hirudo medicinalis – eficácia do seu uso no tratamento da insuficiência venosa em retalhos...

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Rev Bras Ortop. 2007;42(5):152-6 “Hirudo medicinalis” (sanguessuga): eficácia do seu uso no tratamento da insuficiência venosa em retalhos epigástricos de ratos * “Hirudo medicinalis” (leech): their effective use in venous compromised rat epigastric flaps ANTONIO LOURENÇO SEVERO 1 , ANTONIR NOLLA 2 , RICARDO DEBONA 3 , JOHN OVIEDO 4 , JANAÍNE BORTOLIN 5 , PAULO CÉSAR FAIAD PILUSKI 6 , OSVANDRÉ LECH 7 ARTIGO ORIGINAL * Trabalho realizado no Instituto de Ortopedia e Traumatologia – IOT – Pas- so Fundo (RS), Brasil. 1. Mestre em Biomecânica; Médico Instrutor da Residência Médica Instituto de Ortopedia e Traumatologia – IOT – Passo Fundo (RS), Brasil. 2. Residente (R4) do Serviço de Membro Superior e Microcirurgia do Institu- to de Ortopedia e Traumatologia – IOT – Passo Fundo (RS), Brasil. 3. Residente Instituto de Ortopedia e Traumatologia – IOT – Passo Fundo (RS), Brasil. 4. Residente (R4) do Serviço de Membro Superior e Microcirurgia Instituto de Ortopedia e Traumatologia – IOT – Passo Fundo (RS), Brasil. 5. Bióloga, Mestre em Agronomia pela Universidade de Passo Fundo – UPF – Passo Fundo (RS), Brasil. 6. Médico Instrutor da Residência Médica do Instituto de Ortopedia e Trau- matologia – IOT – Passo Fundo (RS), Brasil. 7. Chefe do Programa de Residência Médica e do Treinamento Pós-residên- cia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia – IOT – Passo Fundo (RS), Brasil. Endereço para correspondência: IOT – Instituto de Ortopedia e Traumatolo- gia de Passo Fundo, Rua Independência, 889 – 99010-041 – Passo Fundo (RS), Brasil. Tel.: (54) 3045-2000. E-mail: [email protected], [email protected] Recebido em 15 / 8 / 06. Aprovado para publicação em 17 / 5 / 07. Copyright RBO2007 RESUMO Objetivo: Demonstrar a eficácia do uso de sanguessugas ( Hirudo medicinalis) na insuficiência venosa nos retalhos epigástricos em ilha, utilizando ratos Wistar. Métodos: Em 23 ratos foram realizados retalhos epigástricos bilateral- mente, criando uma oclusão venosa de seis horas em am- bos. Em um dos retalhos foi aplicado o tratamento com a sanguessuga de maneira randomizada, enquanto o lado contralateral serviu como controle. Foram analisados o número de retalhos sobreviventes e necrosados, o tempo de sucção e de sangramento após a mordida da sangues- suga. Resultados: O número de retalhos que sobreviveram com o uso de sanguessugas foi significativamente superior quando comparado com o grupo de controle, respectiva- mente, 86,97% e 52,18% (n = 23, p < 0,0134, teste z de proporção). O tempo médio de sucção foi de 92 minutos (mínimo de 14 minutos e máximo de 186 minutos, n = 23) e o tempo de sangramento, em média, de 63 minutos (mí- nimo de 17 minutos e máximo de 157 minutos), não sendo estatisticamente significante (p < 0,32 pelo teste t de Stu- dent). Conclusão: O uso de sanguessugas melhorou a so- brevida de retalhos com isquemia venosa de seis horas em modelo experimental em ratos. Descritores Hirudo medicinalis; Insuficiência venosa; Ratos Wis- tar; Sanguessugas; Isquemia ABSTRACT Objective: To show the effectiveness of using leeches (Hirudo medicinalis) in venous compromised island epigastric flaps using Wistar rats. Methods: Island epigastric flaps were performed bilaterally in 23 rats to create a six hour venous occlusion in both flaps. In one of the flaps, leech treatment was randomly applied, and the other side served as control. An analysis was made of the number of surviving and necrosed flaps, the time of suction and of bleeding after the leech bite. Results: The number of surviving flaps after the leech treatment was significantly higher when compared to the control group, respectively 86.97% and 52.18% (n = 23, p

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Artigo sobre uso de Sanguessuga em prós operatório na Medicina do século XXI.

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  • Severo AL, Nolla A, Debona R, Oviedo J, Bortolin J, Piluski PCF, Lech O152

    Rev Bras Ortop. 2007;42(5):152-6

    Hirudo medicinalis (sanguessuga): eficciado seu uso no tratamento da insuficinciavenosa em retalhos epigstricos de ratos*Hirudo medicinalis (leech): their effective use

    in venous compromised rat epigastric flapsANTONIO LOURENO SEVERO1, ANTONIR NOLLA2, RICARDO DEBONA3, JOHN OVIEDO4,

    JANANE BORTOLIN5, PAULO CSAR FAIAD PILUSKI6, OSVANDR LECH7

    ARTIGO ORIGINAL

    * Trabalho realizado no Instituto de Ortopedia e Traumatologia IOT Pas-so Fundo (RS), Brasil.

    1. Mestre em Biomecnica; Mdico Instrutor da Residncia Mdica Institutode Ortopedia e Traumatologia IOT Passo Fundo (RS), Brasil.

    2. Residente (R4) do Servio de Membro Superior e Microcirurgia do Institu-to de Ortopedia e Traumatologia IOT Passo Fundo (RS), Brasil.

    3. Residente Instituto de Ortopedia e Traumatologia IOT Passo Fundo(RS), Brasil.

    4. Residente (R4) do Servio de Membro Superior e Microcirurgia Institutode Ortopedia e Traumatologia IOT Passo Fundo (RS), Brasil.

    5. Biloga, Mestre em Agronomia pela Universidade de Passo Fundo UPF Passo Fundo (RS), Brasil.

    6. Mdico Instrutor da Residncia Mdica do Instituto de Ortopedia e Trau-matologia IOT Passo Fundo (RS), Brasil.

    7. Chefe do Programa de Residncia Mdica e do Treinamento Ps-residn-cia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia IOT Passo Fundo (RS),Brasil.

    Endereo para correspondncia: IOT Instituto de Ortopedia e Traumatolo-gia de Passo Fundo, Rua Independncia, 889 99010-041 Passo Fundo (RS),Brasil. Tel.: (54) 3045-2000. E-mail: [email protected], [email protected] em 15/8/06. Aprovado para publicao em 17/5/07.Copyright RBO2007

    RESUMO

    Objetivo: Demonstrar a eficcia do uso de sanguessugas(Hirudo medicinalis) na insuficincia venosa nos retalhosepigstricos em ilha, utilizando ratos Wistar. Mtodos: Em23 ratos foram realizados retalhos epigstricos bilateral-mente, criando uma ocluso venosa de seis horas em am-bos. Em um dos retalhos foi aplicado o tratamento com asanguessuga de maneira randomizada, enquanto o ladocontralateral serviu como controle. Foram analisados o

    nmero de retalhos sobreviventes e necrosados, o tempode suco e de sangramento aps a mordida da sangues-suga. Resultados: O nmero de retalhos que sobreviveramcom o uso de sanguessugas foi significativamente superiorquando comparado com o grupo de controle, respectiva-mente, 86,97% e 52,18% (n = 23, p < 0,0134, teste z deproporo). O tempo mdio de suco foi de 92 minutos(mnimo de 14 minutos e mximo de 186 minutos, n = 23)e o tempo de sangramento, em mdia, de 63 minutos (m-nimo de 17 minutos e mximo de 157 minutos), no sendoestatisticamente significante (p < 0,32 pelo teste t de Stu-dent). Concluso: O uso de sanguessugas melhorou a so-brevida de retalhos com isquemia venosa de seis horas emmodelo experimental em ratos.Descritores Hirudo medicinalis; Insuficincia venosa; Ratos Wis-

    tar; Sanguessugas; Isquemia

    ABSTRACT

    Objective: To show the effectiveness of using leeches(Hirudo medicinalis) in venous compromised islandepigastric flaps using Wistar rats. Methods: Island epigastricflaps were performed bilaterally in 23 rats to create a six hourvenous occlusion in both flaps. In one of the flaps, leechtreatment was randomly applied, and the other side served ascontrol. An analysis was made of the number of surviving andnecrosed flaps, the time of suction and of bleeding after theleech bite. Results: The number of surviving flaps after theleech treatment was significantly higher when compared tothe control group, respectively 86.97% and 52.18% (n = 23, p

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    < 0.0134, z proportion test). The mean suction time was 92minutes (minimum 14 minutes and maximum 186 minutes, n= 23) and the mean bleeding time was 63 minutes (minimum17 minutes and maximum 157 minutes), which was notstatistically significant (p < 0.32, t Student test). Conclusion:The use of leeches improved the survival of flaps with 6 hourvenous ischemia in an experimental model in rats.Keywords Hirudo medicinalis; Venous insufficiency; Rats, Wistar;

    Leeches; Ischemia

    INTRODUOSanguessugas so aneldeos hematfagos parasitas que fo-

    ram utilizados em vrios procedimentos mdicos no passado.Na Medicina anglo-saxnica, os mdicos, inclusive, tinham ocodinome de sanguessugas em virtude da importncia dessesseres na prtica mdica antiga. Nicander de Colofon (200-130 a.C.) foi, provavelmente, o primeiro mdico a utilizar san-guessugas com fins teraputicos. O uso delas em sangramen-to foi promulgado no conceito humoral de doena propostopor Galeno no segundo sculo(1-2). Em 1976, nos Estados Uni-dos da Amrica, foi criada uma lei provisria para a comer-cializao das sanguessugas (Hirudo medicinalis), mas a apro-vao pelo FDA (Food and Drug Administration) s ocorreuem 2004(3,4), permitindo o seu uso como um instrumental m-dico para o tratamento de insuficincias venosas.

    Outras espcies so usadas na Medicina, como a H. trocti-na, na frica do Norte; H. nipponia, no Japo; H. quinques-triata, na Austrlia; Poecilobdella granulosa, Hirudinaria ja-vanica e Hirudinaria manillensis, no Sudeste Asitico;Haementeria officinalis, no Mxico; Macrobdella decora, nosEstados Unidos da Amrica; Limnatis niltica, no Egito, Is-rael e Lbano; Haementaria amazon, na Amaznia (Eldor etal)(1). H mais de 650 espcies, mas poucas aderem pele demamferos. Alm da propriedade de suco(1-2), as sanguessu-gas tambm apresentam substncias ativas secretadas em suasaliva (hirudin), as quais so: hialuronidase, colagenase, anti-agregante plaquetrio e substncias trombolticas. Essas subs-tncias permitem sangramento, mesmo aps o trmino da suc-o.

    A congesto venosa pode precipitar o insucesso de retalhoslivres ou de reimplantes. A reconstituio microvascular dasveias pode ser tecnicamente difcil, em especial em stios ondefoi realizada irradiao ou reimplantes digitais distais. A is-quemia venosa parece ser pior do que a isquemia arterial nasobrevivncia de tecidos(5). Em artigos clnicos no controla-

    dos tem sido relatado o uso de sanguessugas com sucesso nosalvamento de reimplantes digitais(6), de retalhos pediculados(7-8), de retalhos livres(9), em reimplante de lbios(10), em conges-

    to venosa aguda em membro inferior de recm-nascidos(11),em reimplantes de orelha(12), em veias varicosas complicadas(13).Contudo, nenhum dos relatos citados demonstrou, experimen-talmente, a propriedade da sanguessuga no tratamento da in-suficincia venosa. Este estudo experimental, portanto, tempor objetivo demonstrar a eficcia do uso de sanguessugas nasobrevivncia de retalhos epigstricos de ratos submetidos ocluso venosa prolongada temporria.

    MTODOSA pesquisa foi realizada no Laboratrio Experimental do

    Instituto de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo, RS,onde foram utilizados 23 ratos da raa Wistar com peso entre200 e 400g. Os animais foram submetidos anestesia comtionembutal 25mg/kg intraperitoneal e complementao com1ml, caso necessrio. Em todos realizou-se tricotomia da pa-rede abdominal e regio inguinal bilateral com trictomos ma-nuais, no sendo utilizados cremes depilatrios, que pode-riam ser irritantes s sanguessugas (H. medicinalis).

    Aps posicionamento em decbito dorsal, todos os ratosforam submetidos elevao de dois retalhos epigstricosbaseados na veia e artria epigstrica, um do lado direito eoutro do lado esquerdo, na dimenso de 4x6cm cada um. To-dos os retalhos foram dissecados pelo mesmo cirurgio snior.Em seguida, a drenagem venosa dos retalhos foi interrompidapela ligadura da veia epigstrica e pelo clampeamento da veiafemoral proximal aos vasos epigstricos com o uso de clampsmicrocirrgicos removveis (figura 1).

    Todos os retalhos foram submetidos a seis horas de oclusovenosa; em um lado foi utilizado H. medicinalis; o lado con-tralateral serviu de controle. Imitando-se o aparecimento dainsuficincia venosa clnica, a H. medicinalis foi utilizada trshoras aps a ocluso venosa, colocada no retalho de maneiraaleatria (figura 2).

    A sanguessuga permaneceu aderida ao retalho at mostrar-se saciada, desprendendo-se dele espontaneamente. O tempode permanncia no retalho e a durao do sangramento aps asuco foram medidos (tabela 1).

    Completadas seis horas de ocluso venosa, todos os reta-lhos tiveram seus clamps removidos da veia femoral proxi-mal. Todos os animais foram ressuscitados com injeo sub-cutnea de 20ml de soro fisiolgico na regio dorsal e foramobservados diariamente por cinco dias, para anlise de reta-

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    TABELA 1

    Tempo de suco e sangramento com respectivasmdias, sobrevida e necrose dos retalhos tratados

    e no tratados com sanguessuga (p < 0,0134)

    N TS DS NEC.RC NEC.RTS

    01 180 042 No No02 180 044 No No03 147 122 No No04 146 041 No No05 180 070 Sim No06 040 103 No No07 186 040 No Sim08 180 022 No No09 030 017 No No10 090 070 No No11 136 157 No No12 071 129 Sim No13 105 022 Sim No14 018 040 Sim No15 065 116 Sim No16 014 071 No Sim17 035 157 Sim No18 046 133 Sim No19 048 072 Sim No20 063 053 Sim No21 090 034 Sim No22 054 070 No Sim23 030 040 Sim NoM 092 072

    Perc.NEC 47,82% 13,04%Perc.SOB 52,18% 86,96%

    Legenda: N = nmero de amostras; TS = tempo de suco; DS = durao do sangra-mento; NEC.RC = necrose no retalho controle; NEC.RTS = necrose no retalho tratadocom sanguessuga; M = mdia; Perc.NEC = percentagem de necrose; Perc.SOB = per-centagem de sobrevida.

    lhos, sendo, ento, sacrificados com injees intracardacasde lidocana a 2%, tendo morte instantnea (tabela 1, figura3).

    A sanguessuga utilizada foi a da espcie Hirudo medicina-lis, importada de Leeches USA Ltd. (300 Shames Drive, West-bury, NY 11590). Elas eram armazenadas num aqurio comgua destilada contendo um sal (hirudotm salt 500 mg/l, Lee-ches USA) em temperatura constante de 18 a 24C.

    A anlise estatstica utilizada foi o teste z de proporo comndice de significncia com p 0,0134.

    Figura 1 A) Elevao do retalho epigstrico com a ligadura daveia epigstrica e clampeamento da veia femoral proximal (cir-culo). B) Viso aproximada da ligadura da veia epigstrica (seta).

    Figura 3Retalhoepigstricotratado comsanguessugamostrandocompletasobrevivnciae retalhocontralateral(seta) sem usoda sanguessugacom necrose

    A B

    Figura 2 A) Sanguessuga alimen-tando-se no retalho epigstrico,lado contralateral (seta) servindocomo controle. B) Contagem dotempo de suco. C) Contagem dotempo de sangramento mostradapela seta.

    A B

    C

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    RESULTADOS

    Dos 23 ratos operados, em 11 (47,82%) foram observadossinais de necrose no lado de controle. Em trs ratos (13,04%)foram observados sinais de necrose no lado em que se utili-zou sanguessuga. Em nove ratos (39,13%) no se observounecrose em nenhum retalho, nem no lado controle nem nolado submetido ao tratamento com sanguessuga (tabela 1).

    Os retalhos submetidos ao uso de sanguessugas tiveramsobrevida de 86,96%, ao passo que os retalhos de controlesobreviveram cerca de 52,18%. Portanto, o uso de sanguessu-ga gerou aumento na taxa de sobrevida dos retalhos na ordemde 34,78%. Esses resultados esto de acordo com o teste z deproporo, com p < 0,0134 (tabela 1).

    A variao existente tanto no tempo de suco (mnimo de14 minutos e mximo de 186 minutos) quanto na durao dosangramento (mnimo de 17 minutos e mximo de 157 minu-tos) no gerou nenhuma correlao significativa estatistica-mente (p < 0,32, teste t de Student; grfico 1).

    horas. Neste trabalho, observou-se que o sangramento, emratos, persistiu, em mdia, por 72 minutos (mnimo de 17 mi-nutos e mximo de 157 minutos) e o tempo de suco durouem mdia 92 minutos (mnimo de 14 minutos e mximo de186 minutos), dados similares aos observados por Lee et al,em cujo trabalho o tempo de sangramento foi de 79 12 mi-nutos e o de suco, de 107 13 minutos(15). Contudo, taisdados discordam dos de Stepnick et al que, em uso clnico,relataram tempo de sangramento superior a 24 horas(16).

    De acordo com Whitlock et al, a sanguessuga medicinaltem relao simbitica com uma bactria gram-negativa aer-bica chamada Aeromonas hydrophila, que em humanos temsido selecionada como causa de diarria enterotxica e de in-feco oportunista em pacientes imunodeprimidos(17). Por essarazo, cefalosporinas de terceira gerao, ciprofloxacinas,aminoglicosdeos, tetraciclinas, cloranfenicol ou sulfameto-xazol-trimetoprim devem ser utilizados durante o tratamentocom sanguessugas.

    Os retalhos miocutneos consistem na grande arma de co-bertura para regies destrudas por acidentes ou tumores, osquais necessitam de anastomoses vasculares, cujo insucesso relativamente comum. Segundo os estudos de Hjortdal et al eKerrigan et al, a insuficincia arterial reconhecida clinica-mente pela diminuio no tempo de enchimento capilar, pali-dez, diminuio da temperatura e ausncia de sangramentoaps puno com agulha(18-19). As causas mais comuns so atoro do pedculo, espasmo arterial, erro tcnico e doenavascular (diabetes, tabagismo, dislipidemias, doenas reum-ticas). O tratamento cirrgico (reinterveno) ou medica-mentoso (simpatolticos, vasodilatadores, bloqueadores decanais de clcio, corticosterides, entre outros). J a insufi-cincia venosa inclui turgor, colorao violcea, edema, enchi-mento capilar rpido, temperatura normal ou elevada e produ-o de sangue escuro aps a puno. As causas da insuficinciavenosa so toro pedicular, edema, hematoma ou erro tcni-co, levando ao extravasamento eritrocitrio, depsito de fibri-na em regies perivasculares, dano endotelial, formao deshunt arteriovenoso longe do leito capilar, trombose da mi-crocirculao e perda do retalho.

    Kerrigan et al compararam histologicamente os efeitos daocluso venosa e arterial, observando que um perodo de trshoras de ocluso venosa em retalhos do grande dorsal emporcos resultou em 40% de necrose das fibras musculares;contudo, um similar perodo de ocluso arterial resultou emnenhuma necrose muscular. No mesmo trabalho, aps oitohoras de obstruo venosa os retalhos necrosaram completa-mente(19).

    Grfico 1 Relao entre o intervalo de suco e o intervalo desangramentop < 0,32, teste t de Student

    DISCUSSOAdams descreve a sanguessuga possuindo duas ventosas,

    localizadas cada uma nas extremidades de seu corpo cilndri-co(14). Durante a suco, a ventosa posterior mantm o anel-deo preso firmemente pele, enquanto que a ventosa anteriorposiciona contra a pele a boca, esta composta de trs mand-bulas de formato trirradiado, tipo emblema do Mercedes Benz,iniciando a suco. Cada sanguessuga extrai em torno de 5 a10ml de sangue e se desprende espontaneamente do localquando saciada. O hirudin secretado na saliva, no entanto,continua agindo, mantendo o sangramento constante por umperodo varivel no local da mordida de algumas horas a 24

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    Em trabalho de Lee et al, elevaram-se retalhos epigstricosbilateralmente em ratos e ligaram-se os componentes veno-sos de cada retalho; depois de trs horas de ocluso venosa,um dos retalhos foi tratado com sanguessuga. A obstruovenosa foi liberada aps seis horas bilateralmente. A taxa denecrose foi de 72% no grupo de controle e no grupo tratadocom sanguessuga, de 40,9%, ao passo que a taxa de sobrevi-vncia foi de 16% no grupo de controle e de 51% no grupotratado com sanguessuga(15). Portanto, houve taxa de sobrevi-da dos retalhos submetidos ao tratamento com sanguessugade 35% (n = 22). No presente estudo, respectivamente, verifi-cou-se taxa de necrose de 47,82% no grupo de controle e de13,94% no grupo tratado com sanguessuga. J a taxa de so-brevivncia no grupo de controle foi de 52,18% e no grupotratado com sanguessuga, de 86,96%, resultando em taxa desobrevivncia dos retalhos submetidos ao tratamento com san-guessuga de 34,78% (n = 23), o que demonstra semelhanacom os estudos de Lee et al(15).

    Por esse motivo, sempre que se realiza um retalho microci-rrgico ou um reimplante, a observao ps-operatria man-datria. Utley et al recomendam observao pela equipe deenfermagem a cada hora nas primeiras 24 horas e a cada duashoras nas 48 horas seguintes(2). Alm disso, o cirurgio ou o

    residente snior deve tambm realizar observao a cada oitohoras. Esse procedimento realizado para que se consiga de-tectar a leso vascular venosa logo no incio e, assim, existatempo hbil para o seu tratamento, uma vez que leses veno-sas tornam-se rapidamente irreversveis, como demonstraramAngel et al(5).

    De acordo com Utley et al, o uso de sanguessugas para otratamento da obstruo venosa tem-se mostrado muito efi-ciente, porque, alm de elas removerem certa quantidade desangue, tambm secretam pela saliva o polipeptdeo hirudin(2).O hirudin que, segundo Utley et al, foi descoberto por Haycraft,em 1884, o mais potente inibidor natural da trombina co-nhecido, agindo diretamente na cascata da coagulao(2). Hoje,com a tecnologia do DNA recombinante bacteriano, j se con-segue a sua produo similar (desirudin), com interesse prin-cipalmente no tratamento de doenas tromboemblicas sist-micas.

    CONCLUSOOs achados deste trabalho evidenciam que o uso de san-

    guessugas melhora a sobrevida de retalhos com isquemia ve-nosa de seis horas em modelo experimental em ratos.

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