emergência médica e a morte violenta

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1 EMERGÊNCIA MÉDICA E A MORTE VIOLENTA Palavra-chave: Morte violenta; emergência médica; vestígios no pré hospitalar; preservação vestígios; forense Albino Gomes Enfermeiro Forense Doutorando em Ciências Forenses na FMUP Department of Legal Medicine and Forensic Sciences, Faculty of Medicine, University of Porto, Porto, Portugal. [email protected] Na nossa actual sociedade, cada vez mais as equipas de emergência médica, são chamadas para atender a diversas situações que englobam os padrões de morte violenta. É por isso muito importante que os intervenientes estejam despertos para a sua abordagem e tenham a capacidade de reconhecer cada caso que lhes surja, de forma a actuarem em conformidade. Muitas mortes violentas requerem a presença das equipas de emergência médica no local. Em primeiro lugar deve estar sempre a segurança da equipa, esta é a prioridade absoluta, em todas as chamadas desta natureza. Mas o que se entende por morte violenta? Morte violenta é a morte provocada por agentes externos e compreende a nível de etiologia médico-legal as situações de homicídio, suicídio e acidente. Lembrando os princípios de Locard “No local do crime ficam necessariamente, vestígios do criminoso que por sua vez transporta consigo voluntariamente ou involuntariamente, vestígios do local onde cometeu a acção criminosa”. Este princípio de Locard, também se aplica às equipas de emergência médica, ao abordar um local onde ocorreu uma morte violenta. As equipas devem ter atenção para este princípio de transferência de vestígios, sendo essencial apenas tocar e mover no que for estritamente indispensável. A programação da nossa abordagem inicia- se logo que se recebe a chamada. O CODU tem um papel muito importante, ao receber a chamada deve dar instruções às pessoas que se encontram no local, para procederem em conformidade. As instruções dadas pelo CODU, apresentam como vantagens: possibilitar o início do socorro à vítima, beneficiando a vítima antes da chegada da equipa de socorro. Por outro lado, apresenta também desvantagens e, neste caso, as desvantagens centram-se em: os acompanhantes da vitima podem não entender as instruções; pode alterar o local para alcançar as instruções; podem alterar a posição da vítima e contaminar o local. As equipas médicas ao serem activadas, devem de imediato programar as suas acções. Em primeiro lugar é de elevada importância, determinar a segurança do local, como em todos os algoritmos, verificar condições de segurança. Relembrar que, a presença de polícia de intervenção no local não é bom sinal. Ao chegar ao local, a equipa médica deve recolher as seguintes informações: Local seguro? Presença de multidão? Presença de pessoas sob efeito de álcool ou drogas? Presença de armas? Local já referenciado como sendo de risco?

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EMERGÊNCIA MÉDICA E A MORTE VIOLENTA

Palavra-chave: Morte violenta; emergência médica; vestígios no pré hospitalar; preservação vestígios; forense Albino Gomes Enfermeiro Forense Doutorando em Ciências Forenses na FMUP Department of Legal Medicine and Forensic Sciences, Faculty of Medicine, University of Porto, Porto, Portugal. [email protected] Na nossa actual sociedade, cada vez mais as equipas de emergência médica, são chamadas para atender a diversas situações que englobam os padrões de morte violenta. É por isso muito importante que os intervenientes estejam despertos para a sua abordagem e tenham a capacidade de reconhecer cada caso que lhes surja, de forma a actuarem em conformidade. Muitas mortes violentas requerem a presença das equipas de emergência médica no local. Em primeiro lugar deve estar sempre a segurança da equipa, esta é a prioridade absoluta, em todas as chamadas desta natureza. Mas o que se entende por morte violenta? Morte violenta é a morte provocada por agentes externos e compreende a nível de etiologia médico-legal as situações de homicídio, suicídio e acidente. Lembrando os princípios de Locard “No local do crime ficam necessariamente, vestígios do criminoso que por sua vez transporta consigo voluntariamente ou involuntariamente, vestígios do local onde cometeu a acção criminosa”. Este princípio de Locard, também se aplica às equipas de emergência médica, ao abordar um local onde ocorreu uma morte violenta. As equipas devem ter atenção para este princípio de transferência de vestígios, sendo essencial apenas tocar e mover no que for estritamente indispensável.

A programação da nossa abordagem inicia-se logo que se recebe a chamada. O CODU tem um papel muito importante, ao receber a chamada deve dar instruções às pessoas que se encontram no local, para procederem em conformidade. As instruções dadas pelo CODU, apresentam como vantagens: possibilitar o início do socorro à vítima, beneficiando a vítima antes da chegada da equipa de socorro. Por outro lado, apresenta também desvantagens e, neste caso, as desvantagens centram-se em: os acompanhantes da vitima podem não entender as instruções; pode alterar o local para alcançar as instruções; podem alterar a posição da vítima e contaminar o local. As equipas médicas ao serem activadas, devem de imediato programar as suas acções. Em primeiro lugar é de elevada importância, determinar a segurança do local, como em todos os algoritmos, verificar condições de segurança. Relembrar que, a presença de polícia de intervenção no local não é bom sinal. Ao chegar ao local, a equipa médica deve recolher as seguintes informações:

• Local seguro? • Presença de multidão? • Presença de pessoas sob efeito de

álcool ou drogas? • Presença de armas? • Local já referenciado como sendo

de risco?

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A equipa médica deve estar atenta para os perigos adicionais que, podem ocorrer: queda de postes de electricidade; substancias tóxicas; risco de incêndio; animais perigosos; veículos em perigo e risco. Os condutores de veículos prioritários devem ter presente que a utilização de dispositivos de aviso sonoro e visual, deve ser apropriado à chamada. Nas situações de morte violenta, devem ter especial atenção ao local: a utilização excessiva em cidades, pode chamar a presença de muitas pessoas; na estrada devem utilizar as luzes para segurança. Mesmo após estar garantida a segurança no local deve-se ter sempre presente que, a violência pode retomar a qualquer momento; podem entrar no local diversas pessoas, algumas delas com atitudes e acções agressivas; a equipa médica pode ser confundida com a polícia; mesmo com a presença de polícia a equipa médica pode ser agredida. Relembrar que é necessário assegurar a segurança do socorrista (se o socorrista não é parte da solução, pode ser parte do problema). As equipas médicas não usam armas, nem coletes de protecção. Os sinais de alerta e perigo que devem servir de orientação para as equipas médicas, sobre a insegurança de um local são os seguintes: 1. Movimentos suspeitos dentro dos

veículos 2. Agressões entre os intervenientes 3. Agarrar ou ocultar objectos 4. Sinais de abuso de álcool e/ou drogas 5. Falta de actividade onde é habitual

existir. Resolvida a questão da segurança do local, a sua abordagem deve obedecer às seguintes recomendações: estacionar a viatura (vmer/ambulância) a uma distância de segurança; deve-se estudar a multidão (numero de pessoas, grau de hostilidade); deve-se aproximar do local cautelosamente; apenas abordar o local com uma pessoa, o condutor deve permanecer dentro da

ambulância/VMER; à noite utilizar as luzes para iluminar o local ou o interior do veículo. Quando se aborda um veiculo, que esteja parado no local de fraca iluminação, em primeiro lugar deve-se abordar a viatura do lado inverso do condutor (lado do “pendura”), uma vez que é a abordagem oposta da policia, não se deve caminhar entre a ambulância/vmer e o veiculo, uma vez que o veiculo pode fazer marcha atrás. Deve-se ter sempre atenção aos movimentos suspeitos que ocorram dentro da viatura. Ao se deslocar para o local, tente andar na relva para diminuir o barulho e se utilizar uma lanterna deve usá-la junto ao corpo. Deve andar em fila única e o elemento que vai à frente leva a lanterna, enquanto o segundo elemento leva o equipamento. Ao aproximar-se de uma porta deve ficar de lado ao bater à porta, nunca se deve posicionar de frente para a porta ou de uma janela e deve identificar-se sempre. Na abordagem do local devemos ter presente que não controlamos o local, o local irá controlar-nos; devemos manter o controlo, porque realizar as acções num cenário caótico, parece ser uma missão impossível. Mantenha a consciência da situação: o tamanho do local é um processo dinâmico, o local pode tornar-se perigoso depois de se ter inicialmente pensado que seria seguro. Ao chegar ao local, antes de abordar a vitima deve observar de forma atenta, constatando os seguintes aspectos:

• Ver a localização da vitima • Ter atenção à presença de sangue,

evitando pisar o mesmo. • Saber qual a posição em que a

vitima foi encontrada e quais os itens que além da roupa estão na vitima.

Uma vez no local, após este estar seguro pela polícia, a equipa médica deve centrar-se nos cuidados de emergência, sendo esta a prioridade absoluta. Se a vitima estiver cadáver, deve-se preservar o local. A preservação inicia-se de imediato com

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pequenos gestos e acções que são fundamentais, tais como: tocar apenas no que for mesmo necessário; mover apenas o que for para mover; restringir a entrada de pessoas no local; se possível usar uma única entrada e saída, e tentar não pisar fluidos; não fumar, comer ou beber no local. A preservação de vestígios é muito vasta, dependendo das situações que ocorram. Conforme anteriormente foi referido, etiologicamente a morte violenta pode-se dividir em homicídio, suicídio e acidente. Existindo um vasto leque de situações das mais diversas etiologias, penso ser interessante do ponto de vista médico-legal, apresentar as diversas situações criminogeneas que ocorrem no contexto pré hospitalar e apresentar os respectivos vestígios que devem ser preservados. Assim sendo no despiste das situações criminogeneas poderemos ter: 1. Mortes resultantes da utilização de armas de fogo (homicídio/suicídio) – Nos homicídios como nos suicídios são os homens quem mais utiliza armas de fogo. Na abordagem da vítima é normal que seja exposta a ferida, para tratamento e para localização da hemorragia. Para esta acção muitas vezes tem que se remover a roupa, utilizando-se muitas vezes o buraco na roupa para a cortar. Esta é uma acção que não se deve fazer. Os buracos da roupa devem ser preservados para o estudo criminal, pelo que se deve cortar as roupas pelas costuras. A roupa pode conter resíduos de pólvora, emitidos pelos gases da queima da pólvora. A roupa depois de ser retirada (seria o ideal) ou cortada, deve ser colocada seca, em sacos de papel e nunca em sacos de plástico. As mãos das vítimas também devem ser preservadas e protegidas, como tal, devem-se colocar sacos de papel nas mãos, para posteriores exames. Não se deve limpar a ferida ou as mãos da vítima e deve-se evitar puncionar veias no dorso da mão, usando de preferência locais centrais. Os ferimentos por arma de fogo apresentam algumas características que são intrínsecas

ao ferimento. O orifício de entrada em geral é pequeno, e o orifício de saída, habitualmente é maior. No entanto existem alguns casos em que o orifício de saída pode ser pequeno (se a pele está justa por um cinto ou peça de roupa apertada, ou se a vitima estiver encostada à parede). Nos casos de disparos por arma caçadeira é importante recuperar a bucha plástica, sem causar alterações significativas da sua forma. Sempre que possível as balas devem ser deixadas no local. Se for necessário remove-las, deve usar-se idealmente uma pinça, em caso de não ser possível usar uma pinça, pode utilizar-se luvas para manipular as balas, e deve-se colocá-las em envelope. As equipas médicas devem descrever as características dos ferimentos, identificando se existirem os orifícios de entrada e saída. Descrever a sua localização, incluindo o tamanho, a presença ou ausência de anéis de abrasão e a presença de fuligem. 2. Mortes resultantes de arma branca – Estas lesões apresentam pouca informação sobre o objecto usado. O objectivo é preservar evidencias e documentar as características das feridas, bem como a localização destas na vítima. O diagnóstico diferencial da etiologia médico-legal destas lesões é o seguinte: • O suicídio implica, no geral, o corte da

garganta ou dos pulsos. Quando um indivíduo dextro corta a própria garganta, normalmente o ferimento começa à esquerda (onde deixa uma laceração mais profunda) e termina à direita, onde perde profundidade.

• Como o suicida tende a atirar a cabeça para trás antes de cortar, a pele fica mais esticada, logo o ferimento é de corte direito.

No caso de homicídio também pode ser infligido um corte deste tipo, quando o agressor se coloca por detrás da vítima, podendo a incisão inicial ser mais profunda, numa zona mais baixa do pescoço e, provavelmente, mais horizontal. Mas, como a vítima de homicídio é por norma, apanhada de surpresa, está

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distraída, e a sua pele dobra com a pressão da lâmina, conferindo ao ferimento um corte irregular. Ocorrência: - A utilização de arma branca em homicídios é mais frequente em homens. - Durante a agressão o homicida pode ficar ferido. Há que levar isso em conta na recolha de vestígios de sangue. - Actos suicidas com arma branca são mais frequentes em mulheres, através de cortes dos pulsos. Tipos de golpe: - Há «lesões (de defesa)» que resultam da posição de defesa assumida pela vítima. Situam-se vulgarmente nos antebraços e mãos. Se se situam nas partes anteriores denominam-se de «defesa activa»; se aparecem nas partes posteriores designam-se por «defesa passiva». - Há lesões de pequena dimensão que se situam vulgarmente junto às lesões mais graves e profundas que determinaram a morte, indiciando, na maioria dos casos, acto suicida. Multiplicidade: - A multiplicidade de golpes surge tanto em vítimas de agressões homicidas como nas resultantes de actos suicidas. - O formato específico da lesão permite determinar o tipo de arma utilizado (ex. lâmina de dois gumes) - Um ferimento designado por «cauda de andorinha» é frequente em situações homicidas. Durante a agressão a lâmina é cravada numa direcção e retirada noutra, porque o agressor e/ou a vítima mudaram de posição. Parecendo ser ferimentos confluentes, trata-se, tão-somente, de uma mesma agressão. -A existência de ferimentos provocados por mais do que um instrumento aponta para uma situação homicida. -Em certo tipo de suicídios, nomeadamente através de cortes de pulsos, quase sempre se constatam lesões múltiplas. Posicionamento das lesões:

- Em situações suicidas as lesões apresentam um certo paralelismo, devido ao facto dos golpes («golpes de ensaio») serem desferidos sob o mesmo ângulo de incidência.

- Em situações homicidas a movimentação dos actores leva a que tal paralelismo não se verifique, mesmo nas lesões situadas na mesma região. O que há são outros ferimentos profundos, que, por norma, são golpes desferidos numa zona mais acima do que aquela escolhida pelos suicidas. É bastante importante foto documentar estas lesões de forma a serem utilizadas para a investigação criminal. As equipas médicas devem ter especial atenção à verificação do óbito, principalmente nas situações de homicídio seguido de suicídio, uma vez que por vezes podem ocorrer erros na atribuição da hora do óbito que poderá influenciar a investigação criminal. 3. Mortes resultantes de Trauma brusco – Existem quatro tipos de trauma brusco: abrasões; lacerações; contusões; e fracturas. A determinação pode ser feita através das lesões, bem como das circunstâncias que causaram a lesão. Nas abrasões, as evidências podem ser importantes para determinar a direcção das forças aplicadas na vítima. A ferida pode apresentar restos do objecto que provocou a lesão, transferidas pela movimentação. Muitas vezes as feridas abrasivas são cobertas com compressas e ligaduras, nestes casos as ligaduras e compressas devem ser guardadas, como evidências, uma vez que apresentam vestígios. No serviço de urgência, devem guardar-se os pensos e ligaduras colocados no meio pré hospitalar, uma vez que podem conter pele. As contusões que apresentam diversas cores sugerem que ocorreram em diferentes tempos. O molde da contusão pode permitir que se identifique o objecto que provocou a lesão. Nestes casos torna-se muito importante a foto documentação das lesões.

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4. Colisão de Automóvel – Nestas situações é importante saber qual a posição dos ocupantes. Ao partirem os vidros, os estilhaços vão provocar ferimentos na face das vítimas que se encontram nos lugares da frente. Os vidros laterais da viatura são compostos por vidro temperado, que parte em peças angulares ferindo a vitima, do lado em que se encontra o vidro. Deve-se ter atenção aos fragmentos de vidro que podem estar nas roupas das vítimas. Estes estilhaços de vidro devem ser recolhidos e colocados em embalagens sólidas. A roupa deve ser preservada, precisamente porque pode conter diversos vestígios (vidros, sangue, metal, tinta). Na determinação da posição das vítimas no veiculo as marcas de sapato podem ser importantes. Idealmente antes de iniciar qualquer actividade, deve-se fotografar o cenário. A foto documentação deve ser detalhada, assim como a descrição do acidente, onde se deve abordar o estado das viaturas, localização ou aparente posição dos ocupantes, lesões visíveis e provável cinemática do trauma. Também nestes casos deve-se ter muita atenção à hora em que é verificado o óbito, uma vez que muitas vezes ocorrem problemas judiciais a nível de heranças. 6. Overdose/Envenenamento – Quando se aborda uma vítima que pode ser suspeita de overdose, deve ter-se o cuidado de recolher a substância suspeita. Revela-se de especial interesse em situações de intoxicações em lares, a recolha de medicamentos suspeitos, uma vez que pode estar em causa negligência de assistência. Os frascos, lamelas de comprimidos, seringas, devem ser guardados e manuseados com cuidado, a fim de preservar o conteúdo e possíveis impressões digitais. Para preservação das impressões digitais, deve-se usar luvas ou idealmente pinça para retirar o conteúdo do frasco. Deve-se colocar este material em envelopes de papel. Em casos de suspeita de envenenamento ou overdose por injecção,

identificar os locais de punção terapêutica (caso tenham ocorrido) com um círculo (marcador permanente). Devem-se preservar todas as evidências (seringas com restos); vómito (deve-se aspirar o vómito, para um recipiente esterilizado e guardar esse recipiente). Os frascos, lamelas de comprimidos, caixas de comprimidos, devem acompanhar o corpo da vítima para a morgue). 7. Asfixia – Uma área do pré hospitalar que tem impacto importante na investigação criminal é a categoria genérica da asfixia. Sem sinais externos de trauma, a asfixia pode não ser identificável na autópsia, dai ser muito importante documentar toda a informação do acidente ou local da ocorrência. Os casos de asfixia que correspondem ao enforcamento merecem a nossa reflexão, uma vez que apresentam algumas particularidades: o laço nunca deve ser cortado ou desfeito; deve-se guardar o laço com o nó e colocar num envelope; as mãos da vítima devem ser envolvidas em sacos de papel. Pela acção da gravidade os livores em geral estão localizados na parte inferior do corpo, se a sua disposição for diferente, pode indicar que a morte pode não ter sido provocada por enforcamento. Nos casos de enforcamento, deve-se descrever na verificação do óbito os seguintes dados:

• Tipo de corda • Peso aproximado • Tipo de suspensão (completa ou

incompleta) • Outras lesões presentes

Preservação de Vestígios - A preservação de vestígios obedece à determinação de regras, sendo uma delas muito importante, a cadeia de custódia. A cadeia de custódia começa quando a primeira pessoa inicia a recolha dos vestígios, e continua com a autoridade. Os envelopes e sacos para vestígios devem ser identificados com o nome da vítima (se

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possível), ou outras identificações, descrição do espécime que se encontra armazenado. Deve fazer-se uma lista com as pessoas que manuseiam os vestígios, colocando também data e hora. Quanto menos pessoas manusearem os vestígios, melhor a manutenção da cadeia de custódia. As equipas de emergência devem ter, nas suas viaturas, 3 itens importantes para a preservação de vestígios:

• Sacos de papel de vários tamanhos • Câmara fotográfica com flash • Envelopes e etiquetas para a cadeia

de custodia A equipa médica deve colocar na sua documentação a indicação de que realizou a recolha de vestígios, por exemplo: “Tshirt branca, com buraco de bala suspeito, foi colocado em saco de papel e entregue à PSP”. Existem diversos vestígios, sendo os mais comuns no contexto pré hospitalar, os seguintes: projecteis de armas de fogo; manchas de sangue; pêlos; impressões digitais; documentos; fibras; salivas. Nos casos de vestígios referentes a amostras de sangue a amostra que é analisada na autopsia muitas vezes já se encontra diluído por fluidos endovenosos, medicação e derivados de sangue, que são administrados durante a reanimação. Os valores analíticos são assim alterados. Seria muito importante que fosse colhido sangue antes de iniciar as manobras de reanimação. Na preservação de vestígios, a documentação assume um papel importante, na medida em que a melhor forma de protecção de si próprio e da vítima é a perfeita documentação dos factos, uma vez que em situações de emergência, pode ser a única forma de preservar vestígios. Os aspectos importantes a registar são:

• Condição em que a vitima se encontra

• Local em redor • Tratamento realizado • Provável cenário que tenha ocorrido

O registo deve ser exacto, completo, objectivo e legível. Ao documentar as lesões

devemos descreve-las segundo o plano anatómico, separando o lado esquerdo do direito. Outra forma de documentação é a foto documentação. Existem por vezes lesões que são difíceis de descrever e neste caso, uma imagem vale mil palavras. A fotografia pode ser muito importante, por exemplo, nos acidentes de viação e documentação de feridas por armas de fogo ou brancas. As fotos devem ser tiradas do mesmo ângulo, com a mesma escala, em caso de não existir um régua para escala, pode ser utilizada por exemplo uma caneta, uma moeda, para referência do tamanho. Colocar as fotos em envelope, selar e etiquetar. De forma a resumir o que foi exposto neste artigo, ficam aqui algumas considerações:

1. Se acha que foi cometido um crime, deve-se contactar de imediato a autoridade

2. Proteja-se a si e à restante equipa de emergência. Se não existirem condições de segurança não deve entrar no local. Assim que tiver condições de segurança deve abordar a vitima e prestar os cuidados de socorro.

3. Não tocar nem mover nada no local, a não ser que seja necessário para cuidar da vítima.

4. Todos os elementos de emergência devem entrar e sair pelo mesmo local, não pise ou caminhe por cima de fluidos que estejam no chão.

5. Observe e documente a localização original dos itens antes de os remover.

6. Quando retirar a roupa da vitima, deve deixa-la se possível intacta. Não corte a roupa pelos buracos feitos pelas armas de fogo ou armas brancas. Utilize as costuras da roupa.

7. Não prejudique o socorro à vítima em prol da preservação de vestígios.

8. Documente os cuidados de emergência prestados à vítima.

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9. Se a vitima estiver cadáver, não toque no corpo.

10. Em caso de acidente de viação, deve-se preservar o local, estacionando fora das marcas de derrapagem e travagem.

11. Use sempre luvas e máscara 12. Coloque a roupa seca em sacos de

papel e, nunca em sacos de plástico. 13. Afaste todas as pessoas

desnecessárias do local 14. Não fumar nem beber no local 15. Sempre que se suspeite de crime,

coloque sacos de papel nas mãos da vítima.

16. Não lave a vítima (principalmente as mãos)

17. Identifique os locais de punção venosa e drenagem, com círculos (caneta permanente)

18. Ter muita atenção à verificação da hora do óbito

19. Não faça juízos de valor 20. Muitas vezes para isolar o local,

basta fechar a porta e impedir a entrada de pessoas.

21. Não se deve ligar ou desligar quaisquer luzes ou aparelhos electrodomésticos

22. Não se deve entrar e sair várias vezes do local da ocorrência.

23. Nos acidentes de viação colocar a ambulância/VMER de forma a proteger o local, a si e aos restantes elementos.

Conclusão: Sendo a prioridade absoluta os cuidados de emergência à vitima, a preservação de vestígios e protecção do local, também representam uma acção muito importante, para as equipas de emergência. Preservar é ajudar na procura da verdade! Bibliografia -

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