ficha tÉcnica/ credits
TRANSCRIPT
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
FICHA TÉCNICA/ CREDITS
título/ titleMarvão, as Pedras e o Homem.Gentes e TerritórioMarvão, las Piedras e el Hombre. Las gentes y el territorioMarvão, Stones and Man. The people and the lands
edição/ edición/ published byMunicípio de Marvão
prólogo/ prologueJorge de Oliveira
textos/ textsMunicípio de MarvãoAngelina Caixeiro
colaboração/ colaboración/ in collaboration withJorge de Oliveira
fotografias da capa/ fotografías de la tapa/ cover photosJuan Carlos Durán, Pepe Brix
fotografia/ fotografía/ photographsPepe Brix
arquivos fotográficos/ archivos fotográficos/ photography archivesFernando Algarvio, Juan Carlos Durán,Jorge de Oliveira, Emília Mena,Angelina Caixeiro, Município de Marvão
design/ diseño gráfico/ graphic designAngelina Caixeiro
traduções/ traducciones/ translationDave Tucker (EN)Elisabete Ferreira (ES)
revisão de texto/ revisión de texto/ proofreadingJosé Augusto Guerra
tiragem/ tirada/ print run750 exemplares/ ejemplares/ copies
impressão/ impresión/ printingBizex Projetos
isbn978-989-33-2086-0
depósito legal/ legal deposit486909/21
Julho/ Julio/ July/ 2020
© Proibida a reprodução desta publicação,por qualquer meio, sem autorização prévia.
© Queda prohibida la reproducción de esta publicación,por cualquier medio, sin autorización previa.
© The reproduction of this publication by anymeans without prior authorization is prohibited.
7
A MArvão, “o que eu Andei prA Aqui chegAr” Para Marvão, “Lo que yo caminé para llegar aquí”/ Marvão, "how far I walked to get here"
“O que eu andei pra aqui chegar”
assim cantava José Mário Branco e
assim foi o percurso da Humanidade
desde que no Paleolítico acampou nos
verdejantes prados do Sever para passa-
dos milénios, paulatinamente, e descan-
sando, de tempos em tempos, a meio da
encosta vir procurar refúgio no mais
apru mado dos morros da Serra de S. Ma -
mede, Marvão. Lá de cima o Homem via
sem ser visto e desafiava, confiante, os
seus pares e os outros.
Para Saramago, o nosso Nobel, “de Mar-
vão vê-se tudo” e ele viu e a vetusta hu-
manidade também viu e vê!
Em Marvão, no dizer do povo, os pássa-
ros vêem-se pelas costas. Para outros,
Marvão é um ninho de águias. Marvão
é uma vila alcandorada, na sua verda-
deira acessão, isto é, uma pedra bem lá
no cimo onde os condores e outras aves
de rapina nidificavam. De difícil acesso,
muito difícil acesso, a crista quartzítica
empina-se quase na vertical e deixa,
bem lá no alto, uma estreita plataforma,
que o Homem roubou às aves e foi am-
pliando para aí se instalar. E lá no topo
do “mundo”, de onde tudo se vê, como
dizia Saramago, o Homem acastelou-se.
Mas “pra aqui chegar” a humanidade
teve que percorrer, durante milhares de
anos, longos caminhos.
PT“How far I walked to get here”, sang
José Mário Branco. This was the journey
of humans from encampments in the
green, Palaeolithic meadows of the River
Sever for millennia, until, resting from
time to time on the hillsides, they
gradually sought refuge on the most
precipitous of the hills of Serra de S. Ma -
mede, Marvão. From on high, here men
could see without being seen and could
challenge their fellows and others with
confidence.
Our Nobel laureate Saramago proclaimed
“from Marvão, one can see all”. He too
saw this and ancient humanity also saw
it, and sees it still!
In Marvão, so people say, birds can be
seen from above. For others, Marvão is
an eagles’ nest. Marvão is a village on a
high perch, in the original meaning of
the word, a rock on high where birds of
prey nest. Difficult, very difficult to
reach, the quartzite crag rise almost
vertically, with a narrow platform atop
it which men stole from the birds and
then enlarged for their settlement.
There, on top of the world, from where,
as Saramago said, all can be seen, men
set their fortress. But “to get here”
humans had to travel a long path for
thousands of years.
EN“Lo que yo caminé para llegar aquí”
así cantaba José Mário Branco y así fue
el recorrido de la humanidad desde que
en el Paleolítico acampó en los verdes
prados del Sever para pasados milenios,
paulatinamente, y descansado, de vez
en cuando, al medio de la colina vino a
buscar refugio en el más derecho de los
cerros de la Sierra de S. Mamede, Mar-
vão. Desde lo alto el hombre veía sin ser
visto y desafiaba, confiado, sus pares y
a los demás.
Para Saramago, nuestro Nobel, “desde
Marvão se puede ver todo” y él lo vio y la
vieja humanidad también lo vio y lo ve.
En Marvão, en el dicho del pueblo, los
pájaros se ven por la espalda. Para otros,
Marvão es un nido de águilas. Marvão es
una villa acantilada, en el verdadero sen-
tido de la palabra, es decir, una piedra
en lo alto donde anidaban los cóndores
y otras aves de presa. De difícil acceso,
muy difícil acceso, la cresta de cuarcita
se empina casi en vertical y deja, bien
arriba, una estrecha plataforma, que el
hombre robó a las aves y fue ampliando
para instalarse. Y allá en la cima del
“mundo”, de donde todo se ve, como
decía Saramago, el hombre se abaluartó.
Pero “para llegar aquí” la humanidad
tuvo que recorrer, durante miles de
años, largos caminos.
ES
PrólogoPrólogo/ Prologue
8
Contorce-se, cá em baixo, à volta deste
alcantilado morro, o rio Sever que ao
longo de milhões de anos foi abrindo ca-
minho por entre quartzitos, calcários,
granitos e, por fim, depois de cavar os
xistos, descarrega as águas, que entre-
tanto foi recolhendo, no grande Tejo.
Nasce este rio mais acima de Marvão,
mas em encostas mais doces e suaves,
nas faldas do Pico de S. Mamede e, estra-
nhe-se, quase enganando algumas leis da
física, corre de sul para norte, por mais
de sessenta e três quilómetros, para ir
prestar vassalagem ao grande Tejo. Foi,
contudo, nas cotas mais baixas, nas fres-
cas margens do percurso do Sever, entre
a Serra e o Tejo, onde vários microclimas
se reconhecem, que os primeiros Ho-
mens estanciaram. Souberam escolher
bem os locais para acamparem. Tinham
todo o território à sua disposição, mas só
alguns sítios interessaram aos primeiros
caçadores recoletores que por aqui
deambularam em meados do Paleolítico.
Nos depósitos de calhaus rolados que se
acumulam onde o rio mais se contorce e
a seguir se espraia e onde a flora ripícola
The River Sever winds around this
mount after making its way through
quartzite, limestone and granite over
millions of years. Finally, after digging
through shale, it discharges the waters it
has been hoarding into the great Tagus.
The source of this river is higher than
Marvão, but on softer and smoother
slopes, on the slopes of Pico de S. Mamede
and, strangely, almost disobeying the
laws of physics, it runs south to north for
more than sixty-three kilometres to
pledge allegiance to the great Tagus. It
was on its lower levels, however, that the
first men stopped, on the cool banks of
the course of the Sever, between the
mountains and the Tagus, where various
microclimates are found. They knew
how to choose the best places to set
camp. They had the whole territory to
choose from, but only a few sites inter -
ested the first hunter-gatherers who
roamed here in the mid-Palaeolithic.
We can find clear signs of these older
encampments in the piles of smoothed
pebbles that accumulate where the river
twists and turns and then expands, and
El río Sever envuelve este acantilado, que
durante millones de años se abrió paso
entre cuarcitas, calizas, granitos y, final-
mente, tras cavar los esquistos, descarga
las aguas, que mientras tanto se estaba
acumulando, en el gran Tajo. Nace este
río más arriba de Marvão, pero en pen-
dientes más dulces y suaves, en las faldas
del Pico de S. Mamede y, extrañamente,
casi engañando algunas leyes de la física,
corre de sur a norte, por más de sesenta
y tres kilómetros, para ir a prestar vasa-
llaje al gran Tajo. Sin embargo, en las
cotas más bajas, en las frescas márgenes
del recorrido del Sever, entre la Sierra y
el Tajo, donde varios microclimas se re-
conocen, los primeros hombres se detu-
vieron. Sabían elegir los lugares para
acampar. Tenían todo el territorio a su
disposición, pero solo unos pocos sitios
eran de interés para los primeros caza-
dores recolectores que deambulaban por
aquí en medio del período Paleolítico. En
los depósitos de guijarros enrollados que
se acumulan donde el río se retuerce más
y luego se extiende y donde abunda la
flora ribereña, encontramos signos evi-
Morros de Marvão e Espanhasobrevoados por aves de rapina
Colinas de Marvão y Españasobrevoladas por aves rapaces/
The hills of Marvão and Spain,overflown by birds of prey.
© pepe Brix/ cMM
9
abunda encontramos evidentes sinais
desses acampamentos mais antigos. Com
os efeitos da última glaciação o ecossis-
tema altera-se e o Homem tem de acom-
panhar essa mudança. A sedentarização
ensaia-se e a domesticação generalizada
de algumas espécies substitui os grandes
armazéns de proteínas que os, agora ex-
tintos, grandes herbívoros propiciavam
às comunidades do período anterior. Esta
obrigatória sedentarização, ainda que
inicialmente sazonal, justifica-se com a
domesticação da terra. Entre a prepara-
ção do campo, a sementeira e a colheita é
necessário guardar o investimento feito e
por ali ficam os grupos humanos espe-
rando, ansiosamente, que a terra-mãe
seja generosa. Estas gentes, que agora
começaram a ter tempo, ergueram os
grandes menires, construíram as eternas
antas, onde alguns descansam e pinta-
ram grutas e gravaram nas lavadas lajes
de xisto, que no verão emergem das
águas do Sever e do Tejo, mensagens
enigmáticas para o futuro.
where riparian flora abounds. With the
effects of the end of the last age of
glaciers, the ecosystem changed and
man had to keep pace. Settlements were
tested and generalized domestication of
certain species replaced the large stores
of protein that the now extinct large
herbivores had provided to the
communities in the previous period.
This mandatory settlement, although
seasonal at first, was justified as the land
was tamed. Between preparing the
fields, sowing and harvesting, there was
a need to safeguard their investment in
the land and groups of humans
anxiously awaited the generosity of
Mother Earth. These people, who now
had more time, raised great menhirs and
built the eternal dolmens, where some of
them rested. They painted caves and
they made carvings on the weathered
slabs of schist which emerge from the
waters of Sever and the Tagus in the
summer, enigmatic messages for the
future.
dentes de estos campamentos más anti-
guos. Con los efectos del final de la última
glaciación, el ecosistema cambia y el hom-
bre tiene que mantenerse al día con este
cambio. Se está probando la sedentariza-
ción y la domesticación generalizada de
algunas especies reemplaza las grandes
reservas de proteínas que los grandes her-
bívoros ahora extintos proporcionaron a
las comunidades en el período anterior.
Esta obligatoria sedentarización, aunque
inicialmente estacional, se justifica con la
domesticación de la tierra. Entre la pre-
paración del campo, la siembra y la co-
secha es necesario guardar la inversión
hecha y por allí se quedan los grupos hu-
manos esperando ansiosamente que la tie-
rra madre sea generosa. Estas gentes, que
ahora comenzaron a tener tiempo, levan-
taron los grandes menhires, construyeron
los eternos dólmenes, donde algunos des-
cansaron y pintaron grutas y grabaron en
las lavadas losas de esquisto, que en ve-
rano emergen de las aguas de Sever y del
Tajo, mensajes enigmáticos para el futuro.
Anta do Vale da Figueira
Dolmen de Vale da Figueira/ Vale da Figueira Dolmen.
© pepe Brix/ cMM
10
Quando as influências orientalizantes se
começam a fazer sentir com maior in-
tensidade e a metalurgia desponta nesta
zona da Península Ibérica, as comunida-
des que até aí se estabeleciam em habi-
tats de pouca altitude procuram agora
cotas mais altas e naturalmente protegi-
das. Os povoados adjacentes ao rio Sever
são abandonados e os cumes dos cerros
começam a ser fortificados. Desde os fi-
nais do Calcolítico até à chegada dos Ro-
manos pontos estratégicos das prin-
ci pais linhas de cumeada passam a ser
espaços de vivência humana. O Castelo
de Vidago (Vidais), o do Corregedor, o
da Crença, o Del Jardinero, os dois Cas-
telos Velhos do Sever e os das Águas
Blancas e Sr.ª da Graça testemunham
essas épocas conturbadas, que se vive-
ram nas imediações das margens do
Sever, originadas pela disputa das me-
lhores terras e zona de mineração. Uma,
ou mais linhas de muralhas, envolvem
estes habitats. Casas quadrangulares ou
redondas, outrora provavelmente, co-
bertas por giestas anexam-se umas às
When influences from the east began to
be felt with greater intensity and metal -
lurgy emerged in this area of the Iberian
Peninsula, communities that until then
had settled in low-lying habitats now
looked for higher, naturally protected
levels. The villages on the banks of the
River Sever were abandoned and the
mountain tops began to be fortified. From
the end of the Chalcolithic until the arrival
of the Romans, strategic points on the
main ridges became human living spaces.
The Castle of Vidago (Vidais) and those of
Corregedor, Crença and Del Jardinero,
the two Old Castles of Sever and those of
Águas Blancas and Sr.ª da Graça bear
witness to these troubled times for people
near the banks of the Sever, arising from
disputes over the best lands and areas for
mining. One or more lines of walls
enclose these settlements. Quadrangular
or round houses, once probably thatched
with broom, are stacked against each
other, making the best use of the paucity
of space inside the protection of the walls.
The precipitous quartzite crag that is the
foundation of Marvão today was then
occupied for the first time, albeit tem -
porarily, in these troubled times of the
first millennium before Christ. It was part
of the main type of defensive strategy that
the communities of second Iron Age
adopted in this area.
Cuando las influencias orientalizantes
empiezan a hacerse sentir con mayor in-
tensidad y la metalurgia despunta en
esta zona de la Península Ibérica las co-
munidades que hasta entonces se esta-
blecían en hábitats de poca altitud
buscan ahora cotas más altas y natural-
mente protegidas. Los pueblos adyacen-
tes al río Sever son abandonados y las
cumbres de los cerros empiezan a ser
fortificados. Desde el final del Calcolí-
tico hasta la llegada de los Romanos,
puntos estratégicos de las principales lí-
neas de cumbre pasan a ser espacios de
vivencia humana. El Castillo de Vidago
(Vidais), el del Corregedor, el de Credo,
el del Jardinero, los dos Castillos Viejos
del Sever y los de Aguas Blancas y el Sra.
de la Gracia testimonian estas épocas
turbulentas que se vivieron en las inme-
diaciones a orillas del Sever originadas
por la disputa de las mejores tierras y
zona minera. Uno o más murallas ro-
dean estos hábitats. Las casas cuadran-
gulares o redondas, que alguna vez
estuvieron cubiertas de retama, se unen
Afloramento quartzítico
É na continuação deste longorochedo que se ergue a estrutura
defensiva de Marvão.
Afloramiento de cuarcita. Es en lacontinuación de esta larga roca que se
encuentra la estructura defensiva deMarvão.
Quartzite outcrop. The defensivestructure of Marvão stands on the
continuation of this long rock.
© pepe Brix/ cMM
11
outras apro veitando da melhor forma o
pouco espaço que as muralhas prote-
giam. A alcantilada crista quartzítica que
hoje sustenta Marvão terá sido, nessa al-
tura, ocupada pela primeira vez, ainda
que temporariamente, nestes tempos
conturbados do 1.º milénio antes de
Cristo, inserindo-se no tipo de estratégia
defensiva que, sobretudo, as comunida-
des da segunda Idade do Ferro adota-
ram nesta zona.
Com a chegada dos Romanos outra pá-
gina começa a ser escrita. As comunida-
des que sobreviviam nos alcantilados
montes descem de novo aos vales. Mais
pela força das armas do que por vontade
própria, como os vestígios arqueológi-
cos bem o demonstram, os habitats for-
tificados da Idade do Ferro sucumbem
e as terras com melhor aptidão agrícola
começam a ser intensamente explora-
das. Várias villae e casais agrícolas re-
desenham a paisagem entre a Serra de
S. Mamede e o Vale do Tejo. Casas agrí-
colas mais ou menos faustosas, por
vezes revestidas por mosaicos junto a
armazéns, moinhos e termas assinalam
a riqueza que os romanos souberam re-
tirar dos solos agora por eles ocupados.
No Vale da Aramenha, junto a Marvão,
em terras pesadas e férteis e onde a
água abunda, pelos inícios do século I,
os Romanos instalam uma nova cidade.
Ammaia se chamava. Mais do que um
grande centro cosmopolita, reconhece-
-se hoje que Ammaia terá sido uma ci-
dade de lazer, satélite da grande Mérida.
Aqui, construíram os emeritenses as
suas casas de veraneio. Para aqui acor-
reriam os romanos endinheirados nos
implacáveis estios, em busca da sombra
e da água, que a grande cidade do inte-
rior não propiciava. Aqui, na Ammaia,
bordejada pelo rio Sever e abastecida
por pelo menos três nascentes que os
romanos souberam conduzir até ao cen-
With the arrival of the Romans, another
page was turned. The communities that
survived on the sheer mountain tops
came back down into the valleys. More by
force of arms than willingly, as the
archaeological remains demonstrate only
too well, the fortified habitations of the
Iron Age succumbed and the land which
was most fitting for agriculture began to
be intensively exploited. Various villae
and agricultural plots redrew the
landscape between the Serra de S.
Mamede and the Tagus valley. Farm
houses, some lavish, some less so, some
covered with mosaics next to warehouses,
mills and spas, exhibit the wealth that the
Romans were able to extract from the soil
which they now occupied. The Romans
set up a new city in Vale da Aramenha,
next to Marvão, in these heavy and fertile
lands where water abounds, at the
beginning of the first century. It was
named Ammaia. More than just a large
cosmopolitan centre, Ammaia is now
entre sí aprovechando al máximo el
poco espacio que las murallas prote-
gían. La acantilada cresta cuarcítica que
hoy sostiene Marvão habrá sido ocu-
pada, en ese momento, por primera vez,
aunque sea temporalmente, en estos
tiempos turbulentos del primer milenio
antes de Cristo, insertándose en el tipo
de estrategia defensiva que, sobre todo,
las comunidades de la Segunda Edad
del Hierro adoptaron en esta zona.
Con la llegada de los Romanos otra pá-
gina comienza a ser escrita. Las comu-
nidades que sobrevivían en las colinas
acantiladas descienden de nuevo a los
valles. Más por la fuerza de las armas
que por voluntad propia, como los res-
tos arqueológicos bien lo demuestran,
los hábitats fortificados de la Edad del
Hierro sucumben y las tierras con mejor
aptitud agrícola empiezan a ser intensa-
mente explotadas. Varias Villae y case-
ríos agrícolas rediseñan el paisaje entre
la Serra de S. Mamede y el Valle del
Tajo. Casas agrícolas más o menos faus-
tosas, a veces revestidas por mosaicos
junto a almacenes, molinos y termas se-
ñalan la riqueza que los romanos supie-
ron sacar de los suelos ahora ocupados.
En el Vale da Aramenha, junto a Mar-
vão, en tierras pesadas y fértiles y donde
abunda el agua, a principios del siglo I,
los Romanos instalan una nueva ciudad.
Ammaia se llamaba. Más que un gran
centro cosmopolita, se reconoce hoy
que Ammaia habrá sido una ciudad de
ocio, satélite de la gran Mérida. Aquí,
construyeron los emeritenses sus casas
de verano. Los romanos adinerados
irían aquí en busca de la sombra y del
agua, que la gran ciudad del interior no
propiciaba. Aquí, en Ammaia, bordeada
por el río Sever y abastecida por al
menos tres nacientes que los romanos
supieron conducir hasta el centro de la
ciudad, asistían a espectáculos teniendo
Moeda romanacom escrita púnica
cunhada em Alcácer do Sal no séc. ii a.c.,proveniente do povoado da ii idade do
Ferro de vidais.
Moneda romana con escritura Púnica.Acuñada en Alcácer do Sal en el siglo II a.C.,
proveniente del Pueblo de la II Edad delHierro de Vidais.
Roman coin with Punic script. Mintedin Alcácer do Sal in 2nd century B.C.,
from the 2nd Iron Age settlement of Vidais.
Museu Municipal de Marvão© Jorge de oliveira
12
tro da cidade, assistiam a espetáculos
tendo como cenário o brutal acidente
que sustenta hoje Marvão. Os influentes
e poderosos togados que veraneavam
em Ammaia rapidamente a transfor-
mam política e arquitetonicamente.
Pouco tempo depois da sua fundação,
ao tempo de Cláudio, ascende a catego-
ria de Civitas, alguns anos depois, já
com Nero senhor de Roma, constitui-se
como Municipium. O território que ad-
ministrava seria amplo. O seu limite ao
norte terminaria no Tejo, para oriente
confrontava com o de Cáceres, para oci-
dente espraiava-se até ao rio Sor e o vale
do Guadiana limitava-o a sul. Sob o
poder dum exército bem organizado o
Município Ammaiense aglutina e funde
política e administrativamente os an-
cestrais territórios, mas as culturas pró-
prias perduraram. Pelo século VI, com
a decadência da estrutura política ro-
mana, assiste-se, na área da Serra de S.
Mamede a um enxameamento de pe-
quenos núcleos habitacionais implanta-
recognized as a place of leisure, a satellite
city of the great Mérida. Here, the folk of
Mérida built their summer houses. Here,
the moneyed Romans would come to
pass the relentless summer, in search of
shade and water, which the great city
further in the interior could not provide.
Here, in Ammaia, skirted by the Sever
river and supplied by at least three springs
that the Romans had learnt to carry to the
centre of the city, they watched spectacles
with a backdrop of the dramatic geological
event that supports Marvão today. The
influential and powerful toga-clad folk
that holidayed in Ammaia quickly
brought about political and architectural
transformations. Shortly after its foun-
d ation, at the time of Claudius, it rose to
the category of Civitas; a few years later,
when Nero was ruler of Rome, it was
constituted as Municipium. Its adminis -
trative territory was wide. Its limit to the
north ended at the Tagus, to the east it
abutted that of Cáceres, to the west it
spread to the River Sor and the Guadiana
como escenario el brutal accidente que
sostiene hoy Marvão. Los influyentes y
poderosos togados que veraneaban en
Ammaia rápidamente la transforman
política y arquitectónicamente. Poco
tiempo después de su fundación, al
tiempo de Claudio, asciende la categoría
de Civitas, algunos años después, ya con
Nerón señor de Roma, se constituye
como Municipium. El territorio que ad-
ministraba sería amplio. Su límite al
norte terminaría en el Tajo, hacia el este
confrontaba con el de Cáceres, hacia el
oeste se extendía hasta el río Sor y el
valle del Guadiana lo limitaba al sur.
Bajo el poder de un ejército bien organi-
zado el Municipio Ammaiense aglutina
y funde política y administrativamente
los ancestrales territorios, pero las cul-
turas propias perduraron. Por el siglo
VI, con la decadencia de la estructura
política romana, se asiste, en la zona de
la Serra de S. Mamede, a un enjambre
de pequeños núcleos habitacionales im-
plantados en zonas bien disfrazadas en
Pequeno pedestal em mármore polido,proveniente de Ammaia
“iMp. cAeS. L. AvreLio vero Avg. divi. AnTonini. F.ponT. MAX. TriB. poT. coS. ii. p. Mvnicip. AMMAi.”
Tradução: Ao imperador césar Lúcio Aurélio veroAugusto, filho do divino Antonino, pontífice máximo,dotado do poder tribunício, cônsul pela segunda vez,
pai da pátria – os munícipes de Ammaia.
Pequeño pedestal de mármol pulido procedente de Ammaia.“…” Traducción: Al emperador César Lucio Aurelio Vero
Augusto, hijo del divino Antonino, pontífice máximo, dotadodel poder tribunicio, cónsul por segunda vez, padre de la
Patria – los munícipes de Ammaia.
Small pedestal in polished marble, from Ammaia. “…”Translation: To the Emperor Caesar Lucius Aurelius Verus
Augustus, son of the divine Antoninus, Supreme Pontiff,invested with tribunician power, twice consul, father of the
homeland – the townspeople of Ammaia.
© pepe Brix/ cMM
13
dos em zonas bem disfarçadas na paisa-
gem. A instabilidade que se vive desde
o século V até, praticamente, à vulgar-
mente denominada Reconquista Cristã
terá contribuído para essa nova reorga-
nização na ocupação do território. Múl-
tiplos pequenos núcleos, mais ou menos
urbanizados, atribuíveis à Alta-Idade-
-Média, espalham-se, sobretudo por
entre os grandes afloramentos graníti-
cos. Com a desorganização da estrutura
comercial e social romana estas peque-
nas comunidades, teoricamente cristia-
nizadas, sobrevivem alicerçadas numa
economia fechada, assente na agricul-
tura e na pastorícia. Poderemos mesmo
dizer que se assiste a um regresso, de-
sordenado, da estrutura socioeconó-
mica pré-romana. Dizemos desordenado
porque agora já não encontramos po-
voados fortificados a coroar as colinas,
mas pequenos núcleos habitacionais
disfarçados entre os vales com algum
aproveitamento agrícola. Estamos em
crer que com o fim do império, pelo
menos nestas zonas mais rurais, não
existiria qualquer sistema estruturado
de organização social ou religiosa. A vul-
garmente apelidada organização paro-
valley formed its southern border. Under
the power of a well-organised army, the
municipality of Ammaia combined and
fused the ancestral territories both
politically and administratively, but its
own culture endured. In the sixth
century, with the decline of the Roman
political structure, swarms of small
groups of houses appeared, located in
well-disguised spots in the landscape.
The instability that reigned from the 5th
century practically until the so-called
Christian Reconquest contributed to this
new, reorganised occupation of the
territory. Multiple small nuclei, some-
times more, sometimes less urbanized
and attributed to the Late Middle Ages,
are spread out, especially among the
large granite outcrops. With the disor-
ganization of the Roman commercial and
social structure, these small communities,
which in theory were Christian, survived
in a closed economy, based on agriculture
and pastoralism. It could even be said
that there was a disorderly return to the
pre-Roman socio-economic structure.
Disorderly, because now we no longer
find fortified villages crowning the hills,
but small groups of houses disguised
el paisaje. La inestabilidad que se vive
desde el siglo V hasta, prácticamente, la
vulgarmente llamada Reconquista Cris-
tiana habrá contribuido a esta nueva
reorganización en la ocupación del te-
rritorio. Múltiples pequeños núcleos,
más o menos urbanizados, atribuibles a
la Alta-Edad Media, se extienden, sobre
todo entre los grandes afloramientos
graníticos. Con la desorganización de la
estructura comercial y social romana,
estas pequeñas comunidades, teórica-
mente cristianizadas, sobreviven cimen-
tadas en una economía cerrada, basada
en la agricultura y el pastoreo. Podría-
mos incluso decir que se está produ-
ciendo un retorno desordenado de la
estructura socioeconómica prerromana.
Decimos desordenado porque ahora ya
no encontramos pueblos fortificados co-
ronando las colinas, sino pequeños nú-
cleos habitacionales disfrazados entre
los valles con algún aprovechamiento
agrícola. Creemos que, con el fin del im-
perio, al menos en estas zonas más ru-
rales, no existiría ningún sistema
estructurado de organización social o
religiosa. La vulgarmente llamada orga-
nización parroquial visigótica segura-
Chafurdão da Cabeçuda (Beirã)
Chafurdon da Cabeçuda (Beirã)/“Chafurdão” from Cabeçuda(Beirã).
© emília Mena
Chafurdão da Meirinha
Beirã. datado da Alta idade Média.
Chafurdon de Meirinha.Beirã. Fechado de la Alta Edad Media.
“Chafurdão” in Meirinha.Beirã. From the Late Middle Ages.
© pepe Brix/ cMM
14
15
quial visigótica seguramente que aqui
não se fez sentir. A telha encontrada por
Afonso do Paço, no Monte Velho, no
concelho de Marvão, onde se pode ler
num latim e numa grafia pouco eruditos
“Hic Pax Hic Cristvs”, associada às cen-
tenas de sepulturas escavadas na rocha
que se espalham pelas encostas de Mar-
vão avisam-nos que estaremos em pre-
sença de comunidades seguidores do
rito cristão, mas nada temos que nos
prove que obedecessem a algum poder
formal e organizacional, fosse ele reli-
gioso, ou político. A islamização desta
zona da península terá sido algo que te-
remos que avaliar de uma forma muito
particular. Não poderemos falar numa
conversão generalizada e radical ao
islão. Estas comunidades dispersas por
pequenos aglomerados rurais espalha-
dos pelo interior da Serra de S. Mamede
que poucos contactos teriam com o ex-
terior terão entrado, paulatinamente,
em contacto com as novas gentes que do
Norte de África trazem outra cultura,
outra língua e outra religião, mas, igual-
mente monoteísta. A diferença entre os
dois ritos não seria assim tão grande e a
sua pressão entre os séculos VIII e XI
não terá sido muito marcante. Natural-
mente que uma nova ordem começa a
impor-se. Seguramente que novos co-
bradores de impostos teriam emergido
a troco de uma teórica proteção contra
among the valleys, with some agriculture.
It is believed that, with the end of the
empire, at least in these more rural areas,
there was no structured system of social
or religious organisation. The commonly
named Visigothic organization of parishes
certainly did not make its presence felt
here. On a tile found by Afonso do Paço
in Monte Velho in the municipality of
Marvão, the following Latin phrase (with
less than erudite spelling) can be read:
“Hic Pax Hic Cristvs”. This is associated
with hundreds of graves carved into the
rock that spread over the slopes of
Marvão and it alerts us to the presence of
Christian communities. However, we
have nothing to prove that they obeyed
any formal and organizational power,
religious or political. The Islamisation of
this part of the peninsula would have been
something that demands careful assess -
ment. There is no evidence to claim a
generalised, radical conversion to Islam.
These communities were scattered over
small rural settlements spread across the
interior of the Serra de S. Mamede and so
had little contact with the outside world.
They would gradually have come into
contact with the new people from North
Africa who brought another culture,
another language and another, equally
monotheistic religion. The difference
between the two sets of rites would not be
so great and the pressure they exerted
between the eighth and eleventh cen -
turies would not have been very marked.
Naturally, a new order started to impose
itself. New tax officials would certainly
have emerged in exchange for theoretical
protection against unknown enemies.
The old and ruined structures of the city
of Ammaia and the defendable quartzite
crag that arises by its side were not
overlooked by the followers of Allah. It is
now seen as reliable that the oldest
written reference related to Marvão is the
Chronicle of Isa Ibn Áhmad ar-Rázi,
mente no se ha sentido aquí. La teja en-
contrada por Afonso do Paço, en el
Monte Velho, en el municipio de Mar-
vão, donde se puede leer en un latín y en
una grafía poco eruditos "Hic Pax Hic
Cristvs", asociada a los cientos de tumbas
excavadas en la roca que se extienden
por las laderas de Marvão, advierten que
estaremos en presencia de comunidades
seguidores del rito cristiano, pero nada
tenemos que pruebe que obedezcan a
algún poder formal y organizacional, ya
sea religioso o político. La islamización
de esta zona de la península habrá sido
algo que tendremos que evaluar de
forma muy particular. No podemos ha-
blar de una conversión generalizada y
radical al islam. Estas comunidades dis-
persas por pequeños poblados rurales
esparcidos por el interior de la Serra de
S. Mamede que pocos contactos tendrían
con el exterior habrán entrado paulati-
namente en contacto con las nuevas gen-
tes que del Norte de África traen otra
cultura, otro idioma y otra religión, pero
igualmente monoteísta. La diferencia
entre los dos ritos no sería tan grande y
su presión entre los siglos VIII y XI no
habrá sido muy notable. Naturalmente,
un nuevo orden empieza a imponerse.
Seguramente nuevos recaudadores de
impuestos habrían surgido a cambio de
una teórica protección contra enemigos
desconocidos. Las viejas y arruinadas es-
Inscrição cristã sobre imbrex
recolhida no Monte velho(Beirã) – hoje desaparecida –hic pAX hic criSTvS(Aqui esteja a paz, aqui esteja cristo).
Inscripción Cristiana sobreimbrex. Recogida en MonteVelho (Beirã) – hoydesaparecida. “…” (Aquí esté lapaz, aquí esté Cristo).
Christian engraving on imbrex.Retrieved in Monte Velho (Beirã).Currently missing. “…” (Let herebe peace, let here be Christ).
16
Planta da Praça de Marvão
Miguel Luiz Jacob, 1755.
Planta de la Plaza de Marvão.
Plan of the fortified town of Marvão.
© Arquivo Militar de Lisboa
17
inimigos desconhecidos. As velhas e ar-
ruinadas estruturas da cidade de Ammaia
e a defensável crista quartzítica que junto
se ergue não foram esquecidas pelos se-
guidores de Alá. Reconhece-se hoje como
seguro que a mais antiga referência es-
crita relacionada com Marvão é a Crónica
de Isa Ibn Áhmad ar-Rázi, datável do sé-
culo X, onde se lê: “... o Monte de Amaia,
conhecido hoje por Amaia de Ibn Ma-
ruán é um monte alto e inexpugnável, a
leste da cidade de Amaia-das-Ruínas, si-
tuada sobre o Rio Sever”. Como nos diz o
seu autor, nesse mesmo texto, provavel-
mente baseado em crónicas dos finais do
século IX, sobre as atividades bélicas de
Ibn Maruán, existiria uma Fortaleza de
Ammaia-o-Monte. Esta fortaleza de que
fala a referida crónica poderia ser cono-
tada com a torre árabe que se levanta
sobre um dos torreões defensivos da porta
Nascente da cidade de Ammaia, contudo,
nem as ruínas de Ammaia estão implan-
tadas num monte, nem esta torre ofere-
ceria a capacidade defensiva que Ibn
Maruán procurava. O ambiente de confli-
tualidade gerado pelas manifestações
autonómicas do muladi Ibn Maruán,
obri gá-lo-iam a procurar refúgios com ca-
pacidades defensivas que o vale da Am-
maia não oferece. Parece, assim claro, que
o monte sobranceiro ao Sever, nas imedia-
ções da Amaia-das-Ruínas, é o que hoje
sustenta a Vila de Marvão e que recebeu o
nome daquele que aí mandou construir
uma fortaleza nos finais do século IX. Pelo
menos nessa data, e baseados, unica-
mente, na documentação escrita, poder-
-se-á afirmar que no cerro de Marvão
foram levantadas estruturas defensivas,
seguramente reaproveitando alguma
velha fortificação da Idade do Ferro e
quem sabe se reformulada pelos romanos.
Entre 1160 e 1166, Marvão terá passado
para o controlo das gentes de Afonso
Henriques. Nada nos informa se esta
dating from the 10th century, which
reads: “... Mount Amaia, known today as
Amaia de Ibn Maruán, is a high and
impregnable mountain, east of the city
of Amaia-in-Ruins, located on the River
Sever”. In that same text, probably based
on chronicles from the end of the 9th
century about the warlike activities of Ibn
Maruán, the author tells us that there
existed a Fortress of Ammaia-Mount.
This fortress mentioned in the chronicle
could be connected with the Arab tower
that rises above one of the defensive
turrets of the east gate of the city of
Ammaia; however, the ruins of Ammaia
are not located on a hill, nor would this
tower offer the defensive capacity that
Ibn Maruán sought. The conflict brought
about by the Muwallad Ibn Maruán’s bid
for autonomy compelled him to seek a
refuge that could be defended and which
the Ammaia valley did not offer. It
therefore seems clear that the hill
overlooking the Sever, in the vicinity of
Amaia-in-Ruins, is what supports the
town of Marvão today and was named
after the builder of the fortress there at
the end of the 9th century. At least on
that date, and based solely on written
documentation, it can be said that
defensive structures were erected on the
hill of Marvão, certainly reusing some old
fortifications from the Iron Age, possibly
reshaped by the Romans.
Between 1160 and 1166, Marvão came
under the control of the people of Afonso
Henriques. There is nothing to tell us
whether this transition was the result of
a siege placed by the Christians on those
faithful to Allah, living on the hilltop
perch refortified by Ibn Maruán in 877.
The followers of Muhammad probably
abandoned the site peacefully, and
shortly afterwards, Afonso Henriques
handed these lands over to the man -
agement of the monk-knights of the
tructuras de la ciudad de Ammaia y la
defendible cresta cuarcítica que junto se
erige no fueron olvidadas por los segui-
dores de Alá. Se reconoce hoy como se-
guro que la más antigua referencia
escrita relacionada con Marvão es la Cró-
nica de Isa Ibn Áhmad ar-Rázi, datable
del siglo X, donde se lee: “... el Monte de
Amaia, conocido hoy por Amaia de Ibn
Maruán es una colina alta e inexpugna-
ble, al este de la ciudad de Amaia-das-
Ruinas, situada sobre el río Sever”.
Como nos dice su autor, en ese mismo
texto, probablemente basado en crónicas
de finales del siglo IX, sobre las activida-
des bélicas de Ibn Maruán, existiría una
Fortaleza de Ammaia-o-Monte. Esta for-
taleza de la que habla la referida crónica
podría ser connotada con la torre árabe
que se levanta sobre uno de los torreones
defensivos de la puerta Naciente de la
ciudad de Ammaia, sin embargo, ni las
ruinas de Ammaia están implantadas en
un monte, ni esta torre ofrecería la capa-
cidad defensiva que Ibn Maruán bus-
caba. El entorno de conflictividad ge -
ne rado por las manifestaciones autonó-
micas del muladí Ibn Maruán le obligaría
a buscar refugios con capacidades defen-
sivas que el valle de Ammaia no ofrece.
Parece claro, pues, que el monte que do-
mina a Sever, en las inmediaciones de
Amaia-das-Ruinas, es el que hoy sos-
tiene la Villa de Marvão y que recibió el
nombre del que allí mandó construir una
fortaleza a finales del siglo IX. Al menos
en esa fecha, y basados únicamente en la
documentación escrita, se podrá afirmar
que en el cerro de Marvão se levantaron
estructuras defensivas, seguramente re-
aprovisionando alguna vieja fortificación
de la Edad del Hierro y quizás reformu-
lada por los romanos.
Entre 1160 y 1166, Marvão habrá pasado
al control de las gentes de Afonso Henri-
ques. Nada nos dice si este pasaje fue re-
18
passagem resultou de um assédio por
parte dos cristãos aos que fiéis a Alá que
viviam no alcandorado morro refortifi-
cado em 877 por Ibn Maruán. Provavel-
mente os seguidores de Maomé terão
abandonado pacificamente o sítio e
pouco tempo depois, Afonso Henriques,
entrega estas terras à gestão dos mon-
ges-cavaleiros do Templo. Marvão fa-
zendo agora parte da Monarquia Por -
tuguesa, de imediato, passa a ocupar
lugar de relevo na administração militar
e política da vasta e despovoada região
a sul do Tejo. A sua importância resul-
taria, naturalmente, da posição estraté-
gica no topo de uma inacessível crista
quartzítica, mas também, de uma velha
tradição administrativa que entroncava
no vasto território tutelado pela cidade
de Ammaia, situada a escassas centenas
de metros da vila de Marvão. Embora
não conheçamos, em pormenor, os limi-
tes administrativos do “Municipium
Ammaiense”, sabemos que eles eram am-
plos e, provavelmente, vieram a refletir-
se na carta de demarcação do termo de
Marvão que lhe foi outorgado por D. San-
cho II, em 1226, simultaneamente com a
entrega da primeira Carta de Foral. O
vasto território abarcava praticamente
todo o atual distrito de Portalegre e uma
larga faixa de território da vizinha provín-
cia de Cáceres, até bem perto de Malpar-
tida de Cáceres. Terminados os conflitos
da Reconquista começam-se a demarcar
os contornos de outros municípios e a de-
finir as fronteiras entre Castela e Portugal.
Em 1267, a 16 de fevereiro, na denomi-
nada Convenção de Badajoz, sob o patro-
cínio dos reis Afonso X, de Castela,
Aragão e Andaluzia e Afonso III de Portu-
gal e sob pressão das poderosas ordens
militares que disputavam o território,
promovem-se encontros entre os ho-
mens-bons das duas terras para a demar-
cação dos limites territoriais. Esboça-se,
nesta data, a fronteira entre Marvão e Va-
Temple. Marvão, now part of the Portu -
guese monarchy, immediately assumed
a prominent place in the military and
political administration of the vast and
unpopulated region south of the Tagus.
Its importance resulted naturally from
its strategic position atop an inaccessible
quartzite crag, but also from an old,
converging administrative tradition from
the vast territory protected by the city of
Ammaia, located just a few hundred
metres from the village of Marvão.
Although we do not have detailed
knowledge of the administrative limits of
the “Municipium Ammaiense”, we do
know that they were broad and this was
probably reflected in the letter
demarcating the term of Marvão that
was granted it by King Sancho II in 1226,
when the first Charter was decreed. The
vast territory encompassed practically
the whole of the current district of
Portalegre and a wide range of territory
in the neighbouring province of Cáceres,
very close to Malpartida de Cáceres.
After the conflicts of the Reconquista
were over, the boundaries of other
municipalities began to be set and the
borders between Castile and Portugal
were defined. On February 16, 1267, in
the so-called Badajoz Convention, under
the patronage of King Alfonso X, of
Castile, Aragon and Andalusia and King
Afonso III of Portugal, and under
pressure from the powerful military
orders that disputed the territory,
meetings were held between the "Good
Men" of the two lands to define
territorial limits. On this date, the border
between Marvão and Valencia that we
know today was drawn, and was
confirmed with the Treaty of Alcañices in
1297. With this Treaty, signed on
September 12, 1297, by King Denis of
Portugal and King Ferdinand IV of
Castile, part of what is Spanish territory
today and which until then had been
sultado de un asedio por parte de los cris-
tianos a los que fieles a Alá que vivían en
el acantilado reforzado en 877 por Ibn
Maruán. Probablemente los seguidores
de Mahoma abandonaron pacíficamente
el lugar y poco tiempo después, Afonso
Henriques, entrega estas tierras a la ges-
tión de los monjes caballeros del Templo.
Marvão haciendo ahora parte de la Mo-
narquía Portuguesa, de inmediato, pasa
a ocupar lugar de relieve en la adminis-
tración militar y política de la vasta y des-
poblada región al sur del Tajo. Su im por-
tancia resultaría, naturalmente, de la po-
sición estratégica en la cima de una inac-
cesible cresta cuarcítica, pero también de
una vieja tradición administrativa que
entraba en el vasto territorio tutelado por
la ciudad de Ammaia, situada a escasos
cientos de metros del pueblo de Marvão.
Aunque no conocemos en detalle los lí-
mites administrativos del “Municipium
Ammaiense”, sabemos que eran amplios
y, probablemente, llegaron a reflejarse en
la carta de demarcación del término de
Marvão que le fue otorgado por D. San-
cho II, en 1226, simultáneamente con la
entrega de la primera Carta de Foral. El
vasto territorio abarcaba prácticamente
todo el actual distrito de Portalegre y una
amplia franja de territorio de la vecina
provincia de Cáceres, hasta muy cerca de
Malpartida de Cáceres. Finalizados los
conflictos de la Reconquista se empiezan
a delimitar los contornos de otros munici-
pios y a definir las fronteras entre Castilla
y Portugal. En 1267, el 16 de febrero, en la
denominada Convención de Badajoz, bajo
el patrocinio de los reyes Alfonso X, de
Castilla, Aragón y Andalucía y Afonso III
de Portugal y bajo presión de las podero-
sas órdenes militares que disputaban el
territorio, se promueven encuentros entre
los hombres buenos de las dos tierras
para la demarcación de los límites terri-
toriales. En esa fecha se esboza la fron-
tera entre Marvão y Valencia que hoy
19
Limite do Termo Municipal de Marvãoem 1226, sobre extrato do mapa dePedro Albernaz (1602-1642)
Límite del Término Municipal deMarvão en 1226, en extracto del mapade Pedro Albernaz (1602-1642)/Demarcation of the Municipal Limits ofMarvão in 1226, extract of the map byPedro Albernaz (1602-1642).
(grafismo: Jorge de oliveira)
20
lência que hoje conhecemos e que com o
Tratado de Alcanizes, em 1297, se veio a
confirmar. Com este Tratado, assinado a
12 de setembro de 1297, pelos reis D.
Dinis, de Portugal e Fernando IV, de Cas-
tela perdeu-se, definitivamente, a parte do
território hoje espanhol, até aí incorpo-
rado no concelho de Marvão. Desse Tra-
tado resultou, igualmente, a definição da
fronteira entre Portugal e Castela que, em
grande parte, ainda hoje se mantém. Em-
bora nestas gentes o sangue que lhes cor-
ria nas veias fosse o mesmo, os senhores
do poder impuseram-lhes barreiras polí-
ticas, mas, em 1313, os homens-bons de
Marvão e Valência ratificaram o mais an-
tigo tratado de abertura de fronteiras da
Europa, que conferia liberdade de circu-
lação a pessoas e bens entre os dois mu-
nicípios. Esse Tratado perdurou ao longo
dos séculos até aos nossos dias, embora o
troar dos canhões, durante alguns tem-
pos, demasiados tempos, aliás, se fizesse
ouvir mais alto que o falar raiano em que
sempre se entenderam as gentes de Mar-
vão e Valência de Alcântara.
E tal como Saramago escrevia que “de
Marvão vê-se tudo” a quase milenar vila
continua lá de cima do penhasco quart-
zítico a vigiar o território que sempre foi
seu nas duas margens do Sever mas,
que por via de uma rocambolesca histó-
ria política, obriga a que as gentes de
um lado do rio aprendam português e
do outro castelhano, mas entre si, con-
tinuamos a entender-nos no ancestral
raiano, que sempre nos uniu neste
longo percurso e que muito nos fez
andar “pra qui chegar”, como bem can-
tava José Mário Branco.
incorporated in the municipality of
Marvão, was definitively lost. This Treaty
also resulted in the definition of the
border between Portugal and Castile,
which, to a great extent, is still main -
tained today. Although the blood that
flowed through these people’s veins was
the same, the lords of power imposed
political barriers on them. But in 1313,
the “Good Men” of Marvão and Valencia
ratified Europe's oldest open-border
treaty, giving freedom of movement for
people and goods between the two
municipalities. That treaty has persisted
over the centuries to the present day,
although the roar of the cannons which
was heard for some time, indeed too
long, was louder than the cross-border
tongue in which the people of Marvão
and Valência de Alcântara always under -
stood each other.
Just as Saramago wrote that “from
Marvão, one can see all”, this almost mil -
len nial town is still aloft on its quartzite
crag, guarding the territory that has
always been its own on the banks of
Sever, but which, due to a rocky political
history, means that people on one side of
the river learn Portuguese and on the
other Castilian. Between us, however, we
continue to understand each other in our
ancestral cross-border language, which
has always united us on this long journey
as we walked “to get here”, as José Mário
Branco sang.
conocemos y que con el Tratado de Alca-
ñices, en 1297, se ha confirmado. Con
este Tratado, firmado el 12 de septiembre
de 1297, por los reyes D. Dinis, de Portu-
gal y Fernando IV, de Castilla se ha per-
dido definitivamente la parte del territorio
hoy español, hasta allí incorporado en el
municipio de Marvão. De este Tratado se
ha derivado también la definición de la
frontera entre Portugal y Castilla que, en
gran parte, todavía se mantiene. Aunque
en estas gentes la sangre que corría por
sus venas era la misma, los señores del
poder les impusieron barreras políticas,
pero en 1313, los hombres buenos de
Marvão y Valencia ratificaron el más an-
tiguo tratado de apertura de fronteras de
Europa, que otorgaba libertad de circula-
ción a personas y bienes entre los dos
municipios. Este tratado ha perdurado a
lo largo de los siglos hasta nuestros días,
aunque el tronar de los cañones, durante
algún tiempo, durante demasiado tiempo,
por cierto, se hiciera oír más alto que el
discurso rayano en el que siempre se han
entendido las gentes de Marvão y Valen-
cia de Alcántara.
Y tal como Saramago escribía que “de
Marvão se ve todo” la casi milenaria villa
sigue desde arriba del acantilado cuarzo
vigilando el territorio que siempre fue
suyo en las dos orillas del Sever pero, por
medio de una rocambolesca historia po-
lítica, obliga a que las gentes de un lado
del río apre ndan portugués y del otro cas-
tellano, pero entre sí, seguimos enten-
diéndonos en el ancestral rayano, que
siempre nos ha unido en este largo reco-
rrido y que mucho nos ha hecho caminar
“para llegar aquí”, como bien cantaba
José Mário Branco.
Jorge de Oliveira
CHAIA – Universidade de Évora/ University of Évora