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Eu UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS Julio Cesar Gonçalves da Silva PARTIDO REVOLUCIONÁRIO E CONSCIÊNCIA DE CLASSE DO PROLETARIADO NOS CADERNOS DO CÁRCERE DE ANTONIO GRAMSCI Curitiba 2006

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Eu UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Julio Cesar Gonçalves da Silva

PARTIDO REVOLUCIONÁRIO E CONSCIÊNCIA DE CLASSE DO PROLETARIADO NOS CADERNOS DO CÁRCERE DE ANTONIO GRAMSCI

Curitiba 2006

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Julio Cesar Gonçalves da Silva

PARTIDO REVOLUCIONÁRIO E CONSCIÊNCIA DE CLASSE DO PROLETARIADO NOS CADERNOS DO CÁRCERE DE ANTONIO GRAMSCI

Monografia apresentada à Universidade Federal do Paraná como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Ciências Sociais. Orientador: Angelo José da Silva

Curitiba 2006

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AGRADECIMENTOS

São muitos aqueles a quem devo este trabalho.

Meus sinceros agradecimentos...

...ao meu orientador Angelo José da Silva por ter aceitado este desafio e por ter conduzido este

trabalho de um modo que me permitiu a mais ampla liberdade de pensamento;

...à minha família por seu apoio e confiança;

...a todos meus colegas do PET por contribuírem imensamente para minha formação acadêmica,

destaco: Dibe, Cris, Camila e Trovão. Um agradecimento especial ao Walker, à unânime Fabi e à

ex-petiana Anilda ;

...aos meus companheiros e ex-companheiros de militância Carlos, irmãos Teixeira, Marcus,

Carla, Ana Paula e Hugo. Não posso esquecer de mencionar o companheiro Truta, pois é através

de conversas sobre sua monografia que cheguei a escolha deste tema;

...ao Seu Aluísio e Dona Helena e aos amigos que compartilharam comigo ótimos momentos na

Casa Verde, especialmente: Stefy, Icaro, Rodolfo, Angel, Fernanda, Joelson, Ligia e Giovana;

...a todos meus colegas da turma de 2002, entre os quais destaco: Priscila, Flávia, Paulinho

Unidade, Cézar, Fraiz, Carol, Ing e especialmente Mariana Brero;

...aos meus grandes amigos, os quais contribuíram enormemente para o resultado final deste

trabalho tanto através de suas sugestões como por simplesmente permitirem que meu ânimo

estivesse sempre elevado. Dentre tantos outros que também mereciam serem citados aqui,

destaco: Pitanga, Julio Brinquedo (all in), Rossa, Mema, Carlão (Araucária), Gaúcho, Thaisa,

Fagner, Mabelle, Thiago, Guilherme, Laura, Karla e Melayne;

...àqueles que Russell Jacoby chamaria de os últimos intelectuais por serem exatamente o oposto

daqueles técnicos especialistas em detalhes. Nunca ousaremos dizer que a vida boemia não pode

mais ser uma das principais fontes de aprendizado. Doug, Dú, Maria Emilia, João Mauricio,

Affonsitos e Duda Silva e Silva, vocês são os grandes responsáveis pelas eventuais virtudes deste

trabalho.

Gostaria apenas de acrescentar que os erros e lacunas deste trabalho são de minha inteira

responsabilidade.

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Resumo

Esta monografia procura refletir sobre as possibilidades que a abordagem gramsciana nos traz para pensar a democracia socialista. Por isto, buscamos compreender como Gramsci relaciona nos Cadernos do Cárcere os conceitos de partido revolucionário e consciência de classe do proletariado. Para a lógica formal existem apenas duas respostas possíveis: ou o partido é um simples reflexo do pensar da classe ou ele é o portador da verdadeira consciência proletária. A primeira opção leva a uma submissão às concepções do mundo das classes antagônicas que se apresentam na consciência fenomênica da classe. A segunda opção leva a uma concepção autoritária em que o partido substitui a classe no projeto de emancipação. O proletariado estaria condenado ou a uma prática política meramente reformista ou a substituir o despotismo do capital pelo da burocracia partidária. Uma terceira possibilidade só seria possível mediante uma revolução gnosiológica. Acreditamos que Gramsci, seguindo as pistas de Lênin, elabora um pensar político que permite, através de uma noção que denominamos de consciência estratégica, compreender o partido como elemento de continuidade e acumulação das experiências políticas e sociais do proletariado. O partido para Gramsci seria, então, a forma especificamente política nas quais as contradições de classe se expressam no capitalismo e, por isto, o elemento que permite à classe sua auto-emancipação. O comando do partido seria, portanto, apenas uma função técnica destinada a desaparecer quando se coloca a possibilidade da consciência de classe ser algo internalizado a partir da relação dialética entre dirigentes e dirigidos e não como algo imposta do exterior por déspotas esclarecidos. Palavras chave: consciência de classe, partido revolucionário, Gramsci, Lênin e conhecimento estratégico.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO..............................................................................................................................7 1 A CONCEPÇÃO DE PARTIDO REVOLUCIONÁRIO EM LÊNIN.................................11 1.1 Os fundamentos da concepção lenineana de partido: que fazer?.............................................12 1.2 Lênin e o bolchevismo: Um passo à frente, dois para trás.......................................................20 2 A CONSCIÊNCIA DE CLASSE DO PROLETARIADO.....................................................33 2.1 Senso Comum e Consciência de Classe...................................................................................34 2.2 Da consciência econômico-corporativa à consciência hegemônica.........................................38 2.3 Filosofia da práxis, bom senso e senso comum........................................................................44 3 O MODERNO PRÍNCIPE: O PARTIDO REVOLUCIONÁRIO.......................................54 3.1 A realização de um aparelho hegemônico................................................................................54 3.2. O partido como intelectual orgânico.......................................................................................60 3.3 Centralismo Orgânico e Centralismo Democrático..................................................................65 3.4. Gramsci e o stalinismo na URSS.............................................................................................71 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................77 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................91

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“Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do

perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominantes,

como seu instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela. Pois o Messias não vem apenas

como salvador; ele vem também como o vencedor do Anticristo. O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo

do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de

vencer”. (Walter Benjamin)

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INTRODUÇÃO

“Devemos impedir que esse cérebro funcione durante vinte anos”, afirmou o promotor

fascista durante o julgamento que condenou à prisão um deputado do Partido Comunista Italiano

chamado Antônio Gramsci. Com a saúde debilitada, em um regime de censura fascista e, de

provável isolamento por parte dos seus companheiros de partido, Gramsci escreve algumas

anotações em cadernos que levam o marxismo por caminhos até então inesperados. Os Cadernos

do Cárcere trazem soluções originais que fogem ao quadro da ortodoxia da II e III Internacional:

heterodoxo, Gramsci defendia que a ortodoxia deveria dizer respeito apenas ao fato de que a

filosofia da práxis (marxismo) deveria bastar a si própria como integral concepção do mundo,

destacando que o marxismo não é um conjunto de dogmas fechados e sim uma concepção de

mundo que visa responder as necessidades das classes subalternas.

O objetivo principal deste trabalho é investigar como se apresenta nos Cadernos do

Cárcere a relação entre consciência de classe e partido revolucionário, isto é, descobrir como

Gramsci articulava teoria e prática para pensar o partido do proletariado durante o período em

que esteve no cárcere fascista. Por esta razão, a questão que propomos estudar em Gramsci diz

respeito à possibilidade de construir uma democracia socialista tanto no âmbito partidário quanto

no âmbito social: seria o partido simples reflexo do pensar das classes populares ou seria o

partido o portador da verdadeira consciência de classe? O primeiro tipo de resposta conduz a uma

atitude de contemplação passiva frente ao mundo e, conseqüentemente, a uma atitude submissa

frente às concepções do mundo de outras classes sociais presentes no modo de pensar dos

indivíduos proletários. Esta resposta nos conduz a uma fórmula organizativa incapaz de ir além

do reformismo enquanto método político já que “mantém a consciência no nível de passividade”,

o que “leva, em última instância, à reprodução da formação econômico-social existente”

(Coutinho apud Evangelista, 1997, p.91). O segundo tipo de resposta conduz a uma concepção

limitada de democracia já que implica em uma “teoria substitutiva: o partido, a seita ou o teórico

que desvenda a consciência de classe, não como ela é, mas como deveria ser” (Thompson, 1987,

p.10). Tal teoria contém em germe toda a “mecânica da substituição” que prevaleceu na

Revolução Russa: “o partido substitui o povo, a burocracia ao partido, o homem providencial ao

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conjunto” (Bensaïd, 2000, p. 172). Partimos da hipótese que Gramsci pode nos fornecer um

terceiro tipo de resposta: por ser um pensador que se adapta mal a qualquer construção fechada,

pode ser que as concepções partidárias que foram hegemônicas no seio da classe trabalhadora não

o digam plenamente respeito e, por isso mesmo, possamos buscar em seu pensamento inspiração

para as questões que o atual momento histórico cobra daqueles que ainda não se renderam ao

conformismo imposto pela lógica mercantil. Desse modo, compreendemos que voltar a Gramsci

nesse momento não implica em usar seus trajes fora de moda para encontrar um oráculo que pode

trazer respostas para um problema que agoniza o presente. Mas, buscar nos vestígios do passado,

potencialidades perdidas e recuperá-las.

Como todo autor clássico, Gramsci está sujeito a muitas interpretações já que submetido a

muitas exegeses. O caráter fragmentário, inconcluso e escrito em linguagem metafórica como

forma de driblar a censura, fazem dos Cadernos do Cárcere uma obra ainda mais sujeita a

interpretações diversas. Mas nem todas são igualmente válidas! Se não temos pretensões de

fornecer ao leitor o verdadeiro Gramsci, livre de todas falsificações, nem por isso deixamos de

procurar se manter o mais fiel possível à própria lógica do autor. Por esta razão, optamos por

utilizar uma escrita polissêmica. Ao deixar os textos do autor falarem por si próprios, o leitor do

nosso trabalho poderá avaliar por conta própria a validade das interpretações aqui presentes e

captar o autor dentro dos dilemas de sua própria época. Neste sentido, procuramos, também,

estudar a maior quantidade possível de fragmentos em que o autor direta ou indiretamente

trabalha os conceitos aqui analisados. Esta estratégia foi facilitada pela edição da Civilização

Brasileira dos Cadernos do Cárcere, a qual reproduz a quase totalidade dos textos e nos fornece a

divisão cronológica e lógica estabelecida pela popular edição crítica de Gerratana, ao mesmo

tempo em que é organizada de forma temática por Carlos Nelson Coutinho. Apesar das eventuais

limitações desta edição, ela possibilitou ler praticamente a totalidade dos fragmentos em que

Gramsci se remete direta ou indiretamente aos conceitos de consciência de classe e partido

revolucionário sem deixar de permitir a compreensão, em certa medida, da ordem lógica e

cronológica em que Gramsci expõe seu pensamento1. Um último esclarecimento a ser feito nessa

1 Preferimos não dar a importância devida à ordem cronológica já que poderia render muitas especulações ociosas nessa etapa de formação acadêmica. Além disso, o nosso estudo nos revelou uma certa coerência geral no pensamento de Gramsci nos Cadernos do Cárcere uma vez que não conseguimos identificar nenhuma ruptura epistemológica significativa, até porque os fragmentos dos quais nos utilizamos – salvas algumas exceções - se remetem a cadernos escritos em um período muito curto de tempo, a saber: entre 1932-1935 . Não obstante, o curto período em que ele aborda os temas aqui tratados podem ser um indicativo de alguma ruptura. Anita Helena Schlesener (2005), por exemplo, indica que a partir de 1932 aprofunda as críticas de Gramsci ao stalinismo. Talvez não tenha sido possível identificar estas rupturas devido às limitações da edição da Civilização Brasileira organizada por

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ordem de questões é que, para facilitar a identificação de onde foram recolhidas as citações,

oferecemos o caderno (C) e o parágrafo (P) em que o fragmento se apresenta na edição crítica de

Gerratana ao lado das respectivas referências das citações. O que permite que o leitor deste

trabalho possa localizar rapidamente o contexto geral de onde a citação foi retirada

independentemente da edição utilizada.

Mais alguns esclarecimentos: uma das maiores debilidades que podem ser facilmente

identificadas neste trabalho é a falta de uma maior contextualização histórica da Itália de

Gramsci. Entretanto isto se deve mais ao recorte analítico do que de nossas debilidades teóricas.

Escolhemos inserir Gramsci mais no debate internacional que se realiza no seio da esquerda da

época (com destaque a discussão em torno da Revolução Russa) do que propriamente na

conjuntura italiana, o que não significa que esta seja ignorada: ela está implicitamente presente de

forma transversal ao longo de toda a análise aqui realizada. Tal opção se explica porque mais do

que “entender o próprio pensamento gramsciano2”, nosso objetivo é compreender o que o

pensador italiano é ainda capaz de nos dizer para além de seu próprio ambiente político

econômico e social. Por isto, concentramos nossos esforços especialmente na análise dos textos

propriamente ditos. É importante destacar, também, que é no interior do marxismo que

realizamos este trabalho de contextualização da questão proposta neste trabalho. Como lembra

Evangelista, a propósito da consciência de classe: “a despeito de haver uma viva polêmica nas

Ciências Sociais em torno dessa questão, é no marxismo, universo intelectual que lhe deu

relevância, que essa discussão mostra-se mais interessante para a nossa apreciação teórica”

(Evangelista, 1997, p.79). Esta observação é ainda mais correta no que diz respeito ao partido

revolucionário.

Um último aspecto fundamental a se mencionar é que trabalhamos ao longo desse

trabalho com um conceito amplo de política, que não se limita ao nível da estrutura jurídico-

estatal mas que abrange toda “práxis criadora e universalizante que supera a práxis manipulatória

e repetitiva sendo forjada na problematização que o homem empreende na sua vida cotidiana”. O

que permite afirmar que “todas as esferas do ser social estão penetradas pela política, que é um

elemento do real ou potencial ineliminável da realidade humana” (Evangelista, 1997, p.52). Esse

Carlos Nelson Coutinho que exclui os fragmentos dos cadernos miscelâneos que são retomados nos cadernos especiais com algumas alterações. Mesmo consciente desse limite, nada pudemos fazer para superá-lo, por isso vale registrá-lo aqui. Falar um único idioma apareceu como um grande obstáculo uma vez que a referida edição dos Cadernos do Cárcere é, até onde sabemos, a mais completa do Brasil. 2 Dias, 2004, p. 284.

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modo de conceber a política tem implicações também na esfera da produção do conhecimento.

Assim, a interpretação aqui presente se orienta por um pensar político que se opõe a um pensar

positivista que pretende encerrar toda a riqueza social em classificações rigorosas e em leis

deterministas.

Para finalizar uma rápida passagem nos capítulos desta monografia: o primeiro deles é

dedicado à contextualização internacional do pensamento de Gramsci a partir de Lênin. Nosso

objetivo é construir um contraponto do pensador italiano com um autor que provavelmente ainda

hoje seja a maior referência nos assuntos aqui tratados para que possamos compreender o que

existe de original em Gramsci. No segundo capítulo estudamos a consciência de classe e suas

relações com a filosofia e o senso comum, o que já é colocar a questão da relação entre o partido

e a consciência de classe, entretanto, ainda num nível mais abstrato (no sentido marxista, de

progressão do abstrato para o concreto). Este capítulo talvez seja o mais inovador uma vez que

propomos depreender um conceito de consciência de classe implícito na obra gramsciana. No

terceiro capítulo retomamos as questões do capítulo anterior, mas em um nível de concretude

maior. Esse capítulo é, portanto, dedicado ao estudo do Moderno Príncipe e é nele que

desenvolvemos - a partir da noção de consciência de classe depreendida no capítulo anterior - a

relação entre os dois conceitos. Procuramos também materializar essa discussão nas intervenções

de Gramsci sobre os rumos da Revolução Russa de 1917, o que nos permitirá contrapor Lênin e

Gramsci na conclusão deste trabalho.

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1 A CONCEPÇÃO DE PARTIDO REVOLUCIONÁRIO EM LÊNIN

Em 1917 um terremoto abala o mundo: os bolcheviques tomam o poder. Os

acontecimentos de Outubro daquele ano na Rússia influenciaram toda uma geração de militantes

socialistas e estabeleceu um novo paradigma para o pensamento revolucionário. As ligações entre

o pensamento de Gramsci maduro ao do líder desta revolução no que tange a questão partidária

foram enfatizadas em maior ou menor medida por inúmeros intérpretes da obra gramsciana.

Poderíamos multiplicar exemplos3, entretanto, seguindo a sugestão de Edmundo Fernandes Dias,

não buscamos neste trabalho identificar a relação de “acerto ou erro em relação à matriz de

‘verdade’ leninista como querem e praticam muitos especialistas em Gramsci4” (Dias, 2000,

p.14). Desse modo, partir de Lênin não é uma atitude maniqueísta que pretende enquadrar o

pensamento de Gramsci na problemática “leninista”. Mas uma tentativa de estabelecer o que

existe de original em Gramsci na problemática que colocamos neste trabalho em relação a um

ambiente cultural do socialismo revolucionário internacional que tinha Lênin como a maior

referência.

Neste sentido, faremos neste capítulo uma análise da concepção lenineana de partido

visando estabelecer, dentro dos limites e necessidades deste trabalho, os pontos essenciais da

relação que Lênin estabelece entre partido revolucionário e consciência de classe, procurando

desenvolver seus possíveis desdobramentos até a emergência do fenômeno stalinista. Para tanto,

selecionamos alguns textos que permitem delinear as linhas gerais dessa concepção. Como a

noção de partido revolucionário em Lênin é um tema complexo e que apresenta várias nuanças no

decorrer do tempo, escolhemos algumas obras que representam o momento inicial da elaboração

da sua concepção partidária e outras que apresentam Lênin já em plena maturidade. Com esta

estratégia de estudo acreditamos que seja possível capturar os principais elementos da concepção

de partido do líder da revolução russa ao longo de toda uma trajetória. As obras escolhidas são:

Que fazer? (1902), Um passo para a frente, dois para atrás (1903), a polêmica de Lênin com

Rosa Luxemburgo presente em Partido de Massas e Partido de Vanguarda (1903), Esquerdismo,

a doença infantil do comunismo (1920) e suas famosas cartas testamentos de 1924.

3 Coutinho (2003), Schlesener (2005), Gruppi (1978), etc. 4 Gruppi (1978) é um ótimo exemplo desse enquadramento.

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1.1 Os fundamentos da concepção lenineana de partido: Que Fazer?

Os grandes partidos de massa da classe trabalhadora surgem no final do século XIX e se

consolidam apenas nas primeiras décadas do século seguinte. Nessa época o capitalismo passava

por profundas transformações: através da consolidação de práticas imperialistas por parte de

países em estágio mais avançado de desenvolvimento econômico, esse modo de produção tornar-

se-ia efetivamente uma realidade global. A luta de classes entre trabalhadores assalariados e

burgueses passa a ocupar o primeiro plano nas lutas sociais devido ao surgimento de um

poderoso e bem organizado movimento operário. Desse modo, uma questão ganharia atualidade:

que fazer?

Escrita entre 1901 e 1902 por Lênin, a brochura Que Fazer? tinha como objetivo

enfrentar essa questão em um ambiente marcado por uma situação em que o Partido Social

Democrata Russo (POSDR) apresentava pouca ou nenhuma solidez organizativa, resumindo-se a

círculos quase independentes entre si e constantemente diluídos pela ação repressiva do regime

ditatorial czarista. Nesta obra Lênin apresenta os elementos centrais da sua concepção partidária,

elementos esses que são reforçados ou corrigidos nas obras posteriores, mas permanecem como

um fio condutor no qual ele constrói sua concepção partidária. É em Que fazer? que aparece a

controversa questão do centralismo democrático. Embora não tenha inventado esse conceito, essa

fórmula resume bem o conteúdo da concepção lenineana de partido. Sua inspiração nesse

momento é a prática e a teoria dos militantes do Partido Operário Social Democrata Alemão

(POSDA) e em especial Karl Kautski. Entretanto, mesmo sem dar conta do alcance de suas

idéias, Lênin ultrapassa em muito as formulações dos seus camaradas alemães e constrói uma

concepção partidária absolutamente original e que até hoje permanece um ponto de controversas.

O POSDA era o maior partido da classe operária no início do século XX e um dos

maiores partidos da Alemanha e, por isso, constituía-se em uma referência obrigatória para os

trabalhadores de todo o mundo. Não é por acaso que ao enfrentar a questão “que fazer?” os olhos

de Lênin estejam também voltados, em certa medida, para a Alemanha. O POSDA neste

momento estava dividido entre duas grandes frações que se organizavam em torno de dois

campos de resposta para a questão de quais objetivos o movimento operário deveria se propor:

Reforma ou Revolução? É exatamente esse o título da célebre obra de Rosa Luxemburgo em que

ela procura refutar as teses do “revisionista” Bernstein. Seria errado e anti-histórico apontar este

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último como o fundador do reformismo, a importância das críticas que Rosa Luxemburgo dirige à

teoria deste está no fato de que ele foi um dos primeiros a teorizar de forma mais sistemática uma

prática que já era comum a uma grande parcela de militantes social-democratas5 da época. Para

Bernstein, seria preciso rever o marxismo – por isso era chamado de “revisionista” - em alguns de

seus elementos centrais, já que o capitalismo segundo ele não caminhava para a derrocada.

Pensava inclusive que seria possível realizar através de uma prática reformista uma melhoria

progressiva desse modo de produção até que ele caminhasse naturalmente para o socialismo.

Segundo Rosa, “a conclusão geral” do pensamento de Bernstein é que a social democracia não

deve “dirigir sua atividade no sentido da conquista do poder político, mas da melhoria da situação

da classe operária” (Luxemburgo, 2003, p.22). Procurando demonstrar que o capitalismo contém

os elementos que geram crises econômicas e sociais, Luxemburgo apresenta o reformismo como

um pensamento oportunista que se inspira na ideologia burguesa e não na consciência de classe

do proletariado, levando ao abandono prático da luta pela construção do socialismo. Contra todo

o mecanicismo de Bernstein que acredita que o socialismo nascerá diretamente do simples

desenvolvimento do capitalismo, Rosa defende que “o proletariado não está em condições de

apossar-se do poder político, a não ser ‘prematuramente’”. Por esta razão, “a oposição à

conquista ‘prematura’ do poder outra coisa não é, no fundo, que uma oposição, em geral, à

aspiração do proletariado a apossar-se do Estado” (Id, ibid, p.105). Assim, ela conclui que “a

recomendação revisionista de pôr de lado a finalidade socialista” – tão bem resumida na frase de

Bernstein: “o objetivo final, qualquer que seja ele não me importa; o movimento que é tudo” –

“leva a outra recomendação que é a de renunciar o próprio movimento socialista” (Id, ibid,

p.105).

Na Rússia um grupo de militantes do POSDR organizados em torno da revista Rabótcheie

Dielo exigia o direito da “liberdade de crítica” às teses centrais do marxismo influenciado pelos

“revisionistas” alemães. Lênin crítica a palavra de ordem “liberdade de crítica” argumentando

que esta nada mais é do que “a liberdade da tendência oportunista no seio da social democracia, a

liberdade de transformar esta última num partido de reformas, a liberdade de introduzir no

socialismo idéias burguesas e elementos burgueses” (Lênin; 1981, tomo 1, p.86). É no calor da

polêmica contra o “bernsteinianismo” russo que Lênin começa a elaborar a sua concepção de

partido. A acusação de doutrinarismo que a R. Dielo dirigia contra o Iskra e a Zariá (estes 5 É importante esclarecer que social-democracia nem sempre foi sinônimo de reformismo, seu sentido era de socialismo nesse momento da história do movimento operário.

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últimos eram órgãos de imprensa da ala do partido da qual Lênin fazia parte) para Lênin não fazia

o menor sentido, pelo contrário, eram os economicistas que deveriam ser considerados

“doutrinários”. Para ele, “um movimento incipiente num país jovem só se pode desenvolver com

êxito desde que aplique a experiência de outros países”. Entretanto, “não basta simplesmente

copiar as últimas resoluções: para isso, é preciso saber assumir uma atitude crítica perante essa

experiência e comprová-la por si próprio” (Id, ibid, p.97). Ora, os “críticos” russos não passariam

de um péssimo exemplo de como não se utilizar uma experiência: na Alemanha a posição dos

revisionistas era diametralmente oposta à posição do bernsteinianos russos. Na Alemanha, os

socialistas revolucionários eram pela manutenção do que existia, pelo antigo programa e tática já

conhecida por todos e os revisionistas queriam ter o direito de liberdade de crítica para poder

introduzir suas idéias reformistas. Na Rússia, eram os socialistas revolucionários que lutavam

pela modificação da estrutura partidária para que o oportunismo fosse combatido de forma mais

eficaz e para que a sua estratégia pudesse ser posta em prática, enquanto os “críticos” reformistas

defendiam que o movimento socialista russo deveria permanecer em sua fase espontânea. Lênin

conclui enfaticamente que: “É precisamente essa ‘pequena’ diferença que nossos ‘livres’

copiadores de resoluções alemães não notaram!” (Id, ibid, p.95).

Falamos em fase espontânea, é exatamente aqui que entra nossa questão principal e os

elementos que estruturam a concepção lenineana de partido. Começamos, então, pela indicação

de Lênin em Que fazer? de que as greves operárias de massa que aparecem na Rússia na década

de 90 do século XIX expressam os embriões da luta de classes. Mas nessa fase elementar, diz

Lênin, “essas greves eram trade-unionistas, não eram ainda luta social-democrata”. Essas lutas

“assinalam o despertar do antagonismo entre operários e patrões, mas os operários não tinham e

nem podiam ter, a consciência da oposição entre seus interesses e todo o regime político” (Id,

ibid, p.101). Isto o leva a compreensão de que “o ‘elemento espontâneo’ não é mais do que a

forma embrionária do consciente” (Id, ibid, p.100). A consciência socialista não pode nascer

naturalmente da prática espontânea de classe, querer prender a luta de classes em sua fase

espontânea corresponde de fato a manter o proletariado preso à sociedade capitalista:

A história de todos os países testemunha que a classe operária, exclusivamente com suas próprias forças, só é capaz de desenvolver uma consciência trade-unionista, quer dizer, a convicção de que é necessário agrupar-se em sindicatos, lutar contra os patrões, exigir do governo estas ou aquelas leis necessárias aos operários. Por seu lado, a doutrina do socialismo nasceu das teorias filosóficas elaboradas por representantes instruídos das classes possidentes, por intelectuais. (Lênin, 1981, tomo 1, p.101.)

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Aqui entra a polêmica questão da consciência que vem de fora da luta espontânea das

massas. Como dissemos, em termos organizacionais a grande influência de Lênin é nesse

momento Karl Kautski. Para este último o papel da social-democracia seria o de levar a ciência

ao proletariado. Isto porque “a consciência socialista é algo introduzido de fora na luta de classes

do proletariado e não algo que surgiu espontaneamente no seu seio” (Kautski APUD Id, Ibid,

p.107. Grifo nosso). O fato de Lênin ter buscado inspiração em Kautski tem provocado inúmeras

confusões na interpretação de seu pensamento, isto porque, a nosso ver, Lênin não segue as idéias

de Kautski de forma passiva, mas as desenvolve e as corrige nos seus aspectos mais

problemáticos. Luciano Gruppi em O Conceito de Hegemonia em Gramsci nos alerta para os

erros muito comuns existentes na interpretação deste aspecto do pensamento de Lênin:

Devemos estar atentos (...) pra um equívoco bastante difundido na interpretação de Lênin. Para Lênin, afirma-se, o partido revolucionário seria exterior à classe operária. Lênin jamais disse coisa do gênero. Ele afirma que a teoria vem de fora [sic], do exterior, mas que o partido é a organização que liga a teoria revolucionária com o movimento; e, portanto, colocando a teoria revolucionária em contato com o movimento, permite um ulterior enriquecimento e desenvolvimento desse último (Gruppi, 1978, p.37)

Ora, avançado as hipóteses de Gruppi, podemos perceber que para Lênin nem mesmo a

própria teoria é algo externo a luta de classes, mas um desenvolvimento orgânico dos elementos

embrionários que nascem da prática espontânea das massas. Assim, Gruppi é obrigado a tentar

confinar “a concepção da teoria que vem de fora (...) às origens, à gênese do partido operário”,

ressaltando que ela não é “aplicável a uma época em que o partido operário já está constituído e

tem suas bases na classe operária. A partir de tal momento, a teoria não vem mais de fora, mas é

elaborada pelo partido do proletário no interior da própria classe operária” (Gruppi, 1978, p.38).

Aqui nos surge a questão: onde Lênin disse isso? Uma leitura diferente de Que Fazer? e que

fosse menos influenciada pelo espectro de Kautski permitiria a Gruppi observar as mesmas

questões levantadas por Bensaïd:

Onde Kautsky escreve que “a ciência” chega aos proletários “do exterior da luta de classes”, introduzida pelos “intelectuais burgueses”, Lênin traduz que a “consciência política” (e não a ciência) vem do exterior da luta econômica (e não da luta de classes, que é tanto política como social), levada não pelos intelectuais enquanto categoria sociológica, mas pelo partido enquanto ator especificamente político. A diferença é substancial. Ela diz respeito à especificidade do político (Bensaïd, 2000, p.181).

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O partido revolucionário é necessário porque o social não se expressa diretamente na

política. Contra a vulgata marxista que apresenta a noção do político como reflexo do econômico,

Lênin elabora uma teoria que visa a desenvolver o elemento subjetivo necessário a uma

revolução socialista. Essas diferenças marcam os germes em que cresceriam as futuras

desavenças entre Lênin e Kautski: embora o primeiro nunca tenha percebido de forma consciente

que longe do segundo ser um simples “renegado”, os problemas que aponta na teoria e prática

posterior de Kautski possuem seus embriões justamente nessas idéias mecanicistas de que a

consciência socialista é exterior a luta de classes. É este elemento que fundamenta o argumento

de Kautski de que a Revolução Russa era “prematura” porque não coincidente com as teorias dos

intelectuais marxistas (entre os quais ele se inclui, naturalmente) que através do seu partido

indicam quando o desenvolvimento das forças produtivas deve gerar mecanicamente o

socialismo6. Para Lênin, pelo contrário, o partido não é o portador da verdadeira consciência de

classe como nos faz pensar as leituras não conseguem o desvencilhar de Kautski7, mas o

instrumento político que permite o desenvolvimento da consciência política. Se a própria

revolução é pensada em Que Fazer? como “uma sucessão de explosões mais ou menos violentas

com períodos de calma mais ou menos profunda”, um progresso na consciência política do

proletariado poderia se perder no momento seguinte. O que coloca como tarefa essencial do

partido desenvolver “um trabalho que é possível e necessário tanto durante o período da explosão

mais violenta como durante o da calma mais completa” (Lênin, 1981, tomo 1, p. 204). Para

Lênin: “O partido é, portanto, o elemento de continuidade nas flutuações da consciência

coletiva” (Bensaïd, 2000, p.180. Grifos nossos).

Falamos em progresso da consciência política, mas em que ela consistiria e no que ela se

diferencia da consciência espontânea da classe operária? A consciência de classe que o

proletariado adquire no terreno da luta econômica é uma consciência fragmentada: dominados

pelo fetichismo da mercadoria, a consciência dos indivíduos proletários, quando é apenas reflexo

das suas condições econômicas de existência, não pode ascender à desnaturalização da ordem

6 Já em 1909 em O caminho do poder Kautski fazia a seguinte afirmação a respeito da revolução socialista: “A evolução da sociedade depende, em último caso, do seu modo de produção, cujas leis [nós, a vanguarda] conhecemos agora com exatidão suficiente para poder reconhecer com alguma segurança a direção na qual necessariamente se realiza a evolução social e extrair conclusões a respeito da marcha da evolução política” (Kautski APUD Guimarães, 1999, p.93). 7 Este seria o mesmo erro que nos conduziria, embora de forma relativizada, uma leitura influenciada por Lukács em História e Consciência de Classe, para quem o partido seria o representante de uma consciência que se pode atribuir ao proletariado de acordo com a missão histórica que esta classe tem na construção do socialismo.

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capitalista, a uma compreensão de que seu modo de existência é passível de ser radicalmente

transformado por sua ação revolucionária. Embora não coloque as coisas em termos de

“fetichismo de mercadoria”, Lênin compreende que “o desenvolvimento espontâneo do

movimento operário marcha precisamente para sua subordinação à ideologia burguesa” (Id, ibid,

p.108). É este o motivo que “tudo o que seja diminuir o papel do ‘elemento consciente’, o papel

da social-democracia, significa – independente da vontade de quem o faz – fortalecer a influência

da ideologia burguesa sobre os operários”. Seria um grande equivoco imaginar “que o

movimento puramente operário é, por si próprio, capaz de elaborar, e que elaborará uma

ideologia8 independente desde que os operários arranquem os seus destinos das mãos dos

dirigentes” (Id, ibid, p.106). Pelo contrário, apenas no campo da política que, através de sua

vanguarda, a classe trabalhadora pode elaborar uma ideologia independente. Essa ideologia se

forma a partir da centralização de todos os elementos de protesto do proletariado ao regime

existente:

Não seríamos “políticos” e sociais democratas senão em palavras (como acontece com efeito) se não tivéssemos consciência do nosso dever de utilizar todas as manifestações de descontentamento de qualquer gênero e de reunir e elaborar todos os elementos de protesto, por embrionário que seja (Id, ibid, p.141. Grifos nossos.).

A especificidade da política se apresenta justamente aqui, ela deve englobar a totalidade

das relações sociais capitalistas. É por isso que a “consciência política não pode ser levada ao

operário senão do exterior, isto é, de fora da luta econômica, de fora da esfera das relações entre

operários e patrões”. A consciência política pode ser definida, desse modo, como um

conhecimento que se obtém “na esfera de todas as classes e camadas com o Estado e o governo,

na esfera das relações de todas as classes entre si” (Id, ibid, p.135. Grifo nosso). A tarefa do

partido é desenvolver esse conhecimento no conjunto dos operários, por este motivo a resposta

para a questão “que fazer?” só pode ser a seguinte: desenvolver “um trabalho de agitação política

unificada em toda a Rússia, que lance luz sobre todos os aspectos da vida e se dirija às mais

amplas massas” (Id, ibid, p.204). É preciso centralizar todos elementos de descontentamento

contra o atual regime político e social, conferir um significado comum, socialista, para estes atos

de descontentamentos contra o regime social que se expressam desde uma manifestação

estudantil até uma grande greve operária de massas. A educação revolucionária do proletariado

8 É importante destacar que Lênin trabalha a noção de ideologia com o sentido de concepção do mundo.

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que permite a essa camada chegar a uma consciência política de classes deverá ser realizada

através de uma “ampla agitação política multiforme” que permita ao partido reunir num todo

indivisível todas essas diversas formas de manifestações em uma “ofensiva de todo o povo contra

o governo” (Id, ibid, p.143).

A formação da consciência política depende do conhecimento das relações entre todas as

classes e camadas sociais, por este motivo que a consciência socialista não vem de fora

introduzida por intelectuais, ela não pode se desenvolver no terreno puramente individual, não

pode se dar no plano das idéias puras e ser levada do exterior para a luta de classes. A

consciência socialista é na realidade, como lembra Gruppi, “o resultado de um processo social, de

uma formação político-ideológica, na qual, o partido (...) joga um papel essencial” (Gruppi, 1978,

p.67). Se ela é “elaborada por intelectuais9” através do partido enquanto expressão política da luta

de classes, essa elaboração se realiza a partir do contato mais íntimo com a classe trabalhadora,

isto é, se é verdade que a consciência vem de fora de uma prática puramente “espontânea” no

terreno de lutas “puramente econômicas”, ela não deixa e nem pode deixar de guardar relações

com estas. Por este motivo, é preciso salvaguardar a “independência de classe” do proletariado,

“a direção da luta econômica da classe operária e utilização dos seus conflitos espontâneos com

seus exploradores” (Lênin, 1981, tomo 1, p.143). Afinal, são esses “conflitos que põem em pé e

atraem sem cessar para o nosso campo novas e novas camadas do proletariado!” (Id, ibid, p.97).

Vemos aqui como Lênin se aproxima da forma como Bensaïd – provavelmente inspirado em

Lênin – coloca o problema da consciência de classe em Marx, o Intempestivo: na “dinâmica das

relações de classe, a subjetividade da consciência não pode emancipar-se arbitrariamente da

estrutura, tanto quanto a objetividade do ser não pode destacar-se passivamente da consciência”

(Bensaïd, 1999, 168). Assim como Bensaïd, Lênin apresenta-se distante da de “toda concepção

mecânica da passagem do em-si ao para-si (...) em que o tempo faria um papel de mediador

9 “Isto não significa, diz Lênin em uma nota de rodapé, naturalmente, que os operários não participem nessa elaboração. Mas não participam como operários, participam como teóricos do socialismo como os Proudhon e os Weitiling; noutros termos, só participam no momento e na medida em que consigam dominar, em maior ou menor grau, a ciência da sua época e fazê-la progredir. E para que os operários o consigam com maior freqüência é preciso esforçar-se o mais possível por elevar o nível de consciência do operário em geral; é preciso que os operários não se confinem ao quadro artificialmente restrito da ‘literatura para operários’, mas aprendam a assimilar cada vez mais a literatura em geral. Seria mesmo mais justo dizer, em vez de ‘não se confinem’, ‘não sejam confinados’ porque os próprios operários lêem e querem ler tudo quanto se escreve também para os outros intelectuais, e só alguns (maus) intelectuais pensam que ‘para os operários’ basta falar das condições nas fábricas e revisar aquilo que já sabem há muito tempo” (Lênin, 1981, tomo 1, p.107).

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neutro. Consciência e inconsciência de classe enlaçam-se num abraço perverso e não deixam de

se enganar mutuamente10” (Id, ibid, 168).

Dissemos que em Que fazer? Lênin apresenta os elementos fundamentais de sua

concepção de partido. Após tudo que dissemos acima, estamos em condições de colocar a

questão: quais seriam estes elementos11? Inspiramos-nos para este trabalho de sistematização em

três intérpretes do pensamento de Lênin, a saber: Ernest Mandel, Luciano Gruppi e em especial

Daniel Bensaïd.

1) O primeiro elemento - e ao que nos parece, o mais importante deles - é a distinção entre

a política e o social levantada por Bensaïd (2000): não é por acaso que a luta principal de Lênin

em Que fazer? seja dirigida especialmente contra os “economicistas”, os quais ao não

distinguirem a especificidade do terreno da política, resumem a luta de classes ao nível de uma

luta meramente sindical.

2) A distinção de diferentes níveis de consciência da classe trabalhadora. Esta questão é

levantada por Ernest Mandel em Teoria Leninista de Organização. Se as contradições sociais que

nascem no terreno da economia não se apresentam diretamente nas consciências dos indivíduos,

mas apenas através da sua forma transmutada da política, a consciência imediata dos operários

não pode ultrapassar o terreno do trade-unionismo. A consciência política de classe depende da

experiência social, política e teórica que cada indivíduo realiza. Como a teoria só pode ser

aprendida individualmente (embora em última instância tenha sempre uma base social), alguns

indivíduos de uma classe podem chegar a uma consciência política - isto é , uma consciência que

leva em conta as relações de todas as classes e grupos sociais em nível nacional e internacional -

mais elevada que outros.

10 A noção de Lukács em História e Consciência de Classe da passagem do em si ao para si, no seio da totalidade, apesar de ser inspirada em Lênin, não pode deixar dele se afastar: “Erigido em cumprimento do ‘para si’ este último [o partido] torna-se ‘a forma da consciência proletária’, investido do ‘elevado papel de ser o portador da consciência de classe do proletariado, a consciência de sua missão histórica’. Mais ‘leninista’ que Lênin, Lukács recai então paradoxalmente na confusão do partido e da classe, que o autor de Que fazer? desejava precisamente evitar. No discurso da II Internacional, essa confusão tende a identificar o partido com o movimento histórico multiforme da classe, em Lukács, ela tende a absorver a classe no partido” (Bensaïd, 1999, p.170). 11 Evidentemente que não pretendemos através desse trabalho de síntese que estamos realizando agora dar conta de toda a riqueza do pensamento de Lênin, toda sistematização implica em redução: a realidade é sempre mais complexa que a teoria, os conceitos não esgotam as possibilidades do real e a sistematização de um pensamento é sempre amputá-lo como elemento vivo em diálogo permanente com a riqueza histórica de sua época. Penso, no entanto, que para nossos objetivos nesse trabalho é de fundamental importância apresentar aqueles elementos que consideramos essenciais na concepção de partido desenvolvida por Lênin ao longo de sua trajetória política, mas que já se apresentam em germe já em Que fazer?. Elementos esses que são corrigidos, aprofundados ou mesmo distorcidos ao longo de uma trajetória, mas que, sobretudo, demonstram a força e atualidade da concepção de partido do principal líder da Revolução Russa de 1917.

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3) Do fato de que os indivíduos da classe possuem níveis diferenciados de consciência, o

partido em Lênin, deve ser entendido como o “momento da consciência e da direção” (Gruppi,

1978, p.34). O partido é encarado dessa forma, como parte constitutiva desta classe, mas uma

parte que se coloca como um destacamento de vanguarda, um destacamento daqueles indivíduos

com o nível de consciência política mais elevado.

Estes três elementos combinados constituem os fundamentos nos quais Lênin constrói o

princípio da sua teoria de organização e que poderíamos resumir na fórmula “centralismo

democrático”. A distinção entre o político e o social redunda na necessidade de delimitar o

partido frente à classe, o que implica na seleção rigorosa de seus membros a partir da distinção de

diferentes níveis de consciência: o partido revolucionário é um partido em que os setores da

classe que chegaram a uma consciência socialista – e por isso são denominados de vanguarda –

se organizam de forma centralizada para realizar seus objetivos estratégicos. A democracia é

fundamental para que a consciência política, da qual o partido é um dos seus momentos, seja

construída e assimilada pelo conjunto dos membros do partido e não apenas por seus dirigentes.

“A democracia é funcional para a reflexão e a decisão, o centralismo para uma ação que visa

mover as linhas, deslocar as correlações de forças. Trata-se de necessidades gerais. São

irredutíveis a tal ou qual técnica de organização” (Bensaïd, 2000, p.179).

1.2 Lênin e o bolchevismo: Um passo à frente, dois para trás

Lênin empenha-se em colocar sua teoria na prática, fazer da sua concepção de partido

uma organização política concreta. Em Que fazer? apresenta a proposta de um jornal unificado

do POSDR para toda a Rússia. O partido, nesse momento, era algo dissolvido em uma série de

círculos e jornais locais e, por isso, era incapaz de qualquer disputa no terreno da política

nacional. O partido era, nas palavras de Lênin, um “disforme conglomerado de organizações

locais” entre os quais “não havia mais nexo de união que um nexo ideológico, puramente

espiritual” (Lênin apud ______ e Luxemburgo, 1981, p.49). A proposta de um jornal unificado

nacionalmente tinha como meta fornecer um elemento de organização centralizada para toda a

Rússia permitindo superar a dispersão e levar em frente uma prática política que permitisse a

construção de uma consciência política nas grandes massas.

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O próximo passo para ser dado nessa direção seria a defesa de sua concepção partidária

no II Congresso do POSDR realizado em meados de 1903: “O programa do Iskra e a orientação

do Iskra deviam tornar-se o programa e a orientação do partido, os planos do Iskra em matéria de

organização [expressos em Que fazer?] deveriam ser consagrados nos estatutos” (Lênin, 1981,

tomo 1, 222). Entretanto, não apenas a fração dos economicistas da R. Dielo liderados por

Martinov se voltaram contra os planos de Lênin, mas também uma parte do Iskra liderada por

Mártov. O POSDR a partir deste congresso se dividiria permanentemente em dois grupos que

mais tarde, em 1912, formariam efetivamente dois partidos diferentes: bolcheviques (maioria) e

mencheviques (minoria), sendo que o primeiro se tornou a expressão prática da teoria lenineana

de partido.

A disputa no terreno de organização no referido congresso pode ser resumida na disputa

pelo conteúdo daquele que seria o parágrafo primeiro do estatuto do partido:

§1. do meu projeto [de Lênin]: “Considera-se membro do partido todo aquele que aceita o programa e apóia o partido tanto materialmente como pela sua participação pessoal numa das organizações do partido”. §1. da fórmula proposta por Mártov no Congresso e adotada pelo Congresso12: “Considera-se membro do Partido Operário Social-Democrata da Rússia todo aquele que aceita o seu programa, apóia materialmente o partido e lhe dá o seu apoio regular sob a direção de uma de suas organizações”. (Id, ibid, p.245).

Estas duas fórmulas expressam a essência de duas concepções partidárias distintas: a

fórmula proposta Martóv, segundo Lênin, defende “uma organização do partido difusa e não

fortemente cimentada (...) permitindo a qualquer professor, a qualquer estudante do liceu e a

qualquer grevista declarar-se membro do partido” (Id, ibid, p. 218), desde que dê seu apoio

regular ao partido. Já Lênin coloca através de sua fórmula a “exigência de que o partido, como

destacamento de vanguarda (...) só aceite nas suas fileiras aqueles elementos que admitam, pelo

menos, um mínimo de organização” (Id, ibid, p. 254), que aceitem minimamente a disciplina do

partido porque acreditam realmente no socialismo e não apenas “apóiem” o partido porque

possuem simpatias com o ideal socialista. O partido não é a classe, mas a parcela dela que chegou

à compreensão da necessidade do socialismo, parcela esta que deve se organizar de forma

centralizada para atingir seus objetivos. Um “grevista”, um “professor” ou um “intelectual” que

12 Se por um lado foi aprovado que o Iskra seria o órgão literário do partido, por outro lado não prevaleceu nesse congresso a concepção partidária de Lênin devido à união dos economicistas com a minoria do Iskra. Com a retirada do congresso dos economicistas e outros grupos locais, os bolcheviques se tornaram a maioria no final do congresso.

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os sociais-democratas reconheçam ter chegado à consciência socialista deve ser incluído em uma

organização do partido e trabalhar por ela, não teria porque ser diferente. Caso contrário, se os

membros do partido não o reconhecem como social-democrata, seria “insensato e prejudicial

conferir-lhe o direito de usar o título honroso e cheio de responsabilidades de membro do

partido” (Id, ibid,, p.255). O que está em jogo aqui é a delimitação do partido frente à classe uma

vez que:

do ponto de vista de Mártov as fronteiras do partido ficam absolutamente indeterminadas, porque ‘qualquer grevista pode ‘declarar-se membro do partido’. Qual é proveito de tal imprecisão? A ampla difusão de um título. O seu prejuízo consiste em provocar a idéia desorganizadora da confusão da classe com o partido. (Id, ibid, p.261)

Muito mais do que o simples centralismo, a fórmula de Lênin visa distinguir o partido da

classe. O partido não é classe uma vez que a consciência dos indivíduos no terreno da luta

política não expressa diretamente as contradições que nascem no terreno da economia. Para

Lênin, “precisamente devido à existência dos diferentes graus de consciência e de atividade é

necessário estabelecer uma diferença no grau de proximidade do partido” (Id, ibid, p.256).

A obra de Lênin Um passo à frente dois para trás sofreu um duro ataque de Rosa

Luxemburgo no artigo Questões de Organização da Social-Democracia Russa, publicado no Die

Neue Zeit (órgão de imprensa do POSDA). A avaliação crítica que Luxemburgo faz da obra de

Lênin é a de que esta consiste em uma “exposição sistemática das opiniões da tendência ultra-

centralista do partido russo”. Para ela, não é que se deva ignorar que “é próprio a social-

democracia uma forte tendência de centralização”. Uma vez que “sua missão é a de representar,

dentro das fronteiras de um Estado, os interesses comuns do proletariado enquanto classe, e de

contrapor esses interesses gerais a todos os interesses particulares e de grupo”, esta não pode

deixar de ser “profundamente hostil a toda manifestação de particularismo ou federalismo

nacional” (Luxemburgo apud Lênin e ______, 1981, p.13-14). O problema seria o grau de

centralização que a tendência do POSDR da qual Lênin fazia parte colocava. Para Rosa a

concepção de partido de Lênin seria “uma transposição mecânica dos princípios blanquistas de

organização dos círculos de conjurados ao movimento socialista das massas operárias” (Idem

apud id, ibid, p.17). Esse centralismo blanquista, segundo ela, baseava-se na idéia de que um

grupo de conspiradores deveria agir no lugar da massa. Uma vez que “não se colocava o

problema da ação imediata da classe operária (...) podia deixar de lado a organização das

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massas”. A “tática, como também os objetivos concretos da ação, que já eram improvisados

livremente a partir da inspiração e sem contato com o terreno da luta de classes elementar (...)

tomavam a forma de um plano predeterminado”. Desse modo, “os membros ativos da

organização se transformavam em simples órgãos executores das ordens de uma vontade fixada

com antecipação fora de seu próprio campo de atividade, isto é, em instrumentos de um comitê

central”. Já a social-democracia “surge historicamente da luta de classes elementar (...) somente

no curso da luta se recruta o exército do proletário e este toma consciência dos seus fins” (Idem

apud Id, ibid, p.15-16). O centralismo, no sentido socialista “não poderia ser uma concepção

absoluta aplicada a qualquer fase do movimento operário: é necessário concebê-lo como uma

tendência que se converte em realidade na medida do desenvolvimento e da educação política das

massas operárias no curso de suas lutas” (Idem apud id, ibid, p.12).

Ora, Lênin de forma alguma concebe o partido segundo esse esquema “jacobino” traçado

por Rosa. Ele diferencia as várias etapas históricas concretas da organização do proletariado na

Rússia e seu objetivo é justamente superar a fase em que prevalece unicamente o movimento

espontâneo. Se Luxemburgo mesmo concebe a organização como “produto da luta de classes, à

qual a social-democracia dá simplesmente consciência política” (Idem apud Id, ibid, p.10), ela

não se afasta tanto assim quanto pensa das concepções de Lênin. Por isso, este último poderá

responder a essas acusações lembrando que o que defende “ao longo de todo o livro (...) são os

princípios elementares de qualquer organização de partido que se possa imaginar” (Lênin apud

Id, ibid, p. 41). Com isso, ele diferencia os princípios dos métodos de organização, afirmando que

seu objetivo nessa obra era simplesmente fazer com que o POSDR se organizasse de acordo os

princípios defendidos por Luxemburgo de acordo com métodos necessários para a conjuntura que

vivia na Rússia. Lênin sempre insistiu na ligação do partido com as massas operárias e não na

separação dos “conjurados” do seu “meio-ambiente”. A delimitação do partido frente à classe

decorre da diferença real do político e do social que o marxismo vulgar desconsidera. Essa

diferença faz com que seja necessário distinguir o partido da classe para que a luta de classes

possa se expressar em todas suas dimensões no terreno da política. Trata-se de diferenciar para

poder unir. Fica claro, portanto, que Lênin visa uma política efetiva de massas e não uma política

de “conjurados”.

As diferenças entre os dois revolucionários consistem, então, em primeiro lugar no fato de

que por fazer parte de um movimento operário com uma história política muito mais vasta do que

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o nascente movimento operário russo, Rosa estava muito mais atenta do que Lênin aos riscos do

conservadorismo da própria organização proletária e, conseqüentemente, do perigo que a

burocratização do partido representa para a construção do socialismo. Em seu embate contra o

reformismo alemão irá opor “a ação espontânea das massas à política conservadora das direções

sociais-democratas” (Introdução de Id, ibid, p.7). Em segundo lugar, reside no fato de que Rosa

não percebe que não é através da simples espontaneidade que o movimento socialista progride,

mas na dialética entre a luta elementar e o elemento consciente. Dissemos e vale repetir: muito

mais que o centralismo é a delimitação entre a política e o social que visa atingir a obra de Lênin,

pois somente dessa forma é possível dominar a realidade e não apenas seguir passivamente as

determinações estruturais. Por isto, as críticas de Luxemburgo não se justificam como um todo:

se por um lado pode até ser verdade que Lênin minimiza os perigos decorrentes do

conservadorismo da organização, elemento que está na base da futura burocratização do partido

bolchevique; por outro lado, Rosa não tem em mente as condições concretas da luta contra o

oportunismo que desenvolvia na Rússia neste momento. Na Alemanha devido à existência do

parlamentarismo, o oportunismo alimentava o conservadorismo da organização, na Rússia o

oportunismo se apresentava contra a passagem da luta no terreno econômico à consciência

política socialista sob diversas formas de luta contra o centralismo democrático. A passagem da

luta elementar para a luta política, a passagem da organização de classe dispersa para o “auto-

centralismo” (para usar um termo de Luxemburgo) não é um fato simplesmente objetivo,

espontâneo. Apostar simplesmente na espontaneidade contra o conservadorismo da direção é,

segundo as concepções de Lênin, não conseguir ultrapassar o nível da consciência espontânea da

classe, isto é, ultrapassar a consciência reformista, é atuar dentro dos limites da ideologia

burguesa e não dentro de uma ideologia proletária autônoma. Se por vezes a luta espontânea das

classes apresenta-se sob forma revolucionária e, por isso, em oposição ao conservadorismo dos

dirigentes burocratizados, por outro lado, estas lutas só adquirirem um conteúdo revolucionário

quando está presente o elemento consciente. Não selecionar os membros que chegaram a uma

consciência socialista implica que o partido seja predominantemente constituído de elementos

com consciência no nível elementar. Em decorrência disto, são os dirigentes reformistas que terão

o controle sobre o partido. Sem distinguir o político e o social, o partido se torna mero reflexo das

condições objetivas, como reflexo o efeito nunca será capaz de superar a causa, isto é, a política

nunca será capaz de superar um modo de produção. Não basta dar títulos de sociais democratas a

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todos que assim se declararem, se a revolução socialista será obra da própria classe trabalhadora e

não de um grupo de conjurados, é preciso que a maioria, senão toda a classe, seja conquistada

para a “ideologia” socialista. Nada mais prejudicial a esta tarefa necessária da social-democracia

de elevar a consciência de camadas cada vez mais ampla da população do que contar no seu

interior com elementos que não se proponham a este objetivo, que se utilizem o título de social-

democrata para fins particulares ou outros fins prejudiciais aos interesses do proletariado. A

organização partidária deve levar em conta as condições objetivas da luta de classes, assim, o

centralismo na Rússia deveria ser ainda mais rigoroso, pois o partido foi levado várias vezes à

dissolução devido a constante infiltração de informantes a serviço da repressão czarista no seu

interior. Um centralismo um pouco exagerado é fruto das condições políticas na Rússia desta

época, não uma questão de princípio13. O próprio Lênin corrigiria mais tarde seus excessos e o

partido bolchevique, como podemos observar concretamente na história, sempre irá modificar sua

estrutura interna de acordo com as circunstâncias de legalidade ou ilegalidade14. Por este motivo,

podemos concluir que no debate Lênin e Luxemburgo não estão contrapostos uma concepção de

partido de quadros contra um partido de massas: segundo as concepções de Lênin quanto mais de

massas for um partido de vanguarda, melhor. Trata-se, principalmente, de uma oposição do

espontaneísmo exagerado de Rosa às concepções de Lênin mal interpretadas por ela.

Dissemos que Lênin se baseia na dialética entre o elemento espontâneo e o consciente. Se

em Que fazer? essa dialética ainda está em um estado embrionário no pensamento de Lênin, a

experiência da Revolução Russa de 1905 fez com que assimilasse ainda mais a importância do

elemento “espontâneo”. Dessa forma, ele irá afirmar já em novembro do mesmo ano que: “A

classe operária russa é instintiva e espontaneamente social democrata e mais dez anos de trabalho

dos social democratas contribuíram para transformar a dita espontaneidade em consciência de

classe” (Lênin apud Broué, 2005, p. 45). Mas é apenas após assimilar as lições que conduziram à

Revolução de Outubro que ele poderá apresentar em 1920, na obra Esquerdismo, a doença

infantil do comunismo, essa dialética em uma forma mais acabada, ao completar a crítica ao

espontaneísmo economicista com a crítica à extrema esquerda da social-democracia internacional

que se colocava como representante das massas sem, no entanto, fazer uma política de massas.

13 Como bem lembra Netto (1982), quando soube que Que fazer? seria publicado em outros países, Lênin temeu que não compreendessem que os seus exageros deviam-se a condições específicas das condições políticas existentes na Rússia. Por este motivo pediu que essa publicação fosse acompanhada de inúmeras notas explicativas. 14 Ver Broué (2005).

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O primeiro elemento dessa obra que devemos considerar é o fato de que Lênin, imbuído

de realismo político, toma como um dado a existência de lideranças e massas: para pensarmos em

classes sociais no nível político devemos pensar no papel dos partidos, pois estes são elementos

que constituem a forma especificamente política em que a luta de classes se expressa:

as classes são habitualmente e na maioria dos casos, pelo menos nos países civilizados modernos, dirigidas por partidos políticos; - os partidos políticos são dirigidos, regra geral, por grupos mais ou menos estáveis, compostos pelas pessoas mais prestigiadas, influentes e experientes, eleitas para os cargos de maior responsabilidade e chamadas de chefes. Tudo isso é o á-bê-cê, tudo isso é simples e claro (Lênin, 1981, tomo 3, p.294).

Uma vez que temos isto em mente, precisamos diferenciar no processo de

desenvolvimento da consciência de classe o modo como ela se desenvolve nas grandes massas e

na vanguarda e a relação entre estes desenvolvimentos distintos. A vanguarda pode chegar à

consciência socialista mediante a propaganda das teorias socialistas: enquanto se trata “de ganhar

para o comunismo a vanguarda do proletariado, a propaganda avança para o primeiro lugar” (Id,

ibid, p.331). Já a consciência socialista nas grandes massas não se desenvolve mediante a

incorporação de uma teoria que o partido difundiria em toda a sociedade como pretende o

esquerdismo, mas apenas através da experiência prática: “para que realmente toda a classe, para

que realmente as amplas massas dos trabalhadores e dos oprimidos pelo capital cheguem a tal

posição, a propaganda e a agitação por si sós não bastam. Para isso é necessária a própria

experiência política destas massas” (Id, ibid, p.330) . É apenas através da experiência de lutas

concretas na vida política que as massas podem chegar a uma consciência socialista, esta não

decorre nem dos ensinamentos das teorias marxistas, nem é mero reflexo das contradições

econômicas.

Contra o marxismo vulgar que leva em consideração apenas o econômico, Lênin percebe

a manifestação das contradições sociais que nascem no terreno econômico em todos os aspectos

da vida social: para ele o “comunismo ‘surge’ literalmente de todos os aspectos da vida social, os

seus germes existem literalmente em toda parte” (Id, ibid, p.336). A vanguarda precisa estar

atenta a todos os sintomas em que a contradição econômica pode se expressar na política15: “não

sabemos nem podemos saber qual a centelha – das inúmeras centelhas que agora jorram por toda

15 “O ‘contágio’ (...) penetrou muito firmemente no organismo e impregnou completamente todo o organismo. Se se ‘fecha’ com particular cuidado uma das saídas, o ‘contágio’ encontrará outra saída, por vezes a mais inesperada”. (Lênin, 1981, tomo 3, p.336).

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a parte em todos os países, sob a influência da crise econômica e política mundial - poderá atear o

incêndio, no sentido de despertar especialmente as massas16” (Id, ibid, p.335). O papel da

vanguarda é, então, interpretar esses impulsos espontâneos das massas e traduzi-los em lutas

políticas, uma vez que as massas chegam à consciência da necessidade da luta socialista “pela

justeza da direção política que esta vanguarda exerce, pela justeza de sua estratégia e de sua tática

políticas, com a condição de que as mais amplas massas se convençam disso por experiência

própria” (Id, ibid, p.281). Em suma, que internalizem por conta própria a disciplina

revolucionária, não porque o partido impõe uma consciência de fora. Nesse processo não existe

garantia contra erros, isso se explica porque:

A história em geral e a histórias das revoluções em particular, é sempre mais rica de conteúdo , mais variadas, mais ‘astutas’ do que imaginam os melhores partidos, as vanguardas mais conscientes das classes mais avançadas. As melhores vanguardas exprimem a consciência, a vontade, a paixão, a fantasia de dezenas de milhares de homens, enquanto que a revolução fazem-na, em momentos de particular ascenso e tensão de todas as faculdades humanas, a consciência, a vontade, a paixão e a fantasia de dezenas de milhões de homens aguilhoados pela mais aguda luta de classes (Id, ibid, p.332).

A revolução não é assunto de vanguarda, mas de milhões de homens. Por isso, o partido

não pode ser o portador da verdadeira consciência de classe. Lênin afirma inclusive que, por

vezes, as massas podem chegar mais próximas da consciência socialista que os seus líderes: “A

divergência entre os ‘chefes’ e a ‘massa’ manifestou-se de modo particularmente claro e nítido

em todos os países no final da guerra imperialista e depois dela”. Entretanto, “chegar a este

propósito à contraposição em geral da ditadura das massas à ditadura dos chefes é um absurdo

ridículo e uma estupidez” (Id, ibid, p.294. Grifo nosso). Nada autoriza, portanto, a afirmar que

concepção lenineana de partido se assemelha a um “jacobinismo” em que a vanguarda substitui a

classe na revolução. Se a construção do socialismo não é algo que deriva automaticamente do

desenvolvimento das forças produtivas objetivas como supõe o marxismo vulgar, a vitória da

revolução socialista depende do desenvolvimento da consciência de classe até um nível de

consciência política nas grandes massas que permita a classe trabalhadora agir, quase ou mesmo

toda ela, de forma coerente em uma direção comum. Depende da construção de uma sólida

disciplina revolucionária cujas condições “não podem surgir de repente” uma vez que “vão se 16 Por este motivo, Bensaïd percebe Lênin “como se fosse um psicanalista atento aos deslocamentos’ e ‘condensações’ em ação nas neuroses, compreende que as contradições econômicas e sociais não se exprimem diretamente, mas sob a forma específica, deformada e transformada, da política” (Bensaïd, 2000, p.164).

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formando através de um trabalho prolongado de uma dura experiência”. A formação dessas

condições, diz Lênin “é facilitada por uma teoria revolucionária justa, que, por sua vez, não é um

dogma, mas só se constitui de forma definitiva em estreita ligação com a prática de um

movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário” (Id, ibid, p.282). A

tarefa da vanguarda nada mais é do que a de traduzir os impulsos da massa e incorporar as

diversas experiências em um corpo teórico constantemente revisto pela prática.

Sem garantias de verdades abstratas, sem partido onisciente, sem dirigentes infalíveis:

não seria muito pouco o que a teoria de partido de Lênin teria a nos oferecer? Nos parece, pelo,

contrário, que é bem por isso que Lênin continua tão atual...

A Revolução de 1917 não foi, portanto, um golpe de conspiradores jacobinos astutos. A

importância fundamental do momento espontâneo para a revolução fica clara ao constatarmos

que seus primeiros anos foram marcados por profundas modificações sociais no nível de relações

pessoais a partir de um impulso espontâneo do próprio povo russo. Assim, por exemplo,

Alexandra Kolontai (1981) registra que durante a guerra civil que se seguiu à Revolução de

Outubro o partido bolchevique teve de apelar inúmera vezes para a ação criativa das massas na

luta contra a reação. Marc Ferro, segundo Bensaïd, assinala que a Revolução Outubro em seus

primeiros anos afetou “até os detalhes da vida cotidiana: em Odessa, os estudantes ditam aos

professores um novo programa de história; em Petrogrado, os trabalhadores obrigam os patrões a

aprender ‘o novo direito operário; no exército, os soldados convidam o capelão a sua reunião

para dar sentido a sua vida’” (Bensaïd, 2000, p. 170).

Contudo, o X Congresso do Partido Comunista (bolchevique) da Rússia – o qual deriva da

fração bolchevique do POSDR – consolidaria profundas alterações nos rumos da Revolução

Russa e do partido. Realizado em 1921, este congresso ocorre em uma conjuntura muito árdua: a

Rússia dos sovietes estava arruinada pelas guerras. A Revolução ocorreu ainda durante a I Guerra

Mundial, a qual apenas terminaria para a Rússia em 1918 com a assinatura do tratado de Brest-

Livotsk17. Logo após, o país mergulhou em uma longa e sangrenta guerra civil em que o

movimento contra-revolucionário encontrou apoio de diversas nações imperialistas que temiam o

avanço do socialismo. Como observa José Paulo Netto: “O ‘comunismo de guerra’ – confisco

total da produção pelo Estado - não podia ser mantido: em 1921, 36 milhões de pessoas não

17 Nesse tratado foram acordados os termos de paz entre a Rússia e a Alemanha, com condições altamente desfavoráveis à primeira.

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tinham o que comer18”. Em resposta a esta situação Lênin junto com outros dirigentes propõe e

aprova neste congresso uma série de medidas que seriam batizadas com o nome de nova política

econômica (NEP). Com isto ocorreria “uma ‘abertura’ na economia, fazendo concessões ao

capitalismo” (Netto, 1982, p.12). Essas medidas visavam manter o apoio das massas camponesas

e da pequena burguesia urbana, bem como um desenvolvimento da economia do país através da

competição do Estado com a iniciativa privada. Outra medida provisória da NEP foi a

implementação do toyotismo no país: a decisão sobre a forma e conteúdo da produção deixa de

pertencer aos operários e passa para as mãos de “especialistas”. A isto, soma-se o fato de que a

classe operária estava destroçada tanto quantitativamente como qualitativamente. Assim, seus

melhores quadros sucumbiram na luta ou foram incorporados ao aparelho de Estado. Essas

condições facilitavam a burocratização da vida estatal e partidária, uma vez que o aparelho

partidário tendia a cada vez mais se confundir com o aparelho de Estado: a debilidade numérica

de quadros intermediários do movimento operário provocava uma enorme distância entre a

vanguarda do partido e o proletariado e, além disso, o destino da vida política e estatal era cada

vez mais entregue às mãos de “especialistas”. Como se tudo isto não fosse o suficiente, visando

manter a coesão do partido nessas difíceis condições Lênin, apoiado por Trotski e outros

dirigentes, propõe e consegue aprovar com ampla maioria durante este mesmo congresso a

interdição de frações no interior do partido19 em uma situação em que os demais partidos tiveram

de ser suprimidos “em razão das suas posturas na guerra civil” (Id, ibid, p.12). O “centralismo

democrático” converter-se-ia progressivamente em “centralismo burocrático”. A profecia do

substitucionismo já teorizada por Trotski em 1904 se concretizaria alguns anos mais tarde: a

burocracia do partido prevaleceria sobre a classe e um homem providencial sobre o partido.

Já então [em 1932] Stalin expressava justamente a vontade política daquele segmento que emergira nos inícios da década anterior e vicejara nos anos subseqüentes: os quadros do aparelho estatal-partidário. Estabelece-se entre Stalin e este segmento uma relação simbiótica: assegurando, através dele, o controle administrativo do partido e do Estado, e formulando os seus projetos no plano político, Stalin ganhou, com este segmento, uma ponderável autonomia em face do partido e do Estado (Id, ibid, p.17).

18 “De fato, o rescaldo dos anos das guerras era simplesmente aterrador: entre os anos de 1909/1913 e 1921, a colheita de cereais caiu de 4079 para 1617 puds, tomando o índice de 100 para o ano de 1914, em 1921 a produção de carvão descera para 30,8, a de petróleo para 42,7 e a de ferro para 1,6! A população baixou de 164,8 milhões de habitantes, em 1913, para 152,3 milhões, em 1922 - com o proletariado sendo brutalmente afetado: dos 3.500.000 operários industriais de 1913, só restavam 1.118.000 em 1922” (Netto, 1982, p.12). 19 É importante registrar, entretanto, que os membros do partido que eram contrários a essa posição tiveram todo direito de publicizar sua opinião com financiamento do próprio partido.

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Entre os dirigentes bolcheviques é Alexandra Kollontai uma das pessoas que se opõe de

forma mais enfática ao processo em curso de burocratização do Estado e, conseqüentemente, do

partido, já nos primeiros anos da revolução russa. Kollontai organiza uma fração denominada de

“Oposição Operária”, a qual se oporia a idéia de Lênin de que, durante certo período, não seriam

os operários que deveriam organizar a produção, mas especialistas pequeno-burgueses indicados

pelo partido até que através um longo período de aprendizado a classe pudesse autogerir o

processo de produção. Para a “Oposição Operária” o controle da produção deveria passar

diretamente para o controle dos sindicatos, a proposta lenineana segunda ela reforçaria o processo

de burocratização da vida estatal e partidária em claro desenvolvimento (Kollontai, 1980).

Coerente com sua idéia de distinção entre o político e o social, Lênin acusará “Oposição

Operária” de ser um nome “desagradável” uma vez que “rebaixa novamente o político ao social,

e pretende que a gestão da economia nacional caiba diretamente aos ‘produtores agrupados em

sindicatos de produtores” (Bensaïd, 2000, p.183). A ditadura do proletariado deve buscar o

consenso da pequena burguesia ao seu projeto, a gestão da economia não poderia atender apenas

os interesses corporativos do proletariado, o qual supostamente ainda não estaria pronto diante

das condições concreta vividas pela Rússia para exercer a gestão sem um período de aprendizado.

Assim, Lênin mantém uma posição original em relação ao papel dos sindicatos. Enquanto Trotski

defende a militarização do sindicato afirmando que este deveria se tornar um aparelho controlado

por dirigentes partidários e que possuísse um papel coercitivo educando o proletariado no espírito

do partido, Lênin “constatando a fragilidade da classe operária, defende a liberdade sindical (...):

considera que os operários devem ter instrumentos de defesa em face do seu próprio Estado que,

nesse momento, é um ‘Estado proletário [e camponês] com deformações burocráticas20’” (Netto,

1982, p.13). Entretanto, essa constatação das “deformações burocráticas” do Estado e do partido

não levou Lênin a tomar medidas eficazes para combatê-las. Seus últimos escritos atestam sua

impotência diante do perigo do elemento burocrático. Na sua carta testamento ele crítica a Stalin,

registrando que esse “tendo-se tornado secretário-geral concentrou em suas mãos um poder

imenso, e não estou certo que saiba sempre utilizar este poder com suficiente prudência”.

Qualificando Stalin de “demasiado rude”, recomenda que este seja destituído do cargo e sugere

20 Ver também Bensaïd, 2000, p.184: “No debate sobre os sindicatos, em que Trotski defende, em nome do comunismo de guerra, a militarização dos sindicatos, Lenin sustenta uma posição original (...). Porque não é um órgão político de poder, o sindicato não poderia transformar-se em ‘organização de Estado coercitiva’. Ele situa-se no sistema ‘entre o partido e o Estado’, se ‘podemos exprimir-nos dessa forma’ (...). Nos primeiros anos da revolução não havia restrição do direito de greve e o conselho dos comissários chegou a organizar um fundo de greve”.

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que seja substituído por alguém “mais tolerante, mais leal, mais cortês, etc.” (Lênin, 1981, tomo

3, p.641). Nesta mesma carta, qualifica Trotski como “o homem mais capaz do atual CC, mas

[que] peca por excessiva confiança em si próprio” (Id, ibid p.640). Este último embate de Lênin

revela claramente a falsa consciência do problema: “Enquanto a revolução é assunto de povos e

de multidões, Lênin moribundo está imaginado o futuro, avaliando os vícios e virtudes de um

punhado de dirigentes de quem tudo parece agora depender” (Bensaïd, 2000, p. 172).

Os dois anos que se seguem à morte de Lênin é um período de aprofundamento da disputa

entre Trotski e Stalin. Este último venceria o duelo ao aproveitar-se da admiração que a classe

trabalhadora em geral assim como os dirigentes partidários possuíam por Lênin, apresentando-se

como legítimo herdeiro deste. Assim, se aproveita com habilidade de “reais inflexões do

pensamento de Trotski”, expondo uma argumentação sempre no sentido “de estabelecer entre

Trotski e Lênin uma fratura de base: os líderes contrapostos, um se mostrando como negação do

outro”. Em uma prática recorrente, procura desqualificar os oponentes reforçando a “condição de

herdeiro solitário do ‘mestre’” (Netto, 1982, p.16). A teoria de Lênin se cristalizaria a partir de

Stalin em um corpo doutrinário chamado “marxismo- leninismo”. O marco desta cristalização

acontece em uma conferência que Stalin pronunciou em 1924 na Universidade de Sverdlov. Essa

conferência deu origem à obra Sobre os fundamentos do leninismo em que Stalin apresenta sua

visão sobre a concepção política de Lênin. Parecem-nos de especial relevância os comentários de

Netto quando ele afirma que esta obra “é articulada de modo tal que o ‘mestre’ somente sobre

exegese do discípulo aparece tal como é (...) A prestidigitação é evidente: de ‘discípulo’, o

intérprete se reveste da condição de herdeiro e legatário privilegiado” (id, ibid, p.15). Portanto,

seria uma atitude maniqueísta querer atribuir à concepção lenineana de partido a causa desse

processo de burocratização. Entretanto, nos parece importante assinalar aqui que o “centralismo

burocrático” pode ser visto como uma das possibilidades de desenvolvimento da teoria leninista

de partido, desde que a noção de desenvolvimento seja compreendida de maneira dialética e não

mecânica, implicando em rupturas e quebras de continuidade. Há sempre que destacar que existe

uma linha divisória de sangue entre o bolchevismo de Lênin e o bolchevismo do período

stalinista. De qualquer maneira, essa é uma possibilidade em que os próprios Lênin e, ainda mais

Trotski, contribuíram para prevalecer durante os primeiros anos da Revolução de Outubro!

Malgrado as falsificações de Stalin, este pôde apresentar sua própria doutrina como

continuidade do leninismo porque: “Diante da extinção da camada ‘incrivelmente pequena’ dos

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operários de vanguarda, dizimada pela guerra civil e pela fome, Lênin se resigna a uma ditadura

do partido, a uma inversão da pirâmide do poder, que não é o seu projeto original21” (Bensaïd,

2000, p.361). Além disso, sempre é bom lembrar que um dos principais dogmas sob o qual Stalin

se fortaleceu e concentrou um poder inaudito no período pós-Lênin foi justamente o da proibição

de frações no interior do partido. Com sua forma sempre simplificadora de abordar uma teoria

complexa, Stalin em Fundamentos do Leninismo define a concepção leninista de partido a partir

dos seguintes elementos: “1. O partido como destacamento de vanguarda (...) 2. O Partido como

destacamento organizado da classe operária (...) 3. O partido como forma superior de organização

de classe do proletariado (...) 4. O partido como instrumento de ditadura do proletariado (..) 5.O

partido como unidade de vontade incompatível com a existência de frações. 6. O partido

consolida-se se depurando dos elementos oportunista” (Stalin, 1945, p.129-150). De forma

esquemática, retirando elementos isolados da teoria de Lênin22 e convertendo em dogmas

medidas que seriam provisórias como o fim das frações, Stalin apresenta sua própria concepção

de partido: instrumento de ditadura de classes no lugar da ditadura da própria classe (ponto 4),

proibição de frações (ponto 5) e eliminação política e até mesmo física de qualquer oposição

(ponto 6). Evidente que ele não coloca a eliminação de forma tão nítida, mas ao observarmos

como conduziu a direção do partido percebemos que trata exatamente disso: “entre 1936-1939, os

expurgos liquidaram com toda a ‘velha guarda’ bolchevique. Dos membros do Comitê Central

eleito em 1934 (XVII Congresso), 70% foram eliminados! Há historiadores que afirmam que,

nestes anos, a polícia política prendeu mais de 5 milhões de pessoas e executou a décima parte

desse total”! (Netto, 1982, p.17-18). Se o partido é incompatível com frações, qualquer oposição

a Stalin era considerada como traição ao leninismo, um oportunismo que merecia ser “depurado”.

Em resumo, se a obra de Lênin no decorrer da sua rica experiência histórica avança um

passo à frente em relação a Que fazer? no que diz respeito à importância atribuída ao impulso dos

movimentos espontâneos da massa, o seu desenvolvimento em “marxismo-leninismo”,

efetivamente, representaria dois passos para trás nesse sentido, uma vez que a partir daí apenas

“mestre” e “discípulo” representariam a verdadeira consciência de classe.

21 Embora alimentada por um espírito econômico-corporativo, Kollontai (1980) e ainda mais as notas do grupo inglês Solidarity para esta obra, apresentam uma análise crítica bem aprofundada dessa renúncia lenineana. Cf: DEUTSCHER, Isaac. Trotski: o profeta armado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 2005. 22 A tese de que o partido cresce se depurando, por exemplo, aparece no prólogo de Que Fazer? em que Lênin cita um trecho de uma carta de Lassale à Marx. O contexto dessa passagem é justamente o da defesa da luta de frações, não o da defesa de depurações em nome de um pensamento único.

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2 A CONSCIÊNCIA DE CLASSE DO PROLETARIADO

O quadro de determinismo econômico que Lênin combatia na Rússia era uma realidade

também italiana. Conforme indica Carlos Nelson Coutinho:

Era dominante entre os dirigentes italianos uma concepção positivista-evolucionista do marxismo; e essa concepção servia como uma luva para justificar ideologicamente a prática política imobilista, fatalista, que predominava nas correntes em que se dividia maioria do PSI [Partido Socialista Italiano]. Tal como Kautski, o grande maître à penser da Segunda Internacional, os principais ideólogos do PSI entendiam a revolução proletária como o resultado de uma inexorável lei do desenvolvimento econômico: o progresso das forças produtivas, aguçando a polarização de classe e conduzindo a crises de tipo catastrófico, levaria fatalmente, em dado momento, a um colapso do capitalismo, com a conseqüente eclosão da insurreição proletária. Enquanto isso, cabia ao proletário fortalecer ao máximo suas organizações e esperar pelo “grande dia”. (...) O marxismo era interpretado como uma defesa dos fatos contra a vontade, da objetividade “natural” contra a subjetividade criadora (Coutinho, 1999, p.13).

Combatendo energicamente estas concepções, Gramsci irá afirmar a importância do

elemento subjetivo para que a transformação social fosse efetivamente possível. Como observa

Ivete Simionatto, sem deixar de levar em consideração as condições objetivas, “a vida social, no

pensamento gramsciano é (...) produto da ação dos homens no qual consciência e vontade

aparecem como fatores decisivos na transformação do real” (Simionatto, 1998, p.45).

Mas, como Gramsci concebia a consciência de classe? Como Lukács em História e

Consciência de Classe, isto é, como uma possibilidade objetiva que se pode atribuir ao

proletariado se ele agisse conforme sua “missão histórica”? Como Thompson em A Formação da

Classe Operária Britânica, ou seja, como a consciência fenomênica que o proletariado adquire

através de sua experiência histórica? Nos parece que a resposta que Gramsci nos fornece em seus

Cadernos do Cárcere é absolutamente original. O fato de que ele não sistematizou esse conceito

nos obriga a um trabalho artesanal de construção teórica através de um estudo minucioso de

várias passagens dos Cadernos do Cárcere que permitam esse conceito ser depreendido.

Partiremos de uma análise do senso comum e sua relação com a consciência empiricamente

verificável dos indivíduos dessa classe. Em seguida pensaremos na relação da consciência de

classe com a estrutura social. E após estabelecermos a relação entre filosofia da práxis e o senso

comum tentaremos definir de forma sintética o conceito de consciência de classe que podemos

depreender dos Cadernos do Cárcere.

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2.1 Senso Comum e Consciência de Classe

Uma das principais objeções à teoria marxista de consciência de classe é que não é

possível verificar essa consciência empiricamente e, por isso, de forma alguma os trabalhadores

seriam revolucionários. Combatendo estas objeções, Lukács desloca a discussão para um plano

da filosofia da história:

Ao reportar-se a consciência à totalidade da sociedade, descobrem-se os pensamentos que homens teriam tido, numa situação vital determinada, se tivessem sido capazes de perceber perfeitamente esta situação e os interesses dela decorrentes, tanto relativos à ação imediata como, em conformidade com esses interesses, à estrutura de toda a sociedade; descobrem-se portanto, os pensamentos, etc., que são conformes à sua situação objetiva. Em nenhuma sociedade é ilimitado o número de tais situações. Mesmo que a sua tipologia seja elaborada graças a aprofundadas pesquisas de pormenor, chega-se a alguns tipos fundamentais claramente distintos uns dos outros e cujo caráter essencial é determinado pela tipologia da posição dos homens no processo de produção. Ora, a reação racional adequada que deve, dessa forma, ser adjudicada a uma situação típica determinada no processo de produção, é a consciência de classe (Lukács, 1978, p.64).

Questionando o ponto de vista de Lukács, Thompson tende a se resignar à idéia de que a

consciência de classe é um dado empírico. Conforme lembra Evangelista, “Thompson afirma que

não se pode predicar nenhuma lei para a consciência de classe, mas tão somente ‘podemos ver

uma lógica nas reações de grupos profissionais semelhantes que vivem experiências parecidas’”

(Evangelista, 1997, p.84). “A consciência de classe, dessa maneira, é identificada com as

manifestações fenomênicas da ideologia, que anima uma determinada classe social” (Id, ibid,

p.85). E Gramsci, como ele pensa a consciência de classe? A chave do segredo nos parece estar

na análise que o pensador italiano faz do senso comum.

Poderíamos afirmar ironicamente que a existência do senso comum é um senso comum.

Mais em que ele consistiria? Para Gramsci o senso comum nada mais é do um “nome coletivo,

como a ‘religião’”, desse modo, “não existe um único senso comum, pois ele também é um devir

histórico” (Gramsci, 2004, p.96. C11, P12). Quando falamos em catolicismo nos referimos a um

“nome coletivo” de uma “multiplicidade de religiões distintas e freqüentemente contraditórias: há

um catolicismo dos camponeses, um catolicismo dos pequenos burgueses e dos operários

urbanos, um catolicismo das mulheres e um catolicismo dos intelectuais, também este variado ou

desconexo” (Id, ibid, p.115. C11, P13). O mesmo vale para o senso comum, mais do que isso,

cada indivíduo assume o senso comum de seu grupo ou de sua época de uma forma particular.

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Mas nem por isso o senso comum deixa de existir e determinar as ações e a realidade social de

cada época...

Porém, a pergunta mais importante que Gramsci procura responder não consiste em saber

“o que é senso comum”, mas em saber “como ele se forma e se modifica”. Afinal ele não é um

“devir histórico”? Nessa questão Gramsci parte da seguinte premissa: todos os homens são

filósofos ou intelectuais na medida em que pensam a partir de uma concepção do mundo, com

uma lente com a qual encaram a realidade. A origem do senso comum está no fato de que “pela

nossa própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente

o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e agir”. Por esta

razão, todos nós “somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou

homens coletivo”. Ao se constatar esse fato é necessário se perguntar: “qual tipo histórico de

conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte?” (Id, ibid, p.94. C11, P12).

É preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção do mundo “imposta” pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos muitos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (...), ou é preferível elaborar a própria atividade, participar ativamente da produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade? (Id, ibid, p.93-94. C11, P12).

Ora, “quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e

desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa

própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra”. Em nossa personalidade se

encontrarão “elementos dos homens da caverna e princípios da ciência mais moderna e

progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições

de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado”. Se não

refletimos sobre o modo como nossas idéias são formadas ficamos presos ao senso comum, nossa

personalidade será formada de uma forma completamente imposta pelo meio ambiente a que

pertencemos. Nossa “individualidade” assim constituída nada mais será do que um predomínio da

“forças cegas” que comandam o desenvolvimento. Portanto, é apenas quando elaboramos

criticamente nossa própria concepção do mundo que podemos tornar essa concepção “coerente e

elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído”. Isto implica também em

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“criticar toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações

consolidadas na filosofia popular” (Id, ibid, p.94. C11, P12).

Desse modo, certamente consciência de classe não se confunde com a consciência

diretamente verificável nos indivíduos de uma classe. Afirmar a consciência espontânea de classe

como a verdadeira consciência de classe será sempre uma abstração, porque a consciência

empírica das massas será sempre uma mistura de elementos díspares que a influenciam, será

sempre influenciada por diversas concepções do mundo. A consciência de classe se fosse tomada

como um dado empírico seria sempre o senso comum, ela com certeza deve ser outra coisa. Sim,

porque o senso comum é permeado por diversas concepções do mundo, advindas dos diversos

grupos que lutam entre si procurando fazer com que sua concepção do mundo se torne universal,

isto é, a filosofia de uma época. Como não existe filosofia em geral, mas “diversas filosofias e

concepções do mundo, e sempre se faz uma escolha entre elas” (Id, ibid, p.96. C11, P12), é

preciso verificar como ocorre esse processo de escolha já que existe sempre uma disputa para

influenciar o senso comum através de centros irradiadores de cultura. É mais do que evidente que

temos aqui uma formulação que nos permite enfrentar em outro patamar o problema da

consciência de classe do proletariado. Estamos frente a frente com a noção de hegemonia como

predomínio de uma determinada concepção do mundo no senso comum. A consciência

fenomênica do proletariado devido à hegemonia política e cultural da burguesia acaba sendo

dominada por uma concepção do mundo que não é a sua, mas a de uma classe antagônica. Como

diz a velha máxima marxista: “a ideologia dominante de uma época será sempre a ideologia da

classe dominante desta mesma época”. Se essa proposição for tomada de modo dialético,

podemos pensar que a realidade é constituída pela luta entre as diversas concepções do mundo

que tentam se impor como dominante. Afirmar a consciência empírica, o senso comum, contra a

consciência política de classe do proletariado é afirmar a hegemonia burguesa e evitar a

possibilidade de sua superação, é esquecer precisamente que toda escolha de concepção do

mundo é um “fato político”. Que a ideologia burguesa não é a concepção do mundo do

proletariado fica claro quando pensamos no contraste entre o pensar e o agir do homem de massa:

“é possível dizer que ele tem duas consciências teóricas (...): uma, implícita na ação e que une a

todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade; e outra, superficialmente

explícita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica” (Id, ibid, p.103. C11, P12).

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não ocorre freqüentemente que entre o fato intelectual e a norma de conduta exista uma contradição? Qual será, então, a verdadeira concepção do mundo: a que é logicamente afirmada como fato intelectual, ou a que resulta da atividade real de cada um, que está implícita na sua ação? (...) Este contraste entre o pensar e o agir, isto é, a coexistência de duas concepções do mundo, uma afirmada por palavras e outra manifestando-se na ação efetiva, nem sempre deve-se a má-fé. A má fé pode ser uma explicação satisfatória para alguns indivíduos considerados isoladamente, ou até mesmo para grupos mais ou menos numerosos, mas não é satisfatória quando o contraste se verifica nas manifestações vitais de amplas massas: nesse caso, ele não pode deixar de ser expressão de contrastes mais profundos de natureza histórico-social. Isto significa que um grupo social, que tem sua própria concepção do mundo, ainda que embrionária, que se manifesta na ação e, portanto, de modo descontínuo e ocasional – isto é, quando tal grupo se movimenta como um conjunto orgânico –, toma emprestado a outro grupo social, por razões de submissão intelectual, uma concepção do mundo que não é sua, e afirma verbalmente, e também acredita segui-la, já que a segue em “épocas normais”, ou seja, quando a conduta não é independente e autônoma, mas sim submissa e subordinada. É por isso, portanto, que não se pode separar filosofia da política; ao contrário, pode-se demonstrar que a escolha e a crítica de uma concepção do mundo são, também elas, fatos políticos (Id, ibid, p.96-97. Cad 11, P 12).

A verdadeira concepção do mundo de uma classe, a “consciência de classe” em sentido

estrito, se expressa, portanto, no momento em que a classe move-se como um conjunto orgânico

(em uma greve, uma manifestação de massas ou mesmo em uma ação revolucionária, etc.). Ela

inicia sua construção no momento em que cada indivíduo adquire a consciência prática de

pertencer a um determinado grupo social com interesses opostos ao de outros grupos. “A

consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica, é a primeira fase de uma

ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam” (Id, ibid,

p.103. C11, P12). A consciência de classe, portanto, deve ser buscada não naquela consciência

“superficialmente explícita ou verbal”, mas em uma consciência que permita unir o agir e o

pensar do proletariado de forma permanente. Esta “compreensão crítica de si mesmo”, ou a

consciência de classe quando se torna consciência para si, “é obtida, portanto, através de uma luta

de ‘hegemonias’ políticas” (Id, ibid, p.103. C11, P12). Por isto, o fato da burguesia exercer o

domínio ideológico sobre o proletariado não é um fato sem importância, essa hegemonia pode

“atingir o ponto no qual a contrariedade da consciência [fenomênica do proletariado] não permite

nenhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passividade moral e política” (Id, ibid,

p.103. C11, P12). Nesse sentido vale a lembrança de Luciano Gruppi de que “enquanto existir

contradição entre a ação e a concepção do mundo que a guia, a ação não pode se tornar coerente”.

Essa ação será sempre “fragmentada; teremos, pois, ações espasmódicas e depois estagnação,

rebeliões desesperadas e depois passividade, extremismo e oportunismo” (Gruppi, 1978, p.69).

Desse modo, para decifrar o que é a consciência de classe não podemos ficar presos à análise do

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senso comum. Gramsci chega mesmo a afirmar que a “insistência sobre o elemento ‘prático’ da

ligação teoria prática (...) significa que se está atravessando uma fase histórica (...) ainda

econômico-corporativa, na qual se transforma quantitativamente o quadro geral da ‘estrutura’ e a

qualidade-superestrutura adequada está em vias de surgir, mas não está ainda organicamente

formada” (Gramsci, 2004, p.105. C11, P12).

A consciência de classe, portanto, coincide com o momento catártico: Gramsci utiliza o

termo “catarse” para indicar a “passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-

passional) ao momento ético político, isto é, a elaboração superior da estrutura em superestrutura

na consciência dos homens”. Este momento catártico “significa, também, a passagem do

‘objetivo ao subjetivo’ e da ‘necessidade à liberdade’. A estrutura, de força exterior que esmaga o

homem, assimilando-o e o tornando passivo, transforma-se em meio de liberdade, em

instrumento para criar uma nova forma ético-política, em origem de novas iniciativas”. Por esta

razão: “A fixação do momento ‘catártico’ torna-se assim, parece-me, o ponto de partida de toda a

filosofia da práxis” (Id, ibid, p.314-315. C10, parte II, P6).

2.2 Da consciência econômico-corporativa à consciência hegemônica

A partir de agora passaremos a avaliar como Gramsci pensa esse processo de formação

orgânica de uma qualidade-superestrutura adequada à estrutura social, o chamado momento

catártico. Será um processo mecânico ou um processo consciente? Como se forma a consciência

de classe? Como ela se relaciona com o senso comum e como exatamente poderíamos defini-la?

Antes nos deteremos muito rapidamente na estratégia revolucionária de Gramsci para que

possamos colocar a questão em termos corretos. Para isto, iremos nos basear especialmente nas

notas contidas no parágrafo 17 do caderno 13.

A revolução social depende da correlação de forças. Gramsci diferencia três momentos na

análise dessa correlação. O primeiro momento é o da “relação de forças estritamente ligada à

estrutura objetiva, independente da vontade dos homens (...) com base no grau do

desenvolvimento das forças materiais de produção”. São essas relações objetivas dadas por uma

determinada formação econômica que estabelecem as grandes divisões da sociedade em classes

sociais antagônicas. O segundo momento “é o da relação de forças políticas, ou seja, a avaliação

do grau de homogeneidade, de autoconsciência e organização alcançado pelos vários grupos

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sociais” (Id, 2002 b, p.40-41. C13, P17). O terceiro desses momentos “é o da relação das forças

militares, imediatamente decisivo em cada oportunidade concreta” (Id, ibid, p.43. C13, P17). O

desenvolvimento histórico é descrito como a oscilação contínua do primeiro para o terceiro

momento mediado pelo segundo:

se não se verifica este processo de desenvolvimento de um momento para o outro (...) a situação se mantém inoperante e podem ocorrer desfechos contraditórios: a velha sociedade resiste e garante para si um período de “tomada de fôlego”, exterminando fisicamente a elite adversária e aterrorizando as massas de reservas [clara referência ao fascismo], ou, então, verifica-se a destruição recíproca das forças em conflito [aqui ele se refere ao bonapartismo e cesarismo] com a instauração da paz dos cemitérios, talvez sob a vigilância de um sentinela estrangeiro (Id, ibid , p.45. C13, P17).

Contrariando os seus intérpretes que procuram por todas as vias rotulá-lo como defensor

de uma revolução passiva23, Gramsci coloca como decisivo o momento militar. A revolução

mundial foi derrotada porque as condições objetivas colocadas pela crise econômica e social do

capitalismo gerada pela guerra mundial não se transformaram, com exceção na Rússia de Lênin,

em uma decidida e vitoriosa ação militar. Conforme observa Marcos Del Royo, “a questão

teórica-política fulcral de Gramsci é precisamente a do porquê da derrota da revolução socialista

no núcleo original do Ocidente e, por conseguinte, a busca de hipóteses para a reversão desta

situação” (Royo, 1998, p.109). Ao afirmar a importância primordial da guerra de posição (luta

por hegemonia) sobre a de movimento (insurreição), ele não abandona a perspectiva

revolucionária e insurrecional, mas apenas afirma que o desenvolvimento no ocidente de uma

complexa sociedade civil dificulta o ataque frontal ao Estado. A mediação do primeiro para o

terceiro momento se tornou algo muito mais lento e complexo do que aquele existente nas

sociedades em que o capitalismo estava apenas iniciando seu desenvolvimento. Como na luta

militar, o “elemento decisivo de cada situação” torna-se “a força organizada e já muito tempo

preparada, que se pode fazer avançar quando se julga que uma situação é favorável”. Assim a

“tarefa essencial” passa a ser a dedicação “de modo sistemático e paciente para formar esta força,

desenvolvê-la, torná-la compacta e consciente de si” (Gramsci, 2002 b, p.47. C13, P17). Nisto

consiste a guerra de posição: uma luta no terreno político e ideológico visando desarticular a

hegemonia burguesa e preparar o proletariado para a reorganização da sociedade em novas bases.

Assim como um Estado Nacional em uma guerra, o proletariado deve construir pacientemente

23 O conceito de “revolução passiva” na verdade busca dar conta do atraso político da Itália.

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suas “fortificações” (seus mecanismos de hegemonia), para que possa se aproveitar de uma

conjuntura revolucionária: “Os grandes Estados foram grandes Estados precisamente porque

sempre estavam preparados para inserir-se eficazmente nas conjunturas internacionais favoráveis;

e essas eram favoráveis porque havia a possibilidade concreta de inserir-se nelas” (Id, ibid, p.47.

C13, P17).

Quais as implicações dessa estratégia para se pensar a consciência de classe? Como

compreender a mediação entre o primeiro e o terceiro momentos das relações de força pelo

segundo dentro desta perspectiva? As relações de forças políticas que garantem essa mediação

são analisadas e diferenciadas por Gramsci “em vários graus que correspondem a diversos

momentos da consciência política coletiva tal como se manifestaram até agora” (Id, ibid, p.41.

C13, P17). É importante destacar que o desenvolvimento da consciência coletiva a que se refere

essa passagem ocorreu concretamente na história, não se trata de simples abstrações teóricas.

Gramsci distingue três momentos:

O primeiro e o mais elementar é o econômico-corporativo (...), sente-se a unidade homogênea do grupo profissional e o dever de organizá-la, mas não ainda a unidade do grupo social mais amplo. Um segundo momento é aquele em que se atinge a consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico. Já se põe nesse momento a questão do Estado, mas apenas no terreno de obtenção de uma igualdade político-jurídica com os grupos dominantes, já que se reivindica o direito de participar da legislação e da administração e mesmo de modificá-las, de reformá-las, mas nos quadros fundamentais existentes. Um terceiro momento é aquele em que se adquire a consciência de que os próprios interesses corporativos, em seu desenvolvimento atual e futuro, superam o círculo corporativo, de grupo meramente econômico, e podem e devem tornar-se os interesses dos outros grupos subordinados. Esta é a fase mais estritamente política, que assinala passagem nítida da estrutura para as esferas de superestruturas complexas, é a fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam em “partido”, entram em confrontação e lutam até que uma delas, ou pelo menos uma única combinação delas, tende a prevalecer, a se impor, a se irradiar por toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, pondo todas as questões em torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas num plano “universal”, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados (Id, ibid, p.41. C13, P17).

Gramsci assim como Lênin, não tomará a consciência de classe como algo monolítico,

afirmando a necessidade de diferenciá-la em distintos níveis, entre os quais o mais elevado é

aquele em o proletariado adquire a consciência da necessidade de exercer sua hegemonia. A

novidade que Gramsci introduz aqui é a diferenciação da consciência econômico-corporativa em

dois níveis, enquanto Lênin colocava sob uma só classificação, como trade-unionismo. Esta

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constatação é importante porque ela nos remete para o que existe de inovação no pensamento

gramsciano em relação ao revolucionário russo. A diferenciação da consciência de classe em

trade-unionista e consciência política foi elaborada por Lênin nos primeiro anos do século XX na

Rússia czarista. Isto é, em “um Estado fortemente burocratizado e coercitivo, com uma burguesia

jovem e débil que não conseguira gerar uma sociedade civil que viesse a dar densidade a uma

possível hegemonia, [o] que possibilitou uma vitoriosa revolução conduzida por um partido

operário agindo com a tática de ‘guerra manobrada” (Royo, 1998, p.109). Adquirir a consciência

da necessidade do proletariado exercer sua hegemonia e colocar as questões do Estado em pauta

eram dois aspectos do mesmo problema. Nas democracias ocidentais a questão se torna mais

complexa, pois, ao contrário do que acontece nestas sociedades, na Rússia czarista não era

possível colocar a questão do Estado (em sentido estrito) em pauta sem necessariamente colocar a

questão da hegemonia do proletariado. É, por isso, que no segundo momento da consciência que

Gramsci diferencia já está presente a questão do Estado e, conseqüentemente, uma consciência

política por assim dizer, sem estar presente o problema da hegemonia. Na Rússia czarista para

chegar à consciência política bastava a compreensão do papel do Estado enquanto força

organizada, já nas estruturas maciças das democracias ocidentais a passagem desse conhecimento

para a consciência hegemônica não é automático, é necessário uma longa “guerra de posição”

para que este conhecimento seja assimilado pelas massas. Essa é a razão que ao afirmar o terceiro

momento como o da consciência política, Gramsci acrescenta o termo estritamente já que se no

segundo momento da consciência já se pode falar de uma certa consciência “política”, esta ainda

guarda características econômico-corporativas em seu fundamental uma vez que não coloca em

questão a necessidade de fundar um Estado de outro tipo, um Estado baseado no consenso ativo

do proletariado como produto da hegemonia social dessa classe. Gramsci afirma que “escassa

compreensão do Estado significa escassa consciência de classe”, isto significa que ao não colocar

em pauta a questão da hegemonia do proletariado ainda se têm uma escassa consciência política

de classe já que não se tem compreensão de que o “Estado existe não só quando se defende, mas

também quando se ataca o Estado para derrubá-lo” (Gramsci, 2002 b, p.192. C3, P45). A

referência ao reformismo é clara, se a luta for por apenas melhorias na vida da classe

trabalhadora, se cada passo concreto não visar contribuir para construção de uma nova

hegemonia, um novo Estado, se atuará sempre dentro dos limites do Estado e da ideologia

burguesa, uma classe nunca se ascenderá à classe dominante.

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Já o primeiro momento da consciência de classe se expressa no “sindicalismo teórico”.

Esta concepção, para o pensador sardo, “liga-se a resíduos da concepção liberal vulgar”, mas

“representa um passo atrás”. Sim, porque a “concepção liberal vulgar” dava “importância à

relação de forças organizadas nas diversas formas de partido (leitores de jornais, eleições

parlamentares e locais, organizações de massa dos partidos e dos sindicatos no sentido estrito do

termo)” enquanto o “sindicalismo (...) dava importância primordial à relação econômico-social e

só a ela” (Id, ibid, p.38. C13, P17). A presença do liberalismo vulgar no sindicalismo teórico

decorre do fato que ambos compartilham o mesmo erro que é o de transformar a distinção

metodológica entre sociedade civil e sociedade política como algo real. Para o liberalismo vulgar

a atividade econômica é própria da sociedade civil (...) e o Estado não deve intervir em sua regulamentação. Mas dado que a sociedade civil e que o Estado se identificam na realidade dos fatos, deve-se estabelecer que também o liberalismo é uma regulamentação de caráter estatal, introduzida e mantida por via legislativa e coercitiva: é um fato consciente dos próprios fins, e não expressão espontânea, automática do fato econômico. Diverso é o caso do sindicalismo teórico, na medida em que ele se refere a um grupo subalterno, o qual por meio dessa teoria, é impedido de se tornar dominante, de se desenvolver para além da fase econômico-corporativa a fim de alcançar a fase de hegemonia ético-política na sociedade civil e tornar-se dominante no Estado (Id, ibid, p.47. C13, P18. Grifos nossos).

Assim, “o significado destas duas tendências é bastante diverso: a primeira é própria de

um grupo social dominante e dirigente, a segunda de um grupo ainda subalterno que ainda não

adquiriu consciência de sua força e, por isso, não sabe sair da fase de primitivismo”. Ora, “estes

resíduos da concepção liberal vulgar podem ser encontrados em toda uma série de análises que se

ligam à filosofia da práxis” (Id, ibid, p.47. C13, P18). Esta afirmação nos parece, novamente,

uma clara referência ao reformismo do Partido Socialista Italiano, o qual embora se reivindicasse

do marxismo e atribuísse importância às diversas formas de partido, representava um nível de

consciência ainda preso em sua essência ao momento econômico-corporativo. Por esta razão nos

parece bastante plausível a hipótese de Marcos del Royo de que, para Gramsci, “a derrota da

revolução socialista no Ocidente passivo deveu-se mais à impossibilidade do movimento operário

submetido à hegemonia liberal-burguesa na forma de reformismo, articular um leque de alianças

sociais, particularmente com o proletariado agrícola, do que com um eventual erro tático de

princípio na utilização da guerra manobrada” (Royo, 1998, p.112).

Por tudo isso que foi dito, é preciso ter sempre em mente que a construção de uma

superestrutura adequada às possibilidades contidas na estrutura é um fato complexo. Se a

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consciência de classe pode ser compreendida como expressão orgânica das necessidades

econômicas, entretanto, a sua progressiva conquista não acontece de modo natural, espontâneo.

Se, assim como Rosa Luxemburgo, Gramsci percebe como um dado histórico a progressiva

conquista da consciência de classe, diferentemente dela compreende essa conquista como produto

da ação consciente, isto é, não determinado por causalidades mecânicas e inevitáveis. Por isso

considera que “é no mínimo estranha a atitude do economicismo” - e poderíamos estender o

mesmo julgamento à Rosa Luxemburgo no que diz respeito a esta questão24 - “em relação às

expressões de vontade, de ação e de iniciativa política e intelectual. Como se estas não fossem

uma emanação orgânica de necessidades econômicas, ou melhor, única expressão eficiente da

economia” (Gramsci, 2002b, p.48. C13, P18). Daí a importância fundamental da diferenciação

que Gramsci, assim como Lênin, faz entre a temporalidade política e a temporalidade econômica.

A política apenas se torna “expressão eficiente” da economia através da consciência de classe.

Trata-se de pensar a articulação de temporalidades distintas no seio da totalidade, diferenciar para

unir de forma eficaz, o que implica a ruptura com o pensamento marxista vulgar que concebe de

maneira unilinear e mecânica as implicações das determinações econômicas sobre as demais

esferas sociais.

Os fatos ideológicos de massa estão sempre atrasados em relação aos fenômenos econômicos de massa e como, portanto, em determinados momentos, o impulso automático devido ao fator econômico tem seu ritmo diminuído, é travado ou até mesmo destruído momentaneamente por elementos ideológicos tradicionais; e que, por isso, deve haver luta consciente e previamente projetadas para que sejam compreendidas as exigências da posição econômica de massa, que podem estar em contradição com as diretrizes dos líderes tradicionais. Uma iniciativa política é necessária para libertar o impulso econômico dos entraves da política tradicional, ou seja, para modificar a direção econômica de determinadas forças que devem ser absorvidas a fim de formar um bloco histórico econômico-político novo, homogêneo e sem contradições interna (Id, ibid, p.69-70. Grifos nossos).

Um impulso político é preciso para derrotar a presença da ideologia da classe burguesa na

consciência do proletariado, uma iniciativa política é necessária para tirar as massas da influência

de suas lideranças reformistas. Uma “guerra de posição”, uma luta consciente é necessária para

que os impulsos econômicos não sejam obstaculizados ou destruídos pela política tradicional que 24Gramsci explicita sua crítica ao voluntarismo de Rosa Luxemburgo no seguinte comentário a respeito da brochura Greve Geral, Partidos e Sindicatos escritos por ela em 1906: “No opúsculo são teorizadas um pouco apressadamente – e também de forma superficialmente – as experiências históricas de 1905: Rosa , com efeito negligenciou os elementos “voluntários” e organizativos que naqueles eventos foram mais difundidos e eficientes do que Rosa podia crer, já que ela era condicionada por um certo preconceito ‘economicista’ e espontaneísta (...) tratava-se de um verdadeiro misticismo histórico, da expectativa de uma espécie de fulguração milagrosa” (Gramsci, 2002b, p.71. C13, P24).

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decorre imediatamente do senso comum e para que uma conjuntura favorável à disseminação da

hegemonia proletária possa ser aproveitada25. Desse modo, o conceito de consciência de classe

que podemos depreender dos “Cadernos do Cárcere” não nos remete nem à consciência empírica

média da classe ou à consciência de dirigentes partidários, nem a uma filosofia da história que

nos faria compreendê-la como a consciência da classe trabalhadora quando assume sua inevitável

missão histórica. O problema da consciência de classe é pensado por Gramsci antes politicamente

do que teoricamente: para definirmos uma consciência de classe deveríamos responder se tal

consciência busca ou não com meios adequados à hegemonia desta classe social? Isto implica em

uma unidade entre a teoria e a prática das massas populares, superando a incoerência do senso

comum que se caracteriza pela contradição e o pensar e o agir das grandes massas. Essa unidade

da teoria e da prática, contudo, “não é um dado mecânico, mas um devir histórico, que tem sua

fase elementar e primitiva no sentimento de ‘distinção’, de ‘separação’, de independência quase

instintiva”, na consciência econômico-corporativa mais elementar, “e progride até a aquisição

real e completa de uma concepção do mundo coerente e unitária” (Idem, 2004, p.104. C11, P12),

até a aquisição da consciência de classe no sentido mais estrito do termo que podemos definir

provisoriamente como consciência hegemônica de classe. Por isso, a consciência de classe deve

ser considerada como um eterno devir, como um processo de construção em que os impulsos da

estrutura econômica são progressivamente interpretados pelas classes populares como

necessidade da hegemonia do proletariado através de um longo e descontínuo processo de

aprendizado histórico.

Apenas no momento em que a consciência espontânea, econômico-corporativa, se

transforma em consciência hegemônica é que se coloca a questão do partido revolucionário. Este,

por sua vez, deve ser compreendido como expressão e organizador dessa consciência, como o

“crisol da unificação de teoria e prática entendida como processo histórico efetivo” (Id, ibid,

p.105. C11, P12). Ele é o elemento que permite filosofia e senso comum se unificarem e

formarem um só bloco histórico.

2.3 Filosofia da práxis, bom senso e senso comum

25 “Outra questão ligada às anteriores é a de ver se as crises históricas fundamentais são determinadas imediatamente por crises econômicas (...) Pode-se excluir que , por si mesmas, as crises econômicas imediatas produzam eventos fundamentais, podem apenas criar um terreno mais favorável à difusão de determinados modos de pensar [este sim nos parece ser o elemento fundamental para Gramsci] de pôr e de resolver as questões que envolvem todo o curso subseqüente da vida estatal” (Gramsci, 2002 b, p.44. C13, P17).

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Pelo fato de que todos os seres humanos possuem uma concepção do mundo em que

interpretam a realidade e orientam sua ação, é “preciso demonstrar (...) que todos os homens são

‘filósofos’, definindo os limites e as características desta ‘filosofia espontânea’ peculiar a ‘todo o

mundo” (Id, ibid, p. 93. C11, P12). Essa filosofia espontânea, como vimos, é o senso comum e

seu limite e característica é a incoerência. Por isto, é preciso diferenciar essa filosofia espontânea

da filosofia propriamente dita: “na filosofia, destacam-se notadamente as características de

elaboração individual do pensamento; no senso comum, ao contrário, destacam-se as

características difusas e dispersas de um pensamento genérico de uma certa época em um certo

ambiente popular” (Id, ibid, p.100-101. C11, P12).

Não será exato chamar de “filosofia” qualquer tendência de pensamento, qualquer orientação geral, etc., e nem mesmo qualquer “concepção do mundo e da vida” (...). O filósofo profissional ou técnico não só “pensa” com maior rigor lógico, com maior coerência, com maior espírito de sistema do que os outros homens, mas conhece toda a história do pensamento, isto é, sabe explicar o que o pensamento experimentou até ele e é capaz de retomar os problemas a partir do ponto em que eles se encontram após terem sofrido a mais alta tentativa de solução (Id, ibid, p.410. C 10, P 52).

Porém, também o senso comum, essa “filosofia espontânea”, possui um núcleo sadio “que

poderia ser chamado de bom senso e que merece ser transformado em algo unitário e coerente”

(Id, ibid, p.98. C11, P7). Sim, se o “senso comum é um agregado de caótico de concepções

disparatas e nele se encontra tudo o que se queira” (Id, ibid, p.117. C11, P13), pode-se encontrar

nele elementos de extrema relevância.

Em que reside, exatamente, o valor do que se costuma chamar de “senso comum” ou “bom senso”? Não apenas no fato de que, ainda que implicitamente, o senso comum empregue o princípio de causalidade, mas no fato muito mais restrito de que, numa série de juízos, o senso comum identifique a causa exata, simples e à mão, não se deixando desviar por fantasmagorias e metafísicas, pseudoprofundas, pseudocientíficas, etc. (Id, ibid, p. 402. C10, P48).

O ponto de partida de Gramsci é a afirmação de Marx no prefácio de 1859 de que os

homens tomam consciência dos conflitos de estrutura no terreno das ideologias. Não é possível,

então, trabalhar simplesmente com a noção de ideologia como “falsa consciência”. Devido à

presença de bom senso no senso comum, uma filosofia apenas penetra nele se não for algo

arbitrário, mas expressar a realidade existente de alguma forma.

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É necessário, por conseguinte, distinguir entre as ideologias historicamente orgânicas, isto é, que são historicamente necessárias a uma determinada estrutura, e ideologias arbitrárias, racionalísticas, “voluntaristas”. Enquanto são historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade que é validade “psicológica”: elas “organizam” as massas humanas, formam o terreno no qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc. Enquanto são “arbitrárias” não criam mais do que “movimentos” individuais, polêmicas, etc. (Id, ibid, p.237. C7, P19).

É por isso que “a adesão ou não-adesão de massas a uma ideologia é o modo pelo qual se

verifica a crítica real da racionalidade e historicidade dos modos de pensar”. As “construções

arbitrárias são mais ou menos rapidamente eliminadas pela competição histórica, ainda que por

vezes, graças a uma combinação de circunstâncias imediatas favoráveis, consigam gozar de certa

popularidade26”; já “as construções que correspondem às exigências de um período histórico

complexo e orgânico terminam sempre para se impor e prevalecer, ainda que atravessem muitas

fases intermediárias nas quais a sua afirmação ocorre apenas em combinações mais ou menos

bizarras e heteróclitas” (Id, ibid, p.111. C11, P12). Apesar da importância desta observação, cabe

aqui uma crítica ao pensamento de Gramsci: ele não explica a historicidade da ideologia burguesa

a partir do fenômeno do “fetichismo da mercadoria” analisado por Marx em O Capital. O

predomínio de elementos da ideologia burguesa no senso comum se justificaria tão somente pela

hegemonia da burguesia, as razões mais “objetivas são descartadas”. Ora, não é apenas porque o

senso comum é algo rígido que a burguesia consegue impor uma concepção do mundo “atrasada”

através dos mecanismos de difusão de sua hegemonia (escola, imprensa, etc.), mas também pelo

fato que seu modo de pensar encontra historicidade no fetichismo da mercadoria, na própria

alienação do trabalho. Se em nosso mundo contemporâneo não levarmos em consideração os

efeitos do fetichismo da mercadoria dificilmente compreenderemos o fenômeno da indústria

cultural tão bem analisado pela escola de Frankfurt27, não compreenderíamos um dos

mecanismos essenciais que permitem à ideologia burguesa ser a ideologia predominante no senso

comum e cairíamos em uma certa subestimação da força da ideologia das classes dominantes.

Justiça seja feita, dificilmente ele poderia compreender todos os efeitos do fetichismo da

mercadoria já que a mercantilização da cultura estava apenas dando os primeiro passos em sua

época e de forma alguma possuía a dimensão que alcançou na sociedade contemporânea.

26 Um exemplo dessas teorias arbitrária que gozaram de certa popularidade devido circunstância absolutamente excepcionais é a tese do “fim da história” de Fukuaiama. Recentemente, o próprio autor foi obrigado a fazer uma autocrítica deste aspecto do seu pensamento no programa Roda Viva da TV Cultura exibido no dia 11 de setembro de 2006. 27 Ver especialmente: ADORNO, T.W. & HORKHEIMER, M. (1986). A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas. In: ______ & ______. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1986, p. 113-156.

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Contudo, enquanto Gramsci no momento em que analisa o fenômeno do fetichismo numa “série

de organismos, do Estado à Nação, aos partidos políticos, etc.”, especula sobre a hipótese desse

fenômeno ser um “resíduo da transcendência católica e dos velhos regimes paternalistas” (Idem,

2002b, p. 332. C15, P13), Lukács alguns anos antes em sua obra História e Consciência de classe

já analisava o fenômeno em termos de reificação produzido objetivamente pela própria estrutura

capitalista. Enquanto Gramsci é obrigado a recorrer à reflexão sobre uma possível sobrevivência

de condições arcaicas, Lukács consegue perceber um fenômeno imanente ao capitalismo. Não

obstante, é importante destacar que a sobrevivência de condições arcaicas, para Gramsci, é um

dos elementos essenciais do presente como ponto de encontro de tradições herdadas e

possibilidades futuras e não anomalias destinadas a perecer num processo de evolução natural.

Além disso, nos parece ser de extrema relevância um outro aspecto da questão levantada por

Gramsci: a possibilidade da difusão da ideologia burguesa encontra sim historicidade também no

fato de que esse modo de pensar foi necessário para a construção do capitalismo, não se trata de

algo arbitrário ou puro reflexo do fenômeno do fetichismo da mercadoria. É por isto que ele

perceberá a presença desta ideologia no senso comum como o grande obstáculo para uma

transformação social que visa substituir a hegemonia da burguesia pela do proletariado.

Como é possível pensar o presente e um presente bem determinado, com um pensamento elaborado em face de problemas de um passado freqüentemente remoto e superado? Se isto ocorre, significa (...) que somos bizarramente “compósitos”. E ocorre, de fato, que grupos sociais que, em determinados aspectos, exprimem a mais desenvolvida modernidade, em outros manifestam-se atrasados com relação à sua posição social, sendo, portanto, incapazes de autonomia histórica (Idem, 2004, p. 95. C11, P12).

Por esta razão, embora Gramsci, em certo sentido, considere a permanência da ideologia

burguesa como um resíduo do passado, como algo que encontra sua força tão somente na tradição

e na rigidez do senso comum e não em forças vivas e bem atuais da nossa sociedade, isto é, na

mercantilização crescente de todas as esferas sociais28, cabe a ele o mérito de compreender o

senso comum não como algo permanentemente cristalizado, mas como algo que pode e deve ser

modificado. Assim, o senso comum não pode deixar de ser visto como algo que precisa ser

modificado através da destruição do predomínio da ideologia burguesa no seu seio: “Quando na

história se elabora um grupo social homogêneo, elabora-se também, contra o senso comum uma

28 Para uma excelente análise do fenômeno da mercantilização de todas as esferas da vida social no capitalismo contemporâneo, ver JAMESON, Frederic. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2000.

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filosofia homogênea, isto é, coerente e sistemática” (Id, ibid, p.114. C11, P12). Trata-se, então,

de elaborar um senso comum mais adequado à concepção do mundo do proletariado. Desse

modo, a ideologia burguesa deve ser combatida não simplesmente por sua falsidade, mas por ser

algo que obstaculiza a possibilidade do proletariado construir sua própria hegemonia. Deve ser

combatida não por razões teóricas simplesmente, mas, sobretudo, por motivos políticos que ela

deve ser revelada como “falsa consciência”, pois não correspondente aos interesses do

proletariado quando este pretende se tornar classe dominante, uma vez que a dominação da

burguesia apenas “consolida-se no consenso alcançado pela difusão de uma concepção do

mundo, isto é, quando os dominados assumem, no seu saber desagregado, características do senso

comum, o pensar dos dominantes” (Schlesener, 2005, p.52).

As ideologias não são de modo algum arbitrárias; são fatos históricos reais, que devem ser combatidos e revelados em sua natureza de instrumentos de domínio, não por razões de moralidade, etc., mas precisamente por razões de luta política: para tornar os governados intelectualmente independentes dos governantes, para destruir uma hegemonia e criar uma outra, como momento necessário da subversão da práxis (Gramsci, 2004, p.387. C 10, parte II, P 41).

A construção de uma concepção do mundo mais adequada aos interesses hegemônicos do

proletariado, por sua vez, não é concebida como algo que vem de fora, elaborado pelos

intelectuais e introduzido nas massas. É preciso ter em mente a validade de elementos presentes

no senso comum. Esta, talvez, seja uma das mais importantes contribuições de Gramsci para a

teoria marxista como um todo. Aqui ele permite colocar a relação entre o marxismo e a “filosofia

espontâneas” das massas em um outro patamar:

Referências ao senso comum e a solidez de suas crenças encontram-se freqüentemente em Marx. Contudo, trata-se de referências não à validez de conteúdo de tais crenças, mas sim à sua solidez formal e, conseqüentemente, à sua imperatividade quando produz normas de conduta. Aliás, em tais referências está implícita a afirmação da necessidade de novas crenças populares, isto é, de um novo senso comum e, portanto, de uma nova cultura e de uma nova filosofia que se enraízem na consciência popular com a mesma solidez e imperatividade das crenças tradicionais (Id, ibid, p.118-119. C11, P13).

Para Gramsci, pelo contrário, embora exista a necessidade de uma “nova cultura”, de uma

“nova filosofia”, que permita adequar essa “filosofia espontânea” das massas à sua função

prática; essa nova filosofia, essa nova cultura, pode e deve ser buscada também naquilo que

constitui a validade do senso-comum, que é seu núcleo sadio, uma vez que o contraste entre o

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pensar e o agir das classes subalternas “revela a existência de elementos embrionários

renovadores que se manifestam na vida diária dos trabalhadores” (Schlesener, 2005, p.54). A

importância do senso comum está presente, portanto, também na existência de “bom senso” nele,

não apenas em sua solidez e imperatividade. Esse bom senso se torna algo ainda mais importante

devido à posição estrutural que o proletariado ocupa no conjunto das relações sociais capitalistas.

Quando o proletariado se movimenta e coloca a necessidade de sua hegemonia social, representa

a negação dessas relações e, conseqüentemente, a possibilidade de uma sociedade em que os

seres humanos estabeleçam um padrão qualitativamente superior de relações entre si. Assim,

mesmo que dominados ideologicamente pela burguesia, mesmo que herdem do meio ambiente

em que vivem concepções do mundo atrasadas, os proletários, enquanto classe, podem

desenvolver uma consciência superior.

Uma classe, embora alguns de seus estratos ainda permaneçam presos na concepção ptolomaica do mundo, pode ser a representante de uma situação histórica muito avançada; atrasados ideologicamente (ou pelo menos, em alguns setores da concepção do mundo, que neles ainda é desagregada e ingênua), estes estratos são, contudo, avançadíssimos praticamente, isto é, como função econômica e política (Gramsci, 2004, p.125-126. C11, P16).

Avançados como função econômica e política, atrasados ideologicamente. Por isto, a

contradição entre o agir e o pensar das classes populares! Como resolver este paradoxo? É

preciso, em primeiro lugar, partir da constatação da “existência de diversas culturas típicas nos

diversos estratos do novo grupo social” (proletariado). Se alguns desses estratos “no terreno

ideológico, ainda estão imersos na cultura de situações que precedem, às vezes, até mesmo aquela

que foi superada recentemente” (Id, ibid, p.125. C11, P16), outros estratos já estão em condições

de elaborar criticamente o seu modo de pensar conforme a posição que ocupam no interior das

relações capitalistas.

todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no político e social (Idem, 2002a, p.15. C12, P1).

Assim, para que se realize a “formação orgânica de uma qualidade-superestrutura

adequada à estrutura social”, para que se realize a “catarse”, é colocada aos intelectuais orgânicos

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dessa classe a “tarefa de determinar e organizar a reforma moral e intelectual, isto é, adequar a

cultura à função prática” (Gramsci, 2004, p.126. C 11, P 16). Desse modo, Gramsci fornece uma

base material da ligação entre estrutura e superestrutura e contribui enormemente para o avanço

da filosofia da práxis: “O ponto fraco da relação estrutura e superestrutura na teoria marxista

provinha de seu caráter abstrato; ora, Gramsci fornece uma tradução concreta, social, desse

vínculo orgânico: os intelectuais” (Portelli, 1977, p.123). Se uma ideologia só é válida e se

difunde quando guarda relações com a estrutura social, cabe aos intelectuais o papel de elaborar

uma concepção do mundo de acordo com a posição das classes elementares.

Trata-se, portanto, de elaborar uma filosofia que – tendo já uma difusão ou possibilidade de difusão, pois ligada à vida prática e implícita nela – se torne um senso comum renovado com a coerência e o vigor das filosofias individuais. E isto não pode ocorrer se não se sente, permanentemente, a exigência do contato cultural com os “simples” (Gramsci, 2004, p.101. C 11, P 12).

É apenas através de intelectuais que se ligam organicamente às classes populares que o

bom senso presente na concepção espontânea destas pode ser transformado “em algo unitário e

coerente” (Id, ibid, p.98. C11, P12). E esse “algo” é a “filosofia da práxis”. Ao denominar assim

o marxismo para fugir à censura fascista, Gramsci não poderia encontrar termo melhor para

definir sua própria teoria: “práxis” implica na necessidade da união da teoria e da prática e,

conseqüentemente, dos intelectuais à camada que representa. Por isso, é preciso “demonstrar que

‘todos’ são filósofos e que não se trata de introduzir ex novo uma ciência na vida individual de

‘todos’, mas de inovar e tornar ‘crítica, uma atividade já existente” (Id, ibid, p.101. C11, P12).

Existe aqui uma clara oposição à noção de Kautski de que a ciência socialista vem de fora do

proletariado, introduzida por intelectuais. Luciano Gruppi equivoca-se duplamente quando afirma

que, para compreender Gramsci, “Lênin nos auxilia com a afirmação de que a teoria

revolucionária vem de fora da classe operária, na medida em que é elaborada por intelectuais que

tem consciência das contradições que vivem e da função histórica da classe operária”

(Gruppi,1978, p.73). Se, no capítulo anterior, procuramos demonstrar que este modo de colocar a

questão não diz respeito a Lênin, ao que nos parece, tem ainda menos a dizer sobre Gramsci, uma

vez que para este último “o ponto de partida deve ser sempre o senso comum, que é

espontaneamente a filosofia das multidões, as quais se trata de tornar ideologicamente

homogêneas” (Gramsci, 2004, p.116. C 11, P 13). Se “toda corrente filosófica deixa uma

sedimentação de ‘senso comum’: é este o documento de sua efetividade histórica” (Idem, 2002a,

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p.209. C 24, P3), entretanto, a não exterioridade da filosofia da práxis resulta do fato de que

existe:

uma diferença fundamental entre a filosofia da práxis e as outras filosofias: as outras ideologias são criações inorgânicas porque contraditórias, porque voltadas para a conciliação de interesses opostos e contraditórios; a sua “historicidade” será breve, já que a contradição aflora após cada evento do qual foram instrumento. A filosofia da práxis, ao contrário, não tende a resolver pacificamente as contradições existentes na história e na sociedade, ou, melhor, ela é a própria teoria das contradições; não é instrumento de governo de grupos dominantes para obter o consentimento e exercer a hegemonia sobre as classes subalternas; é a expressão destas classes subalternas, que querem educar a si mesmas na arte de governo e que têm interesse de conhecer todas as verdades, inclusive as mais desagradáveis e em evitar os enganos (impossíveis) da classe superior e, ainda mais, de si mesmas (Idem, 2004, p.388. C 10, parte II, P 41).

A relação da filosofia da práxis com as classes populares não é externa, esta filosofia

representa a própria consciência “das classes subalternas que querem educar a si mesmas na arte

de governo”. Consciência que nasce no momento em que espontaneamente, “inconscientemente”,

por simples distinção, a classe começa a agir com certa autonomia em relação às classes

dominantes. Por ser relativamente inconsciente este agir espontâneo das classes populares entra

em contradição com seu pensar, uma vez que sua consciência não ultrapassa ao nível econômico-

corporativo. Quando o proletariado no agir de seus estratos mais avançados começa a colocar em

questão a possibilidade de se tornar uma classe dominante, ele começa a se organizar em um

partido independente e a elaborar uma concepção do mundo autônoma. Essa concepção do

mundo se expressa em uma filosofia superior que dá coerência ao que existe de bom senso

presente no senso comum. Se “relação entre [essa] filosofia ‘superior’ e o senso comum é

assegurada pela ‘política” (Id, ibid, p.101. C11, P12), essa concepção não pode se originar de

intelectuais puros, de intelectuais como categoria sociológica, mas de um tipo de intelectual que

fosse mais do que simplesmente ligado à classe, isto é, de um intelectual que fosse parte

constituinte dessa classe e seu setor mais avançado. Esse intelectual, como veremos no capítulo

seguinte, é o partido político.

Ao chegar nesse ponto estamos em condições de colocar a questão: qual o conceito de

consciência de classe que podemos depreender dos Cadernos do Cárcere? Seria o conceito de

filosofia da práxis? Isto nos parece ser inexato, na medida em que a consciência de classe só

encontra sua forma na filosofia da práxis a partir dos setores de vanguarda. Estaríamos de volta

presos à noção do partido ou o cientista como portador da verdadeira consciência, por isto a

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consciência de classe deve ser a consciência de toda a massa proletária. Não obstante, quando

falamos em consciência de classe, precisamos qualificá-la: senso comum das massas é

consciência fenomênica de classe, consciência econômico-corporativa é uma limitada

consciência de classe, etc. Com isso, só podemos falar de consciência de classe em sentido estrito

quando a classe se torna consciente da necessidade e possibilidade de se tornar hegemônica, de

uma consciência em que teoria e prática se unificam, de uma consciência que anteriormente

denominamos provisoriamente de consciência hegemônica. Essa não deve ser um simples

produto de elaboração dos intelectuais deslocados de toda a massa, mas a consciência de todo um

grupo social que visa buscar sua própria hegemonia, ela deve coincidir com a filosofia de toda

uma época.

A filosofia de uma época não é a filosofia deste ou daquele filósofo, deste ou daquele grupo de intelectuais, desta ou daquela grande parcela das massas populares: é uma combinação de todos estes elementos, culminando em uma determinada direção, na qual essa culminação torna-se norma de ação coletiva (Id, ibid, p.325-326. C 10, parte II, P17).

A consciência de classe só pode ser pensada a partir da combinação concreta de todos

esses elementos que compõe a filosofia de uma época. Se os elementos filosóficos que

constituem uma determinada concepção do mundo podem ser distinguidos em diversos níveis:

“filosofia dos filósofos, concepção dos grupos dirigentes (cultura filosófica) e como religião29 das

grandes massas” (Id, ibid, p.236. C 10, parte II, P 41), a consciência de classe também pode ser.

A consciência de classe encontra sua expressão mais elevada na filosofia da práxis. Mas a

consciência de classe só se torna consciência operante quando extrapola os limites de uma

“vanguarda” e se torna um bom senso nas grandes massas, se torna “um senso comum renovado

com a coerência e o vigor das filosofias individuais” (Id, ibid, p.101. C 11, P 12), isto é, quando

“a clareza intelectual dos termos das luta se torna paixão difusa e é premissa de uma forte

vontade” (Gramsci APUD Schlesener, 2005, p.56 . C15, P25). Para isto, é necessário que todos

estes elementos que constituem a consciência de classe se unifiquem e formem um só bloco

histórico capaz de atuar de forma coerente como se fosse um só homem. Somente através dessa

combinação, a consciência de classe das massas se torna uma consciência estratégica, isto é, uma

consciência onde teoria e prática se unificam para atingir um fim. Consciência essa que é não

dada de uma vez por toda, mas é um processo em permanente construção já para Gramsci a

29 Concepção do mundo “ativa”.

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“consciência clara do encadeamento de meios e fins produz-se no decurso do processo e não

antes” (Schlesener, 2005, p.56-57), depende da transformação permanente dos impulsos vindos

das massas em uma filosofia coerente. Por isto, a consciência de classe é um produto de múltiplas

determinações e que possui múltiplas faces.

Então, qual o conceito de classe que podemos depreender dos Cadernos do Cárcere? Em

nosso entender, essa consciência, não é, como para Lukács, aquela “reação racional adequada que

deve (...) ser adjudicada a uma situação típica determinada no processo de produção” (Lukács,

1978, p.64) e que o partido seria o portador ao conseguir através do marxismo compreender que

reação seria esta. Nem aquela consciência fenomênica que o proletariado adquire através da

experiência de sua vida social e cultural, como para Thompson. Esta consciência não se confunde

com uma consciência que se adjudica, já que ela está em permanente construção pela experiência

da própria classe; nem pode ser confundida com uma consciência empírica já que ela não se

expressa em todos os momentos, mas apenas quando esta consciência se orienta praticamente

para a construção da hegemonia do proletariado por meios adequados. O conceito de consciência

em Gramsci pode ser definido como um meio termo entre as proposições de Lukács e Thompson.

Dessa maneira, o conceito que melhor define o conceito de consciência que podemos depreender

dos Cadernos do Cárcere é um conceito que visa apreender a consciência da necessidade e

possibilidade da hegemonia do proletariado: propomos denominar esse conceito como

consciência estratégica. Sim, porque para Gramsci, em nosso entendimento, somente através da

“consciência do significado do próprio operar” (Siminionatto, 1998, p.52) que é possível

provocar a desarticulação da ideologia dominante e construir uma concepção do mundo

autônoma do proletariado, uma autêntica consciência de classe.

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3 O MODERNO PRÍNCIPE: O PARTIDO REVOLUCIONÁRIO.

O caderno 13, intitulado de Moderno Príncipe para fugir à censura, é o caderno especial

dedicado ao partido revolucionário. Gramsci anuncia seu plano de estudo para este caderno da

seguinte maneira: “Estes dois pontos fundamentais – formação de uma vontade coletiva nacional-

popular, da qual o moderno Príncipe é ao mesmo tempo o organizador e a expressão ativa e

atuante, e a reforma intelectual e moral – deveriam constituir a estrutura do trabalho” (Gramsci,

2002 b, p. 18. C13, P1). Devido aos objetivos desse trabalho monográfico nos dedicaremos ao

estudo somente das passagens presentes neste e em outros cadernos nos quais Gramsci faz uma

reflexão sobre o partido revolucionário a partir da relação deste com a consciência de classe. Em

outras palavras, nosso estudo visa compreender como Gramsci concebe o Moderno Príncipe para

realizar a tarefa de formar uma vontade coletiva.

Na primeira deste capítulo investigamos como Gramsci pensa o processo de organização

de uma vontade coletiva. Em seguida analisamos o partido enquanto expressão ativa e atuante

dessa vontade. Na terceira parte, procuramos demonstrar como Gramsci contrapõem as duas

formas antagônicas de centralismo: o centralismo burocrático versus o centralismo democrático.

Para concluir, procuramos demonstrar de que maneira Gramsci contrapõe o centralismo

democrático ao regime stalinista que se instalava na URSS.

3.1 A realização de um aparelho hegemônico

Muita tinta no papel já foi gasta para discutir a relação entre o conceito de hegemonia em

Gramsci e Lênin. Luciano Gruppi, por exemplo, apesar de apresentar as diferenças dos dois

autores no que se refere a esse conceito – para ele, Lênin “entende por hegemonia, sobretudo, a

função dirigente”, e Gramsci, por sua vez, “refere-se por vezes à capacidade dirigente, enquanto

outras vezes pretende referir-se simultaneamente à direção e dominação” (Gruppi, 1978, p.11) –

defende que o conceito de hegemonia em Gramsci é uma herança do legado leninista.

Polemizando contra esse modo de colocar a questão Edmundo Fernandes Dias, em Gramsci em

Turim, defende que o conceito de hegemonia é uma herança do contexto político e cultural

italiano, demonstrado que esta noção já estava presente em Gramsci antes mesmo da Revolução

de Outubro. Independente da origem do conceito, o fato é que ele nunca foi explicitamente um

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conceito central nas obras lenineanas. Nesse sentido, a seguinte passagem dos Cadernos do

Cárcere nos provoca uma atenção especial no que concerne à relação entre Lênin e Gramsci

nesta questão:

o princípio teórico prático da hegemonia possui também um alcance gnosiológico; e portanto, é nesse campo que se deve buscar a contribuição teórica máxima de Ilitch à filosofia da práxis. Ilitch teria feito progredir efetivamente a filosofia na medida em que fez progredir a doutrina e a prática política. A realização de um aparelho hegemônico, enquanto cria um novo terreno ideológico, determina uma reforma das consciências e dos métodos de conhecimento (Gramsci, 2004, p.320. C10, Parte II, P12).

Gramsci, portanto, encontra na prática política de Lênin e não em sua teoria a expressão

máxima do conceito de hegemonia. E essa expressão é o partido como realização de um aparelho

hegemônico, o qual representa uma das grandes precisões à filosofia da práxis. Sim, porque é

através do partido que proletariado pode se conceber como classe universal: o problema da

história universal é um problema político e não teórico no sentido de uma filosofia da história de

herança hegeliana que concebe a história com uma meta pré-determinada. Pela sua prática

política, Lênin anuncia uma revolução gnosiológica, uma revolução na teoria do conhecimento. A

objetividade do conhecimento, para Gramsci, não é dada pela exterioridade do mundo em relação

aos sujeitos, pelo contrário, ao colocar a questão: “Existe uma ‘realidade’ exterior ao pensador

individual (...), desconhecida (isto é, ainda não conhecida, mas nem por ‘incognoscível’,

numênica), ou não se ‘descobre’ nada no mundo espiritual (isto é, nada se revela), mas se

‘inventa’ e se ‘impõe’ ao mundo da cultura?” (Id, ibid, p. 397. C10, parte II, P42) Gramsci tende

a concordar mais com a segunda definição. Por este motivo,

Objetivo significa sempre “humanamente objetivo”, o que pode corresponder exatamente a “historicamente subjetivo”, isto é, objetivo significaria “universal subjetivo”. O homem conhece objetivamente na medida em que o conhecimento é real para todo o gênero humano historicamente unificado em um sistema cultural unitário; mas este processo de unificação histórica ocorre com o desaparecimento das contradições internas que dilaceram a sociedade humana, contradições que são a condição de formação dos grupos e de ideologias não universal-concretas, mas que envelhecem imediatamente, por causa da origem prática da sua substância. Há, portanto, uma luta pela objetividade (para libertar-se das ideologias parciais e falazes) e esta é a própria luta pela unificação cultural do gênero humano. O que os idealistas chamam de “espírito” não é um ponto de partida, mas de chegada: o conjunto das superestruturas em devir rumo à unificação concreta e objetivamente universal, e não um pressuposto unitário, etc. (Id, ibid, p.134. C11, P17).

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A objetividade decorre da unificação dos seres humanos em um sistema cultural em

comum. Mas, não se trata de uma filosofia transcendental teleológica. Principalmente no que diz

respeito às ciências sociais, o que os idealistas chamam de espírito poderá ser apenas o ponto de

chegada e não o de partida, é necessário uma prática política que derrube as contradições

insanáveis que corroem a nossa sociedade, uma revolução socialista que permita a superação da

sociedade de classes para que isto seja possível. Essa forma de conceber a objetividade interessa

aos nossos objetivos pelo fato de que se essa unificação cultural deixa de ser concebida como um

princípio, ela necessariamente passa a ser concebida como uma tarefa política com implicações

mesmo para se pensar o Estado. Trata-se de uma invenção que não é de forma alguma arbitrária,

mas expressão de necessidades e possibilidades históricas concretas. Por isto não é qualquer um

que pode realizar esse papel: somente poderá realizar esta tarefa uma classe que não tenha fins

particulares que impeçam essa universalização. “As classes dominantes precedentes eram

especialmente conservadoras no sentido de que não tendiam a assimilar organicamente as outras

classes”, já a burguesia “põe-se a si mesma como um organismo em contínuo movimento, capaz

de absorver toda a sociedade, assimilando-a a seu nível cultural e econômico”. A burguesia

desenvolveu no Ocidente – e, poderíamos dizer no mundo inteiro nos dias de hoje – uma

poderosa sociedade civil visando incorporar toda a sociedade para seu projeto político e, com

isso, o papel do Estado foi transformado: ele tornou-se um educador de uma concepção do

mundo que se põe como universal. Entretanto, os fins particulares dessa classe chocam-se com

interesses verdadeiramente universais, o domínio de classe da burguesia alimenta diversas formas

de opressão. A “classe burguesa está ‘saturada’: não só não se difunde, mas se desagrega”, e

assim, “volta à concepção do Estado como pura força, etc.” Somente uma classe que “ponha a si

mesma como passível de assimilar toda a sociedade e, ao mesmo tempo, seja realmente capaz de

exprimir este processo” pode levar “à perfeição esta concepção do Estado e do direito a ponto de

conceber o fim do Estado e do direito, tornados inúteis por terem esgotado sua missão e sido

absorvido pela sociedade civil” (Idem, 2002 b, p.271. C8, P2). Somente o proletariado é que se

pode colocar a possibilidade do fim do Estado enquanto força repressiva, já que a dominação

política dessa classe não tem uma necessidade imperativa de interesses particularistas, já que

longe de ser uma classe exploradora, ele tem interesse - enquanto classe e não enquanto

indivíduos isolados - de acabar com toda a exploração e de suprimir todos os interesses

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particularistas. Por este motivo, somente o proletariado pode se colocar como classe efetivamente

universal.

Entretanto, essa universalização do proletariado não é algo natural, é apenas uma

possibilidade objetiva que para se tornar uma realidade necessita de um partido que se constitua

em um aparelho hegemônico. Por esta razão, os partidos “não são apenas uma expressão

mecânica e passiva das próprias classes, mas reagem energicamente para desenvolvê-las,

consolidá-las, universalizá-las” (Id, ibid, p.201. C3, P119). O “moderno Príncipe é ao mesmo

tempo o organizador e a expressão ativa e atuante” (Id, ibid, p.18. C13, P1) de uma vontade

coletiva, esta entendida “como consciência operosa da necessidade histórica, como protagonista

de um drama histórico e efetivo” (Id, ibid, p.17. C13, P1). É preciso lembrar ainda que, para

Gramsci, o conceito de necessidade histórica não é tão simples quanto parece: “Existe

necessidade quando existe uma premissa eficiente e ativa, cujo conhecimento nos homens se

tenha tornado operante, ao colocar fins concretos à consciência coletiva e ao construir um

complexo de convicções e de crenças que atua poderosamente como as ‘crenças populares’”

(Idem, 2004, p. 197. C11, P52). A necessidade de superar o capitalismo e construir uma

sociedade sem classes não é uma necessidade objetiva no sentido mais vulgar do termo, é uma

necessidade que decorre da construção de uma vontade coletiva. Como consciência operosa dessa

necessidade, essa vontade coletiva é consciência estratégica de classe. O partido revolucionário,

portanto, como organizador e expressão ativa e atuante dessa consciência, se constitui no

elemento de continuidade das flutuações coletivas que transforma essa necessidade em algo

imperativo.

Mas, uma vontade coletiva unitária não corresponderia ao mais taciturnos pesadelos de

George Orwell em sua obra 1984 e de Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo? A resposta de

Gramsci para um tal tipo de indagação seria bastante profunda:

Tendência ao conformismo no mundo contemporâneo mais ampla e profunda que no passado: a estandardização do modo de pensar assume dimensões nacionais ou mesmo continentais (...) Mas teria existido no passado ou não o homem coletivo? Existia sob a forma de direção carismática (...) obtinha-se uma vontade coletiva sob o impulso e a sugestão imediata de um homem representativo; mas esta base coletiva era devida a fatores extrínsecos, compondo-se e decompondo-se continuamente. O homem coletivo de hoje, ao contrário, forma-se essencialmente de baixo para cima, à base da posição ocupada pela coletividade no mundo da produção (...) Deve-se notar, a respeito do “conformismo” social, que a questão do não é nova e que o brado lançado por alguns intelectuais é apenas cômico. O conformismo sempre existiu: trata-se hoje de luta entre “dois conformismos”, isto é, de uma luta pela hegemonia, de uma crise da sociedade

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civil (...). O desenvolvimento das forças econômicas sobre novas bases e a instauração progressiva da nova estrutura sanarão as contradições que não podem deixar de existir: e, tendo criado um novo “conformismo” a partir de baixo, permitirão novas possibilidades de auto-disciplina, isto é, de liberdade até individual (Idem, 2002 b, p.260-261. C7, P12. Grifos nosso).

Se o conformismo “sempre existiu” não se deve temê-lo quando ele se torna expressão de

uma necessidade histórica e intrínseca e deixa de ser algo imposto mecanicamente do exterior.

Por isto, não é qualquer vontade coletiva que Gramsci defende, mas uma consciência estratégica

de classe que permita a superação do reino da necessidade no qual essa vontade coletiva se

constitui de forma abstrata e exterior. O reino da liberdade que Gramsci imagina, seguindo as

pistas de Marx, é o reino em que a necessidade conhecida pode ser dominada. Refém da

necessidade, alienado de si, os homens fazem apenas muito limitadamente a própria história, pois

o que fazem parece exercer um poder coisal sobre si. A atitude estratégica frente aos

acontecimentos é o que permite melhor agir sobre o real. Como expressão da consciência

estratégica, no partido o reino da liberdade já deve se realizado:

Se o Estado representa a força coercitiva e punitiva de regulamentação jurídica de um país, os partidos representam a adesão espontânea de uma elite a tal regulamentação, considera um tipo de convivência para a qual toda a massa deve ser educada, devem mostrar em sua vida particular interna terem assimilado, como princípios de conduta moral, aquelas regras que no Estado são obrigações legais. Nos partidos a necessidade já se tornou liberdade, e daí nasce o enorme valor político (isto é, de direção política) da disciplina interna de um partido (Id, ibid, p. 267. C7, P90).

É, por isso, que a disciplina no partido não deve ser tomada como “acolhimento servil e

passivo de ordens, como execução mecânica de uma tarefa (...), mas como assimilação consciente

e lúcida da diretriz a realizar”. Nesse sentido, o conformismo que o partido revolucionário

pretende implementar na sociedade – e, como Estado latente, deve ser um dos princípios de sua

própria organização - é um conformismo que decorre de uma disciplina que “não anula a

personalidade em sentido orgânico, mas limita a impulsividade irresponsável, para não falar da

fátua vontade de sobressair”. Se a “disciplina não anula” necessariamente “a personalidade e a

liberdade”, esta questão de “personalidade e a liberdade”, portanto, se apresenta não em razão da

disciplina, mas da “origem do poder que ordena a disciplina. Se esta origem for ‘democrática’, ou

seja, se a autoridade for uma função técnica especializada e não um ‘arbítrio’ ou uma imposição

extrínseca e exterior, a disciplina é um elemento necessário de ordem democrática, de liberdade”

(Id, ibid, p.308-309. C14, P48). O conceito de hegemonia do proletariado não visa estabelecer um

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pensamento único, mas fornecer uma base unitária em que se possa expressar a individualidade.

O conceito de hegemonia do proletariado, portanto, implica em construir uma vontade coletiva a

partir do que existe de semelhante na diversidade. Se a adesão ao partido deve se realizar de

maneira individual, como veremos abaixo, e não classista, ele organiza apenas a parcela das

massas conscientes da necessidade de sua emancipação. Desta forma, a adesão ao partido deve se

dar de forma crítica e consciente, o que implica nenhum fetichismo em relação ao partido e seus

dirigentes, ninguém pode se colocar do ponto de vista do “como em si”, da “consciência

verdadeira”. O caminho adotado pelo partido deve ser produto de um consenso que unifique as

diversas concepções individuais - que chegaram à compreensão da necessidade da hegemonia do

proletariado - em um só bloco histórico e não uma imposição da vanguarda dirigente. E como o

partido do proletariado representa uma classe com aspirações universalistas, ele deve ser capaz de

agregar os interesses das demais classes populares na sua concepção do mundo. Esta concepção

não deve ser construída de maneira impositiva, os interesses corporativos do proletariado devem

ser flexibilizados a ponto de se tornar capaz de agregar em si os interesses e anseios das demais

camadas sociais populares.

Esse modo de pensar aparece de forma particularmente desenvolvida no que diz respeito

ao problema da chamada questão meridional. A grave situação dos camponeses do sul da Itália

não decorria de um atraso inato do povo da região em relação ao resto do país, mas era inerente

ao modo histórico em que se desenvolveu o capitalismo na Itália, isto é, era um dos elementos

que sustentava o desenvolvimento no norte do país. Essa situação, para Gramsci, seria resolvida

através da aliança dos camponeses do Sul com os operários do Norte do país, já que apenas

através da hegemonia do proletariado seria possível destruir as condições econômicas que

perpetuavam esta situação. Da mesma forma, a hegemonia do proletariado só seria possível se

fosse realizada a aliança com os camponeses, já que eles representavam a grande maioria da

população italiana. Tratava-se de converter o potencial anticapitalista desta camada em uma ação

decidida em favor da construção do socialismo através da obtenção do consenso ativo dos

camponeses ao assumir suas bandeiras de luta na doutrina do partido. Desse modo, nos parece ser

muito útil a definição do conceito de hegemonia em Gramsci depreendida por Luciano Gruppi:

A hegemonia é isto: determinar os traços específicos de uma condição histórica, de um processo, tornar-se protagonista de reivindicações que são de outros estratos sociais, da solução das mesmas, de modo a unir em torno de si esses estratos, realizando com eles

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uma aliança na luta contra o capitalismo e, desse modo, isolando o próprio capitalismo (Gruppi, 1978, p. 59).

3.2. O partido como intelectual orgânico

Afirmamos, no capítulo anterior, que apenas “através de intelectuais que se ligam

organicamente às classes populares que o bom senso presente na concepção espontânea destas

pode ser transformado ‘em algo unitário e coerente’”, ser transformado em consciência

estratégica de classe. Dissemos ainda, logo acima, que o moderno príncipe, para Gramsci, é ao

mesmo tempo o “organizador e a expressão ativa e atuante” de uma vontade coletiva. Como

realização de um aparelho hegemônico, o partido deve cumprir a tarefa de organizar uma vontade

coletiva sobre bases consensuais. Porém, é apenas como expressão ativa e atuante dessa vontade

coletiva que ele pode cumprir este papel. Por esta razão, o partido revolucionário deve ser a

“concretização de uma vontade coletiva reconhecida e afirmada parcialmente na ação”, ele deve

ser “a primeira célula na qual se sintetizam germes de vontade coletiva que tendem a se tornar

universais e totais” (Gramsci, 2002 b, p.16. C 13, P1). O partido constitui-se, desse modo, no

elemento material que permite que a superestrutura político-cultural se vincule organicamente a

estrutura econômica, constitui-se na primeira célula em que se expressa a consciência estratégica

de classe. É por isso que Gramsci destaca “a importância do partido junto à classe na elaboração

de uma concepção do mundo” (Simionatto, 1998, p.62). O partido revolucionário é, portanto, um

intelectual coletivo do proletariado já que “para alguns grupos sociais, o partido político é nada

mais que o próprio modo de elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos” (Gramsci, 2002 a,

p.15. C12, P1). Percebemos aqui que é retomada em um nível de concretude maior – no sentido

de progressão do abstrato para o concreto da metodologia marxista - a questão dos intelectuais

orgânicos e, conseqüentemente, da relação da filosofia da práxis com a classe em que ela

representa. Como elemento concreto é ao partido que cabe a tarefa de unificar em um bloco

histórico a filosofia da práxis que se elabora no seu interior e o bom senso, a consciência de

classe e o agir da própria classe, a vanguarda e as classes populares. O sentimento das massas ao

saber dos intelectuais e este ao sentimento daquelas formando um conhecimento que permite agir

de maneira autônoma.

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O elemento popular “sente”, mas nem sempre compreende ou sabe; o elemento intelectual “sabe”, mas nem sempre compreende e, menos ainda, “sente” (...) O erro intelectual consiste em acreditar que se possa saber sem compreender e, principalmente sem sentir (...) as paixões elementares do povo, compreendendo-as e, portanto, explicando-as e justificando-as em determinada situação histórica (...); não se faz política-história sem esta paixão, isto é, sem esta conexão entre intelectuais e povo-nação. Na ausência deste nexo, as relações do intelectual são, ou se reduzem, a relações de natureza puramente burocrática e formal; os intelectuais se tornam uma casta ou sacerdócio (o chamado centralismo orgânico). Se a relação entre intelectuais e povo-nação, entre dirigentes e dirigidos, entre governantes e governados, é dada graças a uma adesão orgânica, na qual o sentimento-paixão torna-se compreensão e, desta forma, saber (não de uma maneira mecânica, mas vivida), só então a relação é de representação, ocorrendo a troca de elementos individuais entre governantes e governados, entre dirigentes e dirigidos, isto é, realiza-se a vida do conjunto, a única que é força social; cria-se o “bloco histórico” (Idem, 2004, p.222. C11, P67).

O partido não é a vanguarda que representa uma verdade transcendental, a própria

verdade nasce da sua historicidade, filosofia e história formam um bloco, assim, a consciência de

classe da qual o partido é organizador e expressão nasce dos impulsos das massas quando seu

agir revela uma contradição com o seu modo de pensar que ainda sofre influência da hegemonia

de outras classes e camadas sociais. O partido revolucionário deve transformar em conhecimento

esse sentimento das massas que transborda em ações espasmódicas, dando continuidade a esse

sentimento. Não obstante, pergunta-se Gramsci logo no primeiro parágrafo do caderno destinado

ao estudo do moderno príncipe: “Pode haver reforma cultural, ou seja, elevação civil das camadas

mais baixas da sociedade, sem uma anterior reforma econômica e uma modificação na posição

social e no mundo econômico?” (Idem, 2002 b, p.19. C13, P1). Ao negar isto que ele pensará que

no capitalismo esse conhecimento não pode deixar de estar representado apenas por uma elite,

uma vanguarda. Se uma concepção do mundo, como vimos anteriormente, é inventada e imposta

ao mundo da cultura, a concepção que o proletariado “inventa” através de sua experiência e

necessidade histórica, a sua consciência estratégica de classe, apenas pode se expressar em uma

primeira fase em uma vanguarda que a tenha assimilado plenamente em sua etapa mais elaborada

e oriente todas suas ações por ela. Essa concepção do mundo só pode viver na forma de “uma

elite na qual a concepção implícita na atividade humana já se tenha tornado, em certa medida,

consciência atual coerente e sistemática e vontade precisa e decidida”. Se os partidos

revolucionários devem ser concebidos “como crisol da unificação de teoria e prática entendida

como processo histórico real”, eles exercem uma função de “experimentadores históricos” da

nova concepção do mundo. Por isto, os partidos devem selecionar “individualmente a massa

atuante, e esta seleção opera-se simultaneamente nos campos prático e teórico, com uma relação

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tão mais estreita entre teoria e prática quanto mais seja a concepção vitalmente e radicalmente

inovadora e antagônica aos antigos modos de pensar” (Idem, 2004, p.105. C11, P12). Um partido

apenas representa uma classe quando é capaz de guiá-la de maneira completamente autônoma e

independente, quando é capaz de articular um bloco social homogêneo em torno dessa classe.

“No mundo moderno, um partido é integralmente tal – quando é concebido, organizado e dirigido

através de modos e formas capazes de se desenvolveram integralmente num Estado (integral e

não num governo tecnicamente entendido) e numa concepção do mundo” (Idem, 2002b, p. 354.

C17, P51). Um partido político apenas é integralmente o representante de uma classe quando

consegue ser expressão da consciência estratégica de classe, não quando é apenas um reflexo do

senso comum que se coloca de forma subalterna às demais concepções do mundo presentes na

consciência fenomênica da classe. O partido só é integralmente representante de uma classe

quando é capaz de articular uma revolução intelectual e moral que promova essa consciência

estratégica de classe ao nível uma vontade coletiva unitária. Defender que a adesão ao partido

deve se dar de um modo laborista, significa defender uma concepção de partido que não

ultrapassa os limites do senso comum, significa defender que “a concepção do mundo ou a

atitude prática” não podem ser concebidas “isoladas e independentes, assumindo toda a

responsabilidade da vida coletiva”, o movimento operário se colocaria apenas como um

movimento “puramente reformista” (Id, ibid, p. 328. C15, P6).

Aqui podemos novamente aproximar Gramsci de Lênin: a afirmação de que a concepção

do mundo proletária é “inventada” e não um “dado mecânico”, aproxima-se da noção de que a

consciência socialista vem de fora da luta econômica trazida pelo partido enquanto ator

especificamente político. Assim como para Lênin, essa forma de conceber o partido implica na

necessidade de delimitar o partido e a classe, o que implica na seleção dos indivíduos que irão

compor o partido de acordo com a diferenciação dos níveis de consciência estratégica de classe.

Gramsci afirmará que os partidos possuem “a tarefa de elaborar dirigentes qualificados, eles são a

função de massa que seleciona, desenvolve, multiplica os dirigentes necessários para que um

grupo social definido (...) se articule e se transforme de um confuso caos, em um exército político

organicamente preparado” (Id, ibid, p.85. C13, P23). Devem compor o partido revolucionário não

todos os membros de uma classe, mas apenas aqueles que tenham internalizado a necessidade de

superar o capitalismo prática e teoricamente. Dessa forma, contrapor o espontaneísmo das massas

ao partido revolucionário é contrapor precisamente o senso comum à consciência estratégica.

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Além disso, opor a pura espontaneidade à vanguarda não é apenas um absurdo, é um não senso,

uma pura abstração.

Não existe na história espontaneidade “pura”: ela coincidiria com a mecanicidade “pura”. No movimento “mais espontâneo” os elementos de “direção consciente” são simplesmente impossíveis de controlar, não deixam nenhum documento comprovável. Pode-se dizer, por isto, que o elemento da espontaneidade é característico da “história das classes subalternas”, aliás, dos elementos mais marginais e periféricos desta classe, que não alcançaram a consciência de classe “para si” (...). Existem, portanto, uma “multiplicidade” de elementos de “direção consciente” nestes movimentos, mas nenhum deles é predominante ou ultrapassa o nível da “ciência popular” de um determinado estrato social, do “senso comum”, ou seja, da concepção de mundo tradicional desse estrato (Id, ibid, p.194. C 3, P 48).

Podemos ver mais uma vez que, para o pensador italiano, a “pura espontaneidade” nada

mais é do que o senso comum. Contrapor ao marxismo a “pura espontaneidade” é “cair na mesma

posição daqueles que, tendo descrito o folclore, a bruxaria, etc., e demonstrando que estes modos

de ver têm uma raiz historicamente vigorosa e se enraízam tenazmente na psicologia de

determinados estratos populares, acreditam ‘superar’ a ciência moderna”. Além disso, essa “pura

espontaneidade” é pura abstração, uma vez que “em todo movimento ‘espontâneo’ haja um

elemento de direção consciente, de disciplina, é demonstrado pelo fato de que existem correntes e

grupos que defendem a espontaneidade como método” (Id, ibid, p. 195. C 3, P 48).

Gramsci, então, está sempre se equilibrando entre dois perigos: ou considerar o partido

como o portador da verdade e reduzir a relação deste com a classe a relações puramente

burocráticas ou se entregar à pura espontaneidade e abnegar-se à realidade existente. Conforme

indica Coutinho: Gramsci combate implacavelmente “o fetichismo da espontaneidade, criticando

os que recusam ou minimizam a luta persistente e cotidiana para dar aos movimentos uma

direção consciente”, mas, do mesmo modo, não acredita que “a vontade coletiva possa ser

suscitada apenas ‘pelo alto’, por um ato arbitrário do partido, sem levar em conta os ‘sentimentos

espontâneos das massas’” (Coutinho, 2003, p.171-172). Por essa razão, ao colocar a questão:

“Deve-se obedecer sem compreender para onde a obediência conduz e a que fim visa?”, Gramsci

responderá que “obedece-se neste sentido de bom grado, ou seja, livremente, quando se

compreende que se trata de uma força maior”. Desse modo, irá comparar o comando da

vanguarda com o comando de um maestro, o que implica em “acordo prévio alcançado,

colaboração, o comando como uma função distinta, não hierarquicamente imposta” (Gramsci,

2002b, p. 273. C 8, P45). Ora, tal modo de conceber o partido pode parecer utópico, mas ele tem

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por base uma experiência bem concreta, a experiência de Gramsci como um dos dirigentes dos

conselhos de fábrica de Turim em 1919 e 1920. É esta experiência que serviria de base na sua

concepção do que deveria ser o Partido Comunista Italiano. Partido este do qual Gramsci foi um

dos principais dirigentes até o momento de sua prisão e um dos seus fundadores ao romper com o

PSI em 1921. Vale a pena seguirmos a longa citação onde Gramsci explicita a experiência

conselhista e a concepção dela decorrente:

O movimento turinense foi acusado simultaneamente de ser “esponteneísta” e “voluntarista” ou bergnosiano (!). A acusação contraditória uma vez analisada, mostra a fecundidade e justeza da direção que lhe foi impressa. Esta direção não “abstrata”, não consiste em repetir mecanicamente fórmulas científicas ou teóricas; não confundia a política, a ação real, com a investigação teórica, ela se aplicava a homens reais, formados em determinadas relações históricas, com determinados sentimentos, modos de ver, fragmentos de concepção do mundo, etc. que resultavam das combinações espontâneas de um dado ambiente de produção material, com a reunião “casual” nele, de elementos díspares. Este elemento de “espontaneidade” não foi negligenciado, menos ainda desprezado: foi educado, orientado, purificado de tudo o que de estranho podia afetá-lo, para torná-lo homogêneo à teoria moderna, mas de modo vivo, historicamente eficiente. Os próprios dirigentes falavam de “espontaneidade” do movimento, era justo que falassem assim: esta afirmação era um estimulante, um tônico, um elemento de unificação em profundidade, era acima de tudo a negação que se tratava de algo arbitrário, aventuroso, artificial e não de algo historicamente necessário. Dava à massa uma consciência “teórica” de criadora de valores e institucionais, de fundadora de Estados. Esta unidade de “espontaneidade” e “direção consciente”, ou seja, de “disciplina”, é exatamente a ação política real das classes subalternas como política de massa e não simplesmente aventura de grupos que invocam as massas. Apresenta-se uma questão teórica fundamental a este propósito: a teoria moderna pode estar em oposição aos sentimentos “espontâneos” das massas? (“Espontâneo” no sentido de que se devem a uma atividade educadora sistemática por parte de um grupo dirigente já consciente, mas que se formaram através da experiência cotidiana iluminada pelo senso comum, ou seja, pela concepção tradicional popular do mundo, aquilo que muito pedestremente se chama “instinto” e que, ele próprio, é somente uma conquista primitiva e elementar). Não pode estar em oposição: entre eles há diferença “quantitativa”, de grau, não de qualidade: deve ser possível uma “conversão”, por assim dizer, uma passagem da teoria para os sentimentos e vice-versa (Id, ibid, p.196-197. C3, P48. Grifos nossos).

É por isto que o moderno príncipe, esta expressão ativa e atuante da consciência

estratégica de classe, será um “organismo já está dado pelo desenvolvimento histórico e é o

partido político30” (Id, ibid, p.16. C 13, P1), tal como Gramsci apreendeu a partir de uma

experiência real. Se sua concepção de partido fosse um produto abstrato de seu cérebro, ele ainda

30 “Se se devesse traduzir em linguagem moderna a noção de ‘Príncipe’, da forma como ela se apresenta no livro de Maquiavel, seria necessário fazer uma série de distinções: o ‘príncipe’ poderia ser um chefe de governo, mas também um chefe político que pretende conquistar um Estado ou fundar um outro tipo de Estado, neste sentido, a tradução de ‘príncipe’ em linguagem moderna poderia ser partido político’” (Gramsci, 2002 b, p.222. C5, P38).

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estaria preso à noção da teoria que vem de fora. Por este motivo é importante ressaltar o fato de

que a concepção partidária decorre de uma experiência histórica concreta.

3.3 Centralismo Orgânico e Centralismo Democrático

Percebemos que tanto quanto como aparelho hegemônico que deve garantir a unidade na

diversidade, o partido como intelectual orgânico cuja tarefa é dar continuidade à experiência de

toda uma classe e não em impor mecanicamente uma consciência exterior, deve ser o mais

centralizado e democrático possível. A fórmula decorrente é o centralismo democrático. Mas,

assim como para Lênin que diferencia princípios de métodos de organização, esta fórmula deve

ser vista como uma concepção, não como uma receita de uma estrutura partidária rígida que fosse

uma garantia contra todos os possíveis eventuais erros. Se o partido revolucionário deve tentar

expressar o ponto mais alto alcançado pela experiência das massas, a estrutura do partido e a

consciência de classe da qual ele é organizador e expressão ativa e atuante, deverão estar em

constantes transformações para refletir essa experiência. Isto leva Gramsci a distinguir três

elementos no partido: “doutrina, composição ‘física’ de um determinado pessoal historicamente

determinado, movimento real histórico”. A doutrina do partido e a estrutura organizacional caem

“sob controle da vontade associada e deliberante”. Porém, para o centralismo democrático, o

movimento histórico concreto, a experiência da classe, “reage continuamente sobre os outros dois

e determina a luta incessante, teórica e prática, para elevar o organismo a níveis cada vez mais

altos e refinados”. É por esta razão que o “centralismo democrático” se opõe ao “centralismo

burocrático”, o qual “imagina que pode fabricar um organismo definitivo, objetivamente

perfeito” (Id, ibid, p.199. C3, P56). O “centralismo orgânico” ou “burocrático”, diz Gramsci,

baseia-se no princípio de que um grupo político é selecionado por “cooptação” em torno de um

“portador infalível da verdade”, de um “iluminado pela razão, que encontra as leis naturais

infalíveis da evolução histórica31”. Dessa forma, “a aplicação das leis da mecânica e da

matemática aos fatos sociais – e que deveria ter apenas um valor metafórico – transforma-se o

único e alucinante motor intelectual (a vácuo)” (Id, ibid, p.108. C13, P38). Já o centralismo

democrático não concebe a “doutrina como algo artificial e sobreposto mecanicamente (...) mas

historicamente, como uma luta incessante”, porque se “o elemento constitutivo de um organismo

31 Embora nesta passagem Gramsci esteja se referindo a Maurras, torna-se inevitável a analogia com Stalin!

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é colocado num sistema doutrinário rígida e rigorosamente formulado, tem-se um tipo de direção

de casta sacerdotal” (Id, ibid, p.199. C3, P56).

O centralismo democrático oferece uma fórmula elástica, que se presta a muitas encarnações; ela vive na medida que é interpretada e adaptada continuamente às necessidades: ela consiste na pesquisa do que é igual na aparente diversidade e, ao contrário, é diverso e até oposto na aparente uniformidade, para organizar e conectar estreitamente o que é semelhante, mas de modo que a organização e a conexão surjam como uma necessidade prática e “indutivo”, experimental, e não como o resultado de um processo racionalista, dedutivo, abstrato, ou seja, próprio dos intelectuais puros (ou puros asnos). Este esforço contínuo para distinguir o elemento “internacional” e “unitário” na realidade local é, na verdade, a ação política concreta, a única atividade que produz o progresso histórico. Ela requer uma unidade orgânica entre teoria e prática, entre camadas intelectuais e massas populares, entre governantes e governados (Id, ibid, p.92. C13, P36).

Parafraseando a célebre máxima marxista: não é a estrutura do partido que determina a

experiência das massas, mas esta que deve determinar a estrutura do partido. O partido centraliza

a prática da classe, mas a partir da universalização das experiências parciais ou locais da própria

classe. E como a experiência nunca se interrompe, embora tenha períodos de maior ou menor

intensidade, a estrutura do partido deve ser capaz de assimilar todas essas experiências: “Pode-se

dizer que um partido jamais se completa e se forma, no sentido de que, para certos partidos, é

verdadeiro o paradoxo de que só se completam e se formam quando já não existem mais, isto é,

quando sua existência se torna historicamente inútil” (Id, ibid p.316. C9, P70). Se a emancipação

da classe trabalhadora deve visar o fim das classes e do Estado, o partido que a representa deve

estar caminhando sempre na direção de abolir a diferença entre dirigentes e dirigidos: “Assim,

como cada partido é apenas a nomenclatura de classe, é evidente que, para o partido que se

propõe anular a divisão de classes, sua perfeição e seu acabamento consistem em não existir

mais, porque já não existem classes e, portanto, suas expressões” (Id, ibid, p. 316. C 9, P70).

Então, por que a distinção no interior do partido entre dirigentes e dirigidos? Qual a

encarnação da fórmula centralismo democrático Gramsci propugnava neste momento? Aqui faz

sentir com particular evidência a influência de Maquiavel nas notas gramscianas dedicada ao

moderno príncipe. Quando se atua para modificar a realidade deve se ter em conta não apenas o

que ela deveria ser, mas também o que ela é. O primeiro elemento desse realismo político

assinalado por ele “é que existem efetivamente governantes e governados, dirigentes e dirigidos”.

A partir dessa constatação é que se deverá “estudar como atenuar e fazer desaparecer o fato,

modificando certas condições identificáveis como atuantes neste sentido”, de qualquer modo,

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“permanece o fato que existem dirigentes de dirigidos” (Id, ibid, p. 324-325. C15, P4). Gramsci

destaca ainda que o “político realista (...) conhece as dificuldades de organizar uma vontade

coletiva” (Id, ibid, p. 335. C15, P35), por isso, diferencia-se do “ideólogo, que tal como o cuco,

põe ovos num ninho já preparado e não sabe construir ninhos, pensa que as vontades que as

vontades coletivas sejam um dado de fato naturalista, que desabrocham e se desenvolvem por

razões inerentes, etc.” (Id, ibid, p. 336. C15, P35). Dessa maneira, perceberá como sendo “útil

uma certa ‘estratificação das capacidades e hábitos, bem como a formação de grupos de trabalho

sob a direção dos mais aptos e evoluídos, que acelerem a preparação dos mais atrasados e toscos”

(Idem, 2002 a, p. 36. C12, P1). Ora, mas a utilidade desta estratificação não estaria na base de

uma “tendência a oligarquia”, isto é, Michels não estaria correto ao afirmar que “criando chefes

para si, os próprios operários criam, com as próprias mãos, novos patrões, cuja principal arma de

domínio reside na superioridade técnica e intelectual, na impossibilidade de seus mandantes

exercerem um controle eficaz” (Michels apud Gramsci, 2002 b, p.166). Gramsci concorda que

nos Partidos Socialistas estudados por Michels, “os dirigentes afastam-se cada vez mais da

massa, dando margem à flagrante contradição que se manifesta nos partidos avançados entre as

declarações e intenções democráticas e a realidade oligárquica” (Idem apud id, ibid, p.166).

Gramsci observa inclusive que se “os partidos nascem e se constituem como organização para

dirigir a situação em momentos historicamente vitais para suas classes”, eles nem sempre sabem

“adaptar-se às novas tarefas e às novas épocas (...) nem sempre sabem desenvolver-se de acordo

com o desenvolvimento das relações de força (e, portanto, a posição relativa de suas classes) no

campo internacional”. Nenhum partido está livre deste risco pois “quando se analisam estes

desenvolvimentos dos partidos, é necessário distinguir: o grupo social, a massa partidária, a

burocracia e o Estado-Maior do partido”. De todos esses elementos que compõe o partido a

“burocracia é a força consuetudinária e conservadora mais perigosa; se ela chega a se constituir

como um corpo solidário e voltado para si mesmo e independente da massa, o partido termina por

se tornar anacrônico e , nos momentos de crise aguda, é esvaziado de seu conteúdo social e resta

como solto no ar” (Id, ibid, p. 61-62. C 13, P 23). Se a burocracia se volta para seus interesses, o

partido se descola do grupo social, se esvazia de seu do conteúdo social, isto é, se descola da

classe que deveria representar. O que resta então é uma forma de centralismo burocrático em que

a participação dos membros do partido deixa de ser ativa e se torna passiva. A tendência à

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oligarquia se realiza. Não obstante, Gramsci não se acomoda a aceitar um fato empírico como

prova de uma verdade inquestionável conforme faz a sociologia e ciência política positivista.

As questões relativas com democracia e oligarquia tem um significado preciso, que é dado pela diferença de classe entre líderes e seguidores: a questão torna-se política, ou seja, adquire um valor real e não apenas de esquematismo sociológico, quando na organização existe divisão de classe: isto ocorre nos sindicatos e nos partidos sociais-democratas32. Se não existe diferença de classe, a questão torna-se puramente técnica – a orquestra não crê que o regente seja um patrão oligárquico – , de divisão do trabalho e de educação, isto é, a centralização deve levar em conta que nos partidos populares a educação e o “aprendizado” político que se verificam em grande parte através da participação ativa dos seguidores na vida intelectual – discussões – e organizativa dos partidos. A solução do problema, que se complica exatamente pelo fato de que nos partidos avançados os intelectuais têm uma grande função, pode ser encontrada na formação de um estrato médio o mais numeroso possível entre chefes e massas, que sirva de equilíbrio para impedir os chefes de se desviarem nos momentos de crise radical e para elevar sempre mais a massa (Id, ibid, p. 166-167 Cad 2. P75. Grifos nossos).

A partir disto Gramsci pensará o partido em sentido estrito, então, como a

confluência de três elementos:

1) Um elemento difuso, de homens comuns, média, cuja participação é dada pela fidelidade, não pelo espírito criativo e altamente organizativo (...) 2) O elemento de coesão principal, que centraliza no campo nacional e que torna eficiente e poderoso um conjunto de forças que, abandonados a si mesmas, representariam zero ou pouco mais; este elemento é dotado de força altamente coesiva, centralizadora e disciplinadora e também (ou melhor, talvez por isso mesmo) inventiva (...) 3) Um elemento médio, que articule o primeiro com o segundo elemento, que os ponha em contato não só físico, mas moral e intelectual (Id, ibid, p. 318. C9, P70).

Contra a tendência de oligarquia, Gramsci apresenta a importância da formação de um

estrato médio que impossibilite o deslocamento da “elite” do resto do corpo partidário e, ao

mesmo tempo, possibilite a elevação do nível cultural das massas partidárias e populares. E é

necessário que a vanguarda esteja disposta a consolidar e desenvolver esta camada com particular

cuidado e uma fórmula partidária que não tome o segundo elemento como uma casta e que, por

isso mesmo, seja capaz de possibilitar a troca de elementos individuais entre os três elementos.

Contra o determinismo sociológico de Michels, Gramsci se oporá a partir de um ponto de vista

político, talvez nesse sentido devamos entender a expressão: “Tudo que há de realmente

importante na sociologia não passa de ciência política” (Idem, 2004, p.330. C15, P10). Não se

trata de criticar toda e qualquer sociologia, mas uma sociologia que encerre toda a riqueza única

32 Com o aparecimento de Partidos Comunistas em todo o mundo devido a influência dos bolcheviques, o termo social-democrata passa a valer como sinônimo de reformismo.

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de experiências históricas em leis deterministas. Sua crítica à sociologia da época apenas

acompanha sua crítica ao marxismo vulgar, não é a toa que a parte mais importante dessa crítica

esteja no caderno dedicado à Bukharin. Segundo Gramsci, a redução da filosofia da práxis a uma

sociologia positivista operada por Bukharin em sua obra A teoria do materialismo histórico.

Manual popular de sociologia marxista , “representou a cristalização da tendência deteriorada, já

criticada por Engels (...), e que consiste em reduzir uma concepção do mundo a um formulário

mecânico, que dá a impressão de poder colocar toda a história no bolso” (Id, ibid, p.146. C11,

P25). Se nas ciências naturais o método positivista “pode apenas determinar despropósitos e

asneiras que poderão ser facilmente corrigidos por novas investigações (...), na ciência e na arte

política ela pode ter como resultado verdadeiras catástrofes”. A lei estatística parte da

pressuposição de que as massas se mantenham na passividade, enquanto a ação política

revolucionária deve ter a pretensão de fazer justamente que “as multidões saiam da passividade”

e, desse modo, “destruir a lei dos grandes números”. Por isto, na ciência política quando a lei

estatística “opera de modo fatalista, não é apenas um erro científico, mas torna-se um erro

prático, em ato” (Id, ibid, p.147-148. C11, P25). É por este motivo que “vinculada à questão da

burocracia e de sua organização ‘ótima’, está a discussão sobre os chamados ‘centralismo

orgânico’ e centralismo ‘democrático’” (Id, ibid, p. 89-90. C13, P36). Por esta razão, “na

formação dos dirigentes, é fundamental a premissa: pretende-se que sempre existam governados e

governantes ou pretende-se criar as condições nas quais a necessidade dessa divisão desapareça?”

Se esta divisão “ainda que em última análise se refira a uma divisão de grupos sociais, existe

também, sendo as coisas como são, no meio de cada grupo, mesmo socialmente homogêneo:

pode-se dizer, em certo sentido, que esta divisão é uma criação da divisão do trabalho, é um fato

técnico”. Porém, para uma organização revolucionária não basta registrar que existam dirigentes

e dirigidos, é preciso querer e atuar no sentido de acabar com essa divisão: “Especulam sobre esta

coexistência de motivos todos os que vêem em tudo apenas ‘técnica’, etc., para não se porem o

problema fundamental” (Id, ibid, p. 325. C15, P4). Exatamente por não se levar essa questão

fundamental em consideração que se comete grandes erros e a tendência à oligarquia prevalece

mesmo onde não exista divisão de classes. Lembramos que até o próprio Lênin, embora mais

consciente do problema que a maioria dos seus correligionários de partido, descartou muito

rapidamente a possibilidade da ditadura do proletariado se transformar numa ditadura de chefes,

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o que o levou, mesmo combatendo a burocratização do partido, a se resignar, em certa medida, a

essa última.

Dado que até no mesmo grupo existe a divisão entre governantes e governados, é necessário fixar alguns princípios irrevogáveis. Aliás, é precisamente neste terreno que “ocorrem” os “erros” mais graves (...) Acredita-se que estabelecido o princípio pelo próprio grupo, a obediência deva ser automática, deva ocorrer sem que se precise dar uma demonstração de “necessidade” e racionalidade, mas seja indiscutível (...) Assim,é difícil extirpar o “cadornismo” dos dirigentes, isto é, a convicção de que uma coisa será feita porque o dirigente considera justo e racional que seja feito (Id, ibid, p. 325. C15, P4).

Embora, como assinalamos no capítulo anterior, Gramsci não associe o “fetichismo

político” à sua base material que é o fetichismo da mercadoria, as notas sobre fetichismo

presentes nos Caderno do Cárcere, são dignas de grande interesse. Um “organismo coletivo”

deveria ser “constituído de indivíduos, os quais formam o organismo na medida em que se deram,

e aceitam ativamente uma hierarquia e uma direção determinada”. Contudo, “se cada um dos

componentes pensam o organismo coletivo como uma entidade estranha a si mesmo, é evidente

que este organismo não existe mais de fato, mas se transforma num fantasma do intelecto, num

fetiche”. O fenômeno do fetichismo é, para Gramsci, uma conseqüência de ser “muito difusa uma

concepção determinista e mecânica da história”, a ponto desta se tornar uma concepção do senso

comum já que ligada “à passividade das grandes massas populares”. Esta forma de pensar se

sustenta no fato de que “cada indivíduo vendo que, a despeito de sua não intervenção, alguma

coisa acontece é levado a pensar que acima dos indivíduos existe uma entidade fantasmagórica”

(Id, ibid, p.332. C15, P13). É sobre esses fundamentos que se sustentam o centralismo

burocrático, “o qual se baseia, no pressuposto, que só é verdadeiro em momentos excepcionais,

de arrebatamento das paixões populares, de que a relação entre governantes e governados seja

determinada pelo fato de que os governantes ‘devem’ ter o consentimento destes”. Para alguns

organismos, como a Igreja Católica, “tal conceito não só é útil, mas necessário e indispensável:

qualquer forma de intervenção a partir de baixo desagregaria a Igreja”. Já para os organismos que

devem colocar como pressuposto a questão da não perpetuação da diferença entre dirigentes e

dirigidos, torna-se uma “questão vital não o consentimento passivo e indireto, mas o consenso

ativo e direto, ou seja, a participação dos indivíduos ainda que isto provoque a aparência de

desagregação e tumulto”. Desse modo, Gramsci coloca a possibilidade de que a necessária

formação de uma vontade coletiva não anule a individualidade. O centralismo deixa de ser

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burocrático e se converte em centralismo democrático quando “a multiplicidade se unifica através

do atrito dos indivíduos”. O centralismo democrático deve funcionar como uma orquestra, como

uma organização na qual ao ensaiar “cada instrumento por sua conta, dá a impressão da mais

horrível cacofonia; porém estes ensaios são a condição para que a orquestra viva como um só

instrumento” (Id, ibid, p. 333. C15, P13). Esta é razão porque enquanto persistirem a diferença

entre dirigentes e dirigidos o comando da direção deve ser como a do maestro, deve reduzir a

uma função puramente técnica até que chegue o momento em que este comando se torne até

mesmo desnecessário, porque toda a orquestra saberá tocar por conta própria na mais perfeita

harmonia, sem que por isso todos tenham que tocar o mesmo instrumento!

3.4. Gramsci e o stalinismo na URSS

As reflexões sobre o rumo da Revolução Russa inspirada na experiência do movimento

conselhista de 1919-1920 conduzem Gramsci para um terreno ainda não explorado de forma

suficiente pelos marxistas e dirigentes políticos revolucionários de sua época. Gramsci chegará a

partir do mesmo prisma a uma postura crítica em relação a regimes tão distintos quanto a

democracia liberal, o fascismo e o stalinismo, bem como, em alguns momentos, à prática política

do jacobinismo33 com o qual a extrema esquerda do movimento socialista guarda relações.

Contra todas essas formas centralismo mecânico e exterior que tende a manter ou pressupõe as

massas em estado de passividade, Gramsci contrapõe um centralismo ativo e consciente.

Deixamos para um trabalho posterior a análise das demais oposições que o conceito de

centralismo democrático estabelece, as reflexões presentes nesta última parte do trabalho,

influenciadas pelas análises de Schlesener (2005) e Coutinho (1998), tem por objetivo avaliar tão

somente o modo como tal forma de pensar se opõe frontalmente aos rumos do Partido Comunista

da recém criada União Soviética (PCUS).

Mesmo antes de ser aprisionado pelo regime fascista, Gramsci já registra sua preocupação

com os rumos da Revolução Russa. Schlesener recorda que em uma carta escrita em 1924 para

sua esposa, ele “acentuava seus temores quanto à burocratização do partido e pedia informações

mais precisas sobre o encaminhamento da polêmica russa” (Schlesener, 2005, p. 81). Nesta carta 33 O pensamento de Gramsci em relação ao jacobinismo é, na realidade, uma questão bastante complexa pois em alguns momentos (quando fala na revolução burguesa, por exemplo, mas não só) o considera altamente positivo, já em outros momentos o considera como algo negativo. De qualquer modo, a análise do pensamento gramsciano sobre esta ultrapassa os limites deste trabalho.

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Gramsci afirmava: “Não conheço o artigo de Trotski e nem o de Stalin. Não consigo entender o

ataque deste último, que me parece bastante irresponsável e perigoso”. A mesma preocupação

reaparece em uma carta a Terracini quando ele faz uma “breve colocação sobre o modo como

vinha sendo entendido o centralismo pelo Comitern”, afirmando que ainda “não se conseguiu

obter que existam partidos que saibam fazer uma política autônoma e criadora e que,

automaticamente, seja centralizada” (Gramsci apud Id, Ibid, p. 81). Na famosa Carta ao Comitê

Central do Partido Comunista Soviético, escrita provavelmente na metade do mês de Outubro de

1926, embora esteja sem data, Gramsci apresenta de forma nítida sua postura frente à divergência

no seio do PCUS. Ele se posiciona em relação às divergências políticas, em certa medida, a favor

do grupo de Stalin, já que na época Trotski defendia uma política oposicionista em relação a NEP

e em favor de “uma industrialização acelerada e uma coletivização rápida, feita às custas da

expropriação dos camponeses” (Coutinho, 2003, p.71). Ora, já mencionamos o fato de que

Gramsci defendia que a hegemonia do proletariado a ser exercida sobre os camponeses não

poderia ser realizada de modo autoritário. Por isso, afirmará que nesta questão: “É o princípio e a

prática da hegemonia do proletariado que são postos em discussão, são as relações fundamentais

de aliança entre operários e camponeses que são postos em perigo” (Idem, 1978, p. 164). O

pensador italiano reproduz nesta polêmica, de certa maneira, a mesma posição de Lênin na

polêmica contra a Oposição Operária e, por isso, se posiciona em favor da maioria. Por este

motivo, acusa a oposição liderada por Trotski, Kamenev e Zinoviev de colocar as coisas “em

termos do espírito corporativo e não nos do leninismo, da doutrina da hegemonia do

proletariado”. Segundo ele, renascia no bloco oposicionista “toda a tradição da social-democracia

e do sindicalismo que impediu, até agora, que o proletariado se organizasse como classe

dirigente” (Id, ibid, p. 165). No entanto, conforme lembra Coutinho “menos de dois anos depois

da carta de Gramsci, Stalin já havia rompido com a NEP (...) e se preparava para aplicar, talvez

até radicalizando a política da oposição (...) Ou seja, uma política centrada precisamente na

industrialização forçada e na coletivização ‘pelo alto’, imposta coercitivamente” (Coutinho, 2003,

p. 72). Além disso, Coutinho recorda que “esta ‘virada’ (...) está na raiz dos processos que

levaram a ditadura do proletariado a estreitar radicalmente suas bases consensuais, primeiro e

assumir cada vez mais, depois, a forma de ditadura do aparelho do Partido, para degenerar,

finalmente na ditadura pessoal” (Id, ibid, p.73). Independente do fato de que a ditadura do partido

já estava ocorrendo, em certa medida, quando Lênin ainda estava vivo, a observação de Coutinho

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é muito importante para nos alertar para o fato de que a crítica que Gramsci dirige a Trotski

voltaria, posteriormente, contra o regime comandado por Stalin. Não obstante, a carta possuía

outra finalidade, ela visava expressar uma opinião “sobre a questão estritamente disciplinar das

frações” (Gramsci, 1978, p.164) e não o posicionamento frente à polêmica. Sobre esta questão

Gramsci afirma que “só uma firme unidade e uma firme disciplina no Partido que governa o

Estado operário podem assegurar a hegemonia em regime de NEP”. Por esta razão a carta se

dirige especialmente à Zinoviev, Trotski e Kamenev, os quais, “contribuíram potentemente para

nos educarem para e a revolução (...) foram nossos mestres”. Pois, eles são “os maiores

responsáveis pela situação” (Id, ibid, p.165) e “porque queremos estar seguros que a maioria do

CC da URSS não quer vencer na luta e está disposta a evitar medidas excessivas” (Id, ibid, p.165-

166). Este “queremos estar seguros” demonstra na verdade uma enorme preocupação de que

medidas excessivas estavam próximas a ser tomadas. Gramsci previne, desta forma, que a firme

unidade e a firme disciplina “não podem ser coactas; devem ser leais e de convicção” (Id, ibid,

p.165).

A importância dessa carta para os objetivos deste trabalho resulta do fato de que,

conforme observa Schlesener, “no cárcere, Gramsci não abandonou seu posicionamento político

de 1926” (Schlesener, 2005, p.95). Vemos, então, por exemplo, essa mesma opinião sendo

retomada em várias oportunidades nos Cadernos de Cárcere, o que demonstra a importância que

a Revolução Russa teve para o desenvolvimento dos conceitos de centralismo democrático e

centralismo burocrático. Schlesener alerta para o fato de que no cárcere, apesar das dificuldades,

Gramsci possuía um “conhecimento limitado, mas existente (...) dos desdobramentos autoritários

do regime soviético” e da “orientação política dos companheiros italianos que aderiram à linha

stalinista” (Id, ibid, p.99). Por esta razão, ao que nos parece, Gramsci não só retoma os temas da

carta de 1926 nos Cadernos do Cárcere, como aprofunda a crítica ao stalinismo, apesar desta

crítica estar sempre de forma implícita para que pudesse evitar a censura e um isolamento ainda

maior a que, especula-se, sofreu por parte dos seus companheiros de partido devido seu

posicionamento político34. Segundo interpretação de Schlesener, nas passagens dos Cadernos do

Cárcere que se referem a este tema, ele volta a insistir na importância da unidade e a culpar

Trotski por tê-la quebrado. Entretanto, Trotski seria como “um indicador da situação de conflito

social aflorando no regime interno do partido”. Por isto, a expulsão deste é considerada como

34 Sobre a possibilidade ou não deste isolamento ver Schlesener, 2005.

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completamente injustificada, já que a sua eliminação “não eliminou o conflito” uma vez que os

conflitos “não se sufocam pela força e afloram-se de outros modos”. Desse modo, “mais do que

pronunciar-se sobre a condenação de Trótski, Gramsci estaria se interrogando sobre a lógica

política que precedeu as mudanças do regime” (Id, ibid, p.143). Esta interpretação, nos parece

encontrar respaldo na afirmação de Gramsci nos caderno 6 e 9 de que: “Se devem existir

polêmicas e cisões, é necessário não ter medo de enfrentá-las e superá-las: elas são inevitáveis

nestes processos de desenvolvimento e evitá-las significa somente adiá-las para quando já forem

perigosas e catastróficas, etc.”. A “elaboração de vontade e pensamentos coletivos” deve ser

obtida “através do esforço individual concreto, e não como resultado de um processo fatal

estranho aos indivíduos singulares: daí, portanto, a obrigação da disciplina interior, e não daquela

exterior e mecânica” (Gramsci, 2002 b, p.232. C6, P79). Se os partidos políticos exercem uma

função de polícia ao defender “uma determinada ordem política e legal” é importante analisar “os

modos e orientações com que se exerce essa função” (Id, ibid, p. 307-308. C9, P34). Ela “é

progressista quando aspira manter na órbita da legalidade as forças reacionárias alijadas do poder

e a elevar ao nível da nova legalidade as massas atrasadas. É reacionária quando aspira a reprimir

as forças vivas da história e a manter uma legalidade passada, tornada extrínseca”. O PCUS, ao

abolir as forças vivas da sociedade - do qual a existência da oposição de Trotski é um sintoma -

com a força e não elevando essa camada ao nível da nova legalidade, exerceu essa função de

polícia de forma reacionária. O PCUS se tornou um “puro executor, não deliberante: ele, então, é

tecnicamente um órgão de polícia e seu nome de partido é pura metáfora de caráter mitológico”.

Se, “o funcionamento de um dado partido fornece critérios discriminantes, quando o partido é

progressista funciona ‘democraticamente’ (no sentido de centralismo democrático); quando o

partido é reacionário, funciona ‘burocraticamente’ (no sentido de um centralismo burocrático)”

(Id, ibid, p. 308. C9, P34). Não resta dúvidas sobre qual tipo de centralismo o PCUS se

organizava segundo a concepção gramsciana...

Conforme aponta Coutinho, Gramsci acusará o PCUS não apenas de centralismo

burocrático, mas também de “estatolatria”, isto é, de um movimento teórico e prático “dirigido

com o objetivo de identificar o Estado apenas com a ‘sociedade política’, com os aparatos

coercitivos, com o ‘governo dos funcionários’, omitindo ou minimizando o elemento consensual-

hegemônico próprio da ‘sociedade civil’, do ‘autogoverno’” (Coutinho, 1998, p.24). Se por um

lado, diz Gramsci, “para alguns grupos sociais, que antes da elevação à vida estatal autônoma não

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tiveram um longo período de desenvolvimento cultural e moral próprio e independente” - como o

proletariado na União Soviética - “um período de estatolatria é necessário e até oportuno”, por

outro lado, essa “estatolatria” não deveria ser mais do que a “iniciação à vida estatal autônoma e

à criação de uma ‘sociedade civil’, que não foi possível criar historicamente antes da ascensão à

vida estatal independente” (Gramsci, 2002 b, p.279. C8. P130). A NEP constitui-se em uma série

de medidas que interrompeu o “comunismo de guerra” visando manter a hegemonia do

proletariado em uma situação adversa, mesmo que ao preço de uma certa inibição da

espontaneidade das massas operárias. Ela corresponde a um momento “necessário e até

oportuno” de estatolatria. Entretanto, deveria ser combinada com medidas que visassem

desenvolver a sociedade civil e o consenso ativo. Enquanto Lênin ao enfrentar o processo de

burocratização pensa principalmente em termos de dirigentes do partido e do Estado, isto é, no

marco da sociedade política, Gramsci enfrenta o problema pensando no âmbito de uma política

de massas, da sociedade civil. Se o Estado possui uma tarefa educativa e formativa “cujo fim é

sempre o de criar novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar a civilização e a

moralidade das mais amplas massas populares ao contínuo desenvolvimento do aparelho

econômico de produção”, o Estado socialista deve ser capaz de responder a seguinte questão:

“como cada indivíduo singular conseguirá incorporar-se no homem coletivo e como ocorrerá a

pressão educativa sobre cada um para obter o consenso e sua colaboração, transformando em

‘liberdade’ a necessidade e a coerção?” A resposta de Gramsci está na “questão do ‘direito’, cujo

conceito deverá ser ampliado, nele incluindo atividades que hoje são compreendidas na fórmula

‘indiferente jurídico’ e que são de domínio da sociedade civil, que atua sem ‘sanções’ e sem

‘obrigações’ taxativas” e que, no entanto, “nem por isso deixa de exercer uma pressão coletiva”

(Id, ibid, p.23. C13, P7). Por este motivo, “essa ‘estatolatria’ não deve ser abandonada a si

mesma, não deve, especialmente, tornar-se fanatismo teórico e ser concebida como ‘perpétua’:

deve ser criticada, precisamente para que se desenvolvam e se produzam novas formas de vida

estatal”, isto é, que sejam espontâneas e não “devida ao ‘governo dos funcionários”. É necessário

que o partido tenha “vontade de construir, no invólucro da sociedade política, uma complexa e

bem articulada sociedade civil, na qual o indivíduo singular se autogoverne”. (Id, ibid, p.279-280;

C8 P130). Assim, o Estado socialista deve ser concebido como o “desenvolvimento do Estado,

que, da fase ‘econômico-corporativa’, passa à fase ‘hegemônica’ (de consenso ativo)” (Idem,

2004, p.198. C 11, P53). Pois, o Estado em sentido estrito só desaparece quando todas as funções

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da sociedade política são absorvidas pela sociedade civil, isto é, quando a coerção torna-se

desnecessária porque o consenso não é mais imposto do exterior. Coutinho indica que o

socialismo, para Gramsci, deve construir “uma liberdade que seja não apenas ‘negativa’, aquela

dos indivíduos privados em face do Estado, como na concepção liberal de liberdade”, deve

construir também uma liberdade “positiva”, “isto é, uma liberdade que se expressa na construção

autônoma e coletiva das regras e normas que modelam o espaço público da vida social”

(Coutinho, 1998, p. 27).

É importante ressaltar que ao romper com a NEP, Stalin aprofunda ainda mais a

estatolatria. Esta tal como se estabelecia na União Soviética, como um fanatismo, é

compreendida como um indício “que o grupo dirigente está saturado, transformando-se num

grupelho estreito que tende a criar seus mesquinhos privilégios, regulamentando ou mesmo

sufocando o surgimento de forças contrastantes, mesmo que estas sejam homogêneas aos

interesses dominantes fundamentais”. Com isto ocorre uma distorção do papel do partido já que:

“Nos partidos que representam grupos socialmente subalternos, o elemento de estabilidade é

necessário para assegurar a hegemonia não a grupos privilegiados, mas aos elementos

progressistas em relação a outras forças afins e aliadas, mas heterogêneas e oscilantes” (Gramsci,

2002 b, p.91. C13, P36). Em oposição a este centralismo burocrático que se desenvolvia na

União Soviética, Gramsci retoma a defesa do centralismo democrático, o qual foi teorizado e

quase sempre aplicado por Lênin35. Este centralismo democrático “não se enrijece

mecanicamente na burocracia”, “é um ‘centralismo’ em movimento, por assim dizer, isto é, uma

contínua adequação da organização ao movimento real, um modo de equilibrar os impulsos a

partir de baixo com o comando pelo alto”. É uma forma de organização que garante “uma

contínua inserção dos elementos que brotam do mais fundo da massa na sólida moldura do

aparelho de direção”. O partido revolucionário é aquele partido, portanto, que funciona com

centralismo democrático e, desse modo, “assegura a continuidade e acumulação regular das

experiências” (Id, ibid, p. 91. C13, P36) da classe social. Não impõe burocraticamente uma

doutrina que se encontra na infalibilidade de uma ciência marxista, mas constrói sua concepção

do mundo, a consciência de classe, a partir dos mais elementares sentimentos de um povo.

35 Ver Broé (2005).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de compreendermos o alcance das idéias de Gramsci no contexto da cultura da

socialista revolucionária de sua época, tivemos que desmistificar muito do que se pensa sobre

Lênin. Apresentando o partido como elemento de continuidade da consciência coletiva, a obra de

Lênin mesmo é um desmentido à suas falsificações. Ao contrário do seu resto mortal, que ainda

pode ser apreciado por curiosos do mundo inteiro que alimentam a indústria do turismo, suas

idéias igualmente embalsamadas pelo stalinismo quase não provocam mais interesses. É mais

fácil, então, dirigir às suas idéias a partir de um não menos fossilizado senso comum acadêmico

do que encarar seus artigos políticos “fedendo a cola de peixe” e escritos em forma de polêmicas

com personagens que em sua maioria já “caíram no esquecimento” (Bensaïd, 2000, p.176). Lênin

apresenta-se, dessa maneira, como o teórico da consciência de classe que vêm de fora da luta de

classes trazida por intelectuais. Diz Isabel Maria Loureiro: “Como sabemos [!!!], para Lênin, as

massas têm espontaneamente apenas consciência de seus interesses imediatos. A consciência

revolucionária é-lhes levada, de fora, por uma vanguarda esclarecida de intelectuais

revolucionários” (Loureiro, 1991, p.138). Se todos sabemos, porque discutir!!! Mesmo um

trotskista-leninista tão empenhado em resgatar a história do partido bolchevique das falsificações

do stalinismo, como Pierre Broué, quase não consegue se desvencilhar da força do senso comum.

Ao criticar os críticos de Lênin que reduzem seu pensamento “a um esquema mecanicista e

abstrato” que opõe “a espontaneidade e a consciência nos termos de Que fazer?”, dirá apenas que

essa obra não tem valor universal, que de forma alguma “constitui a bíblia do bolchevismo” já

que “nada permite supor” que esta obra “tenha se revestido de tal importância para os

bolcheviques ou para o próprio discurso intelectual e teórico de Lênin” (Broué, 2005, p. 45) . Que

fazer?, então, aparece para muitos como uma obra maldita que serviu de justificativa para o

stalinismo...

Ora, demonstramos que nem mesmo em Que fazer?, onde a dialética entre consciência e

espontaneidade apresenta-se ainda pouco desenvolvida, autoriza aquele tipo de interpretação. A

noção sociológica de intelectuais que introduzem a consciência de fora pertence a Kautski, não a

Lênin. O pensar político de Lênin está interessado em pensar a estratégia socialista a partir da

discordância dos tempos e das esferas sociais: a delimitação do partido frente à classe é resultado

da discordância entre temporalidade política e temporalidade econômica. Lênin desenvolve a

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concepção de centralismo democrático influenciado pela experiência do POSDA – como classe

universal, a experiência da classe proletária da qual o partido é expressão ultrapassa os limites

nacionais - e no embate contra o “economicismo” russo. Este último, inspirado em Bernstein,

considerava a política como simples reflexo do econômico, defendendo - ironicamente de forma

consciente - o espontaneísmo como método e, por isso, se posicionando contra todo e qualquer

centralismo. Daí a ênfase de Que fazer? no centralismo e no elemento consciente. Organizado

pela concepção do centralismo democrático, o partido bolchevique foi, talvez, aquele partido que

melhor traduziu em consciência política os sentimentos que brotavam da massa, conduzindo,

assim, o proletariado russo à primeira revolução socialista vitoriosa da história. As reflexões de

Lênin sobre essa dialética, desse modo, se desenvolvem de acordo com a experiência do

proletariado russo. Se em Que fazer? Lênin desenvolve de maneira especial a importância do

momento consciente desta dialética devido ao fato do movimento operário ainda estar dando seus

primeiros passos, em Esquerdismo, A doença Infantil do Comunismo Lênin assinala a

importância igualmente fundamental do momento espontâneo da luta de classes ao criticar o

voluntarismo da extrema-esquerda. Logo em seguida, a luta para derrotar a contra-revolução

levou à eliminação física de grande parte dos elementos intermediários entre a vanguarda e a

massa. O fosso colocado entre dirigentes e dirigidos fez com que Lênin se resignasse a uma

ditadura da vanguarda a ser exercida em nome das massas, invertendo seu esquema inicial: “não

era mais a base que levava e empurrava o topo, mas a vontade do topo que esforçava-se de

carregar a base” (Bensaïd, 2000, p. 172). Por esta razão, ao se colocar frente a frente com o

combate ao processo de burocratização em curso, Lênin não consegue refletir para além dos

traços de personalidades dos indivíduos que compunham essa vanguarda, quando a revolução é,

na verdade, “assunto de dezenas de milhões de homens aguilhoados pela mais aguda luta de

classes” (Lênin, 1981, tomo 3, p.332). De qualquer modo: “A grandeza de Lênin não reside no

seu triunfo, mas nesse fim tormentoso, combatente e quase desesperado. É esta vontade quase

desarmada que se reconhece, com efeito, nas últimas semanas, a autenticidade de sua aspiração

democrática” (Liebman apud Guimarães, 1999, p.123).

Gramsci nunca deixou de registrar suas dívidas com aquele a quem chamava, em suas

anotações em cadernos no interior do cárcere fascista, pelo pseudônimo de “o maior

representante da filosofia da práxis de nossa época”. Em oposição a uma sociologia positivista

que pretende tratar os fatos sociais como se fossem coisas, Gramsci, seguindo as pistas de Lênin,

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nos conduz a um novo tipo de conhecimento: um conhecimento estratégico. Este pensar político

tem implicações no pensar a política. Politizada a ciência marxista não traz mais garantias. Esse

pensar político se opõe precisamente a qualquer representação mecânica e unilateral da

temporalidade histórica. O partido político não se reduz a uma simples expressão direta da

consciência empírica do proletariado: a vitória do proletariado não depende de um progresso

unilinear da consciência de classe em que o acúmulo de sucessivas vitórias eleitorais seria o doce

reflexo. O partido, para Gramsci, também não pode ser concebido como portador de uma

verdadeira consciência de classe proveniente do conhecimento de um inevitável devir histórico.

Sem desenlace garantido, a missão política do proletariado não pode ser fornecida por uma

filosofia da história que estabelece um encadeamento inevitável de modos de produção ou do

desenvolvimento passivo do capitalismo. Dessa forma, a universalidade no fim da história que o

proletariado seria o portador quase não encontra respaldo em um marxismo como filosofia da

práxis. O conceito de hegemonia nos leva a pensar que a universalidade do proletariado não é

algo inato, mas algo a ser construída conscientemente, “não deriva de uma investidura a priori –

de um princípio doutrinário, de uma vocação natural, de uma previsão apoiada nos fatos – mas é

o resultado de uma capacidade ético política” (Nogueira, 1998, p.101). Politizada a ciência já não

pode prever mais nada: “Na realidade, é possível prever ‘cientificamente’ apenas a luta, mas não

os momentos concretos dela” (Gramsci, 2004, p.121. C11, P15). Com o capitalismo, o reino da

mercadoria desenvolve concretamente uma universalização dos modos de existência e de pensar.

“Tornando-se efetivamente planetário”, o capitalismo “é mais do que nunca o espírito de nossa

época sem espírito e o poder do reino da mercadoria” (Bensaïd, 1999, p.11). O fetichismo da

mercadoria se expande por todos os cantos do planeta e para todas as esferas da vida social: o

entretenimento, a informação, os corpos e a vida são mercantilizados. Porém, essa

universalização operada pelo capitalismo enquanto força social impessoal nunca poderá ser

completa, pois a classe burguesa não pode se colocar como classe universal, pois tem interesses

particularistas a defender. As contradições sociais brotam em todos as esferas da vida social já

que oprimido é “obrigado a resistir sob pena de ser pura e simplesmente esmagado” (Bensaïd,

1999, p.191). A universalização do reino da mercadoria se revela, então, um simples fetiche em

cada ocasião que os oprimidos se rebelam contra qualquer aspecto, mesmo que parcial, desta

realidade mercantil. E daí que este contraste entre o agir e o pensar das classes populares pode

revelar a potencialidade de uma nova concepção do mundo e de uma nova universalidade que não

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sejam mais ditadas pelo exterior, mas produtos de uma elaboração consciente e que permita

enfim, libertos de todos os particularismos, o agir e o pensar das classes populares se unificarem.

Esta nova concepção do mundo que “se manifesta na ação” das grandes massas apresenta-

se “de modo descontínuo e ocasional” (Gramsci, 2004, p. 97. C11, P12). Assim, torna-se

necessário um elemento que permita “uma continuidade e acumulação regular das experiências”

(Idem, 2002 b, p.91. C13, P36), que permita agir sobre o real ao impedir que essa continuidade

seja perdida após cada fluxo e refluxo da luta de classes. Este elemento é o partido político. Este

último é encarado dentro desta perspectiva, como o elemento de continuidade das flutuações da

consciência política que a classe produz ao longo da sua experiência política. Mas não é qualquer

partido que constitui esse elemento: um partido sem centralização, que seja um aglomerado

desconexo de concepções e interesses variados não permite a acumulação e generalização das

experiências sociais. Está fadado a permanecer sempre preso no âmbito do senso comum e não

será capaz de fornecer uma concepção do mundo independente, estando sujeito à hegemonia

cultural de outras classes sociais. Para que ocorra uma “continuidade” de uma experiência “que

tende a criar uma ‘tradição’” dos oprimidos, “entendida, naturalmente, em sentido ativo e não

passivo, como continuidade em permanente desenvolvimento”, é necessário um partido que

funcione como “centro organizador” da classe, que permita “assimilar todo o grupo à fração mais

avançada de um grupo”. Fração esta que é a mais avançada porque já encarna em si esta

experiência em seu estágio mais avançado e por ter assimilado prática e teoricamente esta nova

concepção do mundo. “Toda continuidade orgânica apresenta” o “perigo de burocratizar-se, é

verdade, mas este perigo que é preciso vigiar. O perigo da descontinuidade, da improvisação é

ainda maior” (Id, ibid, p.241. C6, P86). Porém, esse perigo existe e não pode ser ignorado. Se

este centro se colocar como portador da verdade e não como elemento de continuidade teremos

um “centralismo burocrático”, o qual tende a converter a nova concepção do mundo em um

simples dogma. A auto-proclamada vanguarda tende, assim, a se considerar como “um pai eterno

que tinha pensado em tudo, providenciado tudo, etc.”; o que provoca “a ausência de uma

democracia real, de uma real vontade coletiva nacional e, portanto, em face dessa passividade dos

indivíduos, a necessidade de um despotismo mais ou menos aberto da burocracia” (Id, ibid,

p.232. C6, P79). A ligação desta concepção com uma filosofia positiva que pressupõe de um lado

a passividade das massas e de outro a onisciência dos dirigentes é evidente! Daí a necessidade um

pensar político que unifique experiência social de massas e a filosofia dando consciência teórica a

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essa experiência, de um partido que não considere a consciência de classe como um dogma, como

um exercício ocioso de classificar o que ela deve ou não ter, mas como um eterno devir produto

de múltiplas determinações e com muitas facetas.

A nova concepção do mundo não vem, portanto, nem de dentro, nem de fora do

proletariado, mas da relação dialética entre o partido e a classe, entre o espontâneo e o consciente.

Entre o risco permanente de render-se a simples espontaneidade ou se burocratizar, não existe

garantias que a construção de um partido revolucionário entendido como elemento de

continuidade das flutuações da consciência coletiva de classe será bem-sucedida. Politizar a

ciência é desmistificá-la, tirar suas certezas, e tornar o pensamento estratégico. “Na realidade,

pode-se ‘prever’ na medida em que se atua, em que se aplica um esforço voluntário e, desta

forma, contribui-se concretamente para criar o resultado previsto”. Apenas pode-se “prever” a

hegemonia do proletariado, o fim das classes sociais e do Estado, quando politicamente se

contribui para tal objetivo. “A previsão revela-se, portanto, não como um ato científico de

conhecimento, mas como a expressão abstrata do que se faz, o modo prático de construir uma

vontade coletiva” (Idem, 2004, p.98. C11, P12). Por essa razão, a consciência de classe quando

atua no sentido de construir o socialismo, supera os limites impostos negativamente pela

assimilação de uma concepção do mundo que representa a hegemonia política e cultural das

classes dominantes, e pode-se colocar a si mesma como uma consciência estratégica, como

consciência do próprio operar, isto é, como consciência que unifica a teoria e a prática para a

construção da hegemonia social do proletariado.

Ao longo deste trabalho procuramos demonstrar a maneira como Gramsci concebe a

dialética entre a consciência de classe e o partido revolucionário comparando com a perspectiva

lenineana. Tal estudo nos permite concluir agora que Gramsci permite desenvolver a noção de

democracia socialista em relação ao pensamento de Lênin através de quatro elementos presentes

nas suas análises, os quais abordaremos rapidamente logo abaixo já que se trata de reflexões

ainda em estado de elaboração em nosso próprio pensamento e que, por isso, servem mais de

apontamentos para pesquisas futuras do que conclusões definitivas. Estes elementos seriam:

1) Ao desenvolver a noção de hegemonia que estava latente em Lênin, Gramsci apreende

de forma mais nítida a heterogeneidade do bloco social histórico que possui o proletariado como

centro organizador e fornece uma base teórica mais consistente para a dialética entre consciência

e partido: “A hegemonia é concebida como elaboração orgânica: ela nem vem ‘de fora’, nem ‘de

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dentro’. Quanto mais ampla e coletiva for a síntese, mais o projeto hegemônico será denso e

historicamente operativo” (Guimarães, 1998 p.262). Este modo de colocar a questão permite

pensar em uma disciplina e um conformismo que não anulam a personalidade dos indivíduos e a

heterogeneidade do bloco histórico que se organiza em torno do proletariado. Por este motivo,

permite pensar teoricamente tanto na oposição entre o centralismo democrático ao burocrático

como na centralidade da luta de classes sem eliminar toda a complexidade de tramas sociais que

os chamados “novos movimentos sociais” colocam à teoria social. A solução original apontada

por Gramsci na chamada questão meridional aponta para o fato de que se é “verdade” que o

proletariado ocupa um lugar central na construção de um novo bloco social devido sua posição na

estrutura econômica, por outro lado, esse potencial universal não é um dado automático, a sua

universalidade deve ser construída politicamente. Por este motivo, a construção de sua

hegemonia não pode ser pensada senão através da aliança de todos os setores oprimidos pelo

capitalismo. Atualizando a tese para hoje, podemos dizer que as lutas de juventude, das mulheres,

dos ecologistas, dos próprios camponeses que ainda são uma parcela significativa da população,

do movimento indígena, do movimento negro, a luta dos imigrantes e por respeito à diversidade

cultural e sexual, as lutas dos sem terra, sem teto, sem emprego, etc.; devem possuir uma

articulação comum, já que possuem o mesmo adversário: a hegemonia do homem branco burguês

heterossexual bem como o reino do fetichismo da mercadoria que reproduz e alimenta essas

diversas formas de opressão.

Pode-se imaginar, nesta perspectiva, “atores coletivos” ou “movimentos sociais” chamados a fundir-se no vasto movimento constitutivo da classe como “partido histórico”. Pode-se igualmente encarar a existência de conflitualidades “não contemporâneas” (na medida em que a dominância de um modo de produção não basta para sincronizar e homogeneizar as contradições de uma formação social particular). Elas não são paralelas e indiferentes uma às outra, mas transversais às relações de classe, quer se trate dos antagonismos de sexo, de nacionalidade ou de apostas ecológicas. Assim, uma política de liberação das mulheres não se reduz à sua dimensão anticapitalista; em contrapartida ela não teria como perceber a raiz da opressão sem partir da maneira como a mercantilização dos corpos e a divisão dos trabalhos remodelaram esta opressão. Da mesma forma, se não basta abolir a lei cega do mercado para resolver os grandes desafios ecológicos, a ecologia radical não se concebe sem um requestionamento da lógica mercantil e do reino do interesse privado (Bensaïd, 1999, p.205).

O importante a destacar é que essa unificação de todos os oprimidos pelo capitalismo no

proletariado não pode ser tomada como uma característica inata dessa classe. O proletariado

deve, através de seu partido, fazer um esforço para aglutinar em si todas as demandas vindas dos

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diversos setores. A potencialidade de universalidade do proletariado reside, para Gramsci, no

simples fato de que para ele não existem empecilhos materiais para que uma tal universalidade

seja politicamente construída, não porque possamos reduzir tudo à luta de classes. Por esta razão,

a autonomia de todos esses movimentos deve ser preservada, desde que isto não implique em

uma fragmentação. Isolados, cada um desses movimentos perde boa parte do seu potencial

transformador. Como o “outro si-mesmo” de todos estes outros, o proletariado é o único que pode

articular a construção de um novo bloco histórico que se proponha a lutar contra todas as

opressões.

Um ponto que seria interessante desenvolver em um trabalho futuro é que além de

atualizar Gramsci é preciso também fazer algumas precisões a sua teoria uma vez que ele não

trabalha com o conceito de fetichismo da mercadoria. A universalização do proletariado é

possível não só porque não existem obstáculos particularistas a se defender, mas porque ela pode

ocorrer de forma consciente enquanto a universalização operada pela burguesia ocorre

especialmente através do capital enquanto força social impessoal. É o fenômeno do fetichismo da

mercadoria, por exemplo, o maior obstáculo para a emancipação das mulheres e não os interesses

da classe burguesa. Tanto que muitas já foram as conquistas do movimento feminista

protagonizados mesmo por atores que pouco tinham a ver com o campo do proletariado. Se o

problema da opressão de gênero é principalmente cultural, nada impede a burguesia mais do que

o proletariado de defender a libertação das mulheres a não ser o fato de que o capitalismo gera

uma cultura necessariamente não igualitária e o fetichismo da mercadoria ser um fenômeno que

faz com que o capitalismo seja necessariamente guiado pelas forças cegas do mercado que

tendem a se apropriar de antigas opressões e tudo mais que estiver em sua frente objetivando o

lucro. A capacidade de universalização do proletariado também corresponde, portanto, na sua

capacidade de superar o fetichismo da mercadoria que prende os seres humanos no reino da

necessidade.

2) Ao não se teorizar o que seria o averso do centralismo democrático, a dialética entre o

elemento espontâneo e o consciente, apresenta-se ainda incompleta em Lênin: o conhecimento

dialético se completa incorporando o negativo em sua positividade. Confiante do potencial

realmente democrático do bolchevismo, Lênin respondia às acusações de burocratismo, como

vimos no embate com Rosa, com a mesma ironia de sempre. Gramsci, por sua vez, ao

desenvolver o conceito de centralismo burocrático consegue dialogar de um modo mais produtivo

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com o fato empírico da tendência à oligarquização de toda e qualquer organização apreendido

pela teoria das elites, sem contudo tomá-la como um fato determinista inescapável. Ao invés de

se acomodar na defesa de um “poliarquia” como fazem os teóricos liberais contemporâneos,

Gramsci coloca como premissa fundamental a ação visando suprimir a diferença entre dirigentes

e dirigidos. Nesse sentido, também não acredita como Lênin, ao constatar a existência de

dirigentes e dirigidos, que seria um absurdo contrapor a ditadura do partido em geral à ditadura

de classe, pois, sem centralismo democrático uma forma poderia sim substituir a outra. Gramsci

permite, assim, apreender a possibilidade do fenômeno de fetichismo ocorrer também no partido

da classe trabalhadora, afinal o partido só é representante de uma classe quando consegue

expressar seus sentimentos, não quando se declara como tal. Daí a necessidade de que o

centralismo seja ativo e não passivo, que decorra do conhecimento da necessidade de uma

determinada estratégia e não de uma imposição de vanguarda. A vontade coletiva deve ser

produto do atrito entre os diversos indivíduos que chegam a uma unidade a partir da diversidade,

isto é, deve ser produto do mais amplo e livre debate de idéias, permitindo, assim, incorporar os

indivíduos num projeto coletivo sem eliminar as especificidades e autonomias individuais e

reduzindo o papel da direção do partido a um papel meramente técnico, ao papel de um maestro

não o do administrador de empresas. Dentro desta perspectiva, o centralismo democrático no seu

mais alto estágio não pode também ser concebido como submissão da minoria à maioria, mas

como busca permanente do consenso.

É preciso investigar se essa forma de colocar o problema não seria influência direta de

Rosa Luxemburgo ou um olhar da mesma posição, isto é, de uma sociedade com uma sociedade

civil mais desenvolvida e em que o perigo do conservadorismo de organização se expressa em

toda sua dimensão em muitas organizações de classe. Recordamos que na crítica ao pensamento

de Lênin, Luxemburgo acusa o bolchevismo de transformar “os membros ativos da organização

(...) em simples órgãos executores das ordens de uma vontade fixada com antecipação fora de seu

próprio campo de atividade, isto é, em instrumentos de um comitê central” (Luxemburgo apud

Lênin e ______ , p.15-16). Malgrado o fato de essa crítica não se aplicar plenamente ao

bolchevismo em suas primeiras etapas e muito menos à concepção lenineana de partido, quando

Lênin descarta muito rapidamente essa hipótese deixa brechas para que seu pensamento seja

apropriado por uma concepção que o interpreta exatamente como Rosa e que, no entanto, atribui

um valor positivo a essa concepção “jacobina”. Em outras palavras, Lênin abre brechas para a

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emergência do fenômeno stalinista, enquanto o conceito de “centralismo burocrático” o repudia

implacavelmente. Nos parece que, a concepção gramsciana de partido consegue, desse modo,

estabelecer um meio termo entre o pensamento de Lênin e Rosa, já que ao mesmo tempo em que

radicaliza a crítica a todo “centralismo” imposto, ele não encara o “auto-centralismo” do

proletariado como dado espontâneo, mas como algo que depende da ação política. Se, tanto para

Lênin como para Gramsci, os princípios de organização se distinguem dos métodos de

organização, o “centralismo democrático” se presta a muitas encarnações e se desenvolve de

acordo com a experiência da classe e as condições da luta de classes, as reflexões de Gramsci

acerca do partido correspondem, então, conforme bem observa Schlesener, a uma assimilação do

pensamento de Lênin, mas “reinterpretado a partir da análise do novo momento histórico. A

noção de coletivo criado por meio da participação ativa de cada indivíduo singular, a constatação

de que o silêncio não significa adesão” construída a partir de sua experiência nos conselhos e dos

descaminhos da revolução russa constitui “o contraponto de Gramsci tanto em relação a Lênin

quanto ao stalinismo” (Schlesener, 2005, p.143).

A forma de como Gramsci concebe o centralismo democrático em continua

transformação e assimilação de experiências, permite refletir esse conceito também no mundo

contemporâneo. O movimento concreto da nova geração política (expressa nos Fóruns Sociais

Mundiais) aponta para a possibilidade de superar o modelo organizativo em pirâmide pelo de

rede. Embora estas experiências ainda sofram de uma certa debilidade de solidez organizativa,

não sendo capazes de dar continuidade ao acúmulo de experiências, elas nos permitem pensar em

uma estrutura partidária em que a democracia não seja vivida plenamente apenas em momentos

congressuais. Tal possibilidade é dada, também, pelo avanço da tecnologia da informação, o

desenvolvimento da Internet e a massificação do uso dos computadores permitem que as

informações sejam socializadas em um período muito curto de tempo. Estes fatores combinados

tornam possível pensar em uma estrutura partidária em que o centro de poder irradie dos

organismos de base e que reduzam o papel da direção a cada vez mais ao papel de simples

representantes. Tal concepção partidária estaria sem sombra de dúvidas dentro do melhor da

tradição gramsciana.

3) Sem refletir sobre o que seria o oposto deste centralismo democrático teorizado e quase

sempre aplicado por ele, conseqüentemente, Lênin não esteve à altura do desafio de combater o

centralismo burocrático que ganhava força no interior da república dos sovietes e do Partido

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Bolchevique. A discussão que Lênin colocava - com exceção ao debate sobre os sindicatos - no

âmbito das lideranças partidárias e da sociedade política, Gramsci desloca para a atividade das

massas ao defender a necessidade da construção de uma sólida sociedade civil na URSS que

fosse capaz de absorver o Estado. Ao criticar a estatolatria na União soviética, Gramsci fornece

uma base para pensar em um pluralismo não apenas no âmbito estatal e partidário. Desta maneira,

“é possível expandir a noção de pluralismo para além do circuito pensado pela tradição liberal”,

já que ela deve ser pensada não apenas “na relação entre Estado e sociedade civil”, mas também

se propor “a enraizar o pluralismo político na própria superação da dominação do capital e na

democratização radical da sociedade civil” (Guimarães, 1998, p.264-265) visando a superação do

próprio Estado enquanto força coercitiva.

Aqui aparece a importância da diferenciação da consciência de classe em três grandes

níveis realizada por Gramsci: em consciência econômico-corporativa, reformista e hegemônica.

Quando Lênin diferencia em apenas dois, em consciência trade-unionista e política, está

pensando a consciência política de classe principalmente na esfera da sociedade política, sua

concepção de consciência de classe já é uma concepção de consciência estratégica, mas uma

consciência estratégica de certa maneira ainda presa aos limites de uma sociedade com uma

sociedade civil ainda pouco desenvolvida. O importante aqui não é a divisão ou não do trade

unionismo em dois níveis distintos de consciência, mas a percepção de Gramsci que a

consciência política não se limita ao conhecimento do Estado enquanto força repressiva. Evidente

que Lênin também não circunscrevia o seu pensar político aos limites da sociedade política, bem

pelo contrário, não é por acaso que ele se preocupa com a totalidade da vida social quando fala

em consciência política. Mas a preocupação de Gramsci em relação à sociedade civil é tão mais

desenvolvida do que a do líder da Revolução Russa que podemos falar em inovação gramsciana.

É, por isso, que Gramsci pode pensar no Estado socialista como “fase ‘hegemônica’ (de consenso

ativo)” (Gramsci, 2004, p.198. C 11, P 53), enquanto Lênin ainda lança mão de algumas ações

coercitivas. Vale registrar que na polêmica Trotski/Stalin, a opinião de Gramsci reproduz, em

certa medida, a opinião de Lênin no embate contra a “Oposição Operária”, porém, a saída da

crise que propõe através do desenvolvimento da sociedade civil é mais interessante do que aquela

proposição de extinguir provisoriamente as frações no X Congresso do Partido Comunista Russo.

Sem a experiência de vida social democrática, a “consciência estratégica” do proletariado da

Rússia - na qual Lênin provavelmente seja a máxima expressão - não pôde ascender até o nível de

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consenso ativo. Isto nos chama a atenção para a importância da cultura política de um povo para

as possibilidades de transformação social. Não queremos dizer com isto que devido ao fato da

Rússia não possuir uma tradição democrática, a Revolução de 1917 estava condenada ao

fracasso. Uma concepção aberta de história nos obriga a pensar em uma multiplicidade de

possibilidades mesmo que apenas uma seja concretamente vitoriosa na história. O queremos com

isto é apenas constatar o fato de que se foi mais fácil tomar o poder em um país com uma

sociedade civil menos desenvolvida já que a burguesia não possuía instrumentos de obtenção de

consenso, por outro lado, seria mais difícil manter a hegemonia do proletariado sem recorrer ao

centralismo burocrático quando se fazia necessário construir não antes, mas depois da tomada do

poder da sociedade política, uma sociedade civil que garantisse o consenso ativo das massas

populares ao projeto socialista.

Devido os objetivos deste trabalho limitar-se à questão do partido não estudamos esta

questão do desenvolvimento da sociedade civil presente na obra gramsciana. A título de

conclusão e para projetos de investigações futuras, assinalamos apenas que no que circunscreve

esta questão, que ela está presente nos Cadernos do Cárcere, por exemplo, nas reflexões que

dizem respeito à necessidade de se pensar uma nova forma de colocar o problema do direito que

não o circunscreva ao seu aspecto formal e coercitivo, nas reflexões que se remetem a uma nova

concepção de educação, no interessante estudo sobre o jornalismo, etc.

4) Se Lênin pensa a política de forma mais ampla do que a simples esfera jurídico-estatal

já que ela está presente em todas as esferas da vida social, é apenas com a distinção metodológica

gramsciana entre sociedade civil e sociedade política que a noção lenineana de diferenciação

entre política e economia ganha consistência e uma forma mais acabada e universal. Isto permite

a Gramsci desenvolver uma base material para se pensar a relação entre superestrutura e infra-

estrutura e seu momento de catarse: o intelectual orgânico. Através deste conceito, é possível

compreender consciência de classe como produto de uma elaboração que se realiza na relação

entre o sentir das massas e o pensar dos seus estratos intelectuais. Aqui mais uma grande

contribuição para o marxismo, pois a importância do senso comum não é atribuída apenas pela

sua imperatividade como para Marx, mas também por possuir um núcleo sadio: o bom senso. O

intelectual orgânico é aquele que dá coerência a este bom senso, transformando em uma filosofia

coerente. Trata-se de uma inovação a partir de uma atividade já existente, não se trata de um dado

mecânico que o partido poderia se colocar como portador da verdadeira consciência. Com isto é

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possível superar os limites colocados por uma consciência reformista ancorada no senso comum

e, ao mesmo tempo, abrir a possibilidade de “diferentes projetos protagonizarem a liderança das

transformações” (Guimarães, 1998, p.264). Tal forma de pensar pode nos levar à compreensão da

necessidade de um regime pluripartidário nos regimes socialista e na possibilidade de existência

de tendências mais ou menos estáveis no interior de um mesmo partido.

Chegado a esse ponto, surge uma questão fundamental? Gramsci não se opôs ao

fracionismo de Trotski em nome da unidade do partido? Em que sentido é possível falar, então,

em pluralismo socialista a partir de sua obra? A resposta deve ser buscada na lógica de seu

pensamento, por mais que os limites de sua época não permitiram a Gramsci retirar todas as

conclusões dela decorrente. Assim, nos parece de extrema relevância as observações de Daniel

Bensaïd a respeito de Lênin:

Uma insistência tão constante em Lênin na distinção entre o partido e a classe, na particularidade da luta política e sua linguagem própria, conduz logicamente ao pensamento da pluralidade e da representação. Se o partido não é a classe, decorre daí que uma mesma classe pode se representar politicamente através de diferentes partidos políticos. Decorre também que a ‘representação do social na política’ deve ser objeto de elaboração de regras e de instituições. Lênin não vai, é certo, até aí. Não deixa por isso de abrir um espaço original do político e de explorar as suas pistas (...) Pressionado por sua própria lógica, a elaborar a pluralidade da representação, Lênin não chega todavia a estabelecer um pluralismo por princípio. Há pelo menos duas razões para isso. Primeiro, ele herdou da Revolução Francesa a ilusão segundo a qual, uma vez derrubados os opressores, o processo de homogeneização da classe não é senão questão de tempo. Não há mais contradições imagináveis no seio do povo. Será preciso esperar Trotski e os anos 30 para ver-se o pluralismo fundado por princípio na constatação de uma heterogeneidade duradoura das forças sociais (...) Em segundo lugar, a distinção entre o social e o político não impede uma inversão da proposta tradicional segundo a qual o político se dissolve no social. Com a instauração da ditadura do proletariado aparece doravante o risco simétrico da absorção do social pelo político. (Bensaïd, 2000, p.185-186).

Se o desenvolvimento do conceito de sociedade civil e a crítica da “estatolatria” permitem

a Gramsci fugir da segunda razão pela qual Lênin não desenvolve a noção de pluralismo, ele

ainda permanece preso à primeira. Assim, Gramsci tende a concordar com a eliminação de

Trotski. Contudo, ao mesmo tempo, sua lógica permite indicar que a existência do fenômeno

Trotski demonstra que ainda não havia se atingido uma vontade coletiva homogênea, isto é, ainda

existia uma pluralidade após a Revolução Russa. Dessa forma, o conhecimento estratégico pelo

qual Gramsci nos conduz permite pensar na necessidade de levar esse pluralismo em conta. Nesse

sentido, a concepção de centralismo democrático fornecida por ele traz uma forma elástica o

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suficiente para assimilar também essa experiência histórica. Se a consciência de classe é

permanentemente construída na práxis política e não um dado externo a essa práxis ou um

simples reflexo da estrutura econômica, é inevitável que ela se divida em diferentes correntes de

pensamento mais ou menos estáveis no decorrer de um período histórico mais ou menos longo.

Gramsci se opõe à existência de tendência cristalizadas e permanentes devido à necessidade de

centralização cultural. A filosofia da práxis, contudo, no mundo contemporâneo está cindida por

diversas tradições, as quais são produtos de diversas experiências históricas originais. Não é

possível abolir estas diferenças por decreto: assim como Trotski indicava um barômetro de que as

divisões no seio do proletariado na Rússia não haviam desaparecido, a existência de tendências

cristalizados no interior de um partido possui o mesmo significado para os partidos

contemporâneos. Não é possível evitar, portanto, a consolidação de correntes de pensamento em

tendências mais ou menos cristalizadas através de simples decretos. Talvez não seja nem mesmo

desejável, uma vez que a existência delas fornece elementos de pluralismo na vida partidária e

podem constituir-se no germe de um pluralismo em uma sociedade em que a hegemonia do

proletariado tenha se concretizado. Em um artigo escrito em 29 de novembro de 1919, Gramsci

faz um interessante comentário a respeito: “O problema do Partido Socialista é (...) o problema da

construção de um aparelho estatal, que no seu âmbito interno funcione democraticamente, isto é,

que garanta a todas tendências anticapitalistas a liberdade e a possibilidade de se tornarem

partidos de governo proletário” (Gramsci, 1977, p.81). Como o partido é entendido como escola

de vida estatal, o mesmo deve valer para ele. Isto aponta para o desafio de construir uma estrutura

partidária em que ao mesmo tempo em que garanta a liberdade de organização de tendência

permita construir uma vontade coletiva unitária não se dissolvendo em um aglomerado de

opiniões contrastantes.

Isto ainda não foi obtido, pelo que sabemos, por nenhuma organização existente. Como

não existem fórmulas prontas que dêem conta de responder este desafio, gostaríamos, para

concluir, de fazer apenas uma última breve reflexão sobre os resultados deste trabalho. O fracasso

das primeiras experiências de luta hegemônica proletária, seja por via eleitoral social-democrata,

seja via revolucionária pelo método da ditadura burocrático dos partidos comunistas, coloca em

xeque essas experiências. A nova geração política apresenta-se desconfiada e, mesmo por vezes,

hostil aos partidos políticos. Entretanto, para o pensar político o fracasso não é prova irrefutável

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de irracionalidade histórica, mas apenas de insuficiência estratégica36. Apresenta-se para a

esquerda o desafio de encontrar uma fórmula partidária que ao mesmo tempo em que seja a

realização de um aparelho hegemônico unificado, seja capaz de expressar em seu interior a

diversidade tanto dos indivíduos que deverão compor este novo bloco histórico, como a

diversidade das conflitualidades que os diversos movimentos sociais representam. Este desafio

dependerá da capacidade dos partidos da classe trabalhadora de aprenderem e se reorganizarem

de acordo com os ensinamentos colocados pelo próprio movimento concreto e multiforme do

proletariado. A dialética entre partido e classe, consciência e espontaneidade, tal como

desenvolvida por Gramsci, pode até não fornecer (e nem poderia fornecer) soluções prontas para

este desafio, mas resgatar essa tradição pode ser um bom início para trilhar esse caminho.

36 É possível perceber, portanto, que este conhecimento estratégico possui uma clara oposição à epistemologia popperiana que considera a possibilidade de falseamento como critério do que é científico. Este pensar político também se afasta a uma epistemologia que prega a possibilidade de aproximação sucessiva da verdade: como fato da superestrutura a ciência ou filosofia não é um processo constante de descoberta de novas verdades absolutas, mas uma invenção estratégica que nos permitem compreender e agir no mundo em que vivemos a partir de uma lente cultural cada vez mais elaborada com rigor lógico e coerente do que aquela desconexa e incoerente própria do senso comum e de outras formas de conhecimento como a magia e a religião. É por isto que a continuidade e acúmulo regular de experiência que o partido garante não é um constante aproximar-se da verdade absoluta mas um desenvolvimento contínuo do conhecimento estratégico sempre readaptado às novas condições históricas e sociais.

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