entrevista rivadávia - hsm management 2011

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R EM ENTREVISTA EXCLUSIVA, RIVADÁVIA DRUMMOND, PROFESSOR DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL, PROPÕE UM MODELO DE IMPLEMENTAÇÃO PRÁTICO PARA A GESTÃO DO CONHECIMENTO VOLTADA À INOVAÇÃO PENSAMENTO NACIONAL ACADÊMICO O CONHECIMENTO E O CUBO MÁGICO ivadávia Drummond de Alvarenga Neto pesquisa conheci- mento organizacio- nal há dez anos. Seu estudo foi a primeira análise qualitativa em profundidade no Brasil sobre gestão do conhecimento, quando era um consul- tor que dividia seu tempo com os estu- dos acadêmicos. Já como professor da Fundação Dom Cabral em regime de dedicação exclusiva, fez pós-doutorado no Canadá com Chun Wei Choo, uma das maiores referências teóricas da área, e con ele desenvolveu, a partir do “ba” de Ikujiro Nonaka [veja HSM Ma- nagement nº 75] , o cubo de decisão para criação, compartilhamento e uso do co- nhecimento –um cubo que, por resolver um dos maiores desafios empresariais de nossos tempos, receberia muito bem o adjetivo de “mágico”. Em entrevista exclusiva a Adriana Salles Gomes, Drummond disseca o modelo, que se baseou em casos reais. HSMManagement 84 • janeiro-fevereiro 2011 hsmmanagement.com.br 36

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Page 1: Entrevista Rivadávia - HSM Management 2011

R

Em EntrEvista Exclusiva, rivadávia drummond, profEssor da fundação dom cabral, propõE um modElo dE implEmEntação prático para a gEstão do conhEcimEnto voltada à inovação

pEnsamEntonacionalacaDêmico

o conhEcimEnto E o cubo mágico

ivadávia Drummond de Alvarenga Neto pesquisa conheci­men to organizacio­nal há dez anos. Seu estudo foi a primeira análise qualitativa em

profundidade no Brasil sobre gestão do conhecimento, quando era um consul­tor que dividia seu tempo com os estu­dos acadêmicos. Já como professor da Fundação Dom Cabral em regime de dedicação exclusiva, fez pós­doutorado no Canadá com Chun Wei Choo, uma das maiores referências teóricas da área, e con ele desenvolveu, a partir do “ba” de Ikujiro Nonaka [veja HSM Ma-nagement nº 75], o cubo de decisão para criação, compartilhamento e uso do co­nhecimento –um cubo que, por resolver um dos maiores desafios empresariais de nossos tempos, receberia muito bem o adjetivo de “mágico”.

Em entrevista exclusiva a Adriana Salles Gomes, Drummond disseca o modelo, que se baseou em casos reais.

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o que é conhecimento em uma empre-sa? não é termo pomposo demais?O debate sobre conhecimento, que às vezes também vira discussão engraça­da sobre o que é dado e o que é infor­mação, mostra­se interminável. Se nem áreas mais densas e teóricas como a fi­losofia e a sociologia chegaram a uma definição consensual, não seremos nós da administração a fazê­lo.

A visão de Nonaka é de conhecimento como “a crença verdadeira justificada”, mas isso é muito oriental. Conhecimen­to é o que está na mente humana e, em termos práticos, varia caso a caso. Cada organização tem de fazer seu recorte, dizendo o que é chamado de conheci­mento naquele ambiente, para criar a tão necessária linguagem comum.

Gosto de acrescentar a isso a pers­pectiva construtivista, segundo a qual conhecimento é um ato de criação social e cultural. Explica­se, assim, por que ele é algo fluido, dinâmico, in­tangível, tanto tácito (informal, subli­minar) como explícito (formalizado), incorporado a grupos e indivíduos, e socialmente construído.

Ou seja, criar conhecimento, qual­quer que seja o ambiente em questão, é sempre um processo extremamente frágil. É por isso que as barreiras a ele se tornam um problema tão grande.

mesmo se a definição de conhecimento for arbitrada, gestão do conhecimento ainda soa muito abstrata para as empre-sas. não? É diferente de gestão de crise ou de gestão de marca...Acho o nome “gestão do conhecimen­to” um pouco equivocado do ponto de vista filosófico –como se gerencia algo que está na mente das pessoas? Fora que ele foi muito usado para vender a tecnologia da informação. Gestão do conhecimento é vista por uns como gestão de sistemas de informação, por outros como tecnologia da informação e engenharia de processos de negócios,

e por terceiros como modelagens orga­nizacionais baseadas no conhecimento.Na verdade, é preciso um conceito inte­grativo que leve tudo isso em conta.

Você mencionou barreiras. Elas são mais organizacionais ou mais individuais?Há de ambos os tipos. Se as organiza­cionais têm que ver tanto com hierar­quia como com processos e sistemas, as individuais remetem a poder: como conhecimento é poder, compartilhá­lo é antinatural para os indivíduos e as organizações ainda dificultam bastante isso. Por isso deve haver um processo que ajude a superar tais barreiras.

Quero dar um passo atrás: conhecimen-to serve para quê? nas empresas é com-plicado ligá-lo a resultados...É por isso que propus o processo inte­grativo de conhecimento. Há duas per­guntas: qual é a estratégia da empresa em relação ao conhecimento? Se há uma, como você vai implementá­la?

continua válido, no entanto, o “ba” de nonaka, não é? Vem do final dos anos 1990, mas ainda é considerado o que há de mais avançado na área de gestão de conhecimento empresarial...Com o Choo, investiguei a fundo No­naka e o conceito de ba, que pode ser traduzido como um “contexto capaci­tante” que favorece e estimula a cria­ção do conhecimento. Daí nasce aquele modelo de criação de conhecimento em espiral de Nonaka, chamado Seci, que brinco de chamar de “modelo sexy”. A espiral resulta dos conteúdos de conhe­cimento que são gerados pelos quatro métodos de conversão de informação em conhecimento: socialização, exter­nalização, combinação, internalização.

A ideia da espiral do conhecimento precede tudo; apenas Nonaka a desen­volveu em um nível mais acadêmico do que na prática. Ele perseguia algo muito mais ambicioso, que era a cons­trução de uma teoria da firma basea­da no conhecimento, ou seja, em que

a entrevista é de adriana Salles go-mes, editora-executiva de HSm mana-gEmEnT.

Sociocomportamental

Processosestratégicos deconhecimento

Níveis deinteração

Condiçõescapacitadoras

Cognitivo/Epistêmico

Informação/Comunicação

Estratégia/Estrutura/Gestão

Individual

Grupo

Organizacional

Interorganizacional/Redes

Uso de

conhecimentoCompartilh

amento

de conhecimento

Criação de

conhecimento

Fontes: Rivadávia Drummond (FDC)e Chun Wei Choo (University of Toronto).

cubo DE DEciSão Do conhEcimEnto organizacional

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a fonte de vantagem competitiva era o conhecimento, não a core competence, de Prahalad e Hamel, nem a capacidade dinâmica de Teece.

nem ele nem ninguém conseguiu propor isso ainda, certo? Ainda não. Mas estou convicto de que a razão de existir e de durar de uma or­ganização é sua capacidade de inova­ção –não a inovação blockbuster, mas a incremental no dia a dia. E a criação, o compartilhamento e o uso do conhe­cimento sustentam a intersecção entre tecnologia e modelo de negócio –o que, por sua vez, gera a inovação, uma van­tagem competitiva indubitável.

como vocês desdobraram o “ba”?Nossa preocupação foi ver como as or­ganizações se lançaram ao desafio de implementar essas ideias efetivamente e, a partir disso, projetamos nosso cubo de implementação [veja figura na pá-gina anterior]. Ele é o framework, ou a modelagem, para as empresas imple­mentarem processos estratégicos de conhecimento.

Se for mais fácil de resolver que um cubo mágico, está bom [risos]. um matemáti-co de Stanford diz que dá para resolver um cubo mágico tradicional em, no má-ximo, 25 passos. E o cubo de vocês?Nosso cubo é o fundamental passo de implementação em um processo sus­tentado em três eixos [veja exemplo da Embrapa, na página ao lado]. Basica­mente faz um cruzamento entre os pro­

cessos estratégicos do conhecimento –criação, compartilhamento e uso–, as condições capacitadoras da criação de conhecimento e os níveis (ou esferas) de interação.

Em muitas empresas, a gestão do co-nhecimento é resumida a uma questão de tecnologia, sem a dimensão humana. um dos erros está aí?Sim, mas só a dimensão humana tam­bém não resolve. Essas são duas das condições capacitadoras, que, embora importantes, constituem só um dos três conjuntos de aspectos a levar em conta.

o gap é maior, portanto...Pois é. Entre as condições capacitado­ras, identificamos quatro: sociocom­portamentais, cognitivo­epistêmicas, de informação e comunicação (e aqui a tecnologia tem papel importante), de estratégia/estrutura/gestão.

O aspecto cognitivo­sistêmico, por exemplo, é pouquíssimo observado e muito relevante. Quer dizer o seguinte: será que a organização tem diversidade de informação suficiente? Ela decorre da diversidade de formação das pessoas. Inovação acontece menos em um grupo de dez engenheiros do que em um com três engenheiros, dois designers, um jornalista etc. Como nosso modelo men­tal é muito condicionado pela formação acadêmica, a diversidade de formação entre as pessoas é o que mais impulsio­na a diversidade de percepções e visões de mundo, crucial para inovar.

Chamo a atenção também para os

modelos, estratégia e estrutura das or­ganizações, não observados como deve­riam. Têm que ver, por exemplo, com a adoção de métricas de desempenho relativas a aprendizado.

como posso pôr o cubo em ação?Você pode definir que a ênfase do pro­cesso de conhecimento está na criação (codificada em produtos, no caso do conhecimento explícito, e coordenada, no tácito, para ser transferida) e que o nível de interação é com algumas equi­pes. Aí tem de responder à pergunta: que condições capacitadoras preciso providenciar para que essas equipes ge­rem conhecimento? No caso da 3M, por exemplo, duas dessas condições foram sociocomportamentais: a tolerância a erros honestos e o diálogo aberto –aliás, elementos cruciais para inovar. Econo­mia funciona à base de incentivos.

mas a aceitação do erro como condição capacitadora tem o defeito de não com-binar com as métricas de desempenho...Devemos combinar “measurement” (métricas) com “assessment” (avalia­ção)! Há provas empíricas de que algo funciona. E, desde 1995, o balanced sco­recard incorpora o não financeiro.

a equipe multidisciplinar do carlos ghosn na nissan é capacitadora?Sim, do tipo cognitivo­epistêmica.

uma condição capacitadora que incomo-da é o caos criativo de nonaka...Incomoda por parecer algo abstrato.

pEnsamEntonacional

Autor do livro Gestão do conhecimento em organizações: proposta de mapeamento con-ceitual integrativo (ed. Saraiva), Rivadávia Drummond de Alvarenga Neto é professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral (FDC) nos temas/áreas de Gestão do Conhe-cimento e Modelos Organizacionais Baseados no Conhecimento. Com experiência em consultoria de empresas, ele fez pós-doutorado na University of Toronto e continua par-ticipando do grupo de pesquisa de C.W. Choo, o Knowledgement Management Resource Center (KMRC). Fez mestrado e doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e é pós-graduado em Negócios Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

saiba mais sobrE DRummonD

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Mas a questão é: como eu crio conhe­cimento se não consigo sair de uma ro­tina de entregas? Preciso de meu tempo de aprendizado e reflexão preservado, ou não crio. Isso é o caos criativo, e é também um colapso na rotina, hábitos e estruturas do conhecimento.

Requer a redefinição do trabalho produ-tivo. cafezinho pode ser trabalho...Ampliar a ideia de trabalho produti­vo é urgente, sem dúvida. A Fundação Dom Cabral, por exemplo, me garante esse caos criativo, assim como a HSM deve garantir o seu. Estamos falando de prioridade estratégica. Se o funcionário de uma empresa diz “não tenho tempo

para entrar numa comunidade de prá­tica”, escuto “inovação e conhecimento não são prioridades estratégicas aqui”.

Que empresas você estudou?Meu foco foram três organizações: Cen­tro de Tecnologia Canavieira (CTC), Siemens e a firma de consultoria PwC no Brasil. Antes pesquisei 3M, Xerox, Microsoft, Novartis etc., e agora tam­bém estudo Nokia Siemens Networks e Canal Rural do Grupo RBS. A Siemens fez a Sharenet, espaço de interação onde a organização criava, compartilhava e aprendia, e tinha o happy hour do saber. A PwC possui o Global Best Pratices, na mesma linha. O CTC criou práticas de

captura de ideia como inovação aberta, além do momento cultural, numa fase. Há incentivos monetários e motivacio­nais aos participantes, mas não é só.

o assunto interessa aos executivos?Sim, aos de média gerência para cima.

como evolui a gestão do conhecimento? Qual o impacto das mídias sociais?Estamos saindo da ideia de conheci­mento organizacional para a de conhe­cimento coletivo. Isso é potencializado pelas tecnologias sociais.

ambiente Externo

am

bien

te E

xter

no

am

bien

te E

xter

noambiente Externo

procEssos dE conhEcimEnto

contExtocapacitantE

práticas dE gEstão E fErramEntas

rEsultadosEspErados

criação/geração

social/compor-tamental

cognitivo/Epistêmico

informa-cional

processos de negócio

codificação/coordenação

compartilhamento/proteção

utilização

banco de ideias• sistema de informação• banco de melhores •

práticaslocais de encontro e •

compartilhamentocomunidades• outros•

intangÍvEistecnologias• conhecimentos• habilidades• marcas• relacionamentos• reputação/imagem• outros •

tangÍvEisprodutos• serviços•

Estratégico Tático operacional

individual Equipes organizacional interorganizacional

PRocESSo inTEgRaTiVo na Embrapa

HSm management

Fontes: Rivadávia Drummond (FDC) e Job Lucio Vieira (Embrapa).

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