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54 Jornal de Leiria 12 de Abril de 2018 Lar doce lar Cláudio Garcia [email protected] z Há uma ligação directa com o passado que influen- cia o conceito de interiores que a arquitecta Joana Mar- celino procura para si própria. "A minha mãe era apai- xonada por arte contemporânea, o meu pai por anti- guidades, portanto sempre vivi numa mistura enor- me e o confronto entre as duas linguagens criou sem- pre um ambiente muito especial. A casa era muito cheia, mas tinha Cargaleiro, móveis Luís XV, louça Companhia das Índias, já para não falar na colecção de coches e charretes que tínhamos na cave". Para uma criança, nada melhor do que o terreno fértil da ima- ginação. "Fazia com que as nossas brincadeiras de in- fância fossem muito reais, porque tínhamos desde o cálice aos coches e podíamos inventar". O marido, Pe- dro Silva, international sales manager na empresa de transformação Pedrantiqua, confirma a força do ima- ginário da vivenda localizada no Juncal, concelho de Porto de Mós. "Recordo-me de ser novo, porque os nossos pais viviam na mesma aldeia, e cada vez que íamos a casa da Joana, neste caso dos pais da Joana, era sempre especial, havia ali um mistério associado, porque, embora tivesse muitas coisas antigas, acabava por ter um lado contemporâneo. Não se via aquilo em lado nenhum, havia uma certa modernidade em ter- mos de vivência". Da moradia cercada por um jardim no Juncal para o apartamento na Rua de Alcobaça, em Leiria, o es- pírito é o mesmo, só muda a forma. A minha casa é exactamente o reflexo da minha infância", explica Joa- na Marcelino. Um conceito de casa "com alma", que vai "crescendo ao longo dos anos", com peças que o casal vai "adquirindo, conforme as viagens" e um "am- biente que junta vários mundos". O apartamento, um terceiro piso, é de 1958 e a arquitecta ocupa-o desde 2009, quando se apaixonou pelo centro histórico de Um espelho da infância e da alma Leiria. A luz da cidade, o castelo, a sé catedral. De- molidas algumas paredes, é o lugar – e a vista – ideal. "Mais facilmente compro uma casa no centro de Pa- ris do que compro outra em Leiria". Na sala destaca- se o retrato de Joana Marcelino com oito anos de ida- de, pintado por Gama Diniz – "num dia em que ele pin- tou a família toda" – e colocado por cima de uma es- crivaninha que veio do Juncal, também a poltrona Smock da designer Patrícia Urquiola para a marca Mo- roso – "foi assim a minha primeira grande compra, a primeira grande loucura, é a arquitecta e designer que eu mais admiro" – e a parede de afectos com pinturas de Nuno Gaivoto, Gama Diniz, Arménio Vasconcelos, entre outros. No rés-do-chão do prédio, funciona o Joana Marcelino Studio, no que parece ser a receita para o sucesso. "É maravilhoso, eu gosto bastante, por- que a minha vida profissional confunde-se muito com a minha vida pessoal, todos os meus clientes acabam por ser meus amigos, tem de haver um conhecimen- to muito grande das pessoas". As memórias da casa dos pais não são apenas uma fon- te de inspiração para o ambiente que Joana Marcelino pro- cura no apartamento da Rua de Alcobaça, são também, provavelmente, o detonador para a "grande paixão pelos interiores" que a arquitecta vive no dia a dia. "Acho que foi aquela mistura de linguagens e aquele ambiente muito especial que fez com que eu muito nova olhasse para o espaço de maneira diferente". Da arquitectura como vocação floresce a certeza de que "a principal missão do arquitecto é fazer a interpretação correcta de um lugar e um lugar tendo em conta a famí- lia ou cliente para quem se está a construir". O que leva à conclusão inevitável de que cada caso é um caso e cada projecto é um projecto diferente. "Isso é extremamente importante. Temos de tratar do lugar e a construção tem que reflectir o que o cliente é. Se todos trabalhassem as- sim, as nossas cidades, a nossa paisagem, estariam cer- tamente muito mais valorizadas". Joana Marcelino e Pedro Silva vivem num apartamento na Rua de Alcobaça, em Leiria. Um ambiente contemporâ- neo, mas carregado de memórias e que herda o imaginário da infância passada no Juncal. Na sala destaca- se a poltrona Smock, desenhada por Patrícia Urquiola. O retrato da arquitecta com oito anos de idade é da autoria de Gama Diniz FOTOS: RICARDO GRAÇA

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54 Jornal de Leiria 12 de Abril de 2018

Lar doce lar

Cláudio [email protected]

z Há uma ligação directa com o passado que influen-cia o conceito de interiores que a arquitecta Joana Mar-celino procura para si própria. "A minha mãe era apai-xonada por arte contemporânea, o meu pai por anti-guidades, portanto sempre vivi numa mistura enor-me e o confronto entre as duas linguagens criou sem-pre um ambiente muito especial. A casa era muitocheia, mas tinha Cargaleiro, móveis Luís XV, louçaCompanhia das Índias, já para não falar na colecçãode coches e charretes que tínhamos na cave". Para umacriança, nada melhor do que o terreno fértil da ima-ginação. "Fazia com que as nossas brincadeiras de in-fância fossem muito reais, porque tínhamos desde ocálice aos coches e podíamos inventar". O marido, Pe-dro Silva, international sales manager na empresa detransformação Pedrantiqua, confirma a força do ima-ginário da vivenda localizada no Juncal, concelho dePorto de Mós. "Recordo-me de ser novo, porque osnossos pais viviam na mesma aldeia, e cada vez queíamos a casa da Joana, neste caso dos pais da Joana,era sempre especial, havia ali um mistério associado,porque, embora tivesse muitas coisas antigas, acabavapor ter um lado contemporâneo. Não se via aquilo emlado nenhum, havia uma certa modernidade em ter-mos de vivência".

Da moradia cercada por um jardim no Juncal parao apartamento na Rua de Alcobaça, em Leiria, o es-pírito é o mesmo, só muda a forma. A minha casa éexactamente o reflexo da minha infância", explica Joa-na Marcelino. Um conceito de casa "com alma", quevai "crescendo ao longo dos anos", com peças que ocasal vai "adquirindo, conforme as viagens" e um "am-biente que junta vários mundos". O apartamento, umterceiro piso, é de 1958 e a arquitecta ocupa-o desde2009, quando se apaixonou pelo centro histórico de

Um espelho da infância e da alma

Leiria. A luz da cidade, o castelo, a sé catedral. De-molidas algumas paredes, é o lugar – e a vista – ideal."Mais facilmente compro uma casa no centro de Pa-ris do que compro outra em Leiria". Na sala destaca-se o retrato de Joana Marcelino com oito anos de ida-de, pintado por Gama Diniz – "num dia em que ele pin-tou a família toda" – e colocado por cima de uma es-crivaninha que veio do Juncal, também a poltronaSmock da designer Patrícia Urquiola para a marca Mo-roso – "foi assim a minha primeira grande compra, aprimeira grande loucura, é a arquitecta e designer queeu mais admiro" – e a parede de afectos com pinturasde Nuno Gaivoto, Gama Diniz, Arménio Vasconcelos,entre outros. No rés-do-chão do prédio, funciona oJoana Marcelino Studio, no que parece ser a receitapara o sucesso. "É maravilhoso, eu gosto bastante, por-que a minha vida profissional confunde-se muito coma minha vida pessoal, todos os meus clientes acabampor ser meus amigos, tem de haver um conhecimen-to muito grande das pessoas".

As memórias da casa dos pais não são apenas uma fon-te de inspiração para o ambiente que Joana Marcelino pro-cura no apartamento da Rua de Alcobaça, são também,provavelmente, o detonador para a "grande paixão pelosinteriores" que a arquitecta vive no dia a dia. "Acho quefoi aquela mistura de linguagens e aquele ambientemuito especial que fez com que eu muito nova olhassepara o espaço de maneira diferente".

Da arquitectura como vocação floresce a certeza de que"a principal missão do arquitecto é fazer a interpretaçãocorrecta de um lugar e um lugar tendo em conta a famí-lia ou cliente para quem se está a construir". O que levaà conclusão inevitável de que cada caso é um caso e cadaprojecto é um projecto diferente. "Isso é extremamenteimportante. Temos de tratar do lugar e a construção temque reflectir o que o cliente é. Se todos trabalhassem as-sim, as nossas cidades, a nossa paisagem, estariam cer-tamente muito mais valorizadas".

JoanaMarcelino ePedro Silvavivem numapartamentona Rua deAlcobaça, emLeiria. Umambientecontemporâ-neo, mascarregado dememórias eque herda oimaginário dainfânciapassada noJuncal. Nasala destaca-se a poltronaSmock,desenhadapor PatríciaUrquiola. Oretrato daarquitectacom oito anosde idade é daautoria deGama Diniz

FOTOS: RICARDO GRAÇA