gênero e prática de atividade física de lazer

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Cadernos de Saúde Pública ISSN 0102-311X versão impressa Cad. Sa ú de P ú blica v.19 supl.2 Rio de Janeiro 2003 ARTIGO/ ARTICLE Gênero e prática de atividade física de lazer Gender and leisure-time physical activity Rosana alles-!osta I " #aria $uiza %eil&orn II " Guilherme $oureiro 'ernec( II) III " *duardo +aerstein II " !laudia , $opes II I Depara!eno de N"ri#$o Social e Aplicada% Insi"o de N"ri#$o% &ni' (ederal Rio de )aneiro* A'* +ri,adeiro Tro!po s./ s n% +loco )% 2 anda )aneiro% R) 21 1-4 0% +rasil* rosana5salles6erra*co!*br II Insi"o de 7edicina Social% &ni'ersidade do Esado do Rio de )aneiro* (rancisco Xa'ier 42 % 8 andar% +loco E% Rio de )aneiro% R) 20440-012% III Núcleo de Es"dos de Saúde Colei'a% &ni'ersidade (ederal do Rio de )a +ri,adeiro Tro!po s./ s n% Rio de )aneiro% R) 21 1-4 0% +rasil R* #O Ese ari,o a'alia a rela#$o enre ,9nero e consr"#$o social do corpo% ob:eo de es"do a pr;ica de ai'idades <=sicas reali>adas no e!po de la>er* ? Es"doPr@-Saúde "! es"doprospeci'o co!posopor *030 <"ncion;rios de "!a "ni'ersidade locali>ada no Rio de )aneiro% no B"al as resposas sobre ai'idade <=sica de la>er A(L de 3*8 0 res"lados enconrados de!onsra! "! do!=nio !asc"lino na pr;ica de A( idade% a escolaridade e a renda <a!iliar per capia esi'era! direa!ene associadas pr;ica de eFerc=cios enre as !"lGeres e% enre os Go!ens <a!iliar per capia* ?s Go!ens se en,a:ara! !ais e! ai'idades <=sicas de car;er co!peii'o e as !"lGeres e! ai'idades indi'id"ais% B"e reB corpo !enos <or#a <=sica* ?s res"lados enconrados s",ere! B"e as ai' <=sicas praicadas no e!po desinado ao la>er represena! "! do!=nio d coidiana or,ani>ado se,"ndo deer!inadas con'en#Hes% enre elas as con acerca do ideal de corpo se,"ndo o ,9nero% onde Go!ens e !"lGeres apres co!pora!enos disinos no B"e se re<ere pr;ica de eFerc=cios <=sic Palavras-chave: Atividades de Lazer; Atividade Física; Esportes; Comport A.TRA!T TGis aricle disc"sses Ge relaionsGip be een ,ender and Ge social c Ge bod/% speci<icall/ <oc"sin, on pG/sical eFercise d"rin, leis"re i! Saúde Pro:ec is a prospeci'e s"d/ consisin, o< %030 e!plo/ees o< a in Rio de )aneiro% in GicG e anal/>ed Ge ans ers on leis"re-i!e pG/s LTPA b/ 3%8 0 paricipans* TGe res"ls sGo a pre'alence o< !ales in scGoolin,% and per capia <a!il/ inco!e ere direcl/ associae a!on, o!en% as co!pared o per capia <a!il/ a!on, !en* 7en ere !ore <reB"enl/ in'ol'ed in ,ro"p spors and pG/sical aci'iies Ga

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Gênero e Prática de Atividade Física de Lazer

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Cadernos de Sade Pblica

ISSN0102-311Xverso impressaCad. Sade Pblicav.19supl.2Rio de Janeiro2003

ARTIGO/ARTICLE

Gnero e prtica de atividade fsica de lazerGender and leisure-time physical activityRosana Salles-CostaI; Maria Luiza HeilbornII; Guilherme Loureiro WerneckII, III; Eduardo FaersteinII; Claudia S. LopesIIIDepartamento de Nutrio Social e Aplicada, Instituto de Nutrio, Universidade Federal Rio de Janeiro. Av. Brigadeiro Trompowsky s/n, Bloco J, 2 andar, Rio de Janeiro, RJ 21941-590, Brasil. [email protected] IIInstituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua So Francisco Xavier 524, 7 andar, Bloco E, Rio de Janeiro, RJ 20550-012, Brasil IIINcleo de Estudos de Sade Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Brigadeiro Trompowsky s/n, Rio de Janeiro, RJ 21941-590, BrasilRESUMOEste artigo avalia a relao entre gnero e construo social do corpo, tendo como objeto de estudo a prtica de atividades fsicas realizadas no tempo destinado ao lazer. O Estudo Pr-Sade um estudo prospectivo composto por 4.030 funcionrios de uma universidade localizada no Rio de Janeiro, no qual analisamos as respostas sobre atividade fsica de lazer (AFL) de 3.740 participantes. Os resultados encontrados demonstram um domnio masculino na prtica de AFL. A idade, a escolaridade e a renda familiar per capita estiveram diretamente associadas prtica de exerccios entre as mulheres e, entre os homens, a renda familiar per capita. Os homens se engajaram mais em atividades fsicas coletivas e de carter competitivo e as mulheres em atividades individuais, que requerem do corpo menos fora fsica. Os resultados encontrados sugerem que as atividades fsicas praticadas no tempo destinado ao lazer representam um domnio da vida cotidiana organizado segundo determinadas convenes, entre elas as concepes acerca do ideal de corpo segundo o gnero, onde homens e mulheres apresentam comportamentos distintos no que se refere prtica de exerccios fsicos. Palavras-chave: Atividades de Lazer; Atividade Fsica; Esportes; Comportamento; GneroABSTRACTThis article discusses the relationship between gender and the social construction of the body, specifically focusing on physical exercise during leisure time. The Pr-Sade Project is a prospective study consisting of 4,030 employees of a university in Rio de Janeiro, in which we analyzed the answers on leisure-time physical activity (LTPA) by 3,740 participants. The results show a prevalence of males in LTPA. Age, schooling, and per capita family income were directly associated with exercise among women, as compared to per capita family among men. Men were more frequently involved in group sports and physical activities that required more strength than women, including football, tennis, volleyball, martial arts, jogging, and weight lifting. Women performed more individual physical activities and those demanding less strength, like walking, dance, gymnastics, and hydrogym. The results suggest that LTPA is a domain of daily life that is organized according to certain conventions, amongst which gender-related conceptions concerning the ideal body, where men and women display distinct behaviors in relation to physical exercise.Key words: Leisure Activities; Physical Activity; Sports; Behavior; GenderIntroduo O que hoje concebemos como prtica de atividades fsicas e como exerccio esportivo ou de lazer tem relao com as modificaes ocorridas nos processos civilizatrios. Nas sociedades da Europa Ocidental, entre o incio da Idade Mdia e os tempos modernos, assistiu-se elaborao e refinamentos do "saber viver" e das normas sociais, alm do crescimento das presses sociais sobre os indivduos a fim de que eles exercessem, por eles prprios, um "domnio de si" estrito, uniforme, constante e moderado sobre suas emoes e seus comportamentos (Elias, 1994). Com estas transformaes, ocorre o surgimento do esporte como um substituto simblico de administrao de conflitos que se do na vida coletiva, como por exemplo as guerras. Nesse sentido, a esfera do esporte e de toda uma gama de usos sociais do corpo ligados a ela passa a deter a capacidade de representar identidades e diferentes posies sociais. Naes rivais, por exemplo, utilizam-se de prticas esportivas coletivas para se afirmarem (Dunning & Maguire, 1997), bem como a prtica de atividades fsicas passa a ser utilizada para expressar diferenas de status entre grupos. Elias (1994), destaca que os costumes evoluram juntamente com as mudanas na sociedade, tornando evidente as associaes entre a prtica esportiva e o controle do corpo, como no caso do uso dos trajes de banho no sculo XIX.De maneira geral, reconhece-se que as formas nitidamente modernas do esporte apareceram inicialmente na Inglaterra, o que Elias (1994), denomina como "a transformao dos passatempos em esportes". Dunning & Maguire (1997), dividem estas transformaes em duas grandes fases: (i) uma primeira no sculo XVIII, durante a qual as transformaes da personalidade e dos hbitos das classes dominantes, em que predominavam os grandes proprietrios de terra, ocorreram ao mesmo tempo que a "parlamentarizao dos conflitos polticos", o que levou esses grupos a adotar formas mais reguladas, mais controladas e civilizadas de caa, de corridas de cavalo, de boxe e de crquete; (ii) e uma segunda fase, no incio do sculo XIX, quando observou-se a multiplicao dos ginsios e dos professores de ginstica, a crescente divulgao de manuais de medicina que chamavam a ateno para as vantagens fsicas e morais dos exerccios, o surgimento de formas mais regulamentadas de atletismo e alpinismo, e sobretudo, o aparecimento de jogos de bola como o futebol, o rugby, o hquei de grama e o tnis.Entre as mulheres, as prticas esportivas surgiram no final do sculo XIX na Europa, principalmente as caminhadas, a prtica de bicicleta e do tnis (Messner, 1995). Del Priore (2000:62), ressaltou que este comportamento era visto como "uma novidade imoral, uma degenerescncia e at mesmo pecado". Nesta poca, contestava-se tudo que pudesse desviar o sexo feminino do papel de me dedicada exclusivamente ao lar. Os exerccios fsicos prescritos pelos mdicos para as mulheres tinham, como princpio bsico, a manuteno da sade e preveno de doenas, particularmente voltados para a sade reprodutiva, mas tambm para o embelezamento do corpo feminino (Vertinsky, 1990), diferente do que era proposto para os homens. Para o homem, a prtica de exerccios fsicos era vista como uma importante fonte de experincia da validao da masculinidade (Lima, 1995; Messner, 1995), e a ser percebida como uma barreira contra a feminilizao. claro que os homens tambm buscavam, por meio da prtica de exerccios, o embelezamento de seu corpo, com o aumento de delineamento de seus msculos; contudo, estes sempre estiveram associados idia de fora e domnio do corpo masculino (Malysse, 2002). Vertinsky (1990), ressalta que o determinismo biolgico, baseado nas diferenas biolgicas entre homens e mulheres, era o suporte utilizado pelos profissionais da rea mdica para justificar as desigualdades das prticas de exerccios fsicos, o que revela que a prtica de atividades fsicas no era neutra, mas sim revestida de valores e significados diferentes entre gneros.No Brasil, o esporte e a prtica de exerccios fsicos, responsveis indiretos por tantas mudanas, foram introduzidos pelos imigrantes e por alguns representantes das oligarquias em contato com as modas europias. Em meados dos anos de 1850, perodo de grandes transformaes econmicas, sociais e culturais no Brasil, surge a primeira lei sobre a educao fsica determinando a sua prtica obrigatria como uma nova disciplina nos colgios do municpio da Corte (Castro, 2002). Segundo Schpun (1999) e Castro (2002), a prtica desportiva era destinada a combater o cio, pois o mesmo induzia as crianas a uma srie de vcios, como a masturbao e o homossexualismo, que eram encarados como elementos nocivos ao desenvolvimento fsico e moral das crianas. Os exerccios eram, ento, prescritos pelos mdicos de acordo com o gnero e a faixa etria dos alunos, compreendendo esta diviso como parte de um processo natural que envolvia o crescimento, o desenvolvimento e a formao sexual de jovens saudveis e "livres de doenas e endemias que assolavam o Estado Imperial" (Schpun, 1999: 50-51).Apesar da relevncia do tema, no Brasil so poucos os estudos populacionais abordando a temtica da prtica de atividade fsica de lazer (AFL) entre homens e mulheres; publicaes recentes abordam principalmente suas associaes com fatores sociodemogrficos (Gomes et al., 2001; Oliveira, 2000; Salles-Costa et al., 2003). O presente artigo tem como objetivo proceder a anlise do padro de homens e mulheres com relao prtica de atividades fsicas no tempo destinado ao lazer, analisando a freqncia, as caractersticas dos indivduos que se engajam em atividades fsicas e os tipos de atividades fsicas praticadas entre funcionrios de uma universidade localizada no Estado do Rio de Janeiro.

Metodologia

Este trabalho est inserido no Estudo Pr-Sade, um estudo de coorte cuja populao-alvo foi composta por todos os funcionrios tcnico-administrativos de uma universidade localizada no Estado do Rio de Janeiro, e que tem como objetivo principal descrever perfis de morbidade fsica e mental, seus fatores de risco, prticas e cuidados relacionados sade, e investigar determinantes biolgicos e socioculturais associados a esses perfis. Neste artigo, apresentamos os resultados da fase I deste estudo (linha de base do estudo de coorte), que constitui a populao de referncia avaliada no perodo de agosto a outubro de 1999. A populao-alvo foi estimada em 4.614 adultos, de ambos os sexos, na faixa etria de 20 a 60 anos. Deste conjunto, 166 (3,6%) dos funcionrios foram considerados inelegveis (cedidos e/ou em licena sem vencimentos) e 418 (9,4%) no participaram, resultando na populao do estudo composta por 4.030 funcionrios. Dentre os que no participaram, 239 (57,2%) se recusaram a preencher o questionrio; 57 (13,6%), se encontravam em licena mdica; 33 (7,9%), em licena-maternidade e 89 (21,3%), no foram localizados.No presente estudo, foram excludos 197 indivduos (66% de mulheres e 34% de homens) que praticaram AFL, mas cujas respostas foram inconsistentes ou apresentaram respostas incompletas para uma das perguntas. Tambm foram excludos 93 indivduos que ficaram impedidos de realizar alguma de suas atividades habituais durante o mesmo perodo da avaliao. Sendo assim, este estudo se baseia nas respostas de 3.740 pessoas, sendo 54,8% do sexo feminino.As informaes foram obtidas por meio de questionrio autopreenchvel, aplicado no local de trabalho com ajuda de equipe previamente treinada. Antes de sua aplicao, foram realizados pr-testes, seguidos por estudo piloto em um conjunto de indivduos com caractersticas semelhantes s da populao de estudo (Faerstein et al., 1999). Durante o estudo-piloto, foi realizado estudo de confiabilidade teste-reteste em uma amostra de 192 funcionrios no efetivos da mesma universidade, sendo o reteste realizado duas semanas aps a primeira aplicao do questionrio. Para avaliar o grau de concordncia entre as duas aferies, foi utilizado o estimador kappa (k) e o kappa ponderado (kv2) para as duas perguntas utilizadas para avaliar AFL. Nesta etapa, foi possvel observar que as respostas fornecidas em relao prtica de AFL apresentaram concordncia que variou de discreta a moderada, sendo maior para as atividades praticadas em ambientes de academias (musculao - k = 0,81, IC95%: 0,41-1,00; dana - k = 0,81, IC95%: 0,61-1,00) e de carter competitivo (futebol - k = 0,88, IC95%: 0,72-1,00; corrida - k = 0,82, IC95%: 0,37-1,00). Os resultados detalhados do estudo de confiabilidade teste-reteste encontram-se publicados em outro artigo (Salles-Costa et al., 2003).Neste estudo, AFL foi definida como qualquer atividade fsica praticada para melhorar a sade e/ou a condio fsica, ou realizada com o objetivo esttico ou de lazer, nas duas semanas anteriores aplicao do questionrio. Foram elaboradas duas perguntas com base em questionrios utilizados em estudos populacionais no Brasil (Oliveira, 2000; Sichieri, 1998), e em outros pases (Kriska & Caspersen, 1997). Com a primeira pergunta, avaliou-se quem realizava ou no alguma AFL e na segunda, entre aqueles que referiram praticar alguma AFL, avaliou-se o(s) tipo(s) de atividade(s) fsicas(s) praticada(s). Detalhes sobre a pergunta utilizada para avaliar AFL no estudo encontram-se publicados em Salles-Costa et al. (2003).Para avaliar as caractersticas de praticantes e no praticantes de AFL na populao de estudo, foram utilizadas as seguintes variveis sociodeomogrficas: idade (anos completos), escolaridade (ensino fundamental ou menos, ensino mdio e universitrio ou mais), situao conjugal (casado/a ou vivendo em unio, separado/a, divorciado/a ou vivo/a e solteiro/a), renda familiar per capita (razo entre o valor da renda familiar lquida do ms anterior aplicao do questionrio e o nmero de pessoas que dependiam desta renda), a condio de ter ou no pelo menos um filho (biolgico ou adotivo) e ter ou no empregada domstica no domiclio.Estimou-se a distribuio porcentual das caractersticas sociodemogrficas entre praticantes e no praticantes de AFL de acordo com o sexo, utilizando-se o teste qui-quadrado para verificar a significncia estatstica entre os grupos, considerando o nvel de significncia de 5%. Para a comparao entre gneros, foi estimada a razo de prevalncia (RP) e seus respectivos intervalos de confiana (IC95%), tendo as mulheres como categoria de referncia. Os procedimentos de anlise foram realizados no programa Stata verso 6.0.

ResultadosNa populao de estudo, a inatividade fsica no tempo destinado ao lazer foi altamente prevalente, sendo maior entre as mulheres, uma vez que apenas 40,8% das entrevistadas referiram alguma prtica de exerccios fsicos, enquanto que entre os homens, este porcentual atingiu cerca de 52% (p < 0,001).Analisando a distribuio das variveis sociodemogrficas estudadas, observou-se uma tendncia da maior prtica de AFL entre as mulheres mais velhas, com maior escolaridade e com maior renda familiar per capita (Tabela 1). Entre os homens, a renda familiar per capita tambm associou-se significativa e positivamente com a prtica de AFL (Tabela 2). Em ambos os gneros, ter pelo menos uma empregada domstica no domiclio favoreceu a prtica de AFL, principalmente entre os homens (61,4%).

Na Tabela 3 observamos os tipos de atividades fsicas entre os funcionrios que referiram praticar algum tipo de atividade fsica no tempo destinado ao lazer. Quando analisamos os porcentuais das atividades fsicas praticadas, a caminhada foi a mais referida entre homens e mulheres. Deve ser destacado o porcentual elevado da prtica de futebol entre homens, de ginstica entre as mulheres e da caminhada, em ambos os gneros. Pode-se observar tambm que a prtica de futebol, corrida, tnis, vlei, lutas e musculao foi significativamente mais prevalente entre os homens; por outro lado, a prtica de caminhada, ginstica, dana e de hidroginstica foi significativamente mais prevalente entre as mulheres.

DiscussoInicialmente, deve-se ressaltar que todos os resultados apresentados neste estudo comparam as diferenas encontradas entre sexos. Entretanto, para compreender as relaes de homens e mulheres e a prtica de atividades fsicas no tempo de lazer, utilizamos o conceito de gnero na interpretao dos resultados. Ao considerarmos a perspectiva de gnero nas investigaes sobre sade, estamos enfatizando os aspectos relacionais e culturais como referncia a qualquer construo social que tenha a ver com a distino masculino/feminino, incluindo as construes que separam corpos "femininos" de corpos "masculinos" (Heilborn & Sorj, 1998). Ou seja, utilizar gnero no campo da sade no se restringe ao modelo tradicional de diviso de sexos (homens/mulheres), mas procura identificar possveis fatores relacionados construo social do papel de homens e mulheres. A discusso sobre gnero reflete as diferenas entre sujeitos, que se desenvolvem como parte de certos sistemas sociais e simblicos, dentro dos quais diferenas e hierarquias entre determinadas categorias sociais so construdas (Vaistman, 1994).No presente trabalho, observamos prevalncia elevada de inatividade fsica de lazer na populao estudada. De fato, a diminuio na prtica de exerccios fsicos tem sido observada em diversos pases (Martinez-Gonzalez et al., 1999; Troiano et al., 2001), apesar de sua relevncia para a manuteno da sade e qualidade de vida devido sua contribuio na reduo das taxas de morbimortalidade por doenas cardiovasculares (Paffenbarger et al., 1978), diabetes, dislipidemias (Paffenbarger & Hale, 1975), como tambm no aumento da auto-estima e reduo da depresso e do isolamento social (Gauvin & Spence, 1996). No Brasil, apesar da ausncia de estudos de abrangncia nacional para investigar o nvel de AFL na populao, os trabalhos realizados at ento observaram uma tendncia da inatividade fsica de lazer na nossa populao (Cervato et al., 1997; Gigante et al., 1997).Quanto predominncia masculina na prtica de AFL, este padro tem sido observado em outros estudos populacionais realizados em pases desenvolvidos (Caspersen et al., 2000; Manios et al., 1999) e no Brasil (Gomes et al., 2001; Sichieri, 1998). No presente estudo, tambm observou-se que as mulheres referiram praticar significativamente menos atividades fsicas no tempo destinado ao lazer do que os homens (Salles-Costa et al., 2003). Uma possvel justificativa para este padro consiste nas mltiplas jornadas de trabalho das mulheres, que contribui para a limitao do tempo destinado ao lazer, como exemplificado por Aquino (1996). No seu estudo, a autora aps avaliar questes referentes ao gnero, trabalho e hipertenso arterial, em estudo realizado entre trabalhadoras do setor de enfermagem na Cidade de Salvador (Bahia), observou que cerca da metade das mulheres acrescentava sua jornada semanal de trabalho mais de 20 horas de trabalhos domsticos, utilizando cerca de 22 horas semanais com atividades de cuidado da casa e dos filhos.Por outro lado, a menor freqncia de prtica de AFL entre as mulheres seria aparentemente, uma contradio, pois considera-se que a insero da prtica de exerccios fsicos no universo feminino est associada manuteno de sade e valorizao dos cuidados com a imagem corporal (Lins, 1999; Messner, 1995). Boltanski (1979), ressalta que as mulheres apresentam uma percepo mais sensvel do corpo, social e historicamente criada pelo processo de medicalizao, o que as deixa mais atentas do que os homens s "sensaes doentias". E neste campo que a prtica de atividades fsicas no universo feminino ganha grande proporo por meio da busca do corpo delineado e controle do peso corporal, fenmeno observado, sobretudo, em sociedades mais desenvolvidas. Em comparao a qualquer outro perodo, as mulheres esto gastando muito mais tempo com o tratamento e a disciplina dos seus corpos, de modo que a prtica de atividades fsicas no tempo de lazer torna-se um "investimento social" ligado tambm s oportunidades de exibio do corpo em pblico e no apenas promoo da sade (Laberge, 1995).Assim como observado por outros autores (Kriska & Caspersen, 1997), no presente trabalho encontramos associao entre as variveis sociodemogrficas e a prtica de AFL, particularmente entre as mulheres. Neste sentido, cabe ressaltar que entre mulheres de classe social mais elevada, existe uma sofisticada rede de novos produtos e servios que liberam parte de seu tempo nas tarefas domsticas dirias, o que pode explicar as associaes observadas, uma vez que a renda familiar per capita foi altamente associada com a prtica de AFL.Quanto ao tipo de atividade fsica praticada, Elias (1994), enfatiza a idia da competio esportiva como um deslocamento de conflitos na vida coletiva para uma arena especfica, marcada por uma simbolizao do combate entre grupos ou indivduos e por regras, previamente estabelecidas. Laberge (1995), ressalta a presena de padres de gnero no que se refere prtica esportiva por meio das relaes entre posio social e mltiplas disposies de gnero no esporte, destacando que embora a prtica de exerccios fsicos e esportes tenha sido, historicamente, domnio masculino (Theberge, 1995), reconhecida a posio social de algumas categorias de esportes tipicamente masculinas e, outras, femininas (Ross & Haynes, 1988). No nosso estudo observou-se que a participao masculina maior entre atividades fsicas coletivas, como o futebol, o vlei e o tnis; e de fora muscular, como a corrida e a musculao. J entre as mulheres, as atividades preferidas (a caminhada, a ginstica, a dana e a hidroginstica) foram aquelas praticadas individualmente (Tabela 3).Merece destaque os resultados encontrados referentes freqncia das atividades desenvolvidas. A prtica de futebol foi a atividade fsica mais realizada entre os homens, provavelmente por ser um esporte incentivado desde a infncia entre os meninos brasileiros e considerado como um "esporte de massa" pela nossa populao. Atualmente, outros esportes, como o vlei e o tnis esto ganhando destaque na mdia nacional devido ao bom desempenho de atletas brasileiros no mbito internacional; neste estudo, entretanto, a prevalncia de praticantes destes esportes ainda menor, quando comparada com os demais.Entre as mulheres, a caminhada foi a atividade preferencialmente realizada, fato interessante se observarmos que esta atividade fsica era a mais incentivada pelos mdicos no sculo XIX, considerada por eles como "a atividade fsica permitida para as mulheres" (Vertinsky, 1990). A autora ressalta diversos relatos de mdicos ingleses que defendiam a prescrio de caminhadas para as mulheres por serem consideradas formas "naturais" de exerccios, principalmente por serem realizadas em ambientes abertos, propiciando uma melhora na capacidade respiratria, como tambm benefcios relacionados sade reprodutiva. O interessante que, at os dias de hoje, a caminhada permanece como atividade de destaque nas campanhas realizadas para o incentivo prtica de atividades fsicas na populao.A ginstica foi a segunda atividade fsica mais praticada entre as mulheres. A freqncia relativa desta atividade foi significativamente maior neste grupo quando comparada com a dos homens, comportamento que tem sido observado nos ltimos anos por meio do crescente aumento da clientela feminina nas salas de condicionamento fsico (Poccielo, 1995). Malysse (2002), destaca que as mulheres buscam o delineamento de seu corpo pela produo de msculos, enaltecendo uma silhueta juvenil e unissex, o que demonstra uma mudana nas representaes do corpo em nossa sociedade, ressaltando tambm que, no Brasil, as mulheres tidas como "fortes" ganham destaque na mdia. possvel observar alguns depoimentos de brasileiras que participam intensivamente de exerccios fsicos em academias, confirmando que este comportamento representa uma forma de desejo de domnio sobre o prprio corpo, em busca da magreza e da construo de um corpo saudvel, representando controle e disciplina (Maguire & Mansfield, 1998; Rail & Harvey, 1995; Vigarello, 1995). Neste sentido, cabe aqui ressaltar que o comportamento das mulheres em busca de uma silhueta definida e um corpo perfeito, reflete sua vulnerabilidade influncia da cultura da esttica na nossa sociedade (Goldenberg, 2002).Uma importante limitao deste estudo se refere possibilidade de extenso dos resultados para a populao geral, uma vez que trata-se de um estudo seccional realizado em uma populao especfica de funcionrios de uma universidade no Rio de Janeiro. As hipteses levantadas neste trabalho podero ser melhor investigadas por intermdio de estudos qualitativos que abordem a relao entre gnero e a prtica de AFL como fenmeno social, de forma a evidenciar as nuanas que envolvem as identidades de homens e mulheres frente realizao de exerccios fsicos na nossa sociedade.Em suma, os resultados encontrados sugerem que as atividades fsicas praticadas no tempo destinado ao lazer, representam um domnio da vida cotidiana organizado segundo determinadas convenes, entre elas as concepes acerca do ideal de corpo segundo o gnero, onde homens e mulheres apresentam comportamentos distintos no que se refere prtica de exerccios fsicos. Desta forma, destacamos o papel fundamental da literatura sobre gnero, abordando a construo social do corpo para avaliar as atitudes de homens e mulheres diante da prtica de atividades fsicas, uma vez que estas so tambm concebidas como fenmeno social.

AgradecimentosO Estudo Pr-Sade foi financiado pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), sendo este trabalho realizado com apoio financeiro do IV Curso Regionalizado Sul/Sudeste/Centro-Oeste de Metodologia de Pesquisa em Gnero, Sexualidade e Sade Reprodutiva. Os autores agradecem as sugestes apresentadas por Delaine Martins Costa (Coordenadora do Ncleo de Estudos Mulher e Polticas Pblicas - IBAM) durante a elaborao deste trabalho.

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