ensino medio frigotto
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Presidente da República Federativa do Brasil
Luiz Inácio Lula da SilvaMinistro de Estado da Educação
Tarso Genro
Secretário Executivo
Fernando Haddad
Secretário de Educação Média e TecnológicaAntonio Ibanez Ruiz
Coordenação EditorialMarise Nogueira Ramos
RevisãoSonja Sampaio
Programação visual e editoração eletrônicaMarisa Maass e Matheus Gorovitz
Tiragem
20.000 exemplares
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Média e Tecnológica
Diretoria de Ensino Médio
Esplanada dos Ministérios, bloco L, 4o andar, CEP 70047-902
Brasília - DF
Tel: (61) 2104 8041 Fax: (61) 2104 9643www.mec.gov.br/semtec - [email protected]
CDU 373.5
E59e Ensino médio : ciência, cultura e trabalho. / Secretariade Educação Média e Tecnológica. _ Organizadores :
(Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta. _ Brasília :
MEC, SEMTEC, 2004.
340 p.
1. Ensino M édio. 2. Pol í tica do Ensino.
3. Formação de Professores. I. Brasil. Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
http://www.mec.gov.br/semtecmailto:[email protected]:[email protected]://www.mec.gov.br/semtec
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ensino médiociência, cultura e trabalho
Organizadores:
Gaudêncio Frigotto
Maria Ciavatta
Brasília, fevereiro de 2004
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(Des)encontros entre os jovens e a escola
Marília Pontes Spósito32
Para examinar as interações entre os jovens e a escola, no
Brasil, é preciso delimitar, inicialmente, alguns eixos em torno
dos quais pode ser analisado um par de termos tão abrangente:
juventude e escola.
Não é objetivo deste artigo percorrer todos os temas
subjacentes à discussão da juventude como momento do ciclo
de vida. Já é reconhecido o caráter insuficiente e impreciso ex
presso no mero recorte biológico (transformações e desenvolvi
mento do organismo humano) ou demográfico (as faixas etárias)
para sua definição. Por essas razões, os aportes histórico-cultu
rais têm constituído ingredientes essenciais para uma compre
ensão mais abrangente dessa categoria social. Tem sido recor
rente a importância de se tomar a idéia de juventude em seu
plural - juventudes - , em virtude da diversidade de situações
existenciais que afetam os sujeitos. Mas, no limite, assumir so
mente a diversidade pode levar a outras imprecisões, pois, ao
pensar apenas sob o ângulo da heterogeneidade de modos de
vida, não poderiamos mais tratar da juventude como categoria
social, de modo que ela estaria totalmente diluída pelas outrasformas de vida dos suieitos na sociedade e os jovens não consti-
32Doutora em educação, livre docente da Faculdade de Educação da USP.
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tuiriam mais foco de atenção: seriam privilegiados seu
pertencimento de classe, suas origens étnicas, sua condição dehomem ou mulher, etc.33 Sob o meu ponto de vista, parte dessa
imprecisão decorre da superposição indevida entre fase de vida e
sujeitos concretos, aspectos que, por exemplo, para os estudio
sos da infância, não se superpõem, como afirma Attias Donfut
(1996). Infância e crianças são noções que exprimem estatutos
teóricos diferentes, por essas razões podemos até dizer que há
crianças sem o direito à “infância” no Brasil. Essa operação aindanão teria sido delimitada, claramente, pelos estudiosos, profissio
nais e demais agentes sociais que tratam da juventude, pois eles
superpõem jovens - sujeitos - e fase de vida - juventude - como
categorias semelhantes.
Para efeitos de análise, Abad (2002) propõe também uma
distinção importante entre a condição (modo como uma socieda
de constitui e significa esse momento do ciclo de vida) e a situação
juvenil, que traduz os diferentes percursos experimentados pela
condição juvenil a partir dos mais diversos recortes: classe, gênero,
regiões, vida urbana ou rural, sistemas religiosos e etnia. Em seu
primeiro eixo - o conjunto de concepções sobre a juventude que a
transforma muitas vezes em modelo cultural para outras idades
(PERALVA, 1997) -, estariam radicadas as orientações dominantes que alicerçam as práticas sociais, incluindo nelas aquelas que
emanam do poder público, da mídia e da sociedade civil organi
zada em múltiplas formas de associação. Mas as orientações
normativas sobre a fase de vida (LAGREE, 1999) dizem respeito
não só ao sujeito - juventude -, mas a uma forma de interação
33Vianna também afirma que, ao atribuirmos à juventude certas características, como
instabilidade, fluidez, mudanças intensas e certa indefinição de rum os na trajetória existencial, estaríamos, na verdade, negando a sua especificidade. Na vida contemporânea,
essas características acompanham a vida de todos os indivíduos, independentemente de
sua faixa etária, e por essas razões, é preciso caracterizar o momento do ciclo de vida a
partir de outros critérios, sem naturalizá-los (VIANNA, 1997).
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com o mundo adulto que reflete relações de poder que se agregam
a outras assimetrias já estabelecidas, como as sociais e culturais.34
Assim, é preciso reter a existência de conflitos em torno dessas
representações sobre os segmentos juvenis na sociedade, tanto no
âmbito dos atores coletivos adultos como entre jovens, também
protagonistas ativos dessa diversidade de orientações.
A moderna concepção sobre a juventude, produto de lon
gas transformações observadas a partir do século XVIII, mas con
solidada, de modo dominante, a partir do f i m da Segunda Guer
ra Mundial, incidiu sobre alguns focos: o alongamento da
transição entre a infância e a vida adulta, a escolaridade como
etapa intrínseca à condição juvenil, o retardamento da entrada
no mundo do trabalho e o aparecimento de formas de consumo
e de produção cultural típicas desses segmentos. As análises de
Hobsbawm (1989) sobre a revolução cultural na segunda meta
de do século XX estão profundamente articuladas ao apareci
mento da moderna condição juvenil. Passerini (1996) situa esse
segmento, nos anos 1950, como metáfora da mudança social,
uma vez que esse período marcou o nascimento de um mundo
adolescente e juvenil relativamente autônomo, tanto na socieda
de como no interior da escola.
O alongamento da transição entre a infância e a idade adul
ta deve ser igualmente problematizado, porque se realizou em
34 Se considerarm os que a sociedade é atravessada por um campo de relações sociais de
natureza conflituosa, é preciso admitir que os modelos hegemônicos em torn o do que é
ser jovem também entram em disputa com outras concepções. Nos últimos anos, os
jovens, ao contrário de décadas anteriores, ocuparam a cena pública a pa rtir de duas
óticas dominantes: grupo etário propenso ao consumo de bens materiais e simbólicos ou
grupo portador de condutas que seriam problemas para a sociedade (violência, tendência
a modos de vida marcados pelo consumo de substâncias psicoativas, desemprego, entre
outros) (ABRAMO, 1997). A ótica oposta, ou seja, aquela que afirma a juventude como
grupo social com direitos e capaz de ação autônoma e de participação na esfera pública,
tem-se firmado nos últimos anos, sobretudo no campo dos movimentos sociais e dasnovas formas de ação de grupos juvenis na sociedade brasileira.
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ritmos e modalidades diversos nas várias sociedades e, sobretu
do, porque tornou imprecisas as marcas que definem a atual condição adulta por oposição à juvenil, restando sempre uma insi
diosa e difícil questão: quando uma sociedade, em determinado
momento de sua história social e cultural, considera que alguém
é adulto? Por essas razões, muitas das pesquisas têm-se voltado
atualmente para o tema dos “modos de entrada na vida adulta”,
uma vez que essa passagem não se dá de uma única maneira e
em um único tempo (GALLAND, 1996; PAIS, 1995; SINGLY,2000). Recorro apenas a um exemplo para ilustrar essa situação,
inspirando-me em Attias-Donfut quando examina as diferenças
entre o estatuto da autonomia e o da independência. Antes reu
nidas - autonomia e independência - pela conquista do traba
lho, hoje se apresentam dissociadas, pois aos jovens se reconhece
cada vez mais a possibilidade da autonomia em um contexto de
dependência econômica que pode se prolongar indefinidamen
te, tendo em vista as transformações do mundo do trabalho e a
crise da sociedade assalariada (ATTIAS-DONFUT, 2000).
Assim, ao examinar o segundo termo da díade - a escola -,
é importante considerar que a modernidade, ao instituir novas
concepções sobre a infância, a adolescência e a juventude, insti
tuiu, também, os modos de sua socialização para além da família, situando a escola como uma de suas agências privilegiadas.35
Ocorre, para efeito de maior precisão conceituai, que a institui
ção escolar, ao ser socializadora,36 além de ter por função a trans
missão sistemática de parcela da cultura humana acumulada e
350 termo educação, no entanto, recobre um campo extremamente vasto e importan te
que não se esgota na escola, pois “os mecanismos por meio dos quais uma sociedade
transmite a seus membros seus saberes, o saber-fazer e o saber-ser que ela estima comonecessários à sua reprodução são de uma infinita variedade” (DURU-BELLAT; VAN
ZANTEN, 1992, p. 1).
36Utilizo-me de uma definição ampla do termo socialização, que significa o processo
pelo qual os indivíduos são introduzidos na vida social (BERGER, 1975).
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das competências necessárias à sua incorporação, cumpre tam
bém outros papéis ligados ao aprendizado do estar juntos e do
“viver com”, muitas vezes obscurecidos no discurso pedagógico
mas igualmente importantes.
Como afirma Bourdieu, hoje, qualquer esforço de com
preensão do fenômeno da reprodução social comporta a análise
dos sistemas escolares, forma dominante de socialização das no
vas gerações no século XX.37 Assim, o modo de reprodução da
sociedade contempla uma dominante escolar (BOURDIEU,
1989). Mas as mutações sociais observadas nas últimas décadas
exigem daqueles que se debruçam sobre os fenômenos da soci
alização contemporânea e da reprodução social um olhar amplia
do para outros agenciamentos presentes na formação e no de
senvolvimento das novas gerações. Ocorre o reconhecimento da
perda do monopólio cultural da escola, e a educação escolar -
apesar de sua especificidade e importância - tende a se transfor
mar em uma cultura entre outras. Desse modo, os jovens percorrem vários espaços de trocas sociais para além da escola e esta
não constitui a única possibilidade de sua presença no mundo
para além da família.
Duru-Bellat e Agnes Van Zanten evidenciam que a pró
pria condição de aluno deve ser pensada como algo problemáti
co e não natural no interior da escola: não se nasce aluno, al
guém se torna aluno. Para que tal perspectiva seja considerada é preciso, ao menos, três pressupostos: a dissociação entre o ensi
no e a aprendizagem que faz nascer a noção de trabalho escolar
a ser realizado por crianças e jovens; o reconhecimento de que
esse trabalho do aluno não se resume à resposta às exigências
37A expressão “sociedade escolarizada”, utilizada por Heloísa Fernandes, retém a rele
vância da escola quando afirma estar essa instituição no centro das referências
identificatórias do mundo moderno, independentemente de nossa adesão ou crítica ( 1994).
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explícitas inscritas nos programas e nos regulamentos oficiais, mas
às expectativas implícitas da instituição e dos professores;38 final
mente, a necessidade de reconhecer que o aluno é expressão tam
bém de uma forma peculiar de sua inserção no ciclo de vida - a
infância e a juventude -, categorias específicas e dotadas de uma
autonomia relativa na sociedade muitas vezes não reconhecida no
campo educacional (DURU-BELLAT; VAN ZANTEN, 1992,p.l79).
A análise do ofício do aluno (PERRENOUD, 1994) já re
presenta um caminho importante porque, ao reconstruir o modo pelo qual os estudantes constituem suas estratégias de ação diante
das exigências normativas da instituição, revela uma possível
dissociação entre as expectativas dos educadores e a prática dos
educandos.39 Mas é ainda insuficiente para a compreensão do
sujeito - aluno - em uma dimensão mais global - criança,
adolescente ou jovem.
O mesmo processo de mutação social que constitui a “so
ciedade escolarizada”, ou seja, a educação escolar como ferra
menta essencial para a sobrevivência do indivíduo moderno no
mundo (habilidades, conhecimentos e saberes, competência para
uma melhor participação na esfera pública e afirmação de sua
autonomia como sujeito), produz uma enorme crise das possi
bilidades de mobilidade social ascendente via escola, pela escassa
38 Deve-se agregar o conjunto de percepções que o aluno elabora em sua socialização
extra-escolar, na família e em outras instâncias, sendo marcantes as orientações que deri
vam não só de sua origem social ou étnica como do fato de terem nascido homens ou
mulheres.
39Ao tra tar da sociologia da infância, Hélène SIROTA (2001) afirma que a sociologia do
ofício do aluno é ao mesmo tempo um a sociologia do trabalho escolar e da organização
educativa e se interessa pelo “avesso do cenário deixado até então na sombra, pelo sentido
que os alunos dão ao traba lho cotidiano” (2001, p. 16). Afirma essa autora que é preciso
também compreender como se constrói o ofício de criança, investigando as múltiplassituações nas quais esse ator se constitui como tal (idem, p. 17). Suas observações valem,
também, para o campo da juventude, pois deveriamos indagar como se constitui o ofício
de jovem nas formas variadas em que a condição juvenil moderna é vivida.
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capacidade de absorção no mundo do trabalho dessa população
escolarizada. As transformações estruturais nas últimas três dé
cadas provocaram, entre outros efeitos, o desassalariamento e o
desemprego. Essa crise da mobilidade social produz, para José
de Souza Martins (1997, 2002), o aparecimento de uma nova
desigualdade social — processos de inclusão precária e subalter
na - observando a multiplicação de desigualdades.40
Estariam sendo, assim, observadas diferenças substanti
vas em relação aos processos de expansão do ensino iniciados
nos anos 1950 nos centros urbanos brasileiros. A disseminação
das oportunidades escolares transforma os diplomas em bens
comuns, que perdem sua capacidade de credenciar os indivídu
os para o mundo do trabalho, e induz a uma busca cada vez
mais forte de novas oportunidades, configurando uma deman
da endógena de escolaridade (BULE, 2000).
Nos anos 1950 e 1960, sobretudo com a expansão dos gi
násios estaduais, havia inscrita na atividade escolar uma duplafunção socializadora: o trânsito sistemático dos imaturos ao mun
do adulto e, ao mesmo tempo, sua inserção em uma sociedade
urbana e industrial (PEREIRA, 1976, p. 103). Nessa nova orde
nação estava localizada a possibilidade de mobilidade social as
cendente, ambicionada pelos alunos. Assim, apesar das tensões
inerentes a esse processo e das características da população usuária
da escola, de origem rural ou de migração recente, não havia,
potencialmente, uma negação ou desconfiança dos possíveis be
nefícios advindos da educação escolar.
No Brasil, o movimento recente da expansão escolar, so
bretudo o acesso ao ensino médio, convive com as orientações
40 Para Dubet, nessa nova situação emergem tensões em torno das possibilidades de
constituição dos sujeitos, conciliando a demanda de igualdade das sociedades dem ocráti
cas com a possibilidade da autonomia e da liberdade (DUBET, 2001).
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seletivas tradicionais dos sistemas de ensino e traz em seu bojo
uma nova figura: “os excluídos de dentro” (BOURDIEU, 1998).
Por essas razões, as dimensões mais específicas do trabalho rea
lizado pela escola como local de transmissão de aprendizado de
saberes continuam a ser objeto de crítica em razão da multipli
cação das desigualdades sociais que essa nova situação aponta.
Quase todos os estudos sobre escola e juventude estão
centrados e, com alguma razão, como afirma Dubet, na condição
de estudante ou de aluno diante da relevância desse momentosocializador, mas isso não “significa que os jovens não sejam mais
definidos por suas origens sociais, mas que a posição no sistema
escolar torna-se um dos fatores essenciais da organização das ex
periências juvenis” (DUBET, 1996, p.28). Quando a relação do
aluno com a instituição escolar é considerada, quase sempre é evi
denciada a idéia do fracasso escolar como eixo forte de interesse,
ou seja, os processos de exclusão escolar - da escola e na escola -,na acepção de Ferraro (1999). Um ponto importante de inflexão
na pesquisa educacional e na reflexão sobre as relações entre o
aluno e a escola se verifica na adoção da categoria estudante-tra
balhador e o tema da escola noturna. Para grande parte da popu
lação escolar, a categoria aluno não possibilitaria uma aproxima
ção mais global de suas práticas escolares, interesses e modos de
sociabilidade. Por essas razões, grande parte da atenção da pesqui
sa e dos gestores públicos voltou-se para o exame dessas formas
híbridas que caracterizariam a experiência educativa da maioria
da população de origem trabalhadora da sociedade brasileira que
está no ensino fundamental e médio, tanto em sua modalidade
regular como supletiva. Focalizando a precariedade e a inadequação
da escola, a investigação e as propostas pedagógicas voltaram-se
para a experiência dos alunos trabalhadores, evidenciando a dis
tância da escola do mundo do trabalho. Mas esse reconhecimento,
ao se tornar reiterado em todo o período, provoca, também, certo
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esgotamento: o trabalho afasta o aluno da escola, que, por sua vez,
afasta o aluno trabalhador.
Essas mutações no sistema de ensino - expansão e ausênciade novos modelos de escolaridade - , em contexto de crise de mobi
lidade social, atualizam as discussões em torno da ação socializadora
realizada pela escola não só a partir de sua eficácia, mas de seus
limites. Para François Dubet (1991, 1996), um dos produtos da
massificação do ensino francês - o intenso crescimento do acesso à
escola observado a partir dos anos 1980 - pode ser traduzido na
denominada “desinstitucionalização”. A instituição escolar não sónão constrói um conjunto de referências estáveis - tanto no terreno
do conhecimento como em relação aos modelos culturais - a partir
das quais os alunos orientam seu processo de desenvolvimento, como
também, ao operar com uma multiplicidade de registros, muitas
vezes contraditórios, faz que a subjetivação seja mais um esforço do
sujeito para conviver e combinar diferentes demandas do que uma
clara ação do mundo institucional adulto, colaborando para o de
senvolvimento dos educandos.41
Como afirma Sirota, a respeito das análises empreendidas
por Dubet,
os atores se socializam mediante essas diferentes aprendizagens e seconstituem como sujeitos na medida de sua capacidade de dominarsua experiência, de se tornarem autores de sua própria educação. Nessesentido, toda educação é uma auto-educação, ou seja, não é apenasuma inculcação, é também um trabalho sobre si mesmo” (SIROTA,
2001, p.17).
41É preciso distinguir, no campo da escola, o que tem sido objeto de reforma - em geral proposta pelos gestores públicos nas várias instâncias - e o campo das práticas escolarescotidianas que propõem mudanças e até mesmo inovação. O grande desafio das reformaseducativas incide sobre sua capacidade de provocar mudanças e induzir a inovação. Assim, muitas vezes, mais do que o conteúdo das reformas, é preciso considerar o modo desua implementação como fator decisivo para a constituição da mudança.
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Esse processo evidencia suas tensões a partir de um recor
te das classes sociais em que os menos desprovidos de recursos
materiais e simbólicos são aqueles que constroem tanto umaexperiência dolorosa de rebaixamento da auto-estima como de
retraimento ou de revolta.
Nessas condições, as relações dos jovens com o saber, como
afirma Chariot, constituem um dos aspectos centrais para se
redefinir e propor alterações na prática pedagógica que caracte
riza uma faceta da crise de eficácia socializadora da escola. Vale a
pena transcrever suas observações:
Os jovens aprenderam muitas coisas antes de entrar na escola e conti
nuam a aprender fora da escola, ainda que freqüentem a escola (...)
Porém, entrar na escola é um universo novo (...) Não se vai à escola
para continuar a aprender como se aprendeu até então (CHARLOT,
2001, p.149- 150).
Assim, nessa relação específica com o aprender na escola,
o sujeito jovem precisa estar implicado e construir uma relação
significativa na dialética da ruptura e da continuidade:
para entrar na escola no sentido simbólico do termo, é preciso gerir
essa dinâmica continuidade/descontinuidade/especificidade: construir
uma relação com o saber e com a escola que, ao mesmo tempo, se
apoia nas relações com o aprender já construídas (o que permite que
o saber e a escola tenham sentido) e se diferencia (o que permite rela
cionar-se com o saber e com a escola em sua especificidade)
(CHARLOT, 2001, p. 150).
Para Chariot, existiriam três caminhos na relação entre os
saberes da vida e os saberes escolares. O primeiro seria a comple
ta ruptura entre os saberes, e a escolha de um caminho negaria o
outro, prática comum quando os alunos, em geral, só encon
tram sentido nos saberes da vida. O segundo seria a pura conti
nuidade, ou seja, “aprender na escola, fazer aquilo que é para ser
feito”. Seria a conduta adaptativa e de sobrevivência, em que os
alunos seriam meros estrategistas de um jogo em que cada uma
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das partes executa seu papel: professores pensam que ensinam e
alunos fingem que aprendem ou apenas se conformam.42 Final
mente, o terceiro caminho seria reter a dialética entre continui
dade e descontinuidade, “tirar proveito das especificidades, daheterogeneidade, das tensões, para ‘aprender’ ao mesmo tempo,
‘na vida e ‘na escola’” (CHARLOT, 2001, p. 150).
Mas o mais freqüente localiza-se na primeira saída, e as
relações entre as gerações - educadores e educandos - passam a
ser muito mais caracterizadas por uma certa noção de crise do
que a tradicional idéia de conflito geracional (DUBET, 1987;
BARRÈRE; MARTUCCELLI, 2000).
Não só pela perda do monopólio no processo de forma
ção das novas gerações, como já foi observado, mas pelas carac
terísticas internas aos sistemas escolares atuais, incapazes de res
ponder aos novos desafios postos por sua expansão, a reflexão
sobre a escola tem sido acompanhada de determinado diagnós
tico de sua crise em que a violência seria uma das expressões
maiores (Sposito, 1998, 2001).
O novo público que freqüenta a escola, sobretudo adoles
cente e jovem,43 passa a constituir no seu interior um universo
cada vez mais autônomo de interações, distanciado das referên
cias institucionais, trazendo novamente, em sua especificidade, a
necessidade de uma perspectiva não escolar no estudo da escola,
a via não escolar na acepção de Barrère e Martucccelli (2000).
Como afirmam esses autores, a autonomização de uma
42 Para Dubet, essa conduta é muito freqüente nos alunos do ensino médio oriundosdos segmentos médios, que manteriam com a escola uma relação marcada por certaracionalidade empresarial (avaliação dos custos e benefícios) que tem por alvo “sair-se
bem” (DUBET, 1991).
43No Brasil, a maior presença juvenil não ocorre apenas no sistema de ensino regularmas, também, no ensino supletivo, fenômeno observado na última década, o que crianovos impasses e desafios para os sistemas de educação de jovens e adultos no país.
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subcultura adolescente engendra para os alunos da massificação
do ensino uma reticência ou uma oposição à ação do universo
normativo escolar, ele mesmo em crise. A escola cessa lentamente de ser modelada somente pelos critérios da sociabilidade adulta
e vê penetrar os critérios da sociabilidade adolescente, exigindo
um modo peculiar de compreensão e estudo (idem, p.256).
A “cidade dos estudantes” (RAYOU, 1998) repõe nas escolas
públicas brasileiras antigos temores, pois, quando se trata dos esta
belecimentos relegados, situados na periferia das grandes cidades, a presença de jovens - pobres e negros - reunidos evoca os grandes
temores das elites brancas e oligárquicas diante do comportamento
potencialmente disruptivo de uma maioria silenciada.
Observa-se o reconhecimento da força de elementos exter
nos na vida da instituição escolar modelando parte de sua crise.
Sob o ponto de vista dos jovens e adolescentes, além da família eda mídia, a denominada força da “cultura de rua”, derivada das
relações de amizade no bairro, passa também a ser considerada.44
Se o entorno da escola acaba interferindo na vida escolar
e a sua permeabilidade aos processos externos se torna mais evi
dente, um conjunto de nexos estabelecidos deve, ao menos, ser
submetido à pesquisa e à interrogação, sobretudo quando se considera a importância da socialização no grupo de pares.
Como já foi observado por Antonio Cândido (1973), se a
vida escolar é amplamente determinada pelas relações sociais a
44 A partir de meados dos anos 1980, tem surgido uma produção importante sobre asociabilidade juvenil nas ruas, recuperando suas formas de expressão nos grupos de estiloou na formação das galeras e gangues (ABRAMO, 1994; CAIAFFA, 1985; GUIMARÃES,
1995; DIÓGENES, 1998; TELLA, 2000; VIANNA, 1987,1997; SPÓSITO, 1994; COSTA,1993; HERSCHMANN, 2000; 1997; DAYRELL, 2001; CARRANO, 2002; MUSSOI, 2000,entre outros). No inter ior da escola, os estudos ainda são profundamente recortados pelacondição de aluno, que valoriza, sobretudo, o conjunto de relações que incide sobre os processos de ensino e aprendizagem e as interações com os professores (a esse respeito,consultar SPÓSITO, 2002).
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ela externas, em seu interior não ocorre a mera transposição: há
recriação, transformação ou produção de novas relações sociais.
Por essas razões e a título de exemplo, ao menos três modalida
des na interação entre a cultura da rua vivida pelos jovens e a
vida escolar podem ser observadas.
Em primeiro lugar, alguns estudos evidenciam que os me
canismos da sociabilidade e de reconhecimento típicos da rua e
do bairro não são necessariamente os mesmos que ocorrem no
estabelecimento de ensino. No ambiente escolar há a criação de
formas de convivência que podem transformar ou opor-se à pró
pria cultura de rua.45
Uma segunda modalidade de relação trata de uma produ
ção acentuada, no interior da escola, de relações que tornam mais
fortes e explícitos processos muitas vezes difusos e latentes pre
sentes na sociedade brasileira, como o racismo, o preconceito, os
elementos patriarcais e machistas da cultura. As possibilidades
de trocas sociais mais contínuas e intensas na vida escolar com
os pares do que as relações mais atomizadas e segmentadas vivi
das no bairro ou na rua são potencialmente fomentadoras de
práticas discriminatórias e violentas, eventualmente mais níti
das do aquelas observadas nos processos externos à escola.46
45Um exemplo talvez possa elucidar essa questão: nem sempre o envolvimento de al
guns jovens com o narcotráfico ou com o crime organizado no bairro implica uma conduta delinqüente no interior da escola. Comportamentos agressivos e violentos na escolanão são decorrentes, necessariamente, de atitudes violentas nas ruas do bairro (ARAÚJO,2002). Mecanismos de segregação de grupos entre os alunos na escola não seguem necessariamente o conjunto de valores expressos no bairro e nas ruas, operando nesse caso umaação específica da cultura escolar que seleciona e identifica os maus e os bons alunos eestimula a formulação de condutas desviantes (VAN ZANTEN, 2000a).
46Os estudos desenvolvidos em escolas públicas por NIEMEYER (1998) sobre o preconceito e o racismo consolidaram, dentre outros registros, um elenco de apelidos que adolescentes e crianças atribuíam a seus pares, a maioria de teor depreciativo e praticamentedesconhecida pelo mundo adulto da instituição.
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Mas uma terceira modalidade de interação também se des
vela quando consideramos que as formas tradicionais de sociali
zação nas ruas e bairros nas cidades - e este é o caso brasileiro -
também se transformam, implicando, em alguns casos, o
desaparecimento de um modo de vida tradicional de nossa
sociedade, sobretudo em decorrência da violência urbana.47
Na ausência de experiências mediadoras entre o mundo da casa
e o universo impessoal da esfera pública, a escola passa a ser o
único território de interações contínuas para adolescentes e
jovens, ainda sob certa proteção do mundo adulto, mesmo que
este último apareça distanciado e, também, em crise.
Por essas razões, estudos como aqueles desenvolvidos por
Rayou (1998) são muito sugestivos. Esse autor examina a “cida
de dos estudantes” na acepção da polis grega, onde a vida pública
vive os dilemas da crise da representação política tradicional. Esses
“seres incertos” ou da “falta”, porque não vivem a condição adulta - os jovens alunos, sobretudo dos liceus - , procurariam ao
menos nessa convivência estudantil a vida boa ou feliz, na acepção
da polis grega. Assim, Rayou considera que nesse mundo
autônomo dos estudantes pode ser apreendida a noção de philia,
a amizade. A partir das formulações de Aristóteles, analisa na
vida estudantil as dimensões ético-políticas das relações de ami
zade. A amizade é uma igualdade e é capaz de propiciar experi
ências ligadas à auto-estima, à justiça e à solidariedade (RAYOU,
1998). Por essas razões, os jovens e os adolescentes seriam mais
gregos do que cristãos, pois substituem em seu universo de prá-
47 Consultar BOONEM (2000). Em seu estudo sobre uma rua em bairro violento da
zona sul da cidade de São Paulo, observa que, cada vez mais, esse espaço deixa de ser
experiência socializadora. As diferenças sexuais nas práticas educativas da família resul
tam em possibilidades diversas de experiência da cultura de rua, mas, de qualquer modo,
o crescimento da violência na cidade acaba por interferir no modo como pais possibili
tam a vida fora de casa, no bairro, para seus filhos.
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ticas o mandamento “ama o teu próximo como a ti mesmo” pela
máxima “ama teu próximo como ele mesmo te ama”.
Se as relações entre as formas de socialização se estreitame produzem nova sociabilidade, é preciso considerar que a vida
escolar exige um conhecimento mais denso dos sujeitos - nesse
caso, adolescentes e jovens - que ultrapasse os limites de sua vida
na instituição. Trata-se, desse modo, de aprofundar o conheci
mento sobre as formas e os estilos de vida experimentados pelos
jovens em suas várias práticas, para compreendê-los e, ao mes
mo tempo, produzir novas referências que retomem em chavedemocrática a ação socializadora da escola, na especificidade de
seus saberes e práticas.
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Juventude e ensino médio: de costas parao futuro?
Nísia Trindade Lima48
Uma “onda jovem” desafia conhecimentos estabelecidos e
modos de olhar para a sociedade brasileira.49O termo designa uma
das mais importantes modificações na pirâmide etária nesse iní
cio do século XXI: a geração de 20 a 24 anos é uma das maiores de
nossa história (MADEIRA, 1998, p. 430). Ao lado do fenômeno
demográfico, chama a atenção o fato de apenas 37% (aproxima
damente 4 milhões) de adolescentes, jovens na faixa etária de 15 a
17 anos, estarem cursando o ensino médio. Considerando-se ocontingente de 1 milhão ainda cursando o ensino fundamental
ou freqüentando cursos nas modalidades Educação de Jovens e
Adultos e profissionais, chega-se ao número de cerca de 5 milhões
de jovens fora da escola (documento-base Seminário “Ensino Mé
dio: Construção Política”). Ora, a superação dessa característica
excludente do sistema de ensino requer uma melhor compreen
são sobre os jovens brasileiros e o papel a ser representado pela
escola para que se assegure a todos o objetivo do ensino médio tal
como prescrito na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:
consolidar os conhecimentos adquiridos no ensino fundamental
48Pesquisadora e diretora da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz.
49Para uma apresentação detalhada dos conceitos de descontinuidade demográfica e onda
demográfica, ver MADEIRA (1998).
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e visar ao pleno exercício da cidadania, à preparação para o traba
lho e ao prosseguimento dos estudos.
Não são apenas as estatísticas que desafiam a imaginaçãode analistas e formuladores de políticas. Ao lado da refutação de
mitos - como o que atribui o fracasso escolar às condições
socioconômicas dos estudantes e o do reconhecimento de uma
complementaridade possível entre trabalho e escola -, torna-se
necessário rever muitas das representações e estereótipos sobre o
jovem brasileiro. Considerar de forma mais ampla todas as di
mensões de sua vida é um passo importante, e o recurso à cate
goria jovem indica uma mudança de perspectiva. Em outras
palavras, o papel social de estudante não é tomado de forma
absoluta como se fora suficiente para a análise de contextos e a
definição de políticas. Há uma mudança de perspectiva, mas essa
requer a realização de novas pesquisas que focalizem também o
universo simbólico. É necessária, por exemplo, uma indagaçãosobre a consistência da representação prevalecente, que acentua
a ausência de bandeiras e utopias entre a juventude. Tal perspec
tiva acaba por contribuir para a construção de um novo mito: a
visibilidade e o protagonismo dos jovens ocorreriam apenas em
situações especiais e de extrema individualização, seja nos casos
de sucesso no mundo das artes ou em ações de violência.
É significativo o fato de muitas vezes os jovens serem sim plesmente apresentados como problema, tal como se pode ver
em um documento da Cepal: “Outro setor que merece especial
atenção são os jovens, atualmente um problema comum a mui
tos países da região (Cepal, 1993, cf. MADEIRA, 1998, p. 428,
grifo meu). Tal ponto de vista não se restringe aos países latino-
americanos. Tanto nos Estados Unidos como na Europa, multi
plicam-se estudos sobre os dilemas para a incorporação dos
jovens, seja aos sistemas educacionais, seja ao mercado de traba
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lho. Seja qual for o peso demográfico, o reconhecimento públi
co da importância da juventude como fenômeno social e sua
inadequada caracterização como problema político parecem ser
hoje um fenômeno mundial.
Muito se tem discutido o impacto das mudanças no mun
do do trabalho, a partir da adoção de políticas econômicas
neoliberais na década de 1990. O que se tem observado é o fato de
essas mudanças, ainda que atingindo toda sociedade, repercuti
rem diferentemente para adultos e jovens. Observa-se que, mes
mo em situações de retomada de crescimento econômico, a oferta
de empregos, ou mesmo de postos de trabalho, se dá de forma
diferenciada, favorecendo a população adulta. Em síntese, deve-se
reconhecer que a condição dos jovens se altera, bem como o signi
ficado a ela atribuído, apreensível apenas quando se leva em conta
o conjunto mais amplo de transformações na sociedade.
Se estamos diante de um fenômeno universal, não se pode
desconhecer que o Brasil se destaca por apresentar um quadro
bastante negativo no que se refere à escolaridade da população
jovem, pois apresenta índices muito inferiores a países com igual
nível de desenvolvimento econômico. Verifica-se efetivamente
uma exclusão educacional com repercussão na carreira dos
indivíduos e na dinâmica social. Exclusão, como se sabe, de jo
vens das camadas populares, que deixam de ter acesso a conheci
mentos, a um processo de qualificação e a um espaço que
idealmente deveriam contribuir fortemente para a formação da
cidadania. Dadas as características do sistema educacional hoje,
em particular do ensino médio, com a concentração de jovens
das camadas populares nas escolas públicas, cabe, portanto, uma
profunda reflexão sobre o papel e as necessárias mudanças nes
sas escolas. Para tanto, torna-se necessário compreender como
vivem, pensam e se expressam os jovens brasileiros.
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A tentativa de esboçar uma interpretação sobre a juventude
brasileira deve mobilizar diferentes áreas de conhecimento, a par
tir de resultados de pesquisas realizadas e de incentivo a novasinvestigações. Proponho com esse texto algo bem mais modesto: a
identificação de problemas e algumas constatações, fruto de uma
leitura pessoal e certamente limitada de pesquisas realizadas na
área de saúde coletiva. Trata-se de um levantamento não exausti
vo de temas e questões que possam contribuir para uma definição
de agenda de pesquisa e de políticas articuladas de juventude.
1. Juventude ou juventudes?
Na tradição sociológica, o significado cultural e político de
ser jovem foi enfatizado em poucos trabalhos, dentre os quais se
destaca o de Karl Mannheim (1956). Para o sociólogo alemão, as
gerações deveriam ser analisadas como problema sociológico, ob
servando que a representação usual sobre o inconformismo dos
jovens e sua maior propensão à mudança deveria ser submetida a
criteriosa análise, não sendo de modo algum algo inerente a uma
fase do ciclo de vida, mas um fenômeno histórico-social.
No estudo da sociedade brasileira, uma primeira observa
ção refere-se à pluralidade de situações, vivências e aspirações
encontradas na população jovem. Para alguns analistas, não só o
termo jovem deveria ser utilizado no plural, como a própria ca
tegoria juventude. Evidentemente essa observação é válida para
diferentes categorias fundadas na idéia de ciclo de vida, mas, no
caso em pauta, a diversidade de experiências traz tensões impor
tantes para o ideal de escola única.
Essa posição tem sido refutada por autores que conside
ram a categoria juventude de grande valor explicativo na socie
dade contemporânea. Nessa perspectiva, Felicia Madeira obser-
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va que existe no plano simbólico, mesmo que em virtude de uma
forte construção dos meios de comunicação, uma determinada
imagem do que é ser jovem, algo com que lida a juventude brasileira no processo de construção de sua identidade (1997, p. 454).
Ainda como argumento desfavorável à ênfase analítica nas dife
renças entre os jovens, a mesma autora observa que os que assim
procedem acabam por corroborar a diferenciação entre estudan
tes das camadas populares e estudantes das camadas médias e
altas, como se as escolas para segmentos tão diferentes necessari
amente tivessem de adotar conteúdos e práticas pedagógicas dis
tintos. Uma escola para pobres, outra para as camadas médias e
altas seria o resultado perverso de tal compreensão.
Deve-se notar que a adoção do quarto ano opcional foi abor
dada durante o Seminário “Ensino Médio: Construção Política”
por professores que a criticavam como um corolário dessa divi
são: alguns jovens ingressariam na universidade; outros (os jovens
das camadas populares) fariam o quarto ano. Não é meu propósi
to discutir o tema específico do quarto ano, que certamente está
sendo aprofundado por educadores e gestores do Ministério da
Educação. A intenção foi apenas chamar atenção para o proble
ma do modelo ideal de escola e das estratégias mobilizadas para
enfrentar um dos mais importantes indicadores de desigualdade
social no Brasil: a exclusão educacional. Nesse debate, o
questionamento sobre se devemos falar em juventude ou em ju
ventudes parece-me uma falsa questão. Ser jovem, ser jovem da
periferia das grandes cidades; ser mulher jovem; ser jovem negro
(ou afro-descendente); ser jovem da classe média são todas identi
dades possíveis e relacionais, muitas vezes resultado de intensa
competição de símbolos por parte de movimentos e grupos soci
ais. A pergunta que se deve fazer é quando se pode pensar em uma
categoria mais genérica como importante para a construção das
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representações sobre a sociedade e para a ação social e em que
contextos identidades mais segmentadas - a idéia de juventudes -
favorece uma melhor compreensão sobre a sociedade.
Em termos de visão sobre determinados problemas da so
ciedade e de como a escola deveria abordá-los, algumas pesqui
sas vêm apontando uma grande proximidade entre os jovens.
Falar em juventudes, no que se refere a esses aspectos, seria bas
tante infundado. Há também que se estabelecer uma distinção
entre o que o jovem espera da escola como espaço de vivência e
socialização - a “escola aqui e agora” - e sua percepção sobre o papel da escolaridade na vida adulta. Uma observação pertinen
te, acentuada durante o Seminário “Ensino Médio: Construção
Política”, é essa importância do momento presente na percepção
dos jovens. Na minha perspectiva, mais do que ausência de uto
pias, vista tantas vezes como um sinal de alienação, pode-se estar
diante de interessante fenômeno sociológico: uma sensibilidade
acurada diante de uma sociedade em mudança, na qual o futuro, como na canção de Cazuza, é simplesmente duvidoso e apa
rentemente apartado de tudo o que se realiza hoje. Talvez esteja
aqui uma das mais importantes características compartilhadas
pelos jovens na sociedade contemporânea.
De outro lado, faz todo sentido trabalharmos com uma idéia
mais matizada para entendermos as experiências, as vivências e os
horizontes desses jovens de inserção social tão diferente. Isso se dá
no plano das diferenças de acesso a bens, direito à cidadania social
e civil e experiências de socialização. Sugiro que, para a sociedade
brasileira, dois recortes são absolutamente fundamentais e ope
ram de forma articulada: a diferenciação social entre jovens das
camadas populares e jovens das camadas média e alta e a diferen
ciação de gênero, muito mais significativa para os jovens das ca
madas populares. Não me baseio, para essas observações, em tra
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balho próprio de pesquisa, apoiando-me em análises bem funda
mentadas que recorreram tanto a métodos quantitativos como a
abordagens qualitativas para analisar problemas como desempe
nho e valor da escola entre jovens de camadas populares.
As diferenças entre os jovens quanto à escolaridade po
dem também ser vistas no que se refere à discriminação de base
étnica. As pesquisas apontam para a reduzida chance dos jovens
de cor negra e parda quando comparados a jovens brancos, dado
que se torna mais evidente no ensino superior e que tem gerado
políticas de ação afirmativa, como a atribuição de cotas para negros e pardos, tal como ocorreu no vestibular de 2002 nas insti
tuições estaduais do Rio de Janeiro, gerando forte controvérsia.
Outro importante recorte é a religião. A despeito de diferenças
regionais, pode-se dizer que a religião é fator dos mais relevantes
quando se pensa em juventude, seja pela adesão a um certo
conjunto de valores, seja pelas experiências de socialização propi
ciadas por grupos religiosos. Um fenômeno relativamenterecente na sociedade brasileira e que tem tido importantes im
plicações para a experiência escolar dos jovens é o crescimento
de denominações protestantes, especialmente entre adultos e jo
vens das camadas populares. Não vou me deter nesses temas,
pois, para a linha de argumento que venho apresentando, que
privilegia a relação de jovens com as escolas de ensino médio, os
dois recortes apontados - de classe social e de gênero - são, a
meu ver, os mais significativos.
É curioso lembrar que muitas vezes se atribui ao movi
mento feminista no Brasil um viés elitista, mais afeito a temas de
interesse das mulheres das camadas média e alta da sociedade.
Entretanto, tanto as pesquisas educacionais como em outras áreas
de atividade revelam o quanto é significativo o recorte de gênero
nas camadas populares. Ao discutirem valorização da escola e
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desempenho escolar, importantes estudos vêm apontando o me
lhor desempenho das meninas e moças. Alba Zaluar e Maria
Cristina Leal (1997) observam que o pior desempenho escolardos meninos e a importância adquirida pela rua como espaço de
socialização podem ser explicados pela dificuldade de a escola
oferecer modelos masculinos positivos. Do mesmo modo, o
ambiente escolar pode ser um espaço de interesse, principalmente
para as meninas, em virtude da maior liberdade social dos ho
mens. Nas palavras de Felicia Madeira (1998: 66), que também
enfatiza a diferenciação de gênero para uma mais correta com preensão da experiência escolar dos jovens, a escola tende a ser
vivida pelas adolescentes de setores populares “como respiradou
ro, um lugar de trocas sociais”.
De acordo com a pesquisa realizada por Simone Monteiro
(2002) entre jovens de Vigário Geral, favela do Rio de Janeiro que
se tornou foco de atenção após o dramático episódio da chacina
de jovens, tanto rapazes como moças valorizam em seu discurso aescolaridade. Segundo a autora, o valor de proteção da escolarização
formal para o grupo está associado à possibilidade de não-exclu
são social, “pois permite a aquisição de uma identidade (ser estu
dante, conseguir um emprego), acesso a bens sociais (informação,
conhecimento, domínio de leitura e escrita) e um distanciamento
do universo da criminalidade (...)” (p. 116). Observa, entretanto,
que, para as meninas, a escola tende a representar um espaço “maisestimulante pela possibilidade de ampliar o contato e a convivên
cia para além do mundo privado”(p. 65).
Uma hipótese bastante plausível é que diferenças de gêne
ro têm significados diversos de acordo com a classe social do
jovem. Como indica o estudo realizado por Simone Monteiro,
uma perspectiva tradicional sobre os papéis masculinos e femi
ninos tende a predominar nas camadas populares, para as quais,
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como adverte a autora, a polaridade casa/rua, sugerida por
Roberto DaMatta (1991), encontra sua plena expressão. As dife
renças de gênero nesse caso podem ser explicadas pela característica tradicional da sociedade brasileira, na qual convivem lógi
cas diversas. Predomina nas camadas populares a compreensão dos
papéis masculinos como relacionados ao mundo da rua, ao espaço
público e ao papel do provedor, enquanto para as meninas o uni
verso predominante é o doméstico, não apenas no que se refere a
modelos idealizados, mas a práticas muito concretas que têm início
com o apoio ou mesmo a responsabilidade exclusiva pelas tarefasdomésticas. Os problemas que afetam os jovens - defasagem esco
lar, perspectiva de trabalho, vulnerabilidade à violência e ao crime,
gravidez na adolescência - não podem ser corretamente compre
endidos sem que se recorra à importância dos sistemas de proteção
material e simbólica e suas diferenças de acordo com o gênero.
2. A visão sobre a escola nas camadaspopulares e média e alta
Como muitas pesquisas já revelaram, a defasagem série/
idade e sua relação com a estratificação social podem ser
explicadas pela repetência escolar, cuja estimativa tem sido objeto
de investigações importantes e de diversas políticas educacionais,
assim como de mudanças nos objetivos e nos métodos de avaliação. A intensificação de pesquisas sobre desempenho escolar e a
crítica à concepção do fracasso, ou à atribuição de responsabili
dade da saída da escola pela necessidade de ingresso no mercado
de trabalho, são um importante legado dos estudos realizados
nas décadas de 1980 e 1990. Essas pesquisas foram fundamentais
para uma mudança de perspectiva na análise de fenômenos como
fracasso e evasão escolar, chamando a atenção para o atraso na
escolaridade como o problema mais relevante e para a necessi-
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dade de se buscar explicações na própria experiência escolar de
adolescentes e jovens. Muito há que se investigar, ainda, no que
diz respeito à percepção de jovens de diferentes camadas sociais
sobre o valor e a vivência concreta na escola.
Um estudo realizado por pesquisadores da Fundação
Oswaldo Cruz, sob a coordenação de Maria Cecília Minayo
(1999), apresenta importantes contribuições. A pesquisa recor
reu a metodologias quantitativa e qualitativa, envolvendo gru
pos focais na cidade do Rio de Janeiro, delimitados de acordo
com matrícula em escolas públicas de áreas carentes; escolas pú
blicas federais ou de aplicação e escolas particulares direcionadas
para a classe média. Traz informações relevantes sobre a percep
ção dos estudantes do ensino médio sobre a escola, o que, de
forma bastante parcial, passo a abordar. Como se trata de pes
quisa realizada em 1997, não se pode tomá-la como um retrato
da atual situação educacional na cidade, mas devem-se observar
temas e questões relevantes que aproximam e diferenciam estu
dantes de diferentes posições sociais e experiências educacionais.
Uma das constatações do estudo refere-se à visão crítica
dos jovens matriculados em escolas públicas, principalmente as
localizadas em áreas mais carentes. Em geral, esses estudantes
apresentam muitas objeções ao sistema escolar e aos professores,
sobretudo à precariedade das condições materiais em que se encontra a escola. Surgem também críticas ao ambiente rotineiro e
sem maior incentivo à criatividade, que gera desinteresse pelas
atividades educacionais. De acordo com os autores:
Embora mais pragmáticos, os estudantes das escolas públicas em áreas
mais pobres, quando incentivados, também expõem suas idéias sobre
a importância de a escola ser a caixa de ressonância das suas experi
ências de vida e de inserção social e sobre a carência de atividades nos
seus colégios. (...) se queixam de que as atividades a que têm acessosão o futebol e o jogo de queimado; e quando existe algo mais elabo
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rado, é antes por iniciativa de um ou outro professor, do que por
parte do sistema escolar (p. 118).
Nessa mesma pesquisa, os entrevistadores constataram aimportância da religiosidade entre os estudantes como fator de
diferenciação. De acordo com suas observações, estudantes de
orientação protestante tendem a apontar a ausência de discipli
na como um dos mais importantes problemas e a valorizar o
papel da direção no cotidiano escolar. Ao mesmo tempo, em al
guns depoimentos, acentuam-se razões como distância entre pro
fessores e alunos e, principalmente, um ambiente caracterizado pela falta de respeito mútuo:
Os diretores têm medo dos alunos, não fortalecem a disciplina entre
os alunos, e os alunos sentem-se maltratados e desrespeitados pelos
professores. Eles dizem: “Não quero saber, dá seu jeito”, e apagam tudo
do quadro, quer dizer, muitos alunos são maltratados. Aí as pessoas
vêem isso e muitas se revoltam, só vão mesmo para bagunçar, pra
arrebentar a sala, xingar o professor (estudantes pentecostais de esco
la pública - zona norte do Rio de Janeiro) (MINAYO, 1999, p. 115).
Nas escolas públicas federais e de aplicação, os autores res
saltam a valorização, por parte dos estudantes, do bom nível de
ensino, apesar das dificuldades e do fato de o “bom da escola pú
blica é ter convivência com vários tipos de classe social” (p. 115).
Já nas escolas particulares voltadas para as camadas média e alta,
as críticas referem-se principalmente à ênfase nos conhecimen
tos específicos e na omissão diante de assuntos e problemas atuais
da sociedade.
Nessa mesma pesquisa, o que mais chamou minha aten
ção foi o fato de jovens de todos os estratos sociais terem posi
ções muito próximas no que se refere aos temas que as escolas
deveriam abordar, tal como pode ser observado no gráfico abaixo:
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Temas que deveriam ser distutidos na escola,
segundo os jovens
I I Estratos A e B ■ ■ Estratos C, De E
Violência 92,8% I 91,4%
Desigualdade/discriminação social 89,4% l 86%
Dificuldades no aprendizado 92% I 89,4%
Namoro/sexo/DST 81,5% I 8 4 ,7
Desemprego/mercado de trabalho 88,2% I
Respeito/dignidade/liberdade 92,8% I l ""
Discriminação racial 89,6% 1 88%
Discriminação sexual 80,5% | 7,95%
Drogas 91,9% I 93,6%
Esporte/lazer 69% | 77,2%
Problemas familiares 41,5% l 56,3%
Política I I I | — 55,1%
Fonte: Pesquisa Juventude, Violência e Cidadania no Município do Rio de Janeiro Claves/Fiocruz, Unesco, 1998.
Diferenças expressivas quanto à indicação de temas rele-
vantes aparecem na maior valorização, entre os jovens de cama-
das populares (estratos C, D e E), de assuntos como esporte/
lazer e problemas familiares e a menor importância que atribuem
a debates sobre política. Esse quadro parece indicar que, quando
há diferença de expectativa, isso decorre de um acesso desigual a
certas oportunidades (lazer e esporte) e a espaços para aborda-
gem de temas afetivos (problemas familiares). A explicação para
o menor interesse pelo debate político deveria ser buscada em
novas pesquisas, e possivelmente não indica simplesmente de-sinteresse, mas a compreensão de uma maior distância em rela-
ção às instituições e decisões políticas.
3. Juventude, violência e escola
O tema da violência, ou melhor, de uma cultura da vio-
lência e de fenômenos de assassinatos em massa cujos autoressão jovens estudantes do ensino médio nos Estados Unidos, é
abordado de forma criativa e instigante no documentário Tiros
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em Columbine, de Michael Moore. O impacto do filme é inevitá
vel e, diante das constantes referências à violência nas escolas e à
abordagem da mídia que associa juventude e violência, surge a pergunta: estaria a sociedade brasileira adotando também esse
traço perverso de americanização?
Não creio que isso ocorra. Mas há uma importante obser
vação no filme. Não é a liberalidade na compra de armas o úni
co fator responsável pelo número de assassinatos naquela socie
dade, mas sim a cultura do medo e da insegurança, para a qual
contribuiriam fortemente os meios de comunicação. A idéia deuma cidadania armada, proposta por movimentos de defesa do
uso de armas, ao mesmo tempo que contraria valores democrá
ticos, faz pensar de forma mais ampla nas raízes da violência e
do medo como fenômenos fortemente relacionados a uma
mercantilização da segurança.
Essa digressão, aparentemente distante de nosso objeto e
de nossa realidade, faz sentido se pensarmos na importância das
representações sobre a violência como algo não dissociado e mes
mo constitutivo das manifestações de violência. Torna-se neces
sário refletirmos sobre os significados sociais do medo. Ademais,
o medo dos professores em relação aos estudantes foi um dos
problemas destacados durante o Seminário “Ensino Médio: Cons
trução Política”, em diferentes falas, tanto dos expositores como
dos demais participantes. Durante o evento, as observações deMarília Spósito sobre as formas de violência nas escolas, que pre
cisariam ser mais conhecidas, e sobre a imagem criada pela mídia
que associa a juventude à violência consistem em importante
pauta para o desenvolvimento de estudos sobre o ensino médio.
Na pesquisa abordada na seção anterior, os autores também ofe
recem dados sobre as diferentes visões de estudantes e professo
res sobre violência nas escolas públicas, públicas federais e parti
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culares dirigidas para as camadas média e alta. Chamam atenção
as acentuadas diferenças de percepção dos educadores e dos jo
vens sobre a violência no contexto escolar. Agressões verbais e
discussões aparecem, de todo modo, como principal manifesta
ção de violência em todos os grupos pesquisados.
Constata-se que os educadores consideram as escolas pú
blicas mais violentas em todos os aspectos, desde a agressão ver
bal à agressão física. Em contraste, os estudantes de classe média
e alta percebem mais violência em seus colégios. Segundo os autores, uma hipótese plausível levar-nos-ia para as diferenças de
percepção como decorrência de distintas concepções de direito e
respeito à individualidade, além de nos remeter para o aspecto
relacionai da violência na escola, que deve ser cotejada com a
percepção da violência em outros espaços de socialização, prin
cipalmente na família (MINAYO, 1999, p. 121).
No que se refere ao papel das famílias, outro importante
ponto que aproxima a experiência dos jovens das camadas popu
lares, média e alta consiste na dificuldade de estabelecimento de
diálogo entre professores e pais. Educadores de escolas públicas e
privadas apontam os obstáculos para se encaminhar soluções con
juntas aos pais, nos casos de alunos que cometem atos de violên
cia. No caso das escolas públicas, a maior crítica dos educadoresrefere-se aos procedimentos, principalmente a humilhação públi
ca dos jovens. Quanto aos educadores de escolas particulares, des
tacam a pouca disponibilidade dos pais para comparecem à escola
e dialogarem sobre as situações problemáticas.
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4. Protagonismo do jovem
Seria diferente se eu fosse mauricinho
Criado a sustagem e leite ninho
Colégio particular, depois faculdade
Não, não é essa a minha realidade
Sou caboclinho comum, com sangue no olho
Com ódio na veia, soldado do morro.
Soldado do morro - Mv Bill
O tema do protagonismo do jovem brasileiro, bastanteenfatizado durante o Seminário “Ensino Médio: Construção Polí
tica”, foi abordado predominantemente à luz de considerações so
bre as manifestações culturais dos jovens, notadamente em fenô
menos como o hip-hop. Muitos trabalhos acadêmicos, propostas
de movimentos sociais e de ONGs também têm estabelecido uma
estreita relação entre manifestações artísticas e culturais e o que
denominam protagonismo juvenil. O que isso quer dizer?
Em primeiro lugar, parte-se do reconhecimento da im
portância de observar o que está motivando os jovens, certa
mente um dado importante para o estabelecimento de políticas
articuladas de juventude. Contudo, torna-se necessário não to
mar como dado absoluto algumas manifestações e, como obser
vou Creuza Pavan durante os debates do seminário, deve-se pro
piciar aos jovens oportunidades diversificadas, não cabendo aoeducador simplesmente recolher as demandas que viriam deles,
mas também exercer seu papel de orientador.
É interessante, assim, observar que a proposta da criação de
centros de ciência, arte e cultura, presente no documento-base de
discussão, estivesse referida à formação dos professores, não sen
do considerada tema central na análise das políticas articuladas de
juventude. Entretanto, programas dirigidos para a iniciação cien
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tífica no ensino médio têm despertado crescente interesse dos jo
vens, inclusive os das camadas populares. No Estado do Rio de
Janeiro, o Programa Jovens Talentos, da Faperj, constitui-se em
iniciativa que deveria merecer atenção mais aprofundada, o que já
vem ocorrendo em grupo de trabalho organizado por aquela ins
tituição, que tem-se voltado para a análise das virtudes do progra
ma, problemas constatados e caminhos para consolidação e aper
feiçoamento. A proposta dos centros de ciência, arte e cultura de
veria, do mesmo modo, ser considerada no âmbito das políticasarticuladas de juventude. É bastante sugestivo, também, que o En
contro Anual da SBPC tenha definido como tema Ciência e
Tecnologia para a Inclusão Social.
As manifestações artísticas dos jovens podem também ser
vistas para além de uma possibilidade de participação ou
protagonismo juvenil. Refiro-me à tentativa de conhecer melhor
o universo simbólico dos jovens e suas representações da sociedade a partir de músicas que buscam retratar sua “realidade”.
Esse é o caso de algumas letras, como o trecho do rap de MV Bill
que escolhi como epígrafe desta seção.
Em texto sobre as representações do pária social, do ma
landro, na música popular brasileira, Wanderley Guilherme dos
Santos propõe interpretação para a mudança na representação
desse personagem. No cancioneiro popular do século XX, o ma
landro foi representado como alguém feliz e despreocupado, ain
da que sem dinheiro, ou mesmo feio, magro (pele e osso sim
plesmente...), celebrando a miséria e a vida curta (SANTOS,
2003). Em contraste, nas letras de rap, o malandro é substituído
pelo “soldado do morro”, que se caracteriza pela facilidade de
acesso a bens e sucesso nas conquistas amorosas - “virou moda
agora ser mulher de bandido” -, apesar da vida curta. O autor
observa como nessas letras se revela uma aguda consciência so-
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bre as extremas desigualdades na sociedade brasileira, o cami
nho do crime como opção em decorrência das trajetórias de in
fância e adolescência de “mauricinhos” e “soldados do morro”.
Mais do que tudo, revela-se a consciência da morte iminente, a
violência que, na representação estatística do problema, aparece
como a segunda causa de morte dos homens brasileiros, atin
gindo-os sobretudo na juventude:
Eu tô ligado, qual é, sei qual é o final
Um saldo negativo menos um marginal
Pra sociedade contar, um a menos na lista
E engordar a triste estatística
Dos jovens como eu que desconhecem o medo
Seduzidos pelo crime desde muito cedo
Mesmo sabendo que não há futuro
Naturalmente, como já foi dito, ao se falar de juventude brasileira, há que se lidar com uma diversidade de experiências,
que não podem, em conseqüência, ser adequadamente apresen
tadas a partir de polaridades como “mauricinho/soldado do
morro”. De todo modo, não há como desconsiderar a magnitu
de do problema das carreiras do crime tal como denunciam as
letras de rap. Principalmente, destaca-se a consciência sobre a
falta de perspectiva - não há futuro. Ora, isso tem peso muitosignificativo em uma fase convencionalmente apresentada como
de transição para a vida adulta.
A escola, particularmente a de ensino médio, sempre este
ve associada à expectativa quanto ao futuro profissional. Como
ela pode transmitir alguma mensagem para jovens que parecem
estar de costas para o futuro? Em outro momento desta reflexão,
recorri à imagem do futuro “duvidoso” como uma chave para se
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pensar a importância crescente do “aqui e agora” na experiência
dos jovens em sociedades que passam por profundas transforma
ções no mundo do trabalho, dos valores e das formas de sociabili
dade, cujos rumos não estão suficientemente claros mesmo para
os mais argutos analistas. Mais complexo ainda é lidar com a
certeza manifestada por alguns jovens - não há futuro.
A complexidade do tema requer políticas efetivamente
articuladas, que ultrapassam em muito as possibilidades de ação
dos educadores. Não se pode perder de vista, entretanto, o que já
foi demonstrado em diversas pesquisas: existe uma representa
ção da escola de ensino médio como um espaço de socialização e
proteção social bastante valorizado pelos jovens em suas deman
das. Uma escola que possa lidar de forma criativa com o tempo
presente representa contribuição fundamental para que se ofe
reça aos jovens a utopia que está sendo negada a muitos: a de
poder sonhar com o próprio futuro.
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MANNHEIM, Karl. Essays on the sociology of culture. Lon
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Qual malandro?. In: STARLING, Heloisa; EISENBERG,
José (Org.) Decantando a República. Rio de Janeiro: Nova
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ZALUAR, Alba; LEAL, Maria Cristina. Gênero e educação
pública: uma comparação entre o CIEP e a escola comum. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 78 ( 188/189/190) :
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Um material de extrema importância para apolítica governamental, para as escolas, para asuniversidades e para cada pessoa envolvida com oensino médio.
Ao decidir publicá-lo, devolvemos à sociedade, deforma sistematizada, um conhecimento por elaproduzido, cuja essência, se apropriada pelo governo,po tencializa transformações h istoricam entedesejadas.
Antonio Ibanez Ruiz
Secretário de Educação Média e tecnológica
Ministério da Educação