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ESTUDO DA ILHA DE CALOR DE GLASGOW, REINO UNIDO Eduardo Krüger (1) ; Rohinton Emmanuel (2) ; Flavia Osaku Minella (3) (1) Departamento Acadêmico de Construção Civil – Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e-mail: [email protected] (2) School of Engineering and Built Environment – Glasgow Caledonian University – Glasgow, Reino Unido, e-mail: [email protected] (3) Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Tecnologia – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e-mail: [email protected] Resumo: Estudos de ilha de calor assumem grande relevância no contexto das mudanças climáticas atuais e previsões futuras. A onda de calor ocorrida na Europa no verão de 2003 foi um marco para a tomada de decisões e para despertar o interesse da mídia pelas consequências futuras do aquecimento global. Em tal ocasião, a onda de calor afetou milhares de pessoas levando centenas à morte por excesso de calor. Em busca de soluções urbanísticas possíveis para tais problemas, a climatologia urbana procura entender relações entre parâmetros de desenho urbano e microclima local, de modo a minimizar efeitos climáticos indesejáveis. O presente trabalho analisa a ilha de calor urbana em Glasgow, Reino Unido (55º51’N, 04º12’W), localizada em região de clima temperado, a partir de dados de campo coletados ao longo do ano de 2011. Foi realizado um monitoramento térmico de fevereiro a setembro, com dados de temperatura e umidade coletados em intervalos de 5 minutos por data loggers Tinytag (TGP-4500), devidamente abrigados de chuva e radiação solar direta, em seis localidades selecionadas na área urbana segundo um eixo N-S. Imagens olho-de-peixe foram geradas para determinação do Fator de Visão do Céu, assim como estimativas da relação H/W (altura média das edificações por largura média da via) para cada ponto monitorado. Utilizando dados de uma estação meteorológica (Davis Vantage Pro2 Weather Station) situada fora da área urbana, cerca de 15 km do centro de Glasgow, e implantada dentro do mesmo projeto, foi analisada a ilha de calor em cada ponto, comparativamente a relações esperadas pela literatura da área de climatologia. De modo a minimizar possíveis influências atmosféricas na análise de tais relações, foi feita a classificação dos dias de medição por classes de estabilidade atmosférica segundo o método de Pasquill-Gifford-Turner (PGT), procedendo-se à análise para dias com maior estabilidade atmosférica. Palavras chave: Ilha de Calor Urbana, Monitoramento Térmico, Desenho Urbano. Abstract: Urban heat island studies attain a great importance in the context of climate change and future climate predictions. The heat wave which took place in Europe in 2003 was a benchmark for decision making and for drawing media’s attention to future consequences of global warming. During this episode, the heat wave affected thousands of lives and took hundreds of them due to excessive heat. In search of feasible urban solutions to this conundrum, urban climatology seeks to understand the relationship between urban parameters and local microclimate, aiming at the reduction of undesirable climatic effects. The present study analyzes the urban heat island of Glasgow, UK (55º51’N, 04º12’W), located within a region of temperate climate, from field data gathered in 2011. Thermal monitoring was carried out from January through September with air temperature and humidity data sampled every 5 minutes with Tinytag data loggers (TGP-4500), duly protected from rain and direct solar radiation, in six locations across a N-S transect. Fish-eye images XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora 1503

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ESTUDO DA ILHA DE CALOR DE GLASGOW, REINO UNIDO

Eduardo Krüger(1); Rohinton Emmanuel(2); Flavia Osaku Minella(3)

(1) Departamento Acadêmico de Construção Civil – Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e-mail: [email protected]

(2) School of Engineering and Built Environment – Glasgow Caledonian University – Glasgow,Reino Unido, e-mail: [email protected]

(3) Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Tecnologia – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e-mail: [email protected]

Resumo:Estudos de ilha de calor assumem grande relevância no contexto das mudanças climáticas atuais e previsões futuras. A onda de calor ocorrida na Europa no verão de 2003 foi um marco para a tomada de decisões e para despertar o interesse da mídia pelas consequências futuras do aquecimento global. Em tal ocasião, a onda de calor afetou milhares de pessoas levando centenas à morte por excesso de calor. Em busca de soluções urbanísticas possíveis para tais problemas, a climatologia urbana procura entender relações entre parâmetros de desenho urbano e microclima local, de modo a minimizar efeitos climáticos indesejáveis. O presente trabalho analisa a ilha de calor urbana em Glasgow, Reino Unido (55º51’N, 04º12’W), localizada em região de clima temperado, a partir de dados de campo coletados ao longo do ano de 2011. Foi realizado um monitoramento térmico de fevereiro a setembro, com dados de temperatura e umidade coletados em intervalos de 5 minutos por data loggers Tinytag (TGP-4500), devidamente abrigados de chuva e radiação solar direta, em seis localidades selecionadas na área urbana segundo um eixo N-S. Imagens olho-de-peixe foram geradas para determinação do Fator de Visão do Céu, assim como estimativas da relação H/W (altura média das edificações por largura média da via) para cada ponto monitorado. Utilizando dados de uma estação meteorológica (Davis Vantage Pro2 Weather Station) situada fora da área urbana, cerca de 15 km do centro de Glasgow, e implantada dentro do mesmo projeto, foi analisada a ilha de calor em cada ponto, comparativamente a relações esperadas pela literatura da área de climatologia. De modo a minimizar possíveis influências atmosféricas na análise de tais relações, foi feita a classificação dos dias de medição por classes de estabilidade atmosférica segundo o método de Pasquill-Gifford-Turner (PGT), procedendo-se à análise para dias com maior estabilidade atmosférica. Palavras chave: Ilha de Calor Urbana, Monitoramento Térmico, Desenho Urbano.

Abstract:Urban heat island studies attain a great importance in the context of climate change and future climate predictions. The heat wave which took place in Europe in 2003 was a benchmark for decision making and for drawing media’s attention to future consequences of global warming. During this episode, the heat wave affected thousands of lives and took hundreds of them due to excessive heat. In search of feasible urban solutions to this conundrum, urban climatology seeks to understand the relationship between urban parameters and local microclimate, aiming at the reduction of undesirable climatic effects. The present study analyzes the urban heat island of Glasgow, UK (55º51’N, 04º12’W), located within a region of temperate climate, from field data gathered in 2011. Thermal monitoring was carried out from January through September with air temperature and humidity data sampled every 5 minutes with Tinytag data loggers (TGP-4500), duly protected from rain and direct solar radiation, in six locations across a N-S transect. Fish-eye images

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were generated for the assessment of the sky view factor as well as estimates of the H/W relation (average building height to street width) for each monitoring point. Data from a weather station (Davis Vantage Pro2 Weather Station) located outside the urban area, about 15 km from the city centre, which was set up within the framework of this research project, were compared to those of urban locations in terms of expected relationships from the literature of the field of climatology. As a means of minimizing possible atmospheric influences on the analysis the several monitoring days were classified according to atmospheric stability classes using the Pasquill-Gifford-Turner method (PGT).Keywords: Urban Heat Island, Thermal Monitoring, Urban Design.

1. INTRODUÇÃOEstudos de ilha de calor são fundamentais para que se possa compreender e estabelecer relações entre clima local e forma urbana. A partir de tais relações, seria possível, em tese,alterar a morfologia atual ou futura de cidades, de maneira a contornar possíveis consequências decorrentes do aquecimento global. Estudos realizados no Reino Unido comprovam a relação entre áreas urbanas e temperaturas elevadas, com reduções na demanda por aquecimento e decorrente aumento no consumo previsto para resfriamento. Kolokotroni et al. (2011) mostram, a partir de projeções de demanda por climatização em edifícios comerciais em Londres, considerando o cenário de mudanças climáticas para o ano de 2050, que o acréscimo de prédios com ar-condicionado para resfriamento poderá significar um aumento de cinco vezes nas emissões atuais de gases estufa (CO2).

Nesses estudos, atenção particular deve ser dada às condições sob as quais é analisada a ilha de calor. A literatura da área (OKE, 1990) indica que a ilha de calor, fenômeno tipicamente noturno, se apresenta com mais clareza em condições de grande estabilidade atmosférica, com baixa intensidade do vento e céu claro. Diversos estudos sobre ilhas de calor, entretanto, em geral não apresentam uma classificação dos dias de medição por estabilidade atmosférica. Considerando que as condições de observação das diferenças entre temperatura urbana e rural são fundamentais para que a intensidade da ilha seja determinada, faz-se necessário proceder a tal análise. Alonso et al. (2003) aplicam classes de estabilidade ao analisarem temperaturas superficiais em Salamanca, Espanha. Método semelhante, dentre outros, é apresentado com mais detalhes por Mohan e Siddiqui (1998), que comparam diferentes abordagens para classificar estabilidade atmosférica no estudo de dispersão de poluentes. No presente artigo, utiliza-se o método denominado Pasquill-Gifford-Turner (PGT), detalhado na seção de “Materiais e Métodos”.Uma vez determinada a intensidade da ilha de calor (∆Tu-r(max)) para diversos pontos de determinada área urbana, pode-se estabelecer comparações com modelos genéricos propostos para sua estimava. Oke (1990) propõe para tanto a utilização de duas equações, uma delas para a relação H/W (altura média das edificações ao redor do ponto monitorado por largura média da via) e outra para o fator de visão do céu (FVC), adotados como indicadores da forma urbana (Equação 1 e 2, respectivamente). Tais equações foram obtidas a partir de trabalhos de campo na Europa e na América do Norte, devendo ser utilizadas, portanto, com alguma cautela.

∆Tu-r(max) = 7,54 + 3,97 * ln (H/W) [Eq. 01]

∆Tu-r(max) = 15,27 – 13,88 * FVC [Eq. 02]

O objetivo do presente trabalho é analisar a ilha de calor urbana em Glasgow, Reino Unido, a

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partir de dados de campo coletados ao longo do ano de 2011. Tal análise foi realizada comparativamente a relações esperadas pelas duas equações acima, quanto ao fator de visão do céu e quanto à relação H/W, com base na classificação dos dias de monitoramento conforme sua estabilidade atmosférica.

2. MATERIAIS E MÉTODOSDe acordo com a classificação de Koeppen-Geiger, a região em torno de Glasgow (55º51’N, 04º12’W, ao nível do mar) é caracterizada por um clima temperado (Cfb), suavizado pela influência marítima, a qual afeta principalmente a variação térmica sazonal. O nível de precipitação é um dos mais altos no Reino Unido (precipitação anual de 1.100 mm). A temperatura média máxima nos meses mais quentes do ano (julho e agosto) situa-se abaixo de 20 ºC, e pelo menos durante cinco meses do ano a média diária fica acima de 10 ºC (UK MET OFFICE, 2011).

A área estudada na presente pesquisa consiste em uma malha de seis pontos no sentido Norte-Sul, transversal à área urbana de Glasgow (Figura 1). Tais pontos receberam data loggers do tipo Tinytag, modelo TGP-4500, dispostos em abrigos contra radiação solar direta e chuva, naturalmente ventilados, e do mesmo fabricante que os data loggers. Anteriormente à instalação destes, valores medidos de temperatura do ar foram comparados em uma câmara climatizada do tipo WIR (“walk-in room”) com variação cíclica da temperatura ambiente, mostrando uma diferença média máxima de ±0,1 K. A rede de estações foi implementada em 26/02/2011 e os dados foram coletados em intervalos de 5 minutos até 19/09/2011. A posição de cada ponto foi definida considerando-se aspectos de segurança, acessibilidade, geometria urbana e distância ao centro da cidade, sendo que a altura do ponto medido variou entre 0,5m e 3m acima do nível do solo. A Tabela 1 apresenta características de cada localidade, incluindo a distância média a um ponto de referência no centro da cidade (Estação de Trem Central), os valores obtidos do fator de visão do céu (FVC) e valores estimados da razão H/W (altura média dos prédios por largura da via). A obtenção do FVC foi feita a partir de imagens olho de peixe obtidas com uma câmera Nikon D-80 com lente Sigma Fisheye 8mm F-35, sendo tais imagens pós-processadas nos softwares Photoshop e RayMan (MATZARAKIS et al., 2007). A razão H/W foi obtida a partir da equação apresentada por Erell et al. (2011), que relaciona o FVC à altura média H e à largura de rua W de cânions regulares semi-infinitos(Tabela 1).

FVC = cos β [Eq. 03]

Onde β = tan-1 (H/0,5W) [Eq. 04]

A análise da ilha de calor foi feita a partir das diferenças térmicas encontradas entre cada ponto e uma estação de referência situada fora da malha urbana e implantada dentro do escopo da pesquisa realizada. Para tal finalidade, uma estação Davis Vantage Pro2 foi implantada em 23/03/2011 fora da área urbana, cerca de 15 km do centro de Glasgow, em uma fazenda experimental de 350 ha denominada Cochno Farm (Figura 2). O FVC da estação foi assumido como próximo a 1.

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Figura 1: Localização dos pontos (de Norte a Sul: COR2, COR1, GRN1, RES1, SUB1, SUB2)

- a - - b -

Figura 2: Estação meteorológica em Cochno Farm – a) Estação Davis Pro; b) Localização da Estação Cochno Farm (ponto na extremidade superior esquerda) em relação a um ponto de referência na área central de Glasgow

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Ponto Posição do data logger Distância ao central (Glasgow Central Station)

Imagem Olho de Peixe

FVC H/W

COR1 Localizado no centro da cidade, na Mackintosh School of Architecture, pendurado a partir de uma sacada em balanço, a cerca de 3 m do nível da rua

0,9 0,15 3,3

COR2 Localizado no centro da cidade, junto a um prédio histórico (“The Tobacco Merchants House”), a aproximadamente 0,5 m do nível da rua – situação de cânion urbano

0,45 0,27 1,8

GRN1 Localizado no Glasgow Green, parque urbano, próximo à fachada sul de um prédio voltada ao Rio Clyde, aproximadamente a 1,8 m do solo

1,6 0,51 0,8

RES1 Localizado em área residencial próxima ao centro, lado sul do Rio Clyde, jardim de fundos, a aproximadamente 1,2 m do nível do solo

1,2 0,37 1,3

SUB1 Localizado em subúrbio residencial urbano com prédios enfileirados (Tenements), próximo aoQueen’s Park, no jardim frontal, a aproximadamente 1,5 m do nível do solo

3,8 0,41 1,1

SUB2 Localizado em subúrbio residencial urbano com casas geminadas, próximo aos limites da cidade, no jardim de fundos, a aproximadamente 1,5 m do nível do solo

6,0 0,55 1,36

Tabela 1: Características dos pontos de monitoramento

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A estação Davis Vantage Pro2 é um equipamento wireless composto de duas partes: conjunto de sensores e console digital (data logger) usado para armazenamento de dados. O conjunto de sensores é composto de: sensor de temperatura e umidade do ar; anemômetro de copo com pá de vento; piranômetro de silício; e coletor de água de chuva. A Tabela 2 apresenta as características dos equipamentos adotados nas medições.

Sensor Resolução por unidade de medida Intervalo de medição Precisão

Temperatura do ar 0,1 ºC ou 1 ºC (user-selectable) -40 ºC a +65 ºC ±0,5 ºC acima de 20 ºF (-7

ºC)

Umidade do ar 1% 1% a 100% ±3% (0-90%), ±4% (90-100%)

Velocidade do ar 0,4 m/s 1 a 80 m/s ±1 m/sDireção do vento 22,5º 0 – 360º ±3ºRadiação solar 1 W/m2 0 a 1.800 W/m2 ±5%Temperatura do ar (Tinytag TGP-4500) 0,01 ºC -25 ºC a +85 ºC ±0,45 ºC

Tabela 2: Características dos equipamentos usado para as medições.

De modo a minimizar possíveis influências atmosféricas na análise da ilha de calor, foi feita a classificação dos dias de medição por classes de estabilidade atmosférica segundo o método de Pasquill, procedendo-se à análise para dias com maior estabilidade atmosférica. Pasquill e Gifford propuseram inicialmente uma classificação de estabilidade atmosférica segundo seis classes, sendo posteriormente adicionada a classe G, que representa condições noturnas estáveis de baixa velocidade do ar (MOHAN e SIDDIQUI, 1998), quais sejam: A (altamente instável), B (moderadamente instável), C (pouco estável), D (estabilidade neutra), E (moderadamente estável), e F (extremamente estável). Tal classificação foi posteriormente revista por Turner, sendo o método então denominado Pasquill-Gifford-Turner (PGT). O método PGT consiste em analisar separadamente períodos diurnos e noturnos, atribuindo a classificação em função da velocidade do vento, irradiância solar (período diurno) e nebulosidade (período noturno), sendo os dois períodos definidos pelos horários de nascer e pôr do sol, porém desconsiderando-se uma hora após o nascer do sol e uma hora antes do pôr do sol. A Tabela 3 mostra os limites propostos pelo método PGT para cada classe atmosférica.

Período Diurno Período NoturnoIrradiância solar (W/m²) Nebulosidade

(oitavas)

Velocidade do vento

(m/s)Alta (>600) Moderada

(300-600)Leve

(<300)Nublado 0-3 4-7 8

≤2,0 A A-B B C G-F F D2,0-3,0 A-B B C C F E D3,0-5,0 B B-C C C E D D5,0-6,0 C C-D D D D D D>6,0 C D D D D D D

Tabela 3: Classes de estabilidade atmosférica segundo o método Pasquill-Gifford-Turner (PGT)

Como o método exige a disponibilidade de dados de nebulosidade, buscaram-se estações meteorológicas que fornecessem tal informação, se possível em base horária. Fazendo parte da rede de estações meteorológicas “Weather Underground” (http://www.wunderground.com), a estação IGLASGOW1 (55 º47’N, 4 º25’W, 138 m anm) localizada ao sudoeste de Glasgow, a uma distância de aproximadamente 13 km do ponto de

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referência, fornece dados horários de nebulosidade em termos de códigos METAR (CLR = 'Clear' ou sem nuvens ; FEW = 'Few' ou 1-2 oitavas; SCT = 'Scattered' ou 3-4 oitavas; BKN = 'Broken' ou 5-7 oitavas; OVC = 'Overcast' ou 8 oitavas; RA = 'Rain', OVC ou nublado). Adotaram-se os seguintes valores de nebulosidade: RA ou OVC = 8; CLR = 0; FEW = 2; SCT = 4; BKN = 6, os quais puderam ser usados para entrar na Tabela 3. De forma a desconsiderar os períodos de transição entre noite e dia, foram desconsideradas duas horas em torno dos horários de nascer e pôr do sol (uma hora a mais que no método PGT). Finalmente, na aplicação dos limites da Tabela 3, adotou-se a classificação por maior proximidade das variáveis, sendo que os dados de entrada foram: a velocidade média do vento em cada período, a intensidade máxima de radiação solar global em plano horizontal no período diurno e a nebulosidade média no período noturno, disponibilizados pela estação IGLASGOW1.Observe-se que a situação de instabilidade atmosférica em dias de maior insolação e baixa velocidade do ar é, em tese, a mais favorável para estudos de ilha de calor.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕESA análise foi inicialmente realizada para diferentes períodos de tempo: a) para o período completo, aqui considerado a partir de 23/03/2011 até 02/08/2011, com um intervalo com dados faltantes entre os dias do ano 177 e 189; b) para um período mais frio e para outro mais quente; e, c) para dias de maior estabilidade atmosférica. Conforme mencionado na seção anterior, o método de análise considerou as diferenças térmicas em relação a um ponto referencial fora da área urbana (estação meteorológica localizada na Cochno Farm). Para facilitar a análise da ilha de calor, separaram-se os dados em períodos diurno e noturno, definidos a partir dos horários de nascer e pôr do sol, para cada dia de medição.

A partir do período completo de monitoramento (122 dias), foram identificados dois períodos distintos, com temperaturas em elevação do dia do ano 152 em diante (início do mês de junho). O primeiro período foi denominado de “mais frio” e o segundo, a partir de junho, o “mais quente”.

A classificação dos dias em termos de estabilidade atmosférica foi feita inicialmente a partir da constatação de que em torno de um valor de pressão atmosférica de 1020hPa, conforme medido na estação IGLASGOW1, a precipitação diária se reduzia drasticamente (Figura 3). Tal valor de pressão atmosférica é frequentemente adotado como padrão de referência para previsões de tempo. Adotando-se 1020hPa como parâmetro, acima do qual a probabilidade de ocorrência de dias de maior estabilidade é maior, 46 dias foram selecionados para a classificação segundo o método PGT (de um total de 122 dias de monitoramento), cerca de 40% do total de dias monitorados. Aplicou-se então, para esses dias, o procedimento PGT, definindo-se diferentes tipos de dias em função de seu padrão atmosférico, conforme a Tabela 4. Ordenaram-se os dias segundo o maior grau de estabilidade atmosférica para o período noturno, conforme a definição clássica de ilha de calor urbana.

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0

0.5

1

1.5

2

2.5

3

3.5

4

4.5

980

990

1000

1010

1020

1030

1040

1050

Prec

ipita

ção

diár

ia (c

m)

Pressão (hPa)

Figura 3: Pressão atmosférica média versus precipitação total (dados diários da estação IGLASGOW1)

Classe de estabilidade atmosférica segundo PGTTipo de dia

(período diurno) (período noturno)

Dia do Ano (YD)

Tipo I A G 84,99,100,114,116,117,118,154,194,210Tipo II B F 82,83,97,98,102,106Tipo III A F 107,115,119,153,155,192,193,208,209Tipo IV C E 152

Tabela 4: Classificação dos dias com pressão atmosférica média diária superior a 1020hPa

A tabela seguinte (Tabela 5) mostra a intensidade média da ilha de calor (∆Tu-r(max)), para cada período de análise, considerando as diferenças de temperatura ambiente em cada ponto em relação à temperatura da estação rural.

Ponto Período completo

Período frio

Período quente

Tipo I Tipo II Tipo III Tipo IV

RES1 3,8 3,9 3,8 4,9 4,8 4,2 2,2SUB1 3,9 4,0 3,9 5,3 5,0 4,3 2,3SUB2 3,4 3,4 3,4 4,7 4,8 3,7 1,8GRN1 4,4 4,3 4,5 6,2 5,8 4,8 2,5COR2 5,4 5,5 5,4 7,0 6,4 5,9 3,3COR1 4,4 4,3 4,4 5,9 5,4 4,8 2,5

Tabela 5: Intensidade da ilha de calor (∆Tu-r(max)) em cada ponto, para diferentes períodos e condições atmosféricas

Observa-se que a intensidade da ilha de calor apresenta alguma variação por ponto, sendo que a estação situada à margem do centro urbano (SUB2) mostrou valores consistentemente inferiores aos dos demais pontos. Tanto seu fator de visão de céu (o mais alto) quanto sua posição geográfica diferenciam esse ponto monitorado dos demais. A Tabela 5 mostra que, de em todos os casos, a maior estabilidade atmosférica (dia Tipo I) noturna traz consigo magnitudes mais significativas da ilha de calor.

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Nos gráficos da Figura 4 são apresentadas as magnitudes encontradas da ilha de calor, relativamente às estimativas para os valores do fator H/W e do FVC segundo as equações 1 e 2, conforme Oke (1990). O gráfico da esquerda mostra todos os pontos; no gráfico da direita excluiu-se o ponto denominado GRN1, uma vez que suas particularidades (parque urbano, próximo ao rio) o diferem de uma situação tipicamente urbana. Nota-se que, em ambos os gráficos, há uma divergência nas relações esperadas, sendo superestimados os valores de ∆Tu-

r(max) ao se adotarem as duas expressões sugeridas pela literatura; além disso, nota-se uma maior aproximação dos dados estimados aos medidos, quando se considera dias de maior estabilidade atmosférica.Apresenta-se a seguir a comparação entre a intensidade da ilha de calor nos diversos pontos com os resultados das equações de Oke a partir da relação H/W e do FVC (Eq. 01 e 02), propondo-se novas equações para o caso particular de Glasgow (Figura 5). A equação é apresentada em cada caso para as condições de maior estabilidade atmosférica verificadas (Dia Tipo I). Para efeito de comparação, apresentam-se também as curvas para o período completo de monitoramento, notando-se maior proximidade entre modelo teórico e dados de campo quando é levado em conta o fator de estabilidade atmosférica, além da dispersão ser fortemente reduzida.

0.0

2.0

4.0

6.0

8.0

10.0

12.0

14.0

Período completo

Tipo 1 Oke (FVC) Oke (H/W)

∆Tu

-r(m

ax)

RES1

SUB1

SUB2

GRN1

COR2

COR1

0.0

2.0

4.0

6.0

8.0

10.0

12.0

14.0

Período completo

Tipo 1 Oke (FVC) Oke (H/W)

∆Tu

-r(m

ax) RES1

SUB1

SUB2

COR2

COR1

Figura 4a: Intensidade da ilha de calor (∆Tu-r(max))comparativamente a relações esperadas pela literatura

de climatologia urbana

Figura 4b: Intensidade da ilha de calor (∆Tu-r(max))comparativamente a relações esperadas pela literatura

de climatologia urbana – situações tipicamente urbanas

y = 0.7234ln(x) + 4.8712R² = 0.70

y = 3.97ln(x) + 7.54

y = 0.8787ln(x) + 3.8655R² = 0.3787

0.0

2.0

4.0

6.0

8.0

10.0

12.0

14.0

0.0 1.0 2.0 3.0 4.0

∆Tu-

r(m

ax)

H/W

y = -2.5068x + 6.0132R² = 0.62

y = -13.88x + 15.27

y = -3.621x + 5.4543R² = 0.474

0.0

2.0

4.0

6.0

8.0

10.0

12.0

14.0

0.00 0.10 0.20 0.30 0.40 0.50 0.60

∆Tu-

r(m

ax)

FVC

Figura 5: Equação de regressão para a intensidade da ilha de calor (∆Tu-r(max)) observada para Glasgow – a) para variações de H/W, b) para variações de FVC

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Observe-se, entretanto, que variações tanto da relação H/W quanto do FVC, entre a obstrução máxima encontrada e seu menor valor auferido, mostram sensibilidades divergentes de ∆Tu-

r(max) aos valores estimados (Tabela 6), o que significa que o efeito de alterações da forma urbana é significativamente inferior ao esperado pela literatura.

Variação naintensidade da

ilha de calor (∆Tu-r(max))Equação 1 5,8Equação 2 5,6Período completo 1,0Período frio 1,0Período quente 1,0Tipo I 1,2Tipo II 0,6Tipo III 1,1Tipo IV 0,7

Tabela 6: Variação em ºC para a faixa de variação de FVC analisada (0,15-0,55) para modelo teórico e dados de campo

4. CONSIDERAÇÕES FINAISO estudo apresentado detalha uma metodologia a ser adotada como padrão em estudos de ilhas de calor para determinada localidade. São partes integrantes dessa metodologia: o monitoramento climático com uso de equipamentos padronizados, devidamente calibrados e com proteção solar adequada; a consideração de uma estação referencial para comparações, fora da malha urbana; a extensão do período de monitoramento, englobando-se períodos de inverno, verão e meia estação, de modo que se possam selecionar condições de maior estabilidade atmosférica para análise da ilha de calor.

A seleção dos dias de monitoramento pelas condições atmosféricas observadas em cada dia monitorado mostrou-se fundamental para que se estabelecesse a máxima intensidade (ou magnitude) da ilha de calor para os diversos pontos estudados. A literatura da área indica a necessidade de que idealmente haja vento fraco e céu claro para a análise de ∆Tu-r(max).

Os resultados mostraram diferenças acentuadas entre localidades tipicamente urbanas e a estação referencial fora da malha urbana e pouca diferenciação entre essas. A comparação com modelos genéricos para a intensidade da ilha de calor urbana em função de características morfológicas apontou diferenças, sendo apresentadas equações de regressão alternativas para as 4 situações urbanas que diferem grandemente do modelo genérico. Como esse modelo genérico foi gerado por Oke a partir de poucas cidades europeias, os resultados sugerem a necessidade de se recalibrar tal modelo para locais de características climáticas e morfológicas como as de Glasgow. Para tanto, seria necessário ampliar a rede de estações em Glasgow.

Como implicação direta dos resultados encontrados, nota-se que, para Glasgow, a ilha de calor pode ser benéfica ao reduzir os gastos energéticos em calefação: estudo realizado em Londres indicou reduções de 65–85% nesse quesito, para localidades mais centrais, relativamente a localidades fora da malha urbana, embora a demanda por resfriamento aumente em 32–42% no centro da cidade (GRIMMOND, 2011). Quanto a Glasgow, com temperatura ambiente máxima nos meses de verão raramente excedendo 25°C (EMMANUEL e KRÜGER, 2012), a carga para resfriamento pode ser considerada como inexistente.

XIV ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído - 29 a 31 Outubro 2012 - Juiz de Fora

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REFERÊNCIASALONSO, M.S.; LABAJO, J.L.; FIDALGO, M.R. Characteristics of the urban heat island in the city of Salamanca, Spain. Atmósfera, v.16, n.3, p.137-148, 2003.

EMMANUEL, R.; KRÜGER, E.L. . Urban heat island and its impact on climate change resilience in a shrinking city: The case of Glasgow, UK. Building and Environment, v. 53, p. 137-149, 2012.

ERELL, E.; PEARLMUTTER, D.; WILLIAMSON, T. Designing the Spaces between Buildings. London: Earthscan, 2011.

GRIMMOND, C.S.B. London’s urban climate: a historical and contemporary perspective. ESRC City weathers: meteorology and urban design 1950-2010, 2011, University of Manchester, Reino Unido (keynote).

KOLOKOTRONI, M.; REN, X; DAVIES, M; MAVROGIANNI, A. London’s urban heat island: Impact on current and future energy consumption in office buildings. Energy and Buildings, v. 47 p. 302–311, 2012.

MATZARAKIS, A.; RUTZ, F.; MAYER, H. Modelling radiation fluxes in simple and complex environments application of the RayMan model. Int J Biometeorol . v. 51,p. 323-334, 2007.

MOHAN, M.; SIDDIQUI, T.A. Analysis of various schemes for the estimation of atmospheric stability classification. Atmospheric Environment, v. 32, No. 21, pp. 3775-3781, 1998.

OKE, T. Boundary Layer Climates. 2nd Edition. London: Routledge, 1990.

UK MET OFFICE. Western Scotland: climate. Disponível em: <http://www.metoffice.gov.uk/climate/uk/ws/print.html>. Acesso em: 16 jun. 2011.

AGRADECIMENTOS A pesquisa foi apoiada por recursos da CAPES (bolsa de Estágio Sênior) e da Glasgow Caledonian University.

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