4­

veia. O ter·se conseguido o controlo de certos aspectos da sexualidade, da relaçlo homtml"",lher(cf. lfItIStIIlillo/femmiruJ),da própria Intilidadl, para a1tm dos nascimentos (cf. nascimento), Dlosignifica uniformidade. Modalidades locais e ambientais (cf. ambiente), sistemas econólDÍCosem

acçlo (cf. caça/colheita, pallOI1&ia,agricullUra), tipos de troca (eC. ",iIO/rilo, ori,em), as próprias~ vislveia no modo de encarar as relaçlles entre os vArios estratos sociais (eC. papeVel/a­lUto, Clllla), para nlo falarem sentido maia geral do tipo de cultura criada (d. culmralcullUra"nalUrrwcu/lUra, elllOCentrimun),constituem outras tantas formas de presslo que incidem sobre

a formaçlo de um sistema de parentesco. Para altm disto, desse sistema Dlo fazem parte ape-.nas os vivos; também os mortos entram nele de pleno direito (cf. flida/rrume), tal como tam­

btm se calculam os que estlo)lll'8 naacer. a certo que attavts das ml1ltiplas vari4veis segundoas quais o parentesco se tem apresentado como forma de organizaçAo das sociedades antigas.tambtm é possivel constatar a Cormaçlo de um grupo de tipos (cf. madelo) com variações mar.

i III

! i